Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1577/14.9T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
CONHECIMENTO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ATOS PROCESSUAIS / ATOS DOS MAGISTRADOS – SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA – RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, 149 e 150;
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Edição de 1952, Volume V, 359;
-Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 1972, 299.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 154.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E D), 639.º, N.º 3, 652.º, N.ºS 3 E 4 E 674.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-03-2001, CJS, ANO IX, TOMO I, 150;
- DE 27-06-2006, PROCESSO N.º 1527/06;
- DE 29-04-2009, PROCESSO N.º 07A4712, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 327/1998.S1;
- DE 06-12-2012, PROCESSO N.º 373/06.1TBARC-A-P1.S1, SUMÁRIO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-12-2013, PROCESSO N.º 363/08.0TBSTB.E1.S1;
- DE 22-05-2016, PROCESSO N.º 684/2002.L2.S1;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 6617/07.5TBCSCL1.S1, IN WW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O acórdão proferido em conferência, no seguimento de reclamação contra um despacho do relator, não é nulo por falta de fundamentação se assume como suas as considerações que deste constam, secundando-as e dizendo que as mesmas correspondem a um claro sentido da exigência legal.

II – Vem, desde há muito, sendo cimentado na jurisprudência deste STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões, após convite dirigido pelo relator à parte, deve dar lugar ao não conhecimento do recurso.

III – Introduzindo o recorrente, após convite formulado para o efeito, uma significativa redução do número e conteúdo das conclusões, e sendo facilmente apreensível, embora ainda longe da perfeição, a linha de raciocínio seguida, não há motivo para deixar de conhecer o recurso.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




      I – Na presente ação declarativa movida por AA - Investimentos Imobiliários, S. A.,[1] contra BB - Serração de Madeiras, Lda.,[2] em que a autora pediu a condenação da ré a reconstituir uma parede exterior de um armazém e as coberturas de cinco armazéns seus, ou a pagar-lhe uma indemnização não inferior a € 244.000,00, foi proferida sentença que julgou a ação inteiramente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos, e condenou a autora em multa de 10 UC’s como litigante de má fé, remetendo para momento posterior a fixação da correspondente indemnização até ao limite máximo de € 5.000,00.

     A autora apelou, tendo apresentado alegações onde pede a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão que, julgando a ação procedente, condene a ré nos exatos termos pedidos ou em indemnização a calcular em sede de incidente de liquidação; pediu ainda a sua absolvição quanto à litigância de má fé.

      Na Relação, a Exma. Relatora proferiu despacho onde convidou a apelante a sintetizar as conclusões formuladas, sob pena de não se conhecer do recurso, nos termos do art. 639º do CPC[3].

     Tendo a apelante apresentado novas conclusões no seguimento do referido despacho, foi pela Exma. Relatora proferido um outro que rejeitou o recurso, não conhecendo dele, com custas a cargo da apelante.

Os fundamentos usados para esta decisão foram, em síntese nossa, os seguintes:

- o recorrente tem o ónus de formular conclusões, que são uma enunciação resumida do alegado;

- pretende-se com isto uma determinação precisa e clara dos aspetos a reapreciar, tanto mais que o objeto do recurso é dado pelo teor das conclusões, só abrangendo as questões aí suscitadas;

- não têm cabimento interpretações complacentes e facilitistas do regime estatuído pela lei a este propósito, pois são violadoras do princípio da igualdade, do princípio do contraditório e do princípio da colaboração com o tribunal;

- por se ter considerado que as conclusões da apelante não respeitavam a forma sintética exigida, foi formulado convite para que se procedesse à sua síntese;

- a apelante não supriu a referida irregularidade, “… pois as proposições finais não constituem qualquer enunciado fundamentado, sintético e resumido dos fundamentos do recurso, limitando-se a ora recorrente a vazar os pormenores argumentativos próprios da alegação …”;

      A apelante reclamou deste indeferimento para a conferência, defendendo que desenvolveu um claro e manifesto esforço de síntese, tendo em conta a complexidade da matéria de facto em causa e os muitos erros de apreciação por parte do tribunal de 1ª instância; e sustentou ainda que o despacho reclamado não teve em conta, ao declarar a rejeição total do recurso, que esta rejeição apenas deve abarcar a parte afetada.

