Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/11.0TTSTS
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ABANDONO DO TRABALHO
PRESUNÇÃO DE ABANDONO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Menezes Cordeiro, Manuel do Direito do Trabalho, Almedina, pª 856, edição de 1991.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 297.º, 403.º, N.ºS 1, 2, 3 E 4.
DL Nº 64-A/89, DE 27-2 (LCCT).
LEI N.º 7/2009, DE 12-2: - ARTIGO 7.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28-11-2012, PROCESSO Nº 499/10.7TTFUN.L1.S1; DE 5.7.2007, PROCESSO Nº 06S4283; DE 26.3.2008, PROCESSO Nº 07S2715; E DE 3.6.2009, PROCESSO Nº 08S3696, CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT; DE 31.1.2012, PROCESSO Nº 3436/07.2TTLSB.L1.S1; DE 28/11/2012, PROCESSO Nº 499/10.7TTFUN.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência do trabalhador ao serviço, durante pelo menos 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência – n.º 2, artigo 403.º, do C.T.

2. Tal abandono só pode ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do mesmo ou da sua presunção, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste – n.º 3, do citado artigo 403.º.

3. Se o trabalhador não comparece ao serviço durante vários meses e não informa a Ré empregadora do motivo da ausência, tendo ficado a aguardar o desenrolar do processo de acidente de trabalho que estava em curso, encontram-se preenchidos os requisitos de que depende a verificação da presunção a que alude o nº 1 daquele normativo.

4. A presunção estabelecida no n.º 2 só pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (n.º 4, do artigo 403.º, do C.T.), sendo irrelevante a junção, vários meses depois do início das faltas, de documentos para fazer prova duma pretensa impossibilidade de prestar o trabalho.

Decisão Texto Integral:

   Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA, residente em Monte Córdova, Santo Tirso, intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

..., Ldª, com sede em Monte Córdova, Santo Tirso,

            pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo e que, em consequência, seja a R condenada a pagar-lhe:

 a indemnização de antiguidade no montante correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano de serviço, contando-se todo o tempo decorrido desde a data da sua admissão até ao trânsito em julgado da decisão final;

o montante correspondente às retribuições que deixou de auferir, desde 30 dias antes da data da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão final;

e  € 5.000 a título de danos morais.

Alegou para tanto, em síntese, que:

- Foi admitido ao serviço da Ré em Janeiro de 1978 para desempenhar as funções de condutor-manobrador de máquinas, mediante o pagamento de uma retribuição base que ultimamente era de € 575,53 mensais.

- No dia 12/01/2004, sofreu um acidente quando se preparava para entrar numa das máquinas.

- A Ré sempre soube que desde este dia e, pelo menos, até 25/01/2010, sofre de lesões que o impedem de cumprir as tarefas inerentes ao cargo que lhe confiara.

- E que existiu um processo de acidente de trabalho ao qual forneceu informações e interveio em tentativas de conciliação.

- Não obstante, enviou-lhe, com data de 22/01/2010, comunicação escrita, onde conclui que o A. abandonou o trabalho, considerando cessado o vínculo até então existente, recebida em 25/01/2010, situação que configura um despedimento em virtude de nunca ter pretendido denunciar o contrato, cujas consequências jurídicas peticiona.

                                                            

A Ré contestou alegando que fez cessar o contrato ao abrigo do instituto do abandono de trabalho, uma vez que o trabalhador, durante quase um ano, não compareceu para trabalhar nem apresentou qualquer justificação para a ausência, o que deverá ser entendido como denúncia do contrato por parte do A, concluindo assim que não se tratou de nenhum despedimento e pela improcedência da acção.

                                                            

O A. apresentou resposta onde alegou que, no dia 21/01/10, enviou à R comunicação da doença e documentos comprovativos; que se apresentou para trabalhar e foi incumbido de partir pedra com uma máquina, o que cumpriu até que foi forçado a suspender o trabalho devido às dores insuportáveis que sentia, face ao que a gerência lhe comunicou que se fosse embora, já que não tinha trabalho nenhum para lhe dar; que a companhia de seguros lhe comunicou que a data da alta definitiva se fixara no dia 20/02/2009; no entanto, o processo respeitante ao acidente de trabalho de que foi vítima apenas chegou ao fim em Novembro de 2010, tendo após a data da alta continuado a ser observado e tratado pelos serviços clínicos da seguradora.

