Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
807/17.0T8STS-B.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PRESSUPOSTOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
SOCIEDADE COMERCIAL
PESSOA COLETIVA
ADMINISTRADOR
PESSOA SINGULAR
NEXO DE CAUSALIDADE
CLÁUSULA GERAL
Data do Acordão: 02/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A insolvência qualifica-se como “culposa” “quando a situação [de insolvência] tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” (art. 186.º, n.º 1, do CIRE), aos quais acrescem outros sujeitos, como contabilistas certificados e revisores oficiais de contas (art. 189.º, n.º 2, al. a), do CIRE).
II - Os n.os 2 e 3 do art. 186.º do CIRE elencam um conjunto de factos exemplificativos de actuação susceptível de produção ou agravamento de insolvência efectiva do devedor que não seja pessoa singular de acordo com a cláusula geral do art. 186º, n.º 1. Ademais, o n.º 2 elenca factos que constituem presunções iuris et de iure da existência de comportamento culposo (doloso ou com negligência grosseira e consciente) no surgimento ou no agravamento do estado de insolvência; por sua vez, o n.º 3 adiciona comportamentos que traduzem presunções iuris tantum de “culpa grave” (isto é, comportamento não doloso mas com negligência consciente e grosseira); sempre em referência à actuação do administrador, tanto o de direito como o de facto.
III - O n.º 4 do art. 186.º do CIRE faz aplicar os anteriores n.os 2 e 3, “com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade de situações”.
IV - Só relevam para a qualificação como culposa facto ou factos causadores ou agravantes da situação de insolvência que (i) tenham ocorrido no lapso temporal de três anos anteriores ao início do processo de insolvência, (ii) sejam causalmente adequados à criação ou agravamento da situação de insolvência (nexo de causalidade ou de imputação) e (iii) sejam culposos (de acordo com a cláusula geral e/ou com o “duplo sistema de presunções legais” referido).
V - Para termos facto causalmente contributivo para a insolvência (em aproveitamento da aplicação adaptada do art. 563.º do CC) é necessário que tenhamos facto (acção ou omissão) que conduza, imediata e/ou mediatamente, à criação e/ou ao agravamento da situação económico-financeira e/ou à criação ou agravamento de condições impeditivas do cumprimento de ou das obrigações vencidas, com a inerente repercussão negativa na satisfação do interesse dos credores ao pagamento dos seus créditos. É necessário demonstrar que essa actuação se revelou apropriada, pela sua natureza, geral e abstracta, e segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência, a produzir ou a agravar a situação conducente à insolvência, de acordo com um juízo de previsibilidade e probabilidade na óptica de um observador experimentado médio, colocado na posição concreta do sujeito e em referência ao momento da verificação ou agravamento da insolvência (resultado-dano), quanto à imputação dessa situação à conduta. Cairá essa adequação se a actuação se revelou de todo indiferente para que se espoletasse a previsão factual do art. 3.º, n.º 1, do CIRE e se tornou uma condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias ou anormais ou fortuitas ou imprevisíveis ou, ainda, quando a situação de insolvência sempre surgiria (ou se agravaria) com elevada probabilidade mesmo sem a actuação desviante do sujeito. Em contraponto, só há actuação causalmente adequada se a insolvência, criada ou agravada, se situa imputacionalmente na esfera ou círculo de riscos que sejam de prever (enquanto “cognoscibilidade do potencial lesante da esfera de risco que assume, que gera ou que incrementa”) e se assume como possibilidade derivada do desvio da conduta relativa à solvabilidade perante os credores, de tal modo que era de exigir o comportamento contrário ou alternativo para evitar os resultados. Em consequência, exclui-se a imputação quando o risco não foi criado ou quando haja diminuição de risco pela actuação do sujeito.
VI - O que se exige é que o facto do devedor insolvente ou dos seus representantes “administradores” (ou eventualmente outros sujeitos relacionados: v. art. 189.º, n.º 2, al. a), do CIRE) seja objectivamente uma causa adequada para a produção lesiva tendo em conta o processo factual que conduziu à situação de insolvência vista como dano da sua actuação, pois é este que assim se integra na referida aptidão geral ou abstracta do facto. Por isso, tanto serve a identificação do facto como evento único e exclusivo na causação do resultado, como a identificação do facto ou factos que foram condições posteriores que causaram directamente o resultado, desde que estas se mostrem consequência também adequada do facto que deu origem a essa ou essas condições - causalidade indirecta ou mediata.
VII - O que basta para a previsão legal é a data da ocorrência dos factos que são susceptíveis de originar e produzir a apontada qualificação, ainda que num período temporal mais restrito do que todo o tempo de duração e ocorrência da totalidade de todos os factos ilícitos e censuráveis, desde que esses se traduzam em causalidade e censura para o resultado danoso - a insolvência e frustração do interesse de satisfação dos credores.
VIII - Para a qualificação de uma insolvência culposa de pessoa singular, é lícito o aproveitamento extra-processual dos factos provados em sentença penal condenatória transitada em julgado (em termos de eficácia probatória por efeito da autoridade de “caso julgado” / eficácia “erga omnes”, constituído/a pela sentença proferida contra o arguido/insolvente e invocado noutra acção quanto aos seus fundamentos de facto: art. 623.º do CPC), sendo depois feita a sua subsunção de acordo com os conceitos e regime do próprio incidente de qualificação da insolvência.
IX - Para a averiguação de culpa presumida na insolvência de pessoa singular em regime de trabalho subordinado e na relação com a sua entidade patronal, é legítima a aplicação adaptada das situações previstas no art. 186º, n.º 2 (presunções legais inilidíveis de culpa), de acordo com a habilitação conferida pelo n.º 4 do art. 186.º, sempre do CIRE.
X - O art. 662.º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.a instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Sempre com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.a instância (nos termos da remissão feita pelo art. 663º, n.º 2, para o art. 607.º, que abrange os seus n.os 4 e 5, do CPC) e sem qualquer subalternização - inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento - da 2.a instância ao decidido pela 1.a instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e independente da convicção de 1.a instância. Neste enquadramento e no contexto destes poderes, verifica-se uma actuação legítima com a elaboração dedutiva ou indutiva de presunção judicial ou de facto, se e enquanto tal insindicável pelo STJ de acordo com os arts. 674.º, n.º 3, e 662º, n.º 4, do CPC (sem prejuízo de estar salvaguardado que está o controlo em que o STJ pode conferir se o iter percorrido para tirar a presunção respeitou as regras legais do procedimento probatório).
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 807/17.0T8STS-B.P1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação ..., ... Secção



Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. Em incidente próprio que correu em apenso aos autos de insolvência de AA, declarado insolvente por sentença proferida em 12/9/2017, transitada em julgado, a credora «ARCOL, S.A.» (anteriormente com a firma «A. Rodrigues Correia Lopes – Bebidas e Alimentação, S.A.») requereu a qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no art. 186º, 1, 2, als. a), b), e i), e 3, al. a), do CIRE, e a aplicação das consequências determinadas pelo art. 189º do CIRE.
Com a alegação dos factos empreendida, concluiu que: (i) o insolvente teve um comportamento deveras grave e desleal para com os seus credores, como resultou provado no acórdão condenatório do Tribunal da Relação ... proferido em 24/4/2017; (ii) a situação do insolvente funda-se em culpa pessoa e grave e não em meras circunstâncias, azares ou contingências da sua vida pessoal ou profissional; (iii) o insolvente gerou, por culpa própria e deliberada, de forma grave, um quadro de comportamentos relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de forma decisiva; (iv) a actuação do insolvente, provada no aludido processo-crime, com a consequência de serem arrestados os seus bens e contas bancárias, assim como a detenção e posterior prisão domiciliária após condenação, gerou a sua situação de insolvência, pois foi essa a razão pela qual deixou de poder cumprir as suas obrigações, bem sabendo dessa impossibilidade, que não pode ser justificada por qualquer situação fortuita, casual, imprevista, fruto de factores exógenos ou variáveis incontroláveis; (v) a censurabilidade da conduta do insolvente resulta do reconhecimento de que o devedor, nas circunstâncias concretas em que actuou, podia ter conformado a sua conduta de molde a evitar a situação de insolvência.

2. O Administrador da Insolvência emitiu parecer de qualificação da insolvência como culposa, tendo-se pronunciado por adesão no mesmo sentido o Ministério Público (art. 188º, 3 e 4, CIRE).
Notificado, oinsolvente deduziu Oposição ao incidente.

3. Realizada a audiência de discussão e julgamento e juntas alegações escritas pela requerente e pelo requerido insolvente, foi proferida sentença em 10/11/2019 pelo Juiz ... do Juízo de Comércio ... (Tribunal Judicial da Comarca ...), que decidiu qualificar como fortuita a insolvência do requerido insolvente.