      Foi então proferido acórdão onde, corroborando-se a posição seguida no despacho reclamado – a cuja transcrição procedeu -, se entendeu que o mesmo não violava os princípios referenciados, pelo que negou provimento à reclamação e manteve a decisão de não admissão do recurso, com custas pela recorrente.

      Inconformada, a autora AA, S.A., interpôs o presente recurso de revista para este STJ, tendo apresentado alegações onde pede que se declare a nulidade do acórdão recorrido, ou, não se entendendo assim, que se proceda à sua revogação, substituindo-o por outro que admita o recurso na sua totalidade.

         Para tanto, formulou as conclusões que passamos a transcrever:

1. O acórdão recorrido é nulo por dois argumentos distintos:

2. Em primeiro lugar, verifica-se que o acórdão se limita a copiar ipsis verbis a decisão singular de rejeição do recurso que havia sido “admito” – sic – pelo Tribunal a quo.

3. Não houve qualquer juízo de ponderação que, necessariamente, teria que acontecer.

4. A Recorrente fica sem saber qual foi o trabalho resultou da reclamação para conferência.

5. Tal equivale a ausência de decisão.

6. Nestes termos, o acórdão é nulo por não especificação dos fundamentos de direito e ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar (art. 615.°, 1, als. b) e d), ex vi art. 674.°, 1, al. c), do CPC).

7. Em segundo lugar, impunha-se um juízo valorativo sobre a rejeição total ou parcial do recurso, tal como resulta da parte final do art. 629.°, n.° 3, do CPC, tendo em conta os princípios que norteiam a legislação adjetiva [realização da justiça, busca da verdade material, celeridade, gestão processual, cooperação e boa-fé], e as consequências gravosas que resultam da sua rejeição total ou parcial.

8. Tal não aconteceu.

9. Nestes termos, o acórdão é igualmente nulo por ausência de pronúncia sobre a parte afetada (total ou parcial) (art. 615.º, 1, als. b) e d), ex vi art. 674.°, 1, al. c), do CPC).

10. Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe à cautela, por mera hipótese raciocínio, sempre se conclui que o acórdão recorrido, maxime, decisão singular, carece de fundamento, sendo várias as razões.

11. Desde logo, há na doutrina autorizada e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, uma clara preferência pelos critérios e princípios materiais, maxime uma preferência manifesta pelo valor da descoberta da verdade material e realização da justiça em detrimento de posições formalistas que ignoram as circunstâncias concretas e, assim, colocam em causa aqueles valores primordiais.

12. Descendo ao caso concreto, verificamos que a matéria de recurso reveste uma complexidade, de direito e de facto, considerável.

13. São apresentados três fundamentos distintos como causas de nulidade da sentença.

14. Relativamente a cada um deles a Recorrente teve necessidade de repetir parte dos factos que constituem o fundamento da nulidade invocada.

15. Em termos de impugnação de matéria de facto, o recurso versa sobre factos ocorridos ao longo de mais de 15 anos, envolvendo questões técnicas que exigem uma análise detalhada e cuidada para não se cair no mesmo erro de apreciação em que caiu o tribunal a quo.

16. Tais factos são suportados e apoiados por dezenas de documentos, extensos depoimentos, e um relatório pericial extenso.

17. Estando consciente dessa complexidade, a Recorrente juntou ao recurso um parecer técnico onde, em duas páginas, são apresentadas, em resumo, uma mera descrição fáctica e sequencial e três conclusões técnicas que permitem ao tribunal ad quem perceber imediatamente e com toda a facilidade o objeto de recurso no que diz respeito à impugnação da meteria de facto.

18. Após o convite ao aperfeiçoamento, a Recorrente esforçou-se por sintetizar as suas conclusões.

19. As conclusões inicialmente apresentadas estende-se por 244 parágrafos, sendo que 174 parágrafos incidem sobre os três motivos distintos para a nulidade da sentença, e os restantes 70 pontos incidem sobre a impugnação da matéria de facto

20. Na versão retificada são apresentados no total 164 parágrafos (significando isto uma redução de 80 parágrafos),

21. sendo que 99 são sobre os três motivos para a nulidade da sentença, e os restantes 65 pontos sobre a impugnação da matéria de facto

22. As conclusões inicialmente apresentadas estende-se por 29 páginas.

23. Na versão retificada as conclusões são apresentadas em 18 páginas, com o mesmo tipo e tamanho de letra e espaçamentos.

