Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
813/09.8YXLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
AÇÃO INIBITÓRIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INTERESSE EM AGIR
ACESSO AO DIREITO
BOA FÉ
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Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 2.ª edição, 265.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 781.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 8.º, 16.º, 20.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 133/2009, DE 2-6: - ARTIGOS 2.º, 20.º.
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 15.º, 16.º, N.º2, 21.º, AL. H), 30.º, N.º2, 32.º, 33.º, 34.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21.11.2006, NA CJ/STJ, 2006, 3.º - 129;
-DE 21.2.2013, PROCESSO N.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 . Não se justifica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quando aquela tem utilidade ainda que mínima.

2 . Atingindo a ação inibitória a proibição de cláusulas insertas em contratos que continuam a vigorar, logo por aqui se verifica o interesse em agir.

3 . É de afastar, logo por inconstitucionalidade, uma cláusula contratual geral em que se proíbe que o contratante demande judicialmente a contraparte que a elaborou.

4 . É contrária aos princípios da boa fé e, como tal deve ser considerada proibida, outra cláusula contratual geral inserta em contrato de concessão de crédito em que se prevê o vencimento antecipado de todas as prestações em casos – até não enumerados de modo taxativo - reportados ao não pagamento pontual de qualquer prestação ou outros encargos, a inexatidão intencional ou omissão de informação por parte do cliente ou ainda ao não pagamento de outros empréstimos junto do banco que concede o crédito ou de qualquer outro.     

5 . A publicidade a que alude o artigo 30.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10 não tem caracter sancionatório.

6. Mas justifica-se perante as cláusulas e a frequência dos contratos referidos.

7 . Sendo adequada a publicação, uma só vez, em dois jornais dos de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, em tamanho não inferior a 1/6 de página.

JB

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - O Ministério Público propôs, ao abrigo do disposto nos artigos 24º e seguintes do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, a presente ação inibitória contra:

AA, S.A.

Alegou, em síntese, que:

A cláusula segunda n.º4 onde os clientes renunciam a qualquer ação contra o AA é absolutamente proibida nos termos do artigo 21.°, alínea h), do Dec-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, já que exclui ou limita de antemão a possibilidade dos consumidores/aderentes requererem tutela judicial por quaisquer situações litigiosas que possam surgir entre os contratantes.

A cláusula oitava n.º1 onde se estipula que “O AA poderá declarar vencidas todas as obrigações (…) sempre que se verifique (…) o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; (…) omissão de informação por parte do Cliente, bem não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.” provoca um desequilíbrio desproporcionado em detrimento dos aderentes/consumidores, penalizando-os gravemente com a resolução do contrato e com o vencimento das suas prestações, quer em situações que podem não revestir especial gravidade, quer em situações de todo em todo alheias ao contrato em questão, quer ainda quando a Ré entenda que os consumidores/aderentes tenham omitido qualquer informação, sendo, portanto, uma cláusula nula nos termos dos artigos 15.º e 16° do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, por ofensiva dos valores fundamentais do direito, defendidos pelo princípio da boa fé.

A cláusula décima segunda, n.° 2 que estabelece que : “Serão (…) da exclusiva responsabilidade do Cliente todas as despesas ou encargos inerentes à execução do presente contrato as quais, a título de cláusula penal. se fixam desde já em 12,5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida.” é abusiva por inviabilizar qualquer relação causal entre as despesas e aquela indemnização e por conseguinte viola “valores fundamentais do direito”, como o princípio da boa fé consagrado nos artigos 15° e 16°, alínea a), do mesmo diploma legal.

Pediu, em conformidade:

1. A declaração de nulidade das cláusulas 2.ª, n.º 4, 8.ª , n.º 1 e 12.ª, n.º 2 inseridas nos contratos intitulados “Financiamento Para Aquisição a Crédito” que no exercício da sua atividade a ré celebra com os seus clientes.

2. A condenação da ré a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais acima referidas em todos os contratos que no presente e no futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição.

3. A condenação da Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade;

4. A remessa ao Gabinete de Direito Europeu de certidão da sentença.

Contestou a ré, sustentando o seguinte:

Quanto à cláusula segunda, o contrato de aquisição de bens que é celebrado aquando do contrato de mútuo, em causa, nesta ação é distinto e autónomo, não tendo o réu qualquer acordo de colaboração e/ou exclusividade com os fornecedores de bens ou prestadores de serviço que permita concluir pela existência de uma coligação funcional que faça impender sobre o réu a responsabilidade emergente de tal contrato, pelo que os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços emergentes do contrato de compra e venda ou prestação de serviços não podem ter qualquer influência no contrato de crédito, nem o Réu poderá ser responsabilizados por eles.

No que se refere à cláusula oitava, n.º 1, a cláusula não é desproporcionada em virtude de prevenir as situações graves que podem levar à rutura do contrato.

Relativamente à cláusula 12.º, n.º 2 está em causa uma verba desprovida de qualquer relação com as despesas em causa que torne impossível, numa perspectiva abstrata formular qualquer juízo de proporcionalidade, pois a “pré-fixação” é efetuada em função do montante em dívida e só este é suscetível de provocar tais despesas e honorários.

Por fim e sem prescindir pede seja julgado improcedente o pedido de condenação a dar publicidade à sentença, se nesta forem declaradas nulas algumas cláusulas, por considerar uma pena desproporcionada.

