Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
258101/08.0YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: DUPLA CONFORME
RECURSO DE REVISTA
ELEMENTO RACIONAL OU TELEOLÓGICO
Data do Acordão: 10/30/2012
Votação: --------------
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO DE REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
Doutrina: - Pereira da Silva, Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em intervenção no âmbito do “Colóquio sobre o Processo Civil”, acessível através de www.stj.pt/coloquios.
- Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme: critério e âmbito da conformidade”, em Cadernos de Direito Privado, nº 21, págs. 21 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 700º, Nº 1, AL. H), 704º, Nº 1, 721.º, N.ºS 1 E 3, 721.º-A
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10-5-12 E DE 12-7-11, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 16-11-11; DE 5-7-12; DE 6-1-11; 27-1-10; DE 8-11-06;
-DE 8-9-11 E DE 7-7-10, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. A “dupla conforme” impeditiva do recurso de revista “normal”, nos termos do art. 721º, nº 3, do CPC, pressupõe que a Relação, sem qualquer voto de vencido, confirme a decisão da primeira instância.

2. Na interpretação de tal preceito importa que se pondere também o elemento racional ou teleológico, devendo assimilar-se ao conceito de “dupla conforme” a situação em que, relativamente à decisão ou segmento decisório que se pretende impugnar, a Relação profere uma decisão que se revela mais favorável ao recorrente do que a proferida pela primeira instância.

3. Tendo a primeira instância julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional, se a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo réu, tiver julgado parcialmente procedente a reconvenção, está vedada ao réu reconvinte a interposição de recurso de revista pela via do art. 721º, apenas sendo admissível nos termos previstos pelo art. 721º-A do CPC.

A.G.

Decisão Texto Integral:

1. A A. apresentou requerimento de injunção contra a R. referente ao pagamento da quantia de € 125.312,46, acrescido dos juros vencidos, no montante de € 3.229,97, e dos juros vincendos.

A R. contestou, pedindo que fosse declarada a compensação parcial dos seus créditos sobre a A. no valor de € 24.598,51, ficando reduzido o montante do crédito desta a € 104.207,92. Pediu ainda, em reconvenção, a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 158.233,43.

Foi proferida sentença que:

a) Depois de operar a compensação, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 104.207,92, com juros vencidos e vincendos até integral pagamento;

b) Absolveu