                                                                      

Foi proferido o despacho saneador com selecção da matéria assente e elaboração da base instrutória, que tendo sido objecto de reclamação, foi a mesma indeferida.

                                                            

E tendo-se procedido a julgamento e fixado a matéria de facto provada, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao A. o valor global que, naquela data se liquidou em 21.869,96 euros, respeitantes a:

- € 12.085,95, a título de indemnização por antiguidade;

- € 9.784,01, a título de retribuições intercalares.

                                                                             

A Ré interpôs recurso desta decisão, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado procedente a apelação, pelo que, e revogando a sentença recorrida, absolveu-a do pedido.

É agora o A que nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- Nos termos do preceituado no art. 403° n° 1 do Cód. do trabalho, considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de o não retomar.

2- Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2008, acima melhor identificado, são dois os elementos constitutivos do abandono do trabalho: (i) um elemento objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado; (ii) um elemento subjectivo, traduzido na intenção de não retomar o serviço, ou seja, a intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar dos factos que, com toda a probabilidade, a revelem.

3- Seguindo-se, ainda, o raciocínio do Acórdão da Relação do Porto de 29 de Junho de 2009, também acima melhor referenciado, para que haja "abandono do trabalho ", não basta a não comparência ao serviço, ainda que prolongada. Exige-se uma ausência que, atendendo ao circunstancialismo em que ocorre, indicie a vontade do trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho.

4- O n°2 daquele art. 403° tem, portanto, um alcance residual, visto que só é de apelar à sua presunção na ausência de factos de foro íntimo e psicológico do trabalhador, com vista a preencher-se o elemento subjectivo do conceito de abandono do trabalho.

5- A decisão recorrida desprezou, de todo, os factos que se mostraram provados e que revelam, in casu, e com toda a certeza, que nunca foi intenção do recorrente abandonar o trabalho.

6- Fez, ainda, «tábua rasa» da decisão que o mesmo Tribunal da Relação do Porto proferiu em Acórdão de 29 de Junho de 2009, acima indicado, que refere:

Assim, não pode invocar-se o abandono do trabalhador quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade do trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho, mesmo que tais motivos sejam insuficientes para justificar os dias de não comparência ao trabalho e, como tal, possam ser qualificados como faltas injustificadas, susceptíveis de fundamentarem um despedimento com justa causa.

7- Aplicou, a decisão posta em crise, o n°2 do dito art. 403° do Cód. do Trabalho, quando tal norma não era aplicável.  

8- Acresce que, ainda que o fosse, sempre a decisão inverteu ilegalmente o ónus da prova, no tocante à falta de recebimento, por parte da recorrida, de comunicação do motivo da ausência do recorrente, com vista a prevalecer a presunção em tal número plasmada.

9- Dos factos provados não consta que o recorrente não haja informado a recorrida do motivo da sua ausência.

10- Como decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Marco de 2008, acima melhor indicado, cabe ao empregador que invoca a cessação do contrato por abandono do trabalhador o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção de abandono, os factos que suportam a presunção, bem como que não se verifica a presunção de abandono do trabalho se, na acção de impugnação de despedimento, o réu empregador não provou o não recebimento da comunicação do motivo da ausência por parte do trabalhador, um dos factos que suporta a presunção. E no Acórdão de 29/10/2008 também supra melhor referenciado, decidiu-se que é ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não recepção de comunicação do motivo da ausência; e que, não tendo o empregador provado a não recepção de comunicação do motivo da ausência do trabalhador, fica afastada a aplicação daquela presunção, pelo que a cessação do contrato de trabalho operada pelo empregador com fundamento em abandono do trabalho, porque vigorava um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes, configura um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, já que não precedido de processo disciplinar.

11- Seja porque justificou as suas faltas quando isso lhe foi solicitado; seja porque, entendendo-se que, com a comunicação que dirigiu à requerida, não as justificou, mas demonstrou que não era sua vontade abandonar o trabalho; seja porque, dos factos provados, não poderia a recorrida ter extraído a conclusão de que, com toda a probabilidade, o recorrente revelara intenção de não o retomar; seja, por fim, porque a recorrida não provou que o recorrente lhe não comunicou o motivo da ausência, a cessação do contrato de trabalho entre recorrente e recorrida não cessou por outro motivo que não redunde num despedimento ilícito daquele.

12- Violou a sentença posta em crise o disposto no art. 403° do Cód. do Trabalho, porquanto não aplicou convenientemente o seu n° 1, ao ter desprezado o elemento subjectivo do conceito de abandono e aplicou a presunção constante do seu n°2, quando a mesma não era, in casu, aplicável.