24. Há uma redução de 10 páginas.

25. Além disso, a Recorrente, para uma melhor compreensão das conclusões, teve o cuidado de as dividir tematicamente as conclusões, precedendo cada parte de um título indicativo.

26. Uma coisa seria apresentar conclusões que, além de pouco sintéticas, fossem ainda deficientes (por insuficiência, contradição, excesso ou incongruência) ou obscuras (de difícil inteligibilidade), fossem ainda complexas (prolixas).

27. Coisa distinta é apresentar conclusões que, não sendo deficientes ou obscuras, apresentam alguma extensão.

28. Isto é, sendo as conclusões claras, escorreitas, coerentes, precisas, a extensão (ou falta de síntese) é justificada com a complexidade subjacente à matéria em causa, tendo em conta os vários princípios e valores em jogo [realização da justiça, busca da verdade material, celeridade, gestão processual, cooperação e boa-fé], e as consequências gravosas que resultam da sua rejeição total ou parcial.

        

Não houve contra-alegação.


       Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pela recorrente nas suas conclusões, visto serem estas, como é sabido, que delimitam o objeto do recurso, ou seja, as de saber se:

   - as nulidades atribuídas ao acórdão existem;

   - se o recurso de apelação deve ser conhecido e, em caso afirmativo, que conclusões fazem parte do seu objeto.


      II – Passemos então a abordar as questões de que nos cabe conhecer.


Das nulidades atribuídas ao acórdão:

Nas conclusões 2ª a 6ª a recorrente, fundada em que o acórdão recorrido copia literalmente a decisão singular da Exma. Relatora sem emitir qualquer juízo de ponderação, imputa-lhe as nulidades caraterizadas nas als. b) e d) do nº 1 do art. 615º, ex vi  da al. c) do nº 1 do art. 674.

Nas ditas als. b) e d) contemplam-se, respetivamente, como causas de nulidade a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e a omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas (ou, o que não é o caso, a pronúncia indevida sobre questão de que se não pudesse tomar conhecimento).

É manifesto, salvo o devido respeito por opinião diversa, que estes vícios não podem ser assacados ao acórdão.

        

     Importa ter presente que a decisão proferida em conferência, no seguimento do despacho da Exma. Relatora que rejeitou o recurso por inadequação das conclusões da apelante[4], não julgou um recurso, tendo recaído, diversamente, sobre um outro meio processual de impugnação de decisões judiciais que é previsto nos nºs 3 e 4 do art. 652º; trata-se de uma reclamação dirigida contra despacho do relator, em relação ao qual a parte se considera prejudicada, a fim de obter a prolação de acórdão sobre a matéria.

     Assim, o acórdão recorrido, ao apreciar aquele despacho e assumir como suas as considerações que dele constam, secundando-as e dizendo que as mesmas correspondem a um claro sentido da exigência legal – a de que, além de alegar, o recorrente tem o ónus de concluir – pronunciou-se sobre a questão que fora submetida à sua apreciação e fê-lo com indicação bastante das razões de ordem jurídica que justificam a decisão emitida; de modo algum era indispensável que o fizesse através de uma abordagem em moldes autónomos e inovadores.

Não violou, pois o dever de fundamentação instituído no art. 154º, nº 1, cuja inobservância gera, nos termos do art. 615º, nº 1, b), a nulidade da decisão[5], nem deixou de conhecer questão cuja apreciação houvesse sido sujeita à sua apreciação, pelo que não incorreu nos vícios formais em causa.

        

    Ao longo das conclusões 7ª a 9ª, sustenta também a recorrente que o acórdão enferma de nulidade, que, apesar de qualificar como ausência de pronúncia, subsume às mesmas als. b) e d)[6], vício que radica na alegada circunstância de não ter sido proferido um juízo valorativo sobre se será caso de determinar uma rejeição total ou parcial, conforme seria imposto pelo nº 3 do art. 639º[7].

     Porém, não pode dizer-se que este preceito impõe que a decisão que rejeite o recurso por inadequação das conclusões analise se esta rejeição, a ter lugar, deve ser total ou, apenas, parcial.

      A expressão “parte afetada” que consta do nº 3 do art. 639º reporta-se ao convite que o relator faz no sentido do aperfeiçoamento das conclusões que se limitará a uma parte restrita das conclusões se só ela se mostrar afetada pelo vício em causa.