4. Inconformada com o decidido, veio a credora requerente interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação ..., que, em acórdão proferido em 9/2/2021, uma vez identificadas as questões decidendas (“a) Se deve ser reapreciada a prova e alterada a matéria de facto constante dos pontos 2) e 3) julgados não provados; b) Se se mostram preenchidos os pressupostos legais da qualificação da insolvência como culposa.”), se converteu o facto não provado 2) em provado, “ainda que expurgado do segmento de natureza jurídica ou valorativa “sem culpa grave””, se confirmou a não prova do ponto 3) dos factos não provados e decidiu-se julgar procedente a apelação e consequente revogação da sentença recorrida, “julgando a insolvência do requerido como culposa, com efeitos a fixar ulteriormente” em função da baixa dos autos à 1.ª instância.

5. O Requerido insolvente veio seguidamente interpor recurso de revista para o STJ, visando a revogação do acórdão recorrido, finalizando com esse desiderato as suas alegações com as seguintes Conclusões:

A) Não existe nenhuma incongruência lógica no julgamento da matéria de facto realizado pelo Tribunal de Primeira Instância relativamente ao facto dado como não provado no ponto 2).

B) Concorreram para a convicção da Exma. Senhora Juiz do Tribunal de Primeira Instância também os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, bem como as declarações do insolvente e prova documental junta aos autos, sendo que tal resulta expressamente da fundamentação da matéria de facto de forma lógica e coerente.

C) Não tendo a recorrente cumprido com o ónus prescrito no artigo 640º do C.P.C., não pode o Tribunal da Relação apreciar aqueles depoimentos testemunhais e declarações de parte, tal como fez livremente o Tribunal de Primeira Instância para dar como não provado o ponto 2) do elenco dos factos não provados na Douta Sentença, pois, não está em condições para efetuar uma consciente reavaliação da prova produzida global que serviu para formar convicção do Julgador da Primeira Instância.

D)Não tendo o Tribunal da Relação acesso aos meios de prova em que o Tribunal de Primeira Instância se baseou para formar a sua convicção, nunca poderá formular qualquer juízo real sobre a prova ou não prova daquele facto.

E) Ao alterar a resposta à matéria de facto nos termos em que o fez o Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 662º do CPC extravasando os poderes de modificação da matéria de facto.

F) Entende-se no Douto Acórdão que a atuação dada como provada no processo crime que levou à condenação a uma pena privativa da liberdade e implicou a condenação no pagamento da quantia de € 1.765.234,43 em sede de pedido de indemnização cível é suscetível, ainda, de ter influência igualmente no presente processo de qualificação de insolvência como culposa.

G) Considerou o Tribunal a quo que a conduta do insolvente no processo-crime “…é altamente censurável, e foi apta a causar ou a agravar a situação de insolvência, tal como previsto no n.º 1 do aludido art. 186.º do CIRE.”

H) Salvo o devido respeito, não faz sentido que após de ser punido penalmente e responsabilizado civilmente, os mesmos factos sirvam de fundamento para o insolvente ficar inibido de se recuperar e de reerguer: “um erro na vida não significa uma vida cheia de erros”.

I) O insolvente cumpriu a pena que lhe foi aplicada no âmbito do processo crime e foi condenado no pedido cível: foi assim sancionado penal e civilmente.

J) No que respeita ao Direito Insolvencial a condenação civil tem já as consequências previstas no 245º nº2 alínea b) do CIRE.
 
K) O insolvente encontra-se repetidamente a ser julgado pelos mesmos factos, ocorrendo sobreposição de sanções, o que viola o princípio ne bis in idem e efeitos do caso julgado.

L) O Douto Acórdão da Relação fez uso da figura do crime continuado para localizar os factos no âmbito temporal dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, definido pelo nº 1 do artigo 186º do CIRE – o que viola o princípio da unidade do sistema jurídico.

M) As considerações jurídicas, a subsunção dos factos ao direito e respetivas conclusões de carácter jurídico devem ser feitas e expendidas no incidente de qualificação de acordo com as noções e conceitos do próprio incidente de qualificação, afigurando-se assim, com o devido respeito, incorreto importar conceitos e noções do direito penal para o incidente de qualificação, tal como o fez o Tribunal da Relação no Acórdão recorrido.

N) Os pressupostos fundamentais da ação penal e a ação civil são distintos tal como são distintos os pressupostos da qualificação da insolvência como culposa e não há coincidência entre os pressupostos da culpa criminal e os pressupostos da culpa para a qualificação da insolvência como culposa.

O) O Tribunal a quo transpôs para o Direito Insolvencial um conceito eminentemente penal, isto é, a noção de “crime continuado” o que, com o devido respeito, não é permitido atenta a construção deste conceito que envolve já apreciação da culpa em termos puramente criminais.”

A credora reclamante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.


Foram consignados os vistos nos termos legais.

Cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Não obstante ter o Recorrente lançado mão do art. 14º, 1, do CIRE, a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida em apenso aos autos de insolvência (art. 132º, ex vi art. 188º, 8, do CIRE) implica que a revista siga o regime ordinário, sendo de apreciar e decidir à luz do regime dos arts. 671º, 1, e 674º, 1, do CPC, ex vi art. 17º, 1, do CIRE (arts. 6º, 2, 193º, 3, 547º, CPC).

1.2. Estão verificados os requisitos gerais de admissibilidade do recurso: arts. 629º, 1, 631º, 1, CPC.

1.3. Vistas as Conclusões, que delimitam o objecto recursivo (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), as questões a decidir são:

— Uso dos poderes atribuídos pelo art. 662º, 1, do CPC na reapreciação da matéria de facto impugnada;
— Qualificação da insolvência como culposa à luz do art. 186º do CIRE.


2. Factualidade

Ficou consolidada em 2.ª instância a seguinte factualidade:

2.1. Factos provados

a) O processo principal de insolvência foi instaurado pelo “Banco Popular Portugal, S.A”, a 09-03-2017, contra o ali e aqui requerido, AA, nos termos e pelos fundamentos que constam de fls. 2 e seguintes dos autos principais, e que aqui se dão por reproduzidos;
b) Citado ali o requerido, veio o mesmo comprovar que requereu apoio judiciário e, após ter sido nomeado ao mesmo patrono, veio aos autos assumir que se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas e requerer a exoneração do passivo restante, nos termos que constam de fls. 57 e seguintes dos autos principais, que aqui se dão por reproduzidos e, a fls. 64 e seguintes, veio indicar os seus credores e os seus bens, designadamente direitos sobre imóveis, veículos automóveis, quotas em sociedades, contas de depósitos, fundos de investimento mobiliário e acções, nos termos que aqui se dão por reproduzidos;
c) Por sentença de 12-09-2017, foi proferida sentença a declarar a insolvência do requerido, nos termos que constam de fls. 82 e seguintes dos autos principais;
d) O relatório foi junto aos autos pelo Sr. Administrador da insolvência nomeado na referida sentença, a 14-11-2017. Nesse relatório pediu prazo para juntar o parecer do 188.º do CIRE e pronunciou-se favoravelmente à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante;
e) Na sequência do aludido no relatório, o insolvente foi aos autos principais, a 27-11-2017, dizer que parte das informações que o Sr. Administrador da insolvência referia que não tinham sido remetidas, já constavam dos autos, como era o caso da relação dos processos executivos e de todas as informações relativas aos bens, e que apenas quanto ao envio das declarações de rendimentos tinha havido lapso, mas já tinham sido enviados entretanto tais elementos ao Sr. Administrador da insolvência, referindo que sempre esteve e está disponível para prestar todas as informações ao processo e ao Sr. Administrador da insolvência;
f) Por despacho de 04-01-2018, nos autos principais, foi determinado que os autos seguissem para a fase de liquidação do activo, sem prejuízo de outros bens a apreender, face ao aludido pelo próprio requerido e pelos credores, tendo o Sr. Administrador da insolvência prosseguido com as diligências de apreensão de bens;
g) No ponto 2.4. do seu relatório, o Sr. Administrador da insolvência refere que “Com o intuito de reunir a restante documentação considerada necessária à elaboração do presente relatório, foi enviada uma carta registada ao insolvente, com o conhecimento à sua Ilustre Mandatária, datada de 18.09.17, com a ref.ª PI …-01, solicitando: a relação de todas as acções e execuções pendentes contra o insolvente; o documento em que se explicitasse a actividade ou actividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos e os estabelecimentos de que fosse titular, bem como o que entendesse serem as causas da situação em que se encontra; as declarações de rendimentos (mod. 3 – IRS) e respectivas notas de liquidação de IRS relativas a 2014, 2015 e 2016; o Mapa actualizado reportado à data de declaração de insolvência de responsabilidades de crédito, disponível no site do Banco de Portugal; a informação sobre a existência de bens a apreender, sua localização e o agendamento da diligência de apreensão dos mesmos para o dia 28 de Setembro de 2017, pelas 10:30 horas”;
h) O Sr. Administrador da insolvência referiu que a documentação acima referida não foi remetida ao Sr. Administrador da insolvência pelo insolvente, nem pela sua Ilustre Mandatária, na sequência do envio da carta, mas foram prestadas as informações na diligência efectuada pelo Sr. Administrador da insolvência em 28-09-2017, e remetidas posteriormente outras em 27-11-17 ao Sr. Administrador da Insolvência;
i) Na sequência do aludido em h) e dos elementos que constam dos autos principais, o insolvente entregou ao Sr. Administrador da insolvência e ao tribunal toda a documentação que lhe foi exigida e relevante para aferir da situação patrimonial do insolvente;
j) O insolvente esteve contactável, e na sua residência, devido à pena aplicada;
k) Correu termos contra o aqui insolvente processo crime, sob o n.º 1791/14...., ..., Instância Central, ... Secção Criminal, J..., na sequência de queixa-crime apresentada pela requerente deste incidente, sendo que ali foi proferido acórdão pela Relação ..., a 24-04-2017, nos termos que constam de fls. 6 verso e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos que, não obstante o recurso interposto pelo aqui requerido, confirmou a decisão proferida em 1.ª instância, e cuja cópia se encontra junta à reclamação de créditos apresentada pela requerente deste incidente, no anexo, apenso “G”, e a fls. 103 verso e seguintes deste apenso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que condenou o aqui requerido na pena única, pela prática de crime de falsificação e burla agravada, de 3 anos e dois meses de prisão e 450 dias de multa à taxa diária de € 25,00, e substituiu a pena de prisão pela pena de regime de permanência na habitação, prevista no artigo 44.º, n.º 1, al. b), do código penal;
l)      Mais foi condenado, no aludido processo crime, no pagamento à demandante civil – a ora requerente neste incidente –, da quantia de € 1.765.234,43, acrescida de juros legais;
m) O referido Acórdão da Relação ... transitou em julgado em 08-05-2017;
n) Em 08-12-2014, procedeu-se ao arresto de bens do insolvente, no processo n.º 243/14...., ..., Instância Central, ... Secção Cível, J..., intentado pela requerente deste incidente, nomeadamente depósitos bancários, imóveis, veículos e quotas de sociedade, nos termos que constam a partir de fls. 54 verso e que aqui se dão por reproduzidos;
o) Em 09-12-2014, procedeu-se ao arresto de bens móveis do insolvente, concretamente o recheio da sua habitação, no processo n.º 243/14...., ..., Instância Central, ... Secção Cível, J...;
p) Em 15-12-2015, procedeu-se ao arresto de bens do insolvente, no mesmo processo n.º 243/14...., ..., Instância Central, ... Secção Cível, J..., nomeadamente depósitos bancários, imóveis, veículos e quotas de sociedade;
q) Em 03-06-2015, procedeu-se ao arresto de sete veículos automóveis do insolvente, a requerimento do Ministério Público, no âmbito do referido processo- crime n.º 1791/14....;
r)     Em 06-08-2015, procedeu-se ao arresto de saldos bancários e valores mobiliários do insolvente, a requerimento do Ministério Público, no âmbito do referido processo crime n.º 1791/14....;
s)     Em 07-08-2015, procedeu-se ao arresto de apólices de seguros do insolvente, a requerimento do Ministério Público, no âmbito do referido processo-crime n.º 1791/14....;
t)     Em 24-09-2016, procedeu-se ao arresto de bens do insolvente, no processo n.º 179/14...., ..., Instância Central, ... Secção Criminal, J..., nomeadamente depósitos bancários, imóveis, veículos e quotas de sociedade;
u) Em 26-09-2016, procedeu-se ao arresto de bens do insolvente, no processo n.º 179/14...., ..., Instância Central, ... Secção Criminal, J..., concretamente o recheio da sua habitação;
v) Face aos aludidos sucessivos arrestos dos bens do insolvente, nomeadamente das suas contas bancárias, o insolvente deixou de ter condições para cumprir as obrigações que tinha assumido para com os seus credores, designadamente para com o “Banco Comercial Português, S.A.”, para com o “Banco Popular, Portugal, S.A”, para com a Segurança Social, para com o Serviço de Finanças e para com a ora requerente;
w) Desde que o insolvente foi detido deixou de trabalhar para a requerente e foi despedido com junta causa pela mesma;
x) O insolvente ainda não pagou o valor aludido em l);
y) O insolvente desenvolveu actividade de técnico oficial de contas/contabilista certificado na empresa “Arcol, S. A.”, anteriormente designada como “A. Rodrigues Correia Lopes - Bebidas e Alimentação, S. A.”, tendo-a exercido como trabalhador por conta de outrem desde 01.07.2000 até à data em que a cessou em 04.09.2014, dada a sua detenção em 05.09.14 e posterior condenação no âmbito do referido processo n.º 1791/14..., para além de exercer funções de gerente na sociedade “Dolce Peças Comércio de Peças, Lda.” e noutras sociedades;
z) Anteriormente à condenação e cumprimento de pena, o insolvente desfrutava de uma situação financeira “equilibrada”, permitindo-lhe a si e à sua família levar o seu dia-a-dia “sem grandes restrições”, sendo os seus gastos mais elevados relativos ao crédito à habitação e para o pagamento da mensalidade escolar dos seus filhos;
aa) Foram reconhecidos créditos no valor total de € 2.330.919,65, nos termos que constam da relação de credores de fls. 3 e seguintes do apenso de reclamação de créditos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, para além do crédito verificado ulteriormente, reclamado pelo Ministério Público, no apenso “E”, no valor de € 2.461,36, de natureza comum. Foram apresentadas reclamações designadamente pelo “Banco Popular Portugal, S.A”, referente a contrato de empréstimo celebrado a 04-07-2014, com o requerido e BB, no valor de €60.000,00 e não pagaram a prestação vencida em 04-03-2015, estando em dívida o capital de € 27.914,70, acrescido de juros; pelo “Instituo da Segurança Social, IP”, porque o requerido era responsável solidário das dívidas da sociedade “Dolce Peças Comércio de Peças, Lda.” e, na sequência de reversão, constituiu-se devedor da quantia de € 4.483,10, acrescido de juros, sendo a dívida referente a contribuições dos meses de Maio de 2014 a Novembro de 2015; pelo Ministério Público, no valor global de € 61.205,90, referentes a IRS, IMI - vencidos após 30 de Abril de 2016 -, IUC - vencido após 19-10-2016 e 18-01-2017 -, coimas e encargos de processos de contra-ordenação e respectivas custas; pela “A. Rodrigues Correia Lopes - Bebidas e Alimentação, S.A”, ora denominada “Arcol, S.A”, requerente deste incidente, que invocou a decisão proferida no âmbito do referido processo do Juiz ..., do Juízo Central Criminal ..., e a execução a correr nos próprios autos, para pagamento da quantia total de € 1.882.271,89, tendo por base a referida sentença condenatória do aqui requerido, já com os juros entretanto vencidos; pelo “Banco Comercial Português, S.A”, referente a contrato de mútuo celebrado a 27-08-2003, entre o reclamante, o insolvente e a então esposa, no valor de € 130.000,00, com data de incumprimento e de vencimento em 25-01-2016, sendo o total em dívida, com juros, de € 101.733,79, garantido por hipoteca, e contrato de mútuo celebrado na mesma altura, no valor de € 110.000,00, com data de incumprimento e de vencimento de € 25-12-2015, sendo o total em dívida, com juros, de 86.476,56, garantido por hipoteca; contrato celebrado a 04-11-2014, de € 18.000,00, data de incumprimento de 04-04-2015 e em dívida € 15.230,00 e com juros € 19.970,48, para além de crédito para regularização de responsabilidades, vencido em 02-06-2015, de contrato de locação imobiliária, dendo a data da última prestação paga 28-12-2015, de garantias bancárias;
bb) Foram apreendidos até ao momento pelo Sr. Administrador da insolvência, que continua as diligências de apreensão, os bens que constam dos autos de apreensão de bens de fls. 2, 3, 9, 20 e verso, 33 e verso, 35, 36, 38 e verso, do apenso “A”, designadamente bens móveis de casa, veículos automóveis, a que foi atribuído o valor de € 12.915,00; imóveis e direito sobre imóvel, no total de € 203.410,08; meação em contas, de € 11.362,64; meações em quotas de sociedade, a que foi atribuído o valor de € 27.000,00; apólice no valor de € 10.000,00; meação em conta à ordem, de € 14.321,23, computadores e outros equipamentos informáticos, no valor de € 280,00; valores apreendidos no processo crime, de € 30.913,03; montante de crédito do insolvente na sociedade “MR Auto - Peças e Acessórios, Lda.”, de € 1.500,00 e montante de crédito do insolvente na sociedade “Saluscompet - Unipessoal, Lda.”, no valor de € 750,00;
cc) O insolvente nasceu a .../.../1969, em ..., e encontra-se divorciado desde Abril de 2015, embora o casal permaneça a residir na mesma casa, pelo menos por questões económicas. Com o insolvente e esposa, residem os dois filhos e a sogra do insolvente, que os tem auxiliado economicamente, para além do insolvente continuar a desenvolver actividade em algumas sociedades, auferindo valores variáveis que, concretamente, não foi possível apurar;
dd) Os filhos do insolvente nasceram, um a ..-..-2005 e o outro a ..-..-2001, sendo que ambos frequentavam o ensino privado antes da detenção do insolvente no âmbito do referido processo crime, pagando o insolvente e esposa cerca de € 200,00 mensais por cada um na respectiva instituição de ensino, sendo que após a detenção do insolvente e o processo crime passaram a frequentar o ensino público e actualmente o filho mas velho já frequenta um estágio;
ee) Do certificado de registo criminal do insolvente consta a condenação pela prática dos crimes supra aludidos, de falsificação e burla agravada, constando a data da prática 10-04-2009, e a condenação na pena de 3 anos e dois meses de prisão, e multa de 450 dias, à taxa diária de 25,00 €, sendo que o remanescente da pena a cumprir, uma vez que se encontrava em prisão preventiva desde 05-09-2014, deveria sê-lo em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 1, b), do Código Penal, ali constando como data da decisão 07-12-2016, trânsito em 08-05-2017 e data de emissão do boletim em 23-06-2017.
ff) Que desde 05-09-2014 o insolvente sabia, ou não podia ignorar, que não tinha qualquer perspectiva séria de vir a melhorar a sua situação económica. [Convertido de facto não provado 2) em facto provado e objecto de rectificação pela Relação.]