II – A ação prosseguiu e foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

“Nestes termos e com os fundamentos expostos, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência:

1.  Declaro nulas as seguintes cláusulas do “Contrato de Financiamento Para Aquisição a Crédito” usado pela Ré:

- A cláusula segunda, n° 4° sob a epígrafe “Período de Reflexão, Direito de Revogação e Renúncia”, com o seguinte teor: “4. Os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços vendidos, que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que são destinados, ou que não tiverem as qualidades asseguradas pelo Fornecedor identificado nas Condições Particulares ou necessárias para aquele fim, serão resolvidas entre este e o Cliente, renunciando desde já o Cliente a qualquer acção contra o AA.”

- A cláusula oitava, n° 1 do contrato-tipo, sob a epígrafe “Vencimento antecipado”, com o seguinte teor: “1. O AA poderá declarar vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato, e exigir o pagamento de todos os valores em débito, sempre que se verifique nomeadamente o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; a inexactidão intencional ou omissão de informação por parte do Cliente, bem como o não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.”

- A cláusula décima segunda, n° 2°, do contrato-tipo, sob a epígrafe “Despesas e Encargos “, que estipula o seguinte: “2. Serão, de igual modo, da exclusiva responsabilidade do Cliente todas as despesas ou encargos inerentes à execução do presente contrato e que o AA, S.A. faça para garantir a cobrança dos seus créditos, incluindo as judiciais, extra-judiciais, honorários de advogado, solicitador e procurador, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais. A título de cláusula penal. se fixam desde já em 12.5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida.”

2. Condeno a Ré a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais acima referidas em todos os contratos que no presente e no futuro venha a celebrar com os seus clientes (art. 30.º, n.º 1, do Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, na redacção introduzida pelo Dec-Lei no 220/95, de 31 de Agosto);

3. Condeno a Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, a efectuar em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85 na redacção vigente), de tamanho não inferior a ¼ de página.

4. Determino que após trânsito se dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Política Legislativa certidão da sentença.”

III – Pede revista, per saltum, a ré.

Restringiu o objeto do recurso à decisão sobre as cláusulas segunda, n.º4 e oitava n.º1.

E concluiu as alegações como segue:

A. É inquestionável que a presente acção é uma acção inibitória, proposta pelo Ministério Público, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 446/85;

B. Tal acção tem por escopo, obter a condenação do Banco Recorrente, na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares - artigos 25.º e 26.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85;

C. Pretende-se, assim, prevenir que as cláusulas contratuais gerais objecto de proibição por decisão transitada em julgado, não possam ser incluídas em contratos que o Banco Recorrente venha a celebrar no futuro, nem continuar a ser por este recomendadas;

D . Na presente acção inibitória está em causa a aplicação da Cláusula Segunda n.º 4 (“Período de Reflexão, Direito de Revogação e Renúncia”) e a Cláusula Oitava, n.º 1 (“Vencimento Antecipado”), predisposta pelo Banco Recorrente, nos “Contratos de Financiamento para Aquisição a Crédito”, que celebra com os seus Clientes, na redacção do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro;

E. Pela referida Cláusula Segunda n.º 4, o Banco Recorrente exclui a sua responsabilidade quanto à construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem financiado;

F. Fá-lo por entender que os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços emergentes do contrato de compra e venda ou prestação de serviços, não podem ter qualquer influência no contrato de crédito, nem o ora Recorrente poderá ser responsabilizado por eles;

G. O não cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda implica responsabilidade contratual nos termos gerais, levando à aplicação das regras do não cumprimento (artºs 798.º e segs. do C.C.);

H. Trata-se, por via de regra, de um facto ilícito e culposo, presumindo-se a existência de culpa relativamente ao não cumprimento por parte de qualquer dos intervenientes, tanto do comprador como do vendedor (art.º 799.º, n.º 1);

I. Ora, nos termos do artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, deverá ser observado, o que as partes convencionaram no contrato e o que vem prescrito na lei.

J. Resulta do exposto, que o Recorrente não pode ser chamado a responder, pelos vícios dos bens ou serviços vendidos, que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que são destinados, ou que não tiverem as qualidades asseguradas pelo vendedor do bem financiado, devendo o Cliente, atento o disposto, no n.º 2, da Cláusula 12.º, do DL n.º 359/91, de 21/09, demandar previamente o vendedor, o que indicia «a priori» uma limitação, impedimento ou renúncia de qualquer acção contra o ora Recorrente, motivada no contrato de compra e venda;

K. Por essa razão, não se mostra violado o artigo 21.º, alínea h) do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, já que é a própria lei que exclui a possibilidade de o consumidor demandar o credor, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.

L. Pela Cláusula Oitava, n.º 1 (“Vencimento Antecipado”), o recorrente “…poderá declarar vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato, e exigir o pagamento de todos os valores em débito, sempre que se verifique nomeadamente o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; a inexactidão intencional ou omissão de informação por parte do Cliente, bem como o não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.”

M. Para o Tribunal «a quo» o segmento desta cláusula desrespeita valores fundamentais do direito como sejam o princípio do equilíbrio das prestações e da estabilidade dos contratos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º e 16.º da LCCG e ainda do art. 22.º, n.º 1 alínea b) do mesmo diploma.”.