13- Ainda que fosse aplicável tal presunção, sempre a decisão recorrida falhara ao ter invertido o ónus da prova relativo ao não recebimento, por parte da recorrida, de comunicação do motivo da ausência do recorrente - esse ónus cabia àquela, e não, como se lê da decisão posta em crise, a este.

14- Porque erradamente assim procedeu, também mal andou o Tribunal recorrido ao haver aplicado o n° 4 do mesmo artigo: ele não era, aqui, aplicável.

Pede-se assim que seja julgada procedente a revista, e revogando-se o Acórdão recorrido, deve a recorrida ser condenada a pagar ao recorrente o valor global de €. 30.613,74 (trinta mil e seiscentos e treze euros e setenta e quatro cêntimos).

A R não alegou.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi cumprido o disposto no nº 3 do artigo 87º do CPT, tendo o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitido proficiente parecer no sentido da improcedência da revista e que, notificado a ambas as partes, não provocou qualquer reacção.

Assim, e cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

2---                  

Para tanto, apuraram as instâncias a seguinte matéria de facto:

 

1 - A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à extracção, desde o solo, de pedras de granito, e sempre foi gerida por membros da família do A., primeiro pelo seu pai, depois pela sua irmã.

2 - No exercício dessa sua actividade, a Ré admitiu o A ao seu serviço, competindo-lhe o manuseamento de máquinas, o que o mesmo sempre fez, pelo menos, até ao dia 12 de Janeiro de 2004.

3 - O A. auferia a retribuição mensal de base de € 575,53 (quinhentos e setenta e cinco euros, cinquenta e três cêntimos).

4 - Está pendente neste tribunal um processo especial de acidente de trabalho, que corre termos sob o nº 36/05.5TTSTS, onde figura o aqui A como sinistrado, e como ré a companhia seguradora que gira sob a firma “... – Companhia de Seguros, S.A.” – que, por contrato de seguro firmado com a aqui Ré, titulado pela apólice nº 10.10.083 490, transferira para si a responsabilidade oriunda de acidentes de trabalho ocorridos com a pessoa do A, enquanto ao serviço daquela.

5 - A Ré tem conhecimento desse processo, tendo fornecido ao mesmo elementos respeitantes ao contrato de trabalho que a unia ao A.

6 - No dia 15 de Janeiro de 2010, a Ré enviou uma carta ao A., cuja cópia se encontra junta a fls. 60 dos autos e cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais, carta essa cujo registo se encontra assinado em 19 de Janeiro de 2010 por “BB”.

7 - A Ré enviou ao A. uma carta, registada em 22 de Janeiro de 2010, junta a fls. 8 dos autos e cujo teor aqui se reproduz, onde sustenta que o A. não justificou a sua ausência ao trabalho e que teve “alta médica” no dia 6 de Fevereiro de 2009, concluindo ter o mesmo abandonado o trabalho, considerando cessado o vínculo, até então, existente.

8 - Esta comunicação foi recebida pelo A. no dia 25 de Janeiro de 2010.

9 - No processo aludido em 4, foi proferida decisão, transitada já em julgado, onde foi considerado que o aqui autor sofreu um acidente de trabalho no dia 12/01/2004, sendo portador de uma IPP de 23,5%.

10 - Com a data do dia 20 de Fevereiro de 2009, a companhia de seguros ... comunicou ao A. e, bem assim, ao processo de acidente de trabalho, que a “Alta” daquele, a final, se fixara no dia 20 de Fevereiro de 2009 – docs. Fls. 51 e 52.

11 - O autor foi admitido ao serviço da Ré, pelo menos, em 11/01/1985.

12 - No dia 6 de Fevereiro de 2009, após ter recebido o documento junto a fls. 29 dos autos, o A., por duas vezes, deslocou-se às instalações da Ré.

13 - Na sequência do aludido em 12, o autor apresentou-se ao serviço, e com uma máquina, foi partir pedra.

14 - O autor sentiu dores e suspendeu o seu trabalho.

15 - Na sequência do aludido em 14, o autor saiu da Ré e não mais se apresentou ao serviço, ficando a aguardar o terminus do processo de acidente de trabalho.

16 - No dia 21 de Janeiro de 2010, o A. enviou a carta e documento juntos a fls. 39 e segs. dos autos, cujo teor aqui se reproduz.