2.2. Factos não provados

1) Que a partir da data em que esteve a cumprir a pena de permanência na habitação, até 05.11.2017, o insolvente não tenha trabalhado nem auferido qualquer vencimento ou rendimento;
2) [Convertido em facto provado pela Relação.]
3) Que o insolvente tenha demonstrado estar a obstar ou a mostrar desinteresse pelo desenvolvimento do processo de insolvência.

2.3. Com interesse para a causa e julgamento do recurso (arts. 607º, 4, 1ª parte, 663º, 2, 679º, CPC), enuncia-se ainda que:

— no acórdão proferido pelo TR..., com data de 24/4/2017, transitado em julgado, referido no facto provado k), com menção expressa de ao acórdão se referir “nos termos que constam de fls. 6 verso e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos”, foram considerados provados os seguintes factos (com sublinhado nosso):

“[Da acusação]
(…)
2. O arguido [aqui Requerido insolvente] desde o dia 01 de julho de 2000 até ao dia 04 de setembro de 2014 – dia em que foi detido à ordem dos presentes autos – foi funcionário da assistente [aqui Requerente] desempenhando nela as funções de contabilista e de Técnico Oficial de Contas (TOC) e sendo desde aquela altura e até ao dia 12 de agosto de 2014 o único responsável pela contabilidade da mesma;
3. Toda a contabilidade da empresa, que incluía o processamento dos documentos contabilísticos, pagamentos de todos os impostos, elaboração e envio das declarações periódicas do IVA, e tudo o mais que dissesse respeito à contabilidade era feito exclusivamente pelo arguido, sendo que toda a documentação contabilística era enviada através da aposição da sua vinheta como TOC ou da inserção do seu código electrónico de TOC quando processada via internet;
4. Beneficiando das relações de confiança que exercia na sociedade comercial assistente e, bem assim, da relação de confiança que mantinha com os legais representantes da mesma o arguido, desde o dia 10 de abril de 2009 até ao dia 18 de junho [julho: lapso de escrita] de 2014 apoderou-se de quantias monetárias cujo montante global ascende a € 1.765.234, 43;
(…)
171. No dia 07 de maio de 2014, foi debitado na conta bancária da queixosa [aqui Requerente] o cheque n.º (…), no valor de € 36.768,05, que havia sido solicitado pelo arguido para efetuar o alegado pagamento de impostos, ao abrigo de guias forjadas;
172. Por se ter convencido que o referido cheque era o título de pagamento válido e que aquele valor correspondia à verdade a administração da queixosa assinou-o e entregou-o ao arguido.
173. Porém, tal pagamento de impostos não ocorreu, sendo que o arguido adulterou os lançamentos na contabilidade, imputando esses pagamentos a uma conta “22 – Fornecedores” ao invés de o fazer na conta “24 – Estados e Outros Entes Públicos”, ocultando assim o seu ato;
174. O arguido, na posse do referido cheque, já assinado pela administração da queixosa, apôs nele a firma MIRAUTO, LDA no campo “à ordem de”, e depositou-o na conta n. (…), apondo no seu verso o carimbo da gerência da empresa e a sua própria rubrica causando-lhe, desta forma, o prejuízo respetivo;
175. No dia 17 de junho de 2014 foi debitado na conta bancária da queixosa n.º (…) o cheque do Millenium BCP n.º (…), datado de 12.06.2014, no valor de € 33.023,75, que o arguido preencheu e entregou à administração da queixosa para assinar;
176. O arguido comunicou à administração da queixosa que o dito cheque se destinava ao pagamento de impostos de IRC, conforme guias, que adulterou, que nessa altura apresentou para suportar aquele valor.
177. Porém, tal pagamento de impostos não ocorreu, sendo que o arguido adulterou os lançamentos na contabilidade, imputando esses pagamentos na denominada conta “22 Fornecedores” ao invés de o fazer na conta “24 – Estados e Outros Entes Públicos”, ocultando assim o seu ato;
178. No dia 18 de Julho de 2014, o arguido eliminou este movimento na conta 22 e o valor a crédito na conta ... (Banco Millenium BCP) foi substituído pela reclassificação de vários documentos de suporte que adulterou para atingir aquele valor de € 33.023,75, desde faturas, notas de débito e lançamentos nas contas de clientes e na conta ... (BCP), movimentos esses que nunca existiram;
179. O arguido, na posse do referido cheque, já assinado pela administração da queixosa, apôs nele a firma MIRAUTO, LDA no campo “à ordem de”, e depositou-o na conta n.º (…) daquela empresa, apondo no seu verso o carimbo da gerência da empresa e a sua própria rubrica causando-lhe, assim, o prejuízo respetivo;
180. No dia 14 de Julho de 2014 o arguido emitiu um aviso de pagamento interno no valor de € 37.255,75, para pretenso pagamento de IRS, tendo recolhido nos serviços da queixosa o cheque n.- (…) alegando que se destinava ao respetivo pagamento;
181. Por se ter convencido que o referido cheque era o título de pagamento válido e que o referido valor correspondia à verdade a administração da queixosa assinou-o e entregou-o ao arguido;
182. Na posse do referido cheque o arguido apôs nele a firma MIRAUTO, LDA no campo “à ordem de” [e] depositou-o na conta n.º (…) titulada pela sociedade “Mirauto, Lda”, vindo a ser debitado na conta n.º (…), titulada pela queixosa no dia 15 de julho de 2014 causando-lhe desta forma o prejuízo respetivo;
183. Posteriormente, o arguido forjou o lançamento na contabilidade, de forma que o pagamento efetuado (que deveria ser lançado a débito da conta “24 – Estado e outros Entes Públicos”, conta em constante controlo contabilístico) fosse lançado numa conta “31 Compras”, onde se registam as compras de mercadorias efetuadas pela empresa e que, por natureza, não é passível de controlo periódico;
184. O arguido é sócio e o único atual gerente da referida sociedade “M..., Lda.”, NIPC (…), com sede em ... (...);
185. A sociedade queixosa jamais teve qualquer relação comercial ou outras com aquela sociedade, nunca tendo existido qualquer fornecimento de bens ou serviços que justificasse a emissão dos cheques supra mencionados e/ou outros.
(…)
198. No ano de 2014 o arguido utilizou a quantia de 152.771,24 euros que havia obtido através da prática ilícita supra descrita e depositado na conta n.º (…), titulada pela sociedade “Mirauto, Lda”, através da emissão de cheque, para contas domiciliadas no ... e, bem assim, noutras instituições bancárias;
199. No ano de 2014 o arguido utilizou a quantia de € 323.081,35 que havia obtido através da prática ilícita supra descrita e depositado na conta n.º (…), titulada pela sociedade “Mirauto, Lda”, para pagamento de uma letra bancária (…);
200. No ano de 2014 o arguido utilizou a quantia de € 2.075,00 que havia obtido através da prática ilícita supra descrita e depositado na conta n.º (…), titulada pela sociedade “Mirauto, Lda”, para efetuar diversas transferências para uma outra conta da qual esta sociedade é igualmente titular;
201. No ano de 2014 o arguido utilizou a quantia de € 27.102,55 que havia obtido através da prática ilícita supra descrita e depositado na conta n.º (…), titulada pela sociedade “Mirauto, Lda”, para efetuar pagamentos de impostos, quer à DGT quer à Segurança Social, bem como, de serviços e transferências para contas de particulares;
202. O arguido utilizou o dinheiro obtido através da prática ilícita supra descrita para subscrever junto da “Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros” apólices de seguros de vida e não vida no valor de 161.755,00 euros;
203. O arguido conhecedor arquitetou um plano para, utilizando o estratagema delineado, fazer suas importâncias, a que não tinha direito, em prejuízo da assistente;
204. O arguido exerceu diretamente o engano sobre a assistente, criou-lhe representação falsas utilizando para tanto documentos que adulterava, bem sabendo que, assim, colocava em crise a credibilidade e a confiança que a generalidade das pessoas deposita nos mesmos;
205. De igual forma o arguido explorou patrimonialmente a assistente, na base de uma relação de  que abusou, bem sabendo que sem aquele estratagema nunca a assistente lhe teria entregado as quantias supra mencionadas e que no valor global ascendem a € 1.765.234, 43 (…);
206. Agiu o arguido de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei;
[Do pedido de indemnização civil]
207. Como consequência direta, necessária e adequada da conduta do arguido, acima descrita, a demandante sofreu um prejuízo no valor total de 1.765.234, 43 euros.
208. Na sequência de um processo disciplinar que foi instaurado pela demandante civil ao arguido/demandado civil, aos 8.9.2014, este foi despedido com justa causa, conforme decisão que lhe foi comunicada por carta registada de 9.10.2014 e que o mesmo rececionou em 10.10.2014.”