N. Porém, e salvo o devido respeito que é muito, não há qualquer desrespeito de valores fundamentais do direito como sejam o princípio do equilíbrio das prestações e da estabilidade dos contratos, por aplicação do segmento da cláusula sob censura, já que a mesma se reporta às situações mais graves e que podem levar à ruptura do contrato e estas são todas as situações que a lei prevê (art.º 780.º e 781.º do Cód. Civil), e o contrato acolhe, como susceptíveis de levar ao vencimento antecipado do contrato de crédito.

O. Segundo alguma doutrina “Numa obrigação cuja prestação possa ser fraccionada no tempo, a falta de cumprimento duma das sub-prestações implica a perda do benefício do prazo em relação às restantes – artigo 781” - Menezes Cordeiro, em “Direito das Obrigações”, 2.º Vol., AAFDL, Lisboa, 1987, pág. 193

P. Por outro lado censura o Tribunal «a quo» que o segmento da cláusula em apreço, “…permita ao Banco Réu, sem qualquer aviso prévio ou concessão de qualquer prazo suplementar para pagar o que está em dívida (aquilo que a doutrina designa de interpelação admonitória prevista no art. 808.º do CC) terminar o contrato e exigir todas as quantias em dívida…”

Q. Na verdade, e com todo o respeito devido, não é assim, como resulta, desde logo do n.º 2, da referida Cláusula Oitava. Segundo esta norma contratual: “Para efeitos do número anterior, o AA, notifica o Cliente, por carta registada, expedida com aviso de recepção.”

R. Significa isto que o ora Recorrente interpela o devedor, previamente, para que aquele ponha termo à situação de incumprimento, sob pena de não o fazendo tal poder gerar o vencimento antecipado do contrato.

S. Lembra-se que, nos termos da Cláusula Quinta, das Condições Gerais do Contrato-tipo conjugadas com as Cláusulas 2.ª, alíneas g) e j), das respectivas Cláusulas Particulares, as prestações são de prazo certo (art.º 805.º, n.º 2, al. a), do CC).

T. Quer isto dizer que, a interpelação suplementar efectuada, nos termos do n.º 2, da Cláusula Oitava do Contrato-Tipo, corresponde “àquilo que a doutrina designa de interpelação admonitória prevista no art. 808.º do CC.” (vide sentença, pág. 9).

U. Por outro lado, quer se verifique a falta de pagamento de uma prestação (juros e encargos), na respectiva data de pagamento, quer se verifique o justo receio de insolvência do devedor e ou uma diminuição das garantias do crédito, é licito ao credor (ora Réu), lançar mão do disposto no artigo 780.º do Código Civil.

V. Ora, optando o Recorrente pela perda do benefício do prazo, haverá que determinar quais são os elementos inerentes às prestações que são devidos, no caso de vencimento antecipado. As prestações, como se sabe, englobam não só o capital mutuado, como também os juros remuneratórios, os impostos a pagar, e até em certos casos os prémios relativos aos seguros.

W. A questão que aqui se coloca, pois, é precisamente a de saber o que acontece a todos os elementos inerentes às prestações no caso do vencimento antecipado.

X. Por um lado, neste âmbito, o que está em causa é a natureza distinta das duas prestações, do capital e dos juros e encargos, sendo então o seu tratamento diferenciado. Neste caso, os juros remuneratórios, ao contrário das prestações, não se vencem antes do período a que dizem respeito, só ocorrem com o decurso do tempo. Se assim fosse, conduziria a uma situação de benefício desproporcionado para o credor, porque largamente superior caso se verificasse o cumprimento do contrato.

Y. Por esse motivo, os juros remuneratórios, encontram-se excluídos do âmbito de aplicação do artigo 781.º do Código Civil, bem como o artigo 1147.º do mesmo Código não terá aplicação uma vez que o que aqui está em discussão não é uma antecipação de pagamento. Uma vez mais o credor teria uma vantagem muito superior à do cumprimento atempado do contrato.

Z. Mas não se pode descurar a convenção das partes que estipule expressamente que os juros remuneratórios e outros encargos sejam de igual forma afectados pela perda do benefício do prazo.

AA. A própria TAEG, que expressa o custo total do crédito, demonstra a incindibilidade das prestações.

BB. A lei geral, no seu artigo 1147.º, do Código Civil, consagra que o prazo no mútuo oneroso se presume estabelecido a favor de ambas as partes, podendo o mutuário antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro. Não obstante, não podemos esquecer que esta orientação não impede, dentro dos limites legais, a capitalização dos juros por parte da entidade financiadora e ora Recorrente.

CC. Serve isto para dizer que, contrariamente ao actual regime jurídico do crédito ao consumo, em matéria do “Não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor” (art.º 20.º, do DL n.º 133/2009, de 02/06), em que o credor só poderá invocar a perda do benefício do prazo, ou a resolução do contrato, se o não cumprimento de duas prestações sucessivas representar mais de 10% do montante total do crédito concedido e, ainda, se o credor conceder ao consumidor, sem sucesso, um prazo suplementar de 15 dias para que este venha regularizar as prestações em atraso, advertindo-o ainda dos efeitos que advirão com a perda do benefício do prazo ou com a resolução do contrato.

DD. No anterior regime jurídico do crédito ao consumo (DL n.º 359/91, de 21/09), não havia norma específica sobre o vencimento antecipado ou da resolução do contrato de crédito, aplicando-se o regime geral e contratual, respectivamente acordado. A Cláusula Oitava é o espelho desse acordo.