17 - A carta aludida em 6 chegou ao conhecimento do A.

3---

  Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, conforme resulta dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do CPC, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso, constatamos que o recorrente suscita apenas a questão da falta de verificação dos requisitos do abandono do trabalho invocado pela R.
            Como já referimos, as instâncias divergiram na solução dada ao presente caso, tendo a sentença da 1ª instância concluído que:

“Em suma, da factualidade apurada nos autos, parece-nos que o autor faltou ao serviço sem justificar as suas ausências, mas desse comportamento não podemos retirar um abandono do trabalho, tendo a ré utilizado indevidamente aquele mecanismo legal, o que fez, também, de forma processualmente incorrecta atentas as datas das cartas enviadas, sendo que o autor deu resposta à primeira, em tempo, justificando a razão da sua ausência. Após essa comunicação, podia a ré, atender, ou não, a essa justificação, mas, a nosso ver, o passo seguinte seria a instauração de processo disciplinar, e não a comunicação de se ter operado uma denúncia do contrato, que ela bem sabe não existir.

E, a ser assim, a conclusão a que chegamos permite decidir pela não verificação do alegado abandono, pois que, do exposto, resulta claro que a ré não poderia aproveitar-se da circunstância de o autor/ sinistrado, seu trabalhador, ter actuado, como actuou, para interpretá-la como constituindo uma situação de abandono do trabalho, desta forma fazendo cessar o contrato de trabalho.

Como tal, a forma da cessação do contrato de trabalho, que a ré optou por considerar com as cartas enviadas, não tendo sido demonstrados os seus pressupostos, traduzem um despedimento ilícito (art. 381º al. c) do CT) levado a cabo pela ré.”

Diversa foi a posição do Tribunal da Relação ao concluir “que a Ré recorrente beneficia da presunção legal de abandono do trabalho e, consequentemente, tendo feito a comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos da presunção do mesmo, através de carta registada recebida pelo A., estamos perante a cessação do contrato por abandono do trabalho por parte do A. recorrido, ou seja, por denúncia tácita do contrato por parte do trabalhador.

Assim, não existiu qualquer despedimento do A. por parte da Ré recorrente.”

Perante o exposto, e estando em causa na revista a questão de saber se ocorrem os requisitos do abandono, vejamos então como decidir.

3.1----

Temos de começar por dizer que o A foi vítima dum acidente de trabalho, ocorrido ao serviço da R no dia 12/01/2004, do que lhe resultou uma IPP de 23,5% a partir da data da alta que foi fixada em 20 de Fevereiro de 2009.

Assim sendo, e vindo invocado pela R o seu abandono por faltas injustificadas a partir desta última data, temos de aplicar o regime estabelecido no Código do Trabalho anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, ex vi do disposto no n.º 1 do seu art. 7.º, e que havia começado a vigorar a 17 do mesmo mês.

Ora, conforme resulta do artigo 403.º deste diploma, considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de o não retomar – n.º 1.

O abandono do trabalho vale assim como denúncia do contrato, só podendo, no entanto, ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção (nº 3).

Trata-se duma figura que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo DL nº 64-A/89 de 27/2[1], constituindo uma inovação justificada, conforme sustentava Menezes Cordeiro[2], pois no domínio da anterior legislação, perante um abandono do trabalhador, tinha a entidade patronal que instaurar um processo disciplinar baseado em faltas injustificadas, o que não constituía a melhor solução porque a falta mesmo injustificada é qualitativamente diferente do abandono.
Assim sendo, considerava este autor que era disfuncional obrigar as empresas, neste último caso, a toda a actividade dispendiosa e sempre aleatória conducente ao despedimento com justa causa.
E face ao regime legal consagrado na LCCT, o abandono constituía uma forma de cessação do contrato de trabalho cuja iniciativa pertencia ao trabalhador, tal como resultava dos seus artigos 3º, nº 1, alínea d), e 40º, nº 4, sendo dois os elementos constitutivos desta figura, conforme Jorge Leite, Prontuário nº 33/13:
a) Elemento objectivo que é constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja a sua não comparência ao serviço conforme obrigação contratual;
b) Elemento subjectivo constituído pela vontade de não retomar mais o serviço.

Portanto, para que se pudesse verificar a cessação do contrato por abandono do trabalhador era preciso que à ausência deste se viesse juntar a intenção de romper o contrato por sua iniciativa, embora sem nada comunicar ao empregador. No entanto, o n°2 do referido artigo 40º estabelecia uma presunção de abandono do trabalho no caso de ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 15 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, ou seja, sem que conheça os motivos pelos quais o trabalhador não comparece ao serviço.