3. Direito aplicável

3.1. Violação do art. 662º do CPC na reapreciação da matéria de facto pela Relação

3.1.1. O Recorrente reage contra o acórdão proferido pela Relação, pedindo a repristinação do decidido em 1.ª instância, sustentando no essencial que foram violadas as regras sobre a apreciação dos meios de prova previstas no art. 662º, 1 («A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuseram decisão diversa.»), sendo esta norma adjectivo-processual susceptível de fundar a revista nos termos do art. 674º, 1, b), do CPC, ainda que sempre limitada pela regra obstativa do art. 662º, 4, do CPC («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»).
Em particular, o Recorrente sustenta que o acórdão recorrido violou as regras que presidem à modificação operada na matéria de facto, no que toca à conversão, com alteração (e também rectificação prévia), do facto não provado 2) em facto provado – que se incluiu como ff) no rol do respectivo elenco.   

3.1.2. O excerto pertinente do acórdão recorrido encontra-se na seguinte passagem:

“Pretende a recorrente a reapreciação da prova quanto aos pontos 2) e 3) da decisão sobre matéria de facto julgados não provados, por considerar inválidos os argumentos plasmados na sentença que fundamentaram a resposta negativa a esses facto, face à restante prova produzida.
Nos termos do art. 662º, n.º 1, do CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
A recorrente faz considerações de carácter lógico sobre a prova e sobre a restante factualidade, julgada provada, não tendo indicado quaisquer passagens, por referência ao tempo de gravação, ou transcrito excertos de declarações de parte ou depoimentos, que, no seu entender, apoiem a sua tese, o que levou o recorrido a suscitar a questão prévia da rejeição do recurso sobre matéria de facto. Assim, por imposição do aludido n.º 1 do art.º 640.º do CPC, não há lugar à reapreciação de prova gravada, mas apenas à aferição da matéria de facto sob impugnação em termos de presunção natural, em ordem à expurgação de possíveis incongruências lógicas.
Nessa perspectiva, afigura-se assistir razão à recorrente quanto à matéria do ponto 2): se está assente que o recorrido foi detido e ficou em prisão preventiva em 05.09.2014, que a sentença da 1ª instância foi proferida em 07.12.2016, a qual lhe impôs uma pena única de 3 anos e dois meses de prisão e 450 dias de multa à taxa diária de € 25,00, ainda que com substituição do remanescente da pena de prisão pela pena de regime de permanência na habitação, então o recorrido não podia continuar a trabalhar, quer por estar privado de liberdade, quer por ter sido despedido com justa causa, impondo-se à evidência a conclusão de que sabia, ou não podia ignorar, que não tinha qualquer perspectiva séria de vir a melhorar a sua situação económica. Vai, por isso, tal ponto invertido para “provado”, ainda que expurgado do segmento de natureza jurídica ou valorativa “sem culpa grave”.”

*

Ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau).
Resulta da análise da apreciação dessa referida impugnação da matéria de facto não provada que o acórdão recorrido:
— sindicou a observância dos ónus exigidos pelo art. 640º, 1 e 2, do CPC e, verificado o seu incumprimento, determinou que não poderia haver lugar à “reapreciação de prova gravada”;
— procedeu à “aferição da matéria de facto sob impugnação em termos de presunção natural, em ordem à expurgação de possíveis incongruências lógicas” – o que é absolutamente legítimo e habilitado pelo art. 607º, 4, in fine, do CPC, aplicável por força do art. 663º, 2, e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC (com a salvaguarda da 2ª parte do último dos preceitos, o que não é o caso do objecto da presente impugnação).
Recorde-se que a 2.ª instância se assume como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, ainda que sem as virtualidades da 1.ª instância, mas com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo[1].

Na verdade, o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, naturalmente maximizado quando no processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa, que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[2] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[3].
Ora, neste enquadramento de apenas verificar se a Relação, quanto ao modo de exercício de tais poderes, agiu dentro dos limites da lei para esses poderes serem exercidos[4], verifica-se uma (re)apreciação sem desconformidade legal, sem vícios no contexto dos meios de prova, no âmbito e no contexto desses poderes, em que se encontra sem dúvida a elaboração dedutiva ou indutiva de presunção judicial ou de facto, se e enquanto tal (decisão sobre matéria de facto) insindicável pelo STJ de acordo com os arts. 674º, 3, e 662º, 4, do CPC.
O único controlo que esta instância poderia fazer nesse capítulo é conferir se o iter percorrido para tirar a presunção respeitou as regras legais do procedimento probatório (existência de factos-base, admissibilidade e inexistência de ilogicidade manifesta). Contudo, relativamente à mesma não foi expressa e especificamente alegada a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349º e 351º do CCiv.), a sua incoerência lógica (antes se defenderam em contraponto as considerações da 1.ª instância, num contexto de prova diferenciado) e a fundamentação probatória de base quanto aos factos conhecidos.
De todo o modo, sempre se diga que o acórdão recorrido sustentou a aquisição do facto presumido nos factos instrumentais resultantes do facto provado ee) – a saber, “o recorrido foi detido e ficou em prisão preventiva em 05.09.2014, que a sentença da 1ª instância foi proferida em 07.12.2016, a qual lhe impôs uma pena única de 3 anos e dois meses de prisão e 450 dias de multa à taxa diária de € 25,00, ainda que com substituição do remanescente da pena de prisão pela pena de regime de permanência na habitação” –, que conferem consistência e coerência às ilações extraídas para a fixação como provado do facto presumido – “então o recorrido não podia continuar a trabalhar, quer por estar privado de liberdade, quer por ter sido despedido com justa causa [cfr. facto provado w)], impondo-se à evidência a conclusão de que sabia, ou não podia ignorar, que não tinha qualquer perspectiva séria de vir a melhorar a sua situação económica”. Não se vislumbra aqui que o juízo indutivo padeça da mínima ilogicidade, sendo manifesto, por fim, que a contestada presunção é admissível por lei e apoia-se em factos demonstrados e conhecidos nos autos.
Soçobra, por isso, manifestamente, a pretensão do Recorrente quanto à ilicitude da modificação supostamente viciada, afectando inexoravelmente as Conclusões pertinentes A) a E).