EE. O ora recorrente é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (na redacção actual), tem o dever de deixar consignado no contrato, quais são as situações que, para além da falta de pagamento atempado, podem gerar o seu vencimento antecipado.

FF. Não se vê aqui, por isso, qualquer desproporcionalidade ou penalização aos aderentes/ consumidores do “Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito” do ora recorrente e, muito menos, ofensa dos valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa fé.

GG. Carece, assim, de fundamento a alegada violação dos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 446/85, que desde já se impugna.

HH. Falece, assim, também aqui a invocada nulidade.

II. Finalmente, há fundamento bastante para se considerar, nos presentes autos, haver lugar à extinção da respectiva instância, por inutilidade superveniente da lide - artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil, ficando o Tribunal dispensado de se pronunciar sobre o tema a decidir, não condenando ou absolvendo, por se mostrar, afinal cumprido e satisfeito o fim útil e último do pedido, pelas razões que se passam a expor:

JJ. A acção objecto de recurso deu entrada em juízo em 27 de Março de 2009.

KK. Nesta data vigorava, em matéria de crédito ao consumo, o Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro e o contrato dos autos, onde se incluem as cláusulas sob censura foram elaboradas e propostas aos clientes/consumidores, ao abrigo do referido regime legal.

LL. Neste estavam ausentes, entre outras, as matérias respeitantes aos litígios emergentes dos bens financiados, ao vencimento antecipado e às despesas e encargos. Regia, assim, nestas matérias, o que as partes haviam convencionado no contrato e no omisso as regras gerais do direito, por aplicação do princípio da liberdade contratual, salvaguardando sempre, o respeito pelas normas imperativas e as determinações da entidade reguladora (in casu Banco de Portugal).

MM. Com a entrada em vigor do novo regime do crédito ao consumo, Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, passaram as instituições de crédito (como é o caso do recorrente), a estar obrigadas a rever o clausulado dos seus contratos, designadamente, consignando nos mesmos cláusulas como as das informações pré-contratuais, dever de assistência ao consumidor, dever de avaliar a solvabilidade dos consumidores, requisitos do contrato de crédito, direito de livre revogação, contrato de credito coligado, reembolso antecipado, não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, calculo da TAEG, Usura, etc., etc.

NN. Temos, assim, que com a entrada em vigor do novo regime do crédito ao consumo (em 01/07/2009), o ora recorrente alterou obrigatoriamente o contrato-tipo dos autos, em conformidade com a nova disciplina legal (vide art.º12.º) , designadamente, em matéria de coligação de contratos (art.º 18.º), vencimento antecipado ou resolução (art.º 20.º) ou informações pré-contratuais (art.º 6.º, n.º 2 e Anexo II).

OO. E, consequentemente, deixou de o aplicar.

PP. Ora, admitindo, sem conceder, que os segmentos das cláusulas do contrato-tipo da recorrente são nulos, a verdade é que o reconhecimento judicial dessa nulidade mostra-se verdadeiramente prejudicado, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho.       Senão vejamos:

QQ. A acção objecto do presente recurso é uma acção inibitória, proposta pelo Ministério Público, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

RR. Através dela pretende o Ministério Público acautelar, em termos de conformidade à lei, do teor das cláusulas dos contratos que o ora recorrente vem celebrando com os seus Clientes.

SS. Assim sendo, o controlo dos segmentos das cláusulas aqui em questão é efectuado abstractamente e não em concreto, isto é, tendo em conta as cláusulas em si próprias, no seu conjunto e segundo os padrões em jogo, e não isoladamente ou em função do caso concreto.

TT. Com efeito, com a acção inibitória, estamos perante um processo abstracto de controlo e não no âmbito de um litígio concreto entre um utilizador e o seu parceiro negocial (controlo incidental ou controlo concreto).

UU. Com a entrada em vigor, do decreto-lei supra mencionados na conclusão MM, deste articulado, foram revogadas as normas do anterior regime do crédito ao consumo (DL 359/91, 21/09) e, consequentemente, alteradas as cláusulas do contrato-tipo da recorrente.

VV. Quer isto dizer, portanto, que a fiscalização abstracta levada a cabo pelo Ministério Público, na acção sob recurso, já se mostrava (e ainda se mostra) prejudicada, uma vez que o recorrente a partir de 01 de Julho de 2009, foi obrigado a alterar o contrato-tipo dos autos, em conformidade com a nova disciplina legal.

WW. Deixando de fazer parte do seu clausulado os segmentos das normas sob censura.

XX. Pelo que, sendo o objecto da acção sob recurso, proposta em Março de 2009, o controlo abstracto de cláusulas e não o controlo incidental ou concreto das mesmas, mostra-se verdadeiramente prejudicada a decisão que foi tomada, atento não só à entrada em vigor da nova lei, e consequentemente a introdução de um novo regime para os segmentos das cláusulas sob censura, como a obrigatoriedade imediata da sua aplicação.

YY. O que deveria ter conduzido, inevitavelmente, à extinção da respectiva instância, por inutilidade superveniente da lide - artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil. Não tendo sido este o entendimento do Tribunal «a quo», é o que aqui expressamente se requer, no Tribunal «ad quem».