Apesar da LCCT ter sido revogada pelo Código do Trabalho de 2003, a que se seguiu o Código do Trabalho de 2009, a doutrina e a Jurisprudência actuais continuam a entender que a figura do abandono do trabalho se analisa em dois elementos estruturantes:

um, objectivo, consistente no incumprimento voluntário do contrato que na generalidade dos casos se traduz na ausência/não comparência do trabalhador no local e tempo de serviço (o trabalhador deixa de se manter disponível para prestar o seu trabalho ao empregador, incumprindo o vínculo com a sua ausência voluntária e prolongada);

outro, subjectivo, traduzido no animus extintivo, que se capta através de algo que o patenteie ou que se exteriorize em factos que, de acordo com a lei, ‘com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho”[3].

No entanto o legislador presume o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, conforme resulta do n.º 2 do artigo 403º do Código do Trabalho, presunção que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, conforme estabelece o seu n.º 4.
Deste modo, a entidade empregadora tem o ónus da prova da ausência do trabalhador ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, mas beneficia da presunção – “iuris tantum” – do abandono do trabalho se lhe não for comunicado o motivo da ausência, presunção que pode, no entanto, ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da sua ausência.

E como se ponderou no acórdão deste Supremo Tribunal de 3.6.2009, referido na nota anterior, para que o facto seja havido como “concludente” da vontade de não retomar o serviço por banda do trabalhador, não se torna necessário que o sentido dele extraível – citamos – haja sido representado pelo respectivo agente: a concludência de um comportamento determina-se “de fora”, “objectivamente”…não exigindo a consciência subjectiva por parte do seu autor desse seu significado implícito.

Postas estas considerações, importa averiguar se o circunstancialismo de facto apurado pelas instâncias integra ou não a figura jurídica do abandono do trabalho, impondo-se assim analisar se resultam da mesma os pressupostos operatórios da presunção legal estabelecida a favor do empregador e da sua eventual ilisão por banda do trabalhador, conforme advém dos n.ºs 2 e 4 do já mencionado art. 403º do Código do Trabalho actual.

Ora, da matéria de facto apurada resulta que o A foi vítima dum acidente de trabalho ocorrido em 12/01/2004, tendo corrido termos o respectivo processo especial sob o nº 36/05.5TTSTS, no qual figurou o aqui A como sinistrado, e como ré a companhia de seguros “...”, para quem havia sido transferida a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho dos trabalhadores da ora R.

Deste acidente resultou para o A uma IPP de 23,5%, tendo a seguradora comunicado ao trabalhador que a “alta” se fixara no dia 20 de Fevereiro de 2009.

No entanto, no dia 6 de Fevereiro de 2009, após ter recebido o documento junto a fls. 29 dos autos, ou seja, a declaração da seguradora no sentido de que se encontrava curado com incapacidade (alta) em 06/02/2009, o A. apresentou-se ao serviço, tendo ido partir pedra com uma máquina.

Mas tendo sentido dores, suspendeu o trabalho, e após saiu das instalações da Ré, não mais se tendo apresentado ao serviço, até que, no dia 15 de Janeiro de 2010, a Ré lhe enviou uma carta, da qual se colhe que

“verifica-se que V. Ex.cia, desde o passado dia 06/02/2009, não mais trabalhou ou apresentou qualquer justificação. Solicita-se a V. Ex.cia que no prazo de três dias apresente nesta empresa justificação para a sua ausência, sob pena, se nada disser, consideramos tal comportamento de V. Ex.cia como desinteresse pelo trabalho e com a consequente cessação do vínculo laboral por abandono do posto de trabalho”.

No dia 21 de Janeiro de 2010, o A. enviou à Ré a carta e documentos juntos a fls. 39 e segs. dos autos, comunicando-lhe que “não é exacto de que não tenham conhecimento da minha impossibilidade de trabalhar por motivo de doença, face a todas as justificações médicas que tenho apresentado ao longo do ano de 2009”.

Na sequência desta correspondência, a Ré enviou ao A. a carta de 22 de Janeiro de 2010, onde sustenta que este não justificou a sua ausência ao trabalho, pelo que tendo tido “alta médica” no dia 6 de Fevereiro de 2009, concluiu ter o mesmo abandonado o trabalho, considerando cessado o vínculo laboral até então existente, comunicação que o A recebeu no dia 25 de Janeiro de 2010.