3.2. A qualificação da insolvência à luz do art. 186º do CIRE
 
3.2.1. Para este efeito, o acórdão recorrido começa por considerar:

“Sustenta a recorrente encontrar-se o recorrido incurso na presunção inilidível de culpa estabelecida na al. i) do n.º 2 do art. 186.º, que sanciona o incumprimento reiterado do dever de colaboração até ao momento da elaboração do parecer do administrador da insolvência, que é liminarmente de desconsiderar, face à não prova do ponto 3) mencionado, não bastando o que vem provado sob g) e h) para configurar incumprimento reiterado.
De afastar igualmente se mostra a presunção ilidível de culpa estabelecida na alínea a) do nº 3 do artigo 186º, que a recorrente invoca, sustentando que o recorrido não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou de requerer a declaração de insolvência. Ora, nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do CIRE, “O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”. Exceptuando, todavia, desse dever de apresentação à insolvência as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência. Qualidade que o recorrido não detinha, quer no momento da prática dos factos ilícitos, em que era trabalhador subordinado da recorrente, quer naquela em que se encontrou impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, quando se encontrava privado de liberdade em consequência da prática de tais factos. Clarificando o n.º 5 do art.º 186.º do CIRE que “Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente”. Inexistia, assim, por parte do recorrido, pessoa singular não titular de empresa, qualquer dever relevante de apresentação à insolvência.”
           
Não obstante, invertendo a decisão de 1.ª instância, o acórdão recorrido concluiu que era de qualificar como “culposa” a insolvência do requerido insolvente:

“(…) na hipótese vertente torna-se desnecessário recorrer às presunções de culpa estabelecidas pelos n.os 2 e 3 daquele art. 186.º para perfeitamente caracterizar a culpa grave do recorrido na criação da situação de insolvência. Como muito justamente refere a recorrente, a actuação do recorrido, provada no processo-crime, com sentença transitada em julgado que o condenou pela prática de dois crimes dolosos, um dos quais contra o património da recorrente, geradora de responsabilidade civil extracontratual pelo pagamento à recorrente da quantia de € 1.765.234,43 e juros legais, é altamente censurável, e foi apta a causar ou a agravar a situação de insolvência, tal como previsto no n.º 1 do aludido art. 186.º do CIRE.
Ora, constata-se, porém, que a douta sentença recorrida descartou tais factos por considerá-los não abrangidos pelo âmbito temporal de três anos anteriores ao início do processo de insolvência definido por aquele n.º 1 do art.º 186.º do CIRE. Como aí se lê, “perscrutando a matéria de facto que foi dada como provada no âmbito do processo crime a que alude a requerente e que consubstancia em grande parte a sua fundamentação para a qualificação da insolvência como culposa, e para além dos argumentos invocados pelo insolvente, que atender ao facto da esmagadora maioria dos actos que foram praticados pelo ora insolvente, foram-no mais de três anos antes da entrada do processo de insolvência (que deu entrada em tribunal a 09-03-2017). Na verdade, como resulta do Acórdão da Relação ..., cuja cópia se encontra a fls. 6 verso e seguintes, e que transcreveu os factos assentes na decisão da 1.ª instância, também junta aos autos, e os considerou, os actos praticados pelo insolvente, com a retirada de valores da requerente deste incidente, no âmbito das funções que exercia, iniciaram-se em 10 de Abril de 2009. Ora, os actos praticados dentro dos três anos antes do início do processo de insolvência, como se disse, a 09-03-2017, ou seja, os actos praticados a partir de 09-03-2014, podem aqui, neste incidente, ser considerados. E, o montante dos valores retirados nesse período que aqui pode ser atendido, ascenderia ao total de 107.047,55, muito diferente do valor do prejuízo causado durante todos os referidos anos, no total de 1.765.234,34. Acresce que o tribunal criminal entendeu que houve uma única resolução criminosa do aqui insolvente, quando iniciou da forma descrita na decisão criminal, a retirada a seu favor ou de sociedade que geria, para além de resultar de toda a factualidade ali dada como provada, que o insolvente aplicou tais valores em pagamentos de dívidas suas e daquela sociedade, designadamente no pagamento de prestações mensais de créditos hipotecários, letras bancárias, impostos, e à Segurança Social. Pelo que, nem se percebe se usou dinheiro para pagar aos seus credores e agora tem é a dívida à entidade patronal, da qual nunca poderá ser exonerado (cfr. artigo 245.º, n.º 2, al. b), do CIRE), assim como não ficará exonerado das restantes dívidas tributárias e as dívidas por multas (cfr. o mesmo artigo, n.º 2, als. c) e d))”.
Com o devido respeito, crê-se não dever aqui subscrever-se tais considerações.
“O crime continuado caracteriza-se por uma ou mais acções ou omissões separadas por um certo tempo que, não obstante integrar cada uma delas por separado a mesma figura fundamental de delito, se valeram como um só em razão à homogeneidade dos seus elementos ou porque está formado por vários actos cada um dos quais, estimado isoladamente, reúne todas as características de um delito consumado ou tentado, mas que se qualificam globalmente como se constituíssem um só delito” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-2017, Proc.º 889/14.6GBLLE.S1, in www.dgsi.pt). Trata-se de uma figura jurídico-criminal de qualificação de várias condutas do arguido, que se assim se qualificam com base na culpa, como dolo conjunto, dolo continuado ou como culpabilidade homogénea. No plano das consequências civis dessas várias condutas, nada existe na lei que pressuponha o seu tratamento em termos semelhantes aos do crime continuado. Cada facto ilícito gera, de per si, a responsabilidade civil do agente, e se houvesse lugar a prescrição do direito à indemnização, nunca o respectivo prazo se contaria a partir da primeira conduta ilícita praticada. Em sede de direito insolvencial, as coisas funcionam em termos equivalentes: se houver factos dolosos ou com culpa grave, susceptíveis de agravar a situação insolvência do devedor, já anteriormente criada em consequência de uma actuação susceptível de inscrever-se no quadro de um crime continuado, aqueles factos agravadores são relevantes para a qualificação da insolvência, se couberem no âmbito temporal definido pelo n.º 1 do art.º 186.º do CIRE.
Ora, o acórdão a que se refere o ponto k) supra, com trânsito em julgado, deu como provados actos do recorrido consubstanciadores de crimes contra o património praticados em 7/5, 17/6, 14/7 e 18/7, todos de 2014, e menos de 3 anos antes do início do processo principal de insolvência, que foi instaurado a 09-03-2017. Nem se diga que o montante dos valores retirados nesse período, e que ascende ao total de € 107.047,55, não pode aqui ser atendido, porque muito inferior ao do valor do prejuízo causado. Trata-se já de valor muito considerável, representando um agravamento sensível de responsabilidades já de si elevadíssimas.” (Sublinhado final da nossa responsabilidade.)

3.2.2. Na tese do recorrente, os factos considerados como provados no processo-crime em referência, apreendidos na matéria de facto provada dos autos nos termos do facto provado k), não poderiam ser tomados em conta, uma vez que a responsabilidade criminal e civil decretada nesse processo excluiriam a qualificação da insolvência como culposa e o decretamento dos seus efeitos.
Por ora, esta é a única questão que se coloca – uma vez que tais efeitos, nomeadamente a responsabilidade insolvencial prevista no art. 189º, 2, e), do CIRE (aquela que justamente poderá ser decretada em concurso com as responsabilidades julgadas e decididas anteriormente), para sujeito afectado pela qualificação será aferida e determinada em momento ulterior a essa qualificação, se for de considerar culposa, o que agora se decidirá nesta instância. E, nesse contexto, será naturalmente dilucidada a comunicação e concurso com as responsabilidades já imputadas ao requerido insolvente em relação à requerente (queixosa, assistente e demandante no processo crime com indemnização cível) e, se assim for de entender, a comunicação com o regime previsto no art. 245º do CIRE.
Assim sendo, não se discute ainda a eventual sobreposição de sanções, o que preclude que se discuta nesta sede uma alegada ofensa de caso julgado quanto às anteriores condenações, muito menos uma alegada violação do princípio ne bis in idem.

3.2.3. A insolvência qualifica-se como “culposa” (em detrimento de “fortuita”: arts. 185º CIRE, 81º e ss do CIRE) «quando a situação [de insol­vência] tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência» (art. 186º, 1, CIRE), aos quais acrescem outros sujeitos, como contabilistas certificados e revisores oficiais de contas (art. 189º, 2, a), CIRE).