ZZ. Pela inutilidade demonstrada, e porque qualquer das cláusulas sob censura (Cláusula Segunda, n.º 4 e Cláusula Oitava, n.º 1), não são nulas, não há lugar à aplicação do art.º 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85.

AAA.  Mas mesmo que assim não se entenda, a publicitação de uma eventual condenação em jornais diários mais lidos a nível nacional é pena absolutamente desproporcionada ao ilícito verificado, pelo que a condenação sempre seria nula por falta de fundamento legal e não satisfaz o requisito da publicidade que se alcança com a publicação em jornais de circulação nacional;

BBB. Para esse fim, como bem recorda o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Proc. n.º 497/98 de 03/12/98, a cujos fundamentos se adere: “Quanto ao pedido de condenar os réus a publicitar a declaração de nulidade não pode proceder porque, ao contrario da lei alemã, nos termos do artigo 35.º do Decreto-Lei 220/95, previu-se a criação de um serviço de registo de sentenças anulatórias e encarregado de publicitar as decisões.”;

CCC.   E nesta parte, e bem, ordenou o Tribunal «a quo», como lhe competia, a remessa da sentença para o Gabinete Europeu de Politica Legislativa, “ … que é o serviço incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas.” (Portaria n.º 1093/95, de 06 de Setembro);

DDD.  Também por aqui, com se vê, a condenação do Banco Recorrente na publicitação da sentença inibitória não tem o efeito útil que lhe atribui a douta decisão recorrida, uma vez que, para alertar os que com ela contratam, o Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, com a redacção do Decreto-Lei n.° 220/95, de 31 de Agosto, instituiu um sistema específico de registo (art. 35°);

EEE. Consequentemente, e ao invés do decidido, não podia a douta decisão sob recurso condenar a recorrente na publicação da decisão judicial inibitória em dois jornais diários mais lidos a nível nacional, em três dias consecutivos.

FFF. Na parte objecto do presente recurso a sentença recorrida fez errada interpretação da matéria de facto provada nos autos e errada aplicação do disposto nos artigos 1°, 15°, 16°, 18.º, 19.º e 21.º, do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei 220/95, de 31 de Agosto, e ainda o disposto, no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – na sua redacção actual -  (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil, preceitos que assim violou.

GGG. O presente recurso deve ser admitido como recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça por se verificarem, como se deixou demonstrado no requerimento de interposição, todos os pressupostos a que alude o art. 725° do Código de Processo Civil: ser o recurso interposto da decisão final, ser o valor da causa superior ao valor da alçada da Relação e suscitarem-se no recurso apenas questões de direito.

Termos em que, na procedência das conclusões desta alegação, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser o ora RECORRENTE absolvido do pedido…

Contra-alegou a Digna Procuradora-Adjunta, batendo-se pela confirmação da decisão.

IV – Tendo em conta a limitação do objeto do recurso e o constante das conclusões que se transcreveram, as questões que se nos deparam consistem em saber se:

Deve a instância ser extinta por inutilidade superveniente da lide;

Devem ser consideradas nulas as cláusulas incluídas no objeto do recurso.

Deve manter-se a decisão quanto à imposição de publicidade da proibição decretada.

V – Vem provado o seguinte:

1. A Ré encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° 0000000000. (doc. nº 1).

2. A Ré tem por objecto social “Realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos.”.

3. No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração de contratos intitulados de “Financiamento para Aquisição a Crédito”.

4. Para tanto, a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar clausulados já impressos e previamente elaborados, análogo ao junto como doc. 2.

5. O clausulado relativo ao “Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito” contém cinco páginas impressas, sendo que a primeira contém na face espaços em branco destinados à identificação dos consumidores/aderentes que com a Ré contratam, à identificação do bem e/ou serviço financiado e do fornecedor, à especificação do valor do financiamento e das condições de reembolso, neles se incluindo o valor do crédito concedido, os encargos financeiros, a TAEG, o número de prestações mensais, a data de vencimento da primeira e das prestações seguintes, o seguro, a modalidade de pagamento com identificação da conta bancária onde deve ser efectuado o débito automático e as garantias do contrato.

 6. As restantes 4 páginas impressas do contrato não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes/aderentes que em concreto se apresentem a contratar com a Ré, mas apenas cláusulas por ela previamente elaboradas que os consumidores se limitam a aceitar.

7. Na primeira página do contrato impresso pode ler-se: “É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de financiamento para aquisição a crédito, subordinado à legislação aplicável e ao seguinte clausulado, dividido em cláusulas particulares e cláusulas gerais.”.

8. Tal impresso, com as cláusulas nele insertas, destina-se a ser utilizado pela Ré, no presente e futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores.

9. A cláusula segunda, n° 4°, do contrato-tipo, sob a epígrafe “Período de Reflexão, Direito de Revogação e Renúncia”, estipula o seguinte:

“4. Os eventuais litígios emergentes de vícios dos bens ou serviços vendidos, que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que são destinados, ou que não tiverem as qualidades asseguradas pelo Fornecedor identificado nas Condições Particulares ou necessárias para aquele fim, serão resolvidas entre este e o Cliente, renunciando desde já o Cliente a qualquer acção contra o AA.”

10. A cláusula oitava, n° 1 do contrato-tipo, sob a epígrafe “Vencimento antecipado”, estipula o seguinte:

“1. O AA poderá declarar vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato, e exigir o pagamento de todos os valores em débito, sempre que se verifique nomeadamente o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos; a inexactidão intencional ou omissão de informação por parte do Cliente, bem como o não pagamento por parte do Cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras Instituições de Crédito.”