Perante esta factualidade o que temos de concluir da materialidade apurada é que o A, embora se tenha apresentado ao serviço em 06/02/2009, e que abandonou neste mesmo dia por não poder trabalhar, nunca mais voltou a apresentar-se para trabalhar.

Ora, tendo sido vítima dum acidente de trabalho, após a alta definitiva tinha que se apresentar para exercer as suas funções ao serviço da R, atento o disposto no artigo 297º do Código do Trabalho.

Por isso, ou se apresentava ao serviço a partir de 20 de Fevereiro de 2009, data da última alta que lhe foi concedida pela seguradora, ou justificava a impossibilidade de exercer as suas funções.

 No caso presente, estando assente que o A nunca mais se apresentou para trabalhar após 6 de Fevereiro de 2009, tendo-se limitado a aguardar o terminus do processo de acidente de trabalho, conforme resulta do facto 15º, estão preenchidos os requisitos de que depende a verificação da figura do abandono.

  É certo que para justificar tais ausências enviou à R a carta de 21/01/2010, onde informa a empregadora de que “não é exacto de que não tenham conhecimento da minha impossibilidade de trabalhar por motivo de doença, face a todas as justificações médicas que tenho apresentado ao longo do ano de 2009”, fazendo acompanhar tal carta de documentos que constituiriam (na sua perspectiva) justificação das mesmas.

 

No entanto, não provou que tivesse apresentado nos serviços da R a oportuna justificação destas faltas, tanto mais que um dos documentos que acompanharam esta carta está datado de 18 de Janeiro de 2010, quando o período das faltas ocorreu a partir de 20/2/2009.

Por isso, e como concluiu o acórdão recorrido, o A. não conseguiu ilidir a presunção a que alude o n.º 2, do citado artigo 403º.

Efectivamente, não tendo comparecido ao serviço após a alta de 20/2/2009 pois que se limitou a aguardar o desenrolar do processo de acidente de trabalho, temos de considerar que passou a incorrer em faltas ao serviço.

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E sem nada comunicar sobre as razões da sua ausência, encontram-se preenchidos os requisitos de que depende a verificação da presunção a que alude o citado normativo.

Por outro lado, podendo esta presunção ser ilidida pelo trabalhador através da prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador das razões da sua ausência, é manifesto que o A. não fez qualquer prova da ocorrência de um qualquer motivo que o tenha impedido de comunicar à Ré a razão das suas faltas ao trabalho a partir de 20/2/2009.

Na verdade, e conforme se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 28/11/2012, processo nº 499/10.7TTFUN.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, demonstrados os factos que constituem a base da presunção prevista no n.º 2 do artigo 403º do C. Trabalho, (a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos e a inexistência/falta de qualquer informação sobre os motivos dessa ausência), funciona, em benefício do empregador, a presunção do abandono, na plena configuração da previsão constante do n.º 1, que apenas poderia ser ilidida pelo trabalhador nos termos e pela única via prevista no n.º 4 do mesmo artigo.

Assim sendo, e tendo o A estado ausente do serviço durante um período muito superior a 10 dias úteis seguidos sem ter informado a Ré empregadora do motivo da sua ausência, é quanto basta para se encontrarem preenchidos os factos que sustentam a presunção do abandono invocado pela recorrida.

Por isso, beneficiando a Ré da presunção legal de abandono do trabalho e tendo feito a comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos dessa presunção através de carta registada recebida pelo A., estamos perante uma cessação do contrato por abandono do trabalho, ou seja, por denúncia tácita do contrato por parte do trabalhador.

                                                            

Pelo exposto e improcedendo as conclusões do recorrente, só nos resta confirmar o aresto impugnado.

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            Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Anexa-se sumário do acórdão.

            Lisboa, 3 de Outubro de 2013

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

Melo Lima

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[1] A seguir designada por LCCT.
[2] Manuel do Direito do Trabalho, Almedina, pª 856, edição de 1991.
[3] Neste sentido vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28-11-2012, processo nº 499/10.7TTFUN.L1.S1; de 5.7.2007, recurso 06S4283; de 26.3.2008, recurso 07S2715; e de 3.6.2009, recurso 08S3696, consultáveis em www.dgsi.pt/STJ; e de 31.1.2012, tirado na Revista n.º 3436/07.2TTLSB.L1.S1, todos desta secção.