Os n.os 2 e 3 elencam um conjunto de factos exemplificativos de actuação susceptível de produção ou agravamento de insolvência efectiva do devedor que não seja pessoa singular de acordo com a cláusula geral do art. 186º, 1[5]. Mas não só: o n.º 2 elenca factos que constituem presunções iuris et de iure da existência de comportamento culposo (doloso ou com negligência grosseira e consciente) no surgimento ou no agravamento do estado de insolvência; por sua vez, o n.º 3 adiciona comportamentos que traduzem presunções iuris tantum de «culpa grave» (isto é, comportamento não doloso mas com negligência consciente e grosseira); sempre em referência à actuação do adminis­trador, tanto o de direito como o de facto.[6] Sendo este – agora na perspectiva do estabelecimento dessas presunções – um elenco fechado.
            Chegados ao n.º 4 do art. 186º, a lei faz aplicar os anteriores n.os 2 e 3, «com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade de situações».
Seja como for, só relevam para a qualificação como culposa factos causadores ou agravantes da situação de insolvência que tenham ocorrido no lapso temporal de três anos anteriores ao início do processo de insolvência [7] – no caso, 9/3/2017 (facto provado a)).
E, adicional e cumulativamente para essa qualificação ser procedente, necessitados de alegação e prova:
— facto ou factos causalmente adequados à criação ou agravamento da situação de insolvência (nexo de causalidade ou de imputação); 
— facto ou factos culposos (de acordo com a cláusula geral e/ou com o “duplo sistema de presunções legais”[8] referido).

3.2.4. Os factos provados na decisão penal condenatória do requerido insolvente podem e devem ser dados como provados no incidente de qualificação, uma vez que o arguido condenado é o requerente insolvente visado no propósito do incidente de qualificação e no processo-crime foi-lhe dada a oportunidade de contraditar a matéria da acusação, impondo-se-lhe a eficácia “erga omnes” da sentença penal.
Nesta sede, deverá ser convocado o disposto no art. 623º do CPC («Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória»), que estabelece, em relação a terceiros, uma presunção ilidível no que se refere à «existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam à formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração». Em termos de procedimento probatório, a actuação desta presunção implica que o sujeito que dela beneficia está dispensado de provar os factos, apurados na sentença penal, que revestem na acção civil (em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas) a categoria de “factos constitutivos” (em relação ao arguido). A “prova” da base da presunção cumpre-se com a junção da certidão da sentença condenatória definitiva e o autor fica desonerado de demonstrar os “factos presumidos” (os factos que constam da fundamentação da sentença penal) que lhe aproveitam enquanto pressuposto da norma ou do regime que invoca[9]; porém, aos terceiros estranhos ao processo penal, em homenagem ao princípio do contraditório, a lei permite que essa imposição factual fora do processo penal possa ser afastada.
Porém, no caso de um incidente pleno de qualificação da insolvência, os terceiros – a saber, o administrador da insolvência e os interessados em requerer o incidente (arts. 188º, 1, 189º, 2, e), do CIRE) – não têm qualquer interesse em ilidir a presunção, que os favorece no intento requerido de qualificação. Quem nisso tem interesse é o insolvente requerido; mas não sendo, como arguido e condenado na sentença penal, um terceiro interveniente em relação ao processo penal, como são aqueles que o art. 623º do CPC prevê, não lhe assiste a faculdade de ilidir a referida presunção. Como sempre não assistiria a intervenientes no incidente insolvencial que já tivessem participado no processo penal, como é o caso da aqui requerente, que foi queixosa, assistente e demandante civil no processo penal.
Logo, em rigor, os factos assentes e provados na sentença penal condenatória não podem ser objecto de posterior discussão no incidente pleno de qualificação da insolvência por incompatibilidade com a estrutura e tramitação do próprio incidente. Tornam-se definitivos (por razões de identidade objectiva) quanto tomados em consideração para esse efeito da eficácia probatória extra-processual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado[10], ainda por efeito (mesmo que num sentido amplo) da autoridade de “caso julgado” constituído pela sentença penal proferida contra o arguido e invocado noutra acção quanto aos seus fundamentos de facto considerados em si mesmo[11] – ainda por efeito, assim, do art. 623º do CPC. [12]   
Logo, é lícito esse aproveitamento extra-processual dos factos provados na sentença condenatória[13], sendo depois feita a sua subsunção de acordo com os conceitos e regime do próprio incidente de qualificação da insolvência[14]. Logo, relevam para a ponderação a fazer dos comportamentos considerados provados no processo-crime, com decisão transitada em julgado após o acórdão proferido pelo TR.…, aqueles que tiveram lugar após 9 de Março de 2014.
Ora, esses são justamente os considerados nos pontos 171. a 183. do acórdão proferido pelo TR..., tal como transcritos supra, correspondentes à actuação do requerido insolvente em relação a comportamentos ocorridos em 7 de Maio, 17 de Junho, 14 de Julho e 19 de Julho de 2014 – tal como reconhecido uniformemente pelas instâncias –, que, ainda que inseridos num complexo múltiplo e heterogéneo de factos ilicitamente praticados pelo insolvente ao longo de um arco temporal mais amplo, são aproveitáveis na circunscrição de tempo relevante, para se fazer um juízo sobre causação ou agravamento da situação de insolvência, em conjugação com os factos provados nos pontos 2. a 4., 184.-185. e 186. a 205. dos também factos provados nesse acórdão do TR....

3.2.5. Tais comportamentos são os últimos dados como provados como fazendo parte de uma actuação prolongada no tempo, desde Abril de 2009, traduzidos, em síntese, na apropriação indevida e ilícita de quantias monetárias da sociedade requerente, cujo montante global ascende a € 1.765.234, 43, forjando, adulterando e comunicando, na qualidade de contabilista/TOC em regime de trabalho subordinado, à sociedade lesada finalidades inexistentes ou simuladas para a aplicação dessas quantias, e, pelo menos no período relevante desses três anos, desviando-as para uma sociedade de que era sócio e gerente único (e ainda outra de que esta é sócia).
Mais se provou que nesse período relevante de três anos as quantias apropriadas ascenderam ao montante de € 107.047,55.
Ainda mais se provou que tais quantias foram utilizadas, durante o ano de 2014, para depósitos bancários e pagamento de dívidas alheias (em particular suas e daquela sociedade de que era sócio e único gerente), designadamente no pagamento de letras bancárias, ao Fisco e à Segurança Social, e ainda relativas à subscrição de seguros, tudo no âmbito de “um plano para, utilizando o estratagema delineado, fazer suas importâncias, a que não tinha direito”, tendo explorado “patrimonialmente a assistente, na base de uma relação de que abusou, bem sabendo que sem aquele estratagema nunca a assistente lhe teria entregado as quantias supra mencionadas”.
O que basta para a previsão legal é a data da ocorrência dos factos que são susceptíveis de originar e produzir a apontada qualificação[15], ainda que num período temporal mais restrito do que todo o tempo de duração e ocorrência da totalidade de todos os factos ilícitos e censuráveis, desde que esses se traduzam em causalidade e censura para o resultado danoso – a insolvência e frustração do interesse de satisfação dos credores.
Desta actuação – ainda que, no caso que se aprecia, parcialmente circunscrita aos referidos comportamentos de 2014 – resultou (v. factos provados a) a i), k) a x e aa)):
(i) o processo-crime, resultante de queixa apresentada pela sociedade lesada, aqui requerente;
(ii) a detenção do requerido insolvente em 4/9/2014;
(iii) a condenação judicial na pena de 3 anos e dois meses de prisão, substituída pela pena em regime de permanência na habitação e 450 dias de multa à taxa diária de € 25,00;
(iv) a condenação judicial no pagamento de indemnização cível à demandante civil, aqui requerente, da quantia de € 1.765.234,43, acrescida de juros legais;
(v) o arresto de bens do requerido insolvente, a partir de 8/12/2014, a requerimento da requerente deste incidente e do Ministério Público, nomeadamente imóveis e móveis (veículos automóveis e recheio da habitação), depósitos/saldos bancários, quotas sociais, valores mobiliários, apólices de seguros;
(vi) o despedimento com justa causa operado pela requerente, sua entidade patronal;
 (vii) a impossibilidade de pagamento aos seus credores, em especial para com bancos, Segurança Social e a requerente;
 (viii) o requerimento e a declaração de insolvência;
(ix) o reconhecimento no processo de insolvência créditos no valor total de € 2.330.919,65 (facto provado aa)).

3.2.6. O facto-base considerado pelo art. 186º, 1, é um comportamento que cria ou agrava uma situação de insolvência.
A situação de insolvência é definida como a situação em que «o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas» (art. 3º, 1, do CIRE). Isto significa que esta impossibilidade de incumprimento assenta essencialmente na “falta de meios de pagamento ou bens de liquidez” (por ex., dinheiro e depósitos bancários, créditos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito convertíveis em dinheiro, etc.); e abrange, pelo menos e desde logo, uma ou algumas das obrigações vencidas (não necessariamente todas) que, “pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento revelem uma situação deficitária entre o valor dos meios de liquidez e o valor de todas as obrigações vencidas”[16] (o n.º 4 do art. 3º não se aplica às pessoas singulares).
Logo, para se concluir que temos facto causalmente contributivo para a insolvência (em aproveitamento da aplicação adaptada do art. 563º do CCiv.) é necessário que tenhamos facto (acção ou omissão) que conduza, imediata e/ou mediatamente, à criação e/ou ao agravamento da situação económico-financeira e/ou à criação ou agravamento de condições impeditivas do cumprimento de ou das obrigações vencidas, com a inerente repercussão negativa na satisfação do interesse dos credores ao pagamento dos seus créditos. Por outras palavras, é necessário demonstrar que essa actuação se revelou apropriada, pela sua natureza, geral e abstracta, e segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência, a produzir ou a agravar a situação conducente à insolvência, de acordo com um juízo de previsibilidade e probabilidade na óptica de um observador experimentado médio, colocado na posição concreta do sujeito e em referência ao momento da verificação ou agravamento da insolvência (resultado-dano), quanto à imputação dessa situação à conduta[17]. Cairá essa adequação se a actuação se revelou de todo indiferente para que se espoletasse a previsão factual do art. 3º, 1, do CIRE e se tornou uma condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias ou anormais ou fortuitas ou imprevisíveis ou, ainda, quando a situação de insolvência sempre surgiria (ou se agravaria) com elevada probabilidade mesmo sem a actuação desviante do sujeito.
 Em contraponto, portanto, só há actuação causalmente adequada se a insolvência, criada ou agravada, se situa imputacionalmente na esfera ou círculo de riscos que sejam de prever (enquanto “cognoscibilidade do potencial lesante da esfera de risco que assume, que gera ou que incrementa”) e se assume como possibilidade derivada do desvio da conduta relativa à solvabilidade perante os credores, de tal modo que era de exigir o comportamento contrário ou alternativo para evitar os resultados. Em consequência, exclui-se a imputação quando o risco não foi criado ou quando haja diminuição de risco pela actuação do sujeito.[18]
O que se exige é que o facto do devedor insolvente ou dos seus representantes “administradores” (ou eventualmente outros sujeitos relacionados: v. art. 189º, 2, a), CIRE) seja objectivamente uma causa adequada para a produção lesiva tendo em conta o processo factual que conduziu à situação de insolvência vista como dano da sua actuação, pois é este que assim se integra na referida aptidão geral ou abstracta do facto[19]. Por isso, tanto serve a identificação do facto como evento único e exclusivo na causação do resultado, como a identificação do facto ou factos que foram condições posteriores que causaram directamente o resultado, desde que estas se mostrem consequência também adequada do facto que deu origem a essa ou essas condições – causalidade indirecta ou mediata[20].

Aqui chegados, há que considerar que a factualidade demonstrada nos autos é suficiente para demonstrar a imputação da situação de insolvência à actuação do insolvente num nexo de causalidade sucessiva e finalisticamente traduzida nessa situação de insolvência, imputável:

— em primeiro lugar, à sua actuação ilícita e criminalmente julgada na relação com a sua entidade patronal, ainda identificada no arco temporal dos últimos três anos antes do requerimento da insolvência e suficiente para a imputação insolvencial no quadro global dos actos ilícitos praticados desde 2009;

— em segundo lugar, a todos os factos e condições posteriores (v. pontos (i) a (vi) supra, ponto 3.2.5.), prováveis e previsíveis num juízo de normalidade quanto ao risco gerado em função da actuação ilícita criminal, e causados pela sua conduta originária e raiz da esfera de risco que se veio a concretizar, que o colocaram numa situação económica e jurídica insusceptível de cumprir as suas obrigações e, consequentemente, frustrar o interesses dos seus credores.

3.2.7. A lei exige que o sujeito poderia e deveria ter agido de forma diversa, desde que essa censura seja qualificada (doloso ou com negligência grosseira e consciente [«culpa grave»]) no surgimento ou no agravamento do estado de insolvência, tendo em conta o padrão do homem médio e as circunstâncias do caso (art. 487º, 2, CCiv.) – culpa.
No caso, o juízo de apreciação deve ser referido aos factos que, inseridos na actuação global e reiterada de comportamentos atentatórios do património da sociedade aqui requerente e sua entidade patronal, foram perpetrados no ano de 2014 e que ocasionaram, depois, todas as condições que constituíram causa(s) imediata(s) da insolvência do sujeito aqui requerido.
Tais comportamentos evidenciam que o sujeito depois insolvente previu e quis atingir os resultados lesivos para a aqui sociedade requerente, conhecendo as circunstâncias que integravam a violação dos direitos alheios e estando necessariamente consciente da ilicitude dos factos e do risco associado às suas possíveis consequências, uma vez averiguadas e conhecidas – dolo directo.
Ademais, em função das adaptações habilitadas pelo n.º 4 do art. 186º do CIRE para pessoa singular em regime de trabalho subordinado e na relação com a sua entidade patronal, podemos ainda acrescentar que tais factos – os identificados no ano de 2014 em relação ao arco temporal dos três anos pré-requerimento de insolvência – integram as previsões das als. d)Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.») e f) («Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto.»), do art. 186º, 2, do CIRE, que são, como vimos, presunções inilidíveis de culpa, sem necessidade de alegação e prova para esse efeito e preenchimento, nos termos gerais aplicáveis do art. 350º, 2, 2ª parte (e, adaptado, art. 487º, 1, in fine, do CCiv.).
 
Razões pelas quais teremos que concluir pela improcedência das razões expostas nas Conclusões F) a O).


III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido, também quanto à baixa dos autos à 1.ª instância para fixação ulterior dos efeitos decorrentes da qualificação da insolvência como culposa.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.



STJ/Lisboa, 8 de Fevereiro de 2022



Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


___________________________________________________


[1] V. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 662º, págs. 284 e ss, 290.
[2] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403. 
[3] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36; na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt. 
[4] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, pág. 313, sub art. 674º, pág. 403, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 594-595.
[5] RICARDO COSTA, “Gestão das sociedades em contexto de ‘crise de empresa’”, Estudos dispersos, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 57.
Referiu-se no Ac. do STJ de 19/10/2021, processo n.º 421/19.5T8GMR-A.G1.S1, Rel. PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt: estamos perante a “enunciação legal de situações típicas ou factos-índice de insolvência culposa”.
[6] V., com referências, RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014 (reimp. 2016), págs. 118 e ss.
[7] Em regra. Excepcionalmente, v. a al. i) do art. 186º, 2, do CIRE.
[8] ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um curso de direito da insolvência, Volume I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pág. 497.
[9] V., para a operatividade desta “presunção especial”, “cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos ‘presumidos’, mas sim uma ‘confiança’ na averiguação dos factos feita pelo juiz penal”, MARIA JOSÉ CAPELO, A sentença entre a autoridade e a prova. Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 214 e ss.
[10] Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017 (reimp. 2021), sub art. 623º, pág. 763,
[11] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A eficácia da composição da acção”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 580-581 (“essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos”).
[12] V., para esta conclusão, o argumentário expendido no Ac. do STJ de 9/12/2004, processo n.º 04B1764, Rel. BETTENCOURT DE FARIA, in www.dgsi.pt; na doutrina, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 623º, págs. 746-747.
[13] O disposto no art. 623º do CPC («Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória») – presunção ilidível no que se refere à «existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam à formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração» –  não se aplica em rigor ao incidente de qualificação da insolvência, em que ainda não se discutem essas relações jurídicas, nem estão em causa terceiros relativamente ao processo penal, ou seja, sujeitos que sejam titulares de uma relação jurídica dependente da infracção criminal. Neste sentido, v. RUI ESTRELA DE OLIVEIRA, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, O Direito, 2010, V, nt. 17 – pág. 942.
[14] Convergentes, no que respeita aos crimes previstos nos arts. 227º, 228 e 229º do CPenal: RUI ESTRELA DE OLIVEIRA, “Uma brevíssima incursão…”, loc. cit., págs. 941 e ss, RICARDO COSTA, Os administradores de facto… cit., nt. 235 – pág. 120.
[15] Ac. do STJ de 13/7/2021, processo n.º 18591/16.2T8LSB-D.L1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt.
[16] COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume I, Introdução. Atos de comércio. Comerciantes. Empresas. Sinais distintivos, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 134-135.
[17] Para o diálogo entre a “probabilidade” e a “previsibilidade” da situação concreta do sujeito e das suas circunstâncias no nexo da causalidade, v. PEREIRA COELHO, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, BFDUC, 1951, págs. 218 e ss, CARNEIRO DA FRADA, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 318 e ss, NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 664 e ss.

[18] Em sede do “nexo de imputação objectiva”, v. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de responsabilidade civil, Principia, Cascais, 2017, págs. 269-270.
[19] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. págs. 896-897.
[20] RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações, Lições ao 3.º Ano Jurídico, FDUC, Coimbra, 1983, pág. 286, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 766.