11. A cláusula décima segunda, n° 2°, do contrato-tipo, sob a epígrafe “Despesas e Encargos “, estipula o seguinte:

“2. Serão, de igual modo, da exclusiva responsabilidade do Cliente todas as despesas ou encargos inerentes à execução do presente contrato e que o AA, S.A. faça para garantir a cobrança dos seus créditos, incluindo as judiciais, extra-judiciais, honorários de advogado, solicitador e procurador, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais. A título de cláusula penal. se fixam desde já em 12.5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida.”

VI - À primeira vista, a questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide tem semelhanças com a abordada no Acórdão deste Tribunal, disponível em www.dgsi.pt, proferido em 21.2.2013, processo n.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1.

Ali escrevemos:

“A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide está prevista no artigo 287.º, alínea e) e traduz uma emanação do princípio geral consignado no artigo 138.º, ambos do Código de Processo Civil (Diploma a que pertencem os demais preceitos que se vão referir, se menção de inserção).

Este segundo preceito refere-se a “actos inúteis” e, a respeito destes, já avisava Alberto dos Reis que “uma coisa são actos absolutamente inúteis, outra actos supérfluos ou desnecessários, mas que podem ter alguma utilidade” (Código de Processo Civil Anotado, I, 268). Quanto a estes, valia e vale o regime de custas, então do artigo 457.º e agora do artigo 448.º.

Compreende-se muito bem, quer o regime de proibição dos atos absolutamente inúteis – não faz sentido o trabalho da máquina judicial para nada – quer a tolerância relativamente a atos supérfluos ou desnecessários, mas com alguma possível utilidade, nestes casos apenas com consequências a nível de tributação.

Do regime segundo o qual a inutilidade determinadora da proibição da prática dos atos é uma realidade absoluta, pode-se retirar, com segurança uma ideia importante para o nosso caso: A inutilidade superveniente da lide que determina a extinção da instância também é uma realidade absoluta. Não se pode extinguir esta nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

No presente caso, existe uma utilidade mínima, ainda que – como vamos ver a seguir - de efeito muito pouco provável: no caso de procedência, a ré ficaria sujeita ao regime, quer do artigo 32.º, quer do artigo 33.º da LCCG (n.º 446/85, de 25.10, na redação, depois de várias alterações, resultante do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17.12).

Não há que extinguir a instância por aqui.”

Todavia, tomámos posição sobre o interesse em agir nos seguintes termos:

 “O interesse em agir consiste em o “direito do demandante estar carecido de tutela judiciária.” (Manuel de Andrade, NEPC, 79).

Não se trata do interesse na procedência do pedido que o traz a tribunal, mas do interesse em que esse pedido seja objeto de tutela pelo órgão soberano.

Não é pacífico o entendimento de que o interesse em agir constitua um pressuposto processual. O disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil parece apontar para a sua relevância apenas em sede de custas e honorários, mas já o artigo 472.º, n.º2 o erige, quanto a obrigações futuras não constituídas (reportando-se, no melhor entendimento, o outro preceito às obrigações constituídas, mas não vencidas) a pressuposto processual. Só pode vir a terreiro judicial o titular de “prestações futuras” nos casos ali previstos. Nos demais (abstraindo agora do que vamos referir a seguir) falece o interesse em agir.

 A lei processual geral não deve, todavia, ser entendida como impedidora de que leis especiais admitam a tutela judicial relativamente a obrigações futuras nela previstas.

É o caso do artigo 25.º da LCCG:

As cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.

 Ou seja, relativamente a cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura e independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares, a lei especial consignava aqui um caso especial de interesse em agir.

A lei especial derroga a geral, pelo que não vale a proibição que “a contrario sensu” resulta do artigo 472.º, n.º2 referido.

Não era precisa a inclusão efetiva nos contratos.

A abertura deste caminho pela lei não afasta, contudo, a nosso ver, o que de essencial subjaz ao conceito de interesse em agir. Não era preciso que o banco incluísse tais cláusulas em contratos – diz a lei - mas terá de haver sempre, nas ações de simples apreciação, uma incerteza objetiva e grave sobre o comportamento daquele contra quem se pretende agir e, nas ações de condenação, pelo menos uma previsão de violação do direito do autor (cfr-se A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Beleza, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. 182 e 186 e Manuel de Andrade, ob. cit. 80).

Exigência que tem sido reiterada pela Jurisprudência deste Tribunal, podendo ver-se, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 22.6.1999, processo n.º 99B1228, 25.11.2008, processo n.º 08A2603, 16.9.2008, processo n.º 08A2210 e 6.9.2011, processo n.º 660/07.1YLSB.L1.S1.

A própria natureza desta exigência afasta o conceito do interesse em agir do da inutilidade superveniente da lide. Enquanto nesta, como vimos, se impõe a ideia de absoluto, naquela há que fazer um juízo em ordem a ter como existente interesse do autor idóneo para justificar o recurso à tutela judiciária.  