     Se o relator imputar a existência do vício à totalidade das conclusões, a essa totalidade se referirá o convite; e, não sendo obtido o aperfeiçoamento pretendido, será então total a rejeição do recurso, não se impondo uma análise expressa do seu âmbito, nomeadamente se deve ser total ou – e em que medida – parcial.

      Uma vez que, no entender da Exma. Relatora, o vício afetava a totalidade das conclusões, que o convite foi formulado com esse objeto e que na análise subsequente se entendeu que o aperfeiçoamento fora levado a cabo com total improficuidade, nada exigia que se avaliasse especificamente se a rejeição devia ser total ou parcial.

Assim, também quanto a este ponto não houve omissão de pronúncia geradora da invocada nulidade.

        

Da regularidade formal das conclusões:

No nosso direito processual civil tem vindo a ser adotada de forma recorrente a exigência de que a alegação do recorrente termine com a formulação de conclusões que sintetizem os fundamentos invocados para obter a revogação ou a alteração da decisão recorrida. Assim foi preceituado, sucessivamente, no art. 690º do CPC de 1939, no art. 690º do CPC emergente da reforma introduzida em 1995/1996, no art. 685º-A do mesmo CPC tal como resultou da reforma operada em 2007 e, por último, no art. 639º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6.

         No nº 1 desta última norma estabelece-se:

“O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”

    Mesmo perante a redação do art. 690º do CPC de 1961[8], onde não constava a menção expressa de que as conclusões deviam ser um resumo ou síntese dos fundamentos precedentemente alegados, idêntico entendimento era adotado, como se vê do que então escreveu Jacinto Rodrigues Bastos:

“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso.” [9]

Ainda, no dizer sempre claro de Alberto dos Reis, discorrendo sobre a maneira de satisfazer o ónus de concluir[10]a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no decurso da alegação: hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta”.[11]

E como se escreveu no acórdão do STJ de 18.12.2013[12], com citação de anterior aresto do mesmo tribunal[13], “Tem vindo a nossa jurisprudência a entender, de forma pacífica que as conclusões devem ser um resumo, explicito e claro, da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente, visando, à luz do princípio da cooperação, facilitar a realização do contraditório e o balizamento do objeto do recurso, assim se pretendendo que elas resumam as questões de facto e de direito que revelem a censura da decisão impugnada.

Em todos os referidos diplomas, a exigência de formular conclusões vem acompanhada de previsão legal no sentido de que determinadas irregularidades na sua elaboração serão objeto de convite de reformulação, levando a falta de cabal satisfação desse convite a que o recurso não seja conhecido, no todo ou em parte.

Sendo isto estabelecido nas disposições legais anteriormente vigentes, também o nº 3 do atual art. 639º estabelece: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

Na decisão singular que, como já dissemos, foi integralmente secundada pelo acórdão recorrido, a Exma. Relatora afirmou existir “… desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no sistemático, quer no histórico-actualista, de interpretações complacentes e facilitistas, que por vezes se veem, que degeneram em violação do princípio da igualdade das partes (ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva), do princípio do contraditório (por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor) e do princípio da colaboração com o tribunal (por razões análogas, mas reportadas ao julgador) …”

Em nosso entender, a violação destes princípios não pode ser afirmada em abstrato, podendo antes e apenas resultar de circunstâncias concretas que a evidenciem.

Não estando aqui em causa uma menor exigência do julgador ou da lei no tratamento dado às partes, não se encontra razão para falar em tratamento desigual que as tenha injustamente discriminado; quanto ao princípio do contraditório, deve salientar-se que a recorrida BB não contra-alegou e não manifestou por qualquer modo sentir-se prejudicada pela forma como na alegação da AA foram redigidas as conclusões da apelação; e o princípio da cooperação, tal como o art. 7º o formula, não impede que os mecanismos processuais concretamente delineados no Código sejam interpretados e aplicados de forma mais ou menos maleável, consoante caso a caso for entendido como adequado.

Vem este STJ fazendo uma leitura prudente das consequências da inobservância, pelo recorrente, da exigência de formulação de conclusões sintéticas, expurgadas dos vícios de deficiência, obscuridade ou complexidade e contendo as especificações exigidas no nº 2 do art. 639º.