Se se considerasse o interesse em agir em termos absolutos (falecendo, nomeadamente, a prognose em favor da certeza), desapareceria a relevância do conceito, porquanto ninguém pode dizer que a pessoa demandada não venha a pôr em perigo ou violar o direito de que o autor se arroga. Na verdade, não se pode dizer, com absoluta segurança, que uma pessoa aleatoriamente escolhida numa lista telefónica não venha a violar ou a pôr em perigo o direito de propriedade dum bem que nem sequer sabe que existe. Como refere Castro Mendes (Lições Policopiadas de 1971-72, II, 168) “resistência eventual (uma eventualidade de resistência) há sempre… “Em rigor nenhuma ação é inútil.”

Ora, no caso presente, falecendo a certeza que, existindo, determinaria a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, tem lugar legitimamente, a nosso ver, um juízo de prognose, que apontando em sentido antagónico relativamente ao interesse em agir, afasta este.      

Para se concluir pelo interesse em agir, havia de se perfilar no horizonte a ideia de que o banco viria ou poderia, com alguma probabilidade, vir a incluir as cláusulas aqui em crise nos contratos que iria celebrar.

À partida, esta ideia até nem careceria de grande demonstração porque a normalidade da situação apontaria para a inclusão. Se foram elaboradas minutas de contratos incluindo-as, era para que viesse a ter lugar a sua utilização.

Todavia, interpuseram-se normas e subsequente comportamento do banco que infirmam categoricamente esse normal evoluir.

A questão do arredondamento dos juros que as entidades bancárias inseriam em contratos de crédito e de financiamento não passou despercebida ao legislador que trouxe a lume dois Decretos-Leis.

Um, o n.º 240/2006, de 22.12, com entrada em vigor 30 dias após esta data;

Outro, o n.º 171/2007, de 8.5, com entrada em vigor também 30 dias após a data da sua publicação.

O primeiro reporta-se apenas aos contratos de crédito à habitação e o segundo determina a extensão do regime daquele aos demais contratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito e sociedades financeiras.

Do texto de ambos consta a sua aplicação “aos contratos de crédito e de financiamento … que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor e aos contratos que se encontrem em execução…”

Corolariamente, a ré – está nos factos provados – a partir de Agosto de 2007, abandonou tais cláusulas nos contratos a celebrar e descontinuou os que tinha celebrado, referidos nos demais factos provados.

 Despareceu não só a ideia, até então legítima, de que as cláusulas ora em crise iam ser utilizadas, como veio a lume a ideia contrária, desaparecendo, consequentemente os requisitos do interesse em agir, da incerteza ou de previsão de violação a que aludimos.

Na realidade, a lei já proíbe – sancionando até com contra-ordenação, nos termos dos artigos 7.º, n.ºs 1 e 3 do primeiro daqueles Decretos-Leis e 3.º do segundo, a inclusão de tais cláusulas – o que se pretende agora declarar nulo.

E, sabemo-lo, o banco vem acatando a proibição legal”.

VII – No caso presente e além de outras, valem as razões apontadas para não se extinguir a instância.

Quanto ao juízo sobre o interesse em agir, o caso é diferente.

O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2.6 ressalva do seu regime muitos contratos de crédito ou, usando a expressão do n.º3 dos factos provados, muitos contratos de “Financiamento para aquisição a crédito”. Mormente a alínea c) que exclui os contratos cujo montante total do crédito seja inferior a € 200 ou superior a € 75.000.

O artigo 34.º afasta a aplicação deste Decreto-Lei aos contratos de crédito concluídos antes da data da sua entrada em vigor, devendo entender-se, como emerge logo do n.º2 do preceito, a palavra “concluídos” não como findos, mas como celebrados.

No processo de que extratámos a parte transcrita ficou provado que o Banco tinha abandonado os procedimentos que se pretendiam ver atingidos com a ação inibitória e neste processo, à míngua de qualquer articulado superveniente, o abandono, ainda que afirmado nas alegações, não pode ser tido em conta.

Assim recusamos também a extinção da instância por falta de interesse em agir.

VIII - A cláusula 2.ª n.º4, ao estatuir que o cliente renuncia desde já a qualquer ação contra o AA, é, logo à partida, inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.º1 da CRP.

Ali se assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Está aqui a consagração da tutela jurisdicional mínima que não tem levantado grandes discussões. Estas cifram-se antes no regime recursório que aqui não nos interessa.

Este assegurar da tutela jurisdicional mínima encerra o conhecimento pelos tribunais da questão da legitimidade, não se podendo inverter a realidade em ordem a averiguar da legitimidade e, depois de se fazer um juízo sobre ela, admitir ou não admitir a tutela judicial.

Não importa, pois, discutir aqui eventual caracter alheio do banco relativamente a contratos de aquisição a crédito que tenha financiado.

Se o entender, o devedor pode demandar o banco, no exercício do direito constitucional que vimos abordando e, exercido este, então e só então, o credor pode invocar a sua ilegitimidade.

O que vem sendo dito valeria também – se necessário fosse – relativamente à violação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que encerra o “Direito a um Tribunal”.

A CEDH situa-se, no melhor entendimento, em plano hierarquicamente inferior ao da CRP, mas por força do que esta dispõe nos artigos 8.º e 16.º, está acima das normas ordinárias de origem interna.

De qualquer modo, se não bastasse o estatuído constitucionalmente e, bem assim, o constante do texto internacional, ainda valeria a proibição da alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º446/85, de 25.10.