Idêntica orientação aflora na doutrina, reconhecendo-se que à excessiva frequência de deficiente cumprimento do ónus de formular conclusões - não obstante a exigência de patrocínio obrigatório -, se contrapõe uma prática segundo a qual “… os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal …” [14], procurando obstar a que a parte sofra um prejuízo na concretização do seu direito devido a uma falha técnica do seu advogado.

Trata-se, ao fim-e-ao-cabo, de encontrar um justo e razoável equilíbrio entre a prática e os princípios; “… se a forma não deve confundir-se com a substância, também não pode de todo ser-lhe indiferente, uma vez que a falta de cumprimento daquele ónus torna mais difícil a execução da tarefa de delimitação das questões, correndo-se o risco de algumas não serem apreciadas; …”[15].

Na mesma linha e quanto à aplicação da sanção prevista no nº 3 do art. 639º, vem, desde há muito, sendo cimentado na jurisprudência deste STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões após convite dirigido pelo relator à parte deve dar lugar ao não conhecimento do recurso.

(…) o ónus imposto – o da conclusão sintética ou resumida – deve ser interpretado e aplicado em bons termos, importando ver nessa imposição mais uma recomendação de boa técnica processual do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.

Sendo este um problema de justa medida das coisas, delicado como todos os limites.

(…)

Devendo a sanção do não conhecimento do recurso ser utilizada com parcimónia e moderação, tão só quando não for possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do Tribunal ou quando a síntese ordenada se não faça de todo.” (sublinhado nosso)

(…) Sendo certo que, por trás da disciplina do nº 4 do citado artigo 685º-A, estão razões de clareza e perceptibilidade do objecto do recurso, proporcionando o contraditório e balizando o seu objecto”. [16]


Também “(…) a consequência prevista no nº 3 do art. 639º do CPC (e que, como se disse, apenas abarca as conclusões referentes à matéria de direito) devem ser reservadas para falhas que, não tendo sido reparadas, justifiquem, pela sua gravidade, tal efeito (…)[17]


E ainda “Para apurar do cumprimento satisfatório dos ónus impostos à parte pela lei do processo no art. 690º do CPC – no caso, o ónus de concisão – deve utilizar-se um critério funcionalmente adequado, que tenha em consideração, não apenas a extensão material da peça apresentada na sequência do convite, mas também a complexidade da causa e a idoneidade das conclusões para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que ao tribunal superior cumpre solucionar.”[18]


Ora vejamos o caso dos autos.

    Nas alegações da apelação – fls. 242 verso e segs. –, a apelante desenvolveu a sua argumentação ao longo de 104 páginas, que rematou com 244 conclusões expostas ao longo de 27 páginas.

    Em satisfação do convite de aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, procedeu – fls. 358 e segs. - à sua reformulação, reduzindo a 164 o número das conclusões que se estendem por 17 páginas.

     Sobre estas novas conclusões entendeu-se no acórdão recorrido que “… não constituem qualquer enunciado fundamentado, sintético e resumido dos fundamentos do recurso, limitando-se a ora recorrente a vazar os pormenores argumentativos próprios da alegação.”

    Há que apreciar o fundamento deste juízo de valor, para o que importa analisar o concreto conteúdo das conclusões em causa.

Nelas a AA começa por arguir a nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que faz ao longo de 38 conclusões.

     Destas, usa 17 conclusões – da 6ª à 22ª – para sustentar que a sentença não considerou todos os “… elementos probatórios/factos …” nem apresentou justificação para a recusa de realização de uma perícia por si solicitada[19]; seguem-se 12 conclusões – 23ª a 34ª – em que critica a sentença porquanto nela “… não existe fundamentação, nem de facto nem de direito, porque não foi realizada qualquer especificação dos fundamentos de facto relativamente à matéria controvertida …”,[20] limitando-se “… a aderir «cegamente» à posição da Recorrida, sem proferir qualquer juízo próprio, devidamente sustentado.”[21]; e acaba com 4 conclusões – da 35ª à 38ª – onde argui a falta de especificação de fundamentos de direito.

     O confronto das conclusões inicialmente apresentadas com as depois corrigidas mostra que esta matéria era versada nas primeiras ao longo das conclusões 20ª a 108º, o que evidencia o esforço da recorrente em dar satisfação ao convite que lhe foi feito, introduzindo uma significativa redução do número e conteúdo das mesmas; e o resultado final, embora esteja longe da perfeição, revela - não estando naturalmente em questão o mérito do seu conteúdo - ser facilmente apreensível a linha de raciocínio seguida pela recorrente AA.

     Por isso, somos de entender que não há motivo para rejeitar o recurso de apelação nesta parte.


     De seguida, a AA argui a nulidade da sentença, atribuindo-lhe oposição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, ambiguidade ou obscuridade que tornará ininteligível a decisão.

 Uma crítica por alegada existência de ambiguidade ou obscuridade é formulada a propósito da seguinte questão de facto:

- em que estado estava o imóvel adquirido pela recorrente aquando da aquisição do mesmo em finais de 2001?

      E o seu raciocínio - cujo acerto ou incorreção, designadamente em termos de aquilo que alega poder integrar a arguida nulidade da sentença, não está agora em apreciação - é exposto nas conclusões 41ª a 46ª, em moldes que, apesar de corresponderem quase “ipsis verbis” às primitivas conclusões 111ª a 116ª, não suscitam reservas quanto à sua idoneidade formal enquanto suporte da correspondente arguição de nulidade, dada a sua reduzida extensão.


    Quanto a uma outra questão de facto – a de saber “quais as causas (e eventuais sujeitos responsáveis) que estiveram na origem da situação de destruição actual do imóvel” –, sustenta-se a existência de contradições, ambiguidades e obscuridades ao longo das conclusões 47ª a 81ª, ocupando quase quatro páginas de texto e que correspondem também quase “ipsis verbis” às primitivas conclusões 117ª a 153ª.

      Aqui a recorrente persiste, na verdade, numa clara falta de síntese que não se vê que tenha procurado superar na sequência do convite que lhe foi feito, pelo que se justifica qualificar como complexas as conclusões apresentadas.

Tem cabimento a este propósito, o que se escreveu no acórdão deste STJ de 22.05.2016[22], num caso em que a parte não correspondera sequer ao convite de aperfeiçoamento formulado:

Estamos (…) perante um nítido desrespeito pelo princípio da cooperação, consagrado no art. 266º, nº 1, sendo certo que em nome desse princípio lhe incumbia o ónus de concisão.

     Conclui-se, pelo exposto, não ser de conhecer do recurso de apelação nessa parte, como se prevê no nº 3 do art. 639º, sendo de confirmar, neste ponto, o acórdão recorrido.


     Prossegue a apelante AA arguindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

      Fê-lo, desde logo, quanto à exceção de prescrição deduzida pela ré BB, que a sentença não apreciou por haver considerado que o seu conhecimento se mostrava prejudicado pela improcedência da pretensão da autora.

     Foi matéria versada nas primitivas conclusões 154ª a 163ª, que, inalteradas, correspondem agora às conclusões 82ª a 91ª, na reformulação subsequente ao convite de aperfeiçoamento.

Sendo evidente que poderiam ter sido usadas menos palavras e ter sido exposta a ideia da recorrente em texto mais conciso, o certo é que o teor destas conclusões – independentemente da sua valia para caraterizar a nulidade invocada - permite captar facilmente a tese que nelas se veicula, não podendo ser-lhes assacado vício formal que possa determinar o não conhecimento do recurso.

Igualmente no tocante à invocada omissão de pronúncia acerca dos documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 6, 7 e 8 e do documento de fl. 185 e ainda quanto ao requerimento de realização de perícia – atuais conclusões 84ª e 92ª a 99ª correspondentes às primitivas conclusões 156ª e 164ª a 174ª –, a AA procedeu a um ligeiro encurtamento do resumo da sua tese, sendo também certo que as suas conclusões estão formuladas em moldes que permitem uma apreensão fácil, por parte do Tribunal da Relação, da solução que, bem ou mal – não interessa agora - pretende fazer vingar.

Daí que também quanto a esta parte o recurso de apelação seja cognoscível.


     Após, passou a apelante AA a formular conclusões atinentes à impugnação da decisão proferida sobre os factos, o que fez nas conclusões 100ª a 153ª, correspondentes às primitivas conclusões 175ª a 233ª.

     Após ter, no corpo das alegações, ocupado cerca de 21 páginas com esta matéria, das quais cerca de 6 contêm transcrições de depoimentos – desde fl. 281 verso até fl. 292 verso –, a apelante começou por extrair daí conclusões que se estenderam por quase 6 páginas, depois reduzidas a 5 páginas.

     Não estando aqui em causa saber se foram corretamente feitas as especificações exigidas pelo art. 640º, nºs 1 e 2[23], importa dizer que estas conclusões mencionam os factos provados e os não provados que são objeto da discordância da recorrente e, bem assim, os meios de prova e raciocínios de que a mesma se serve para criticar a decisão proferida.

     Não conseguiu a AA formular conclusões isentas de prolixidade, mas a inteligibilidade da sua linha de pensamento não está ausente do texto e é possível, por parte dos Julgadores, entender qual é a sua pretensão.

     Não é, portanto, de recusar o conhecimento do recurso nesta parte por falta de síntese das conclusões.


     Na atual conclusão 154º, igual à primitiva conclusão 234ª e, também, ao correspondente texto inserto na parte inicial da alegação, a recorrente versa a matéria de direito.

Embora não representando qualquer síntese do alegado, o certo é que a compreensão e concisão desta conclusão não pode ser posta em causa, dada a sua pequena extensão; não é de rejeitar, pelo motivo invocado, o recurso de apelação nessa parte.


     Por último, a AA contraria a condenação como litigante de má fé com 2 páginas de texto, das quais extraiu 10 conclusões que na formulação final manteve inalteradas.

     Também aqui a sua simplicidade e clareza não dão razões para a rejeição do recurso, nesta parte.

        

         A apelação procede, pois, nos termos sobreditos.


III – Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, consignando-se que o recurso de apelação interposto pela autora AA, aqui recorrente, se nada mais a tal obstar, deve ser conhecido pela Relação de Évora, salvo quanto à matéria das conclusões 47ª a 81ª, da qual se não tomará conhecimento.

Custas conforme o vencimento que no final se verificar.


Lxa. 19.10.2017


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos

______________


[1] Doravante AA
[2] Doravante BB
[3] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[4] Despacho este proferido ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 652º.

[5] Como se sabe, sobre a questão é corrente e unânime o entendimento segundo o qual só a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito gera a nulidade em causa, com o que se não pode confundir a fundamentação medíocre ou insuficiente que, repercutindo-se no mérito da decisão, podendo comprometê-lo, não produz nulidade.
[6] Parecendo-nos, todavia, claro que só da al. d) se poderá tratar.
[7] A simples leitura dos arts. 629º e 639º evidencia o lapso em que a recorrente incorre que, embora mencionando a primeira das referidas normas, tanto nas conclusões, como na parte arrazoada da alegação, só pode estar a referir-se a esta última.
[8] Que no seu nº 1 regia assim: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
[9] Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299.
[10] Imposto pelo art. 690º do CPC de 1939
[11] Código de Processo Civil Anotado, edição de 1952, volume V, pág. 359
[12] Relator Conselheiro Granja da Fonseca, Processo Nº 363/08.0TBSTB.E1.S1
[13] De 8.03.2001, CJS, Ano IX, Tomo I, pág. 150 
[14] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, pág. 149.
[15] Cfr. ibidem, pág. 150.
[16] Citado acórdão do STJ de 18.12.2013, com menção a outros proferidos no STJ no mesmo sentido: de 29.04.2009 (Cons. Garcia Calejo) Processo 07A4712, www.dgsi.pt; de 27.06.2006 (Cons. Silva Salazar), Processo nº 1527/06 e de 27.05.2010 (Cons. Bettencout Faria), Processo nº 327/1998.S1
[17] Acórdão do STJ de 9.06.2016, (Cons. Abrantes Geraldes), Processo 6617/07.5TBCSCL1.S1, acessível em ww.dgsi.pt
[18] Sumário do acórdão do STJ de 6.12.2012, Processo nº 373/06.1TBARC-A-P1.S1, Relator Cons. Lopes do Rego, acessível em www.dgsi.pt

[19] Conclusão 22ª
[20] Conclusão 26ª
[21] Conclusão 27ª
[22] Relator Cons. Tavares de Paiva, Processo nº 684/2002.L2.S1
[23] Cuja insatisfação leva, como se sabe, à rejeição do recurso de facto.