IX - A cláusula oitava n.º1 (supra transcrita) permite ao banco “declarar vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato e exigir o pagamento de todos os valores em débito sempre que se verifique:

O não pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juro ou outros encargos contratualmente previstos;

                        A inexatidão intencional ou omissão de informação por parte do cliente;

O não pagamento por parte do cliente de outros empréstimos junto do AA ou de outras instituições de crédito.”

Para além disso, a palavra “nomeadamente” inserta na cláusula leva a que estas hipóteses não sejam taxativas, deixando caminho aberto a que outras possam conduzir ao vencimento antecipado.

O Decreto-Lei n.º 351/91, de 21.9, deixava à lei geral a estatuição sobre o vencimento antecipado em caso de não pagamento duma das prestações.

O artigo 781.º do Código Civil dispõe no sentido do vencimento antecipado de todas as prestações, mas tem sido interpretado no sentido de não dispensar a interpelação do devedor (cfr-se o Ac. desta Tribunal de 21.11.2006, na CJ/STJ, 2006, 3.º - 129).

 Reportado ao caso frequentíssimo da venda a prestações, o artigo 934.º exclui do vencimento antecipado a falta de pagamento de uma prestação que não exceda a oitava parte do preço.

O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2.6 – aqui não diretamente aplicável, mas chamado para melhor se fundamentar o juízo da sobre a boa fé que vamos fazer – tem um regime particularmente estreito relativamente ao vencimento antecipado.

Compreendem-se muito bem estas preocupações da lei. O benefício do prazo que está ínsito na aquisição a prestações – e, consequentemente, no pagamento de crédito obtido para esse fim – encerra, por via de regra, um elemento fulcral para o devedor. Pode-se até dizer que, na esmagadora maioria dos casos, ele foi para o contrato, precisamente por não dispor da totalidade do preço. Só o regime prestacional lhe possibilitou o negócio.

Daí que, só em casos bem relevantes seja de permitir ao credor atingir tamanha perspectiva de pagamento, gorando espectativas legitimamente levadas a cabo.

Ora, o que a ré, com a mencionada cláusula, fez consignar foi precisamente o contrário desta cautela protecionista.

A palavra “nomeadamente” abre possibilidades não consignadas de vencimento antecipado.

E, atentando só no ali expressamente referido, temos a possibilidade aberta ao banco de, logo perante a falta de pagamento pontual duma prestação, quer seja do capital, quer de juros, quer ainda de outros encargos contratualmente previstos ir para o vencimento antecipado.

Mas não se esgota aqui essa possibilidade. Bastaria ao devedor levar a cabo qualquer inexatidão intencional ou omissão de informação para se atingir tal possibilidade.

Mais: o banco situa-se fora da concreta relação creditícia e fere de vencimento antecipado o não pagamento de outros empréstimos junto dele próprio ou até de outras instituições de crédito.

Bem se pode dizer que, neste ponto, os direitos ficavam todos do lado do credor, contrapostos às sujeições que ficavam do outro lado.

O que, claramente, viola o princípio da boa fé, na vertente reportada à “desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 2.ª edição, 265). Sendo a cláusula respectiva proibida por força dos artigos 15.º e 16.º, n.º2 do mencionado Decreto-Lei n.º446/85.

X – Quanto à questão da publicidade, o recorrente situa a alegação em dois níveis.

Um, pretendendo que o artigo 30.º, n.º2 não é de aplicar, em absoluto, face à comunicação das decisões judiciais para efeitos de registo, prevista no artigo 34.º;

Outro, com a pretensão de que, mesmo que assim se não entenda, no presente caso não se justifica tal imposição.

A primeira argumentação não tem apoio legal.

A lei, do mesmo passo que estatui sobre o registo das decisões (artigo 34.º) estatui que, a pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine (artigo 30.º, n.º2).

Não há qualquer exclusão ou mesmo alternativa que permita o afastamento da aplicação deste último normativo.

Este deposita nas mãos do juiz a decisão de publicação ou de não publicação. Não se trata dum poder discricionário, caso em que não haveria sequer recurso, mas dum poder a exercer ponderadamente de acordo com as circunstâncias.

A publicidade não está “desenhada” como sanção para o ilícito comportamento do autor das cláusulas proibidas. Às consequências da proibição dedica a lei os artigos 32.ºe 33.º.

Deve, pois, e apenas ser encarada no prisma da necessidade de levar ao conhecimento do comum dos cidadãos que celebraram ou podem vir a celebrar contratos deste tipo com o banco que os seus direitos escapam ao constante das cláusulas proibidas.

Nesta perspectiva, há a considerar que se trata dum contrato muito frequente e que estão em causa realidades muito importantes dentro dele, como o acesso aos tribunais ou o vencimento antecipado.

Justifica-se, portanto, a publicidade.

Só que, despindo-a, como despimos, do carácter sancionatório, afigura-se-nos exagerada a publicação num quarto de folha de jornal e durante três dias.

Julgamos mais adequada a publicação, no prazo e nos locais constantes da decisão recorrida, mas reportada apenas a um dia e a tamanho não inferior a 1/6 de página.

XI – Face ao exposto, concede-se a revista quanto à restrição de publicidade acabada de referir, negando-se quanto ao mais.

Sem custas – artigo 29.º, n.º1 do mencionado Decreto-Lei n.º 446/86, de 25.10.

Lisboa, 08 de Maio de 2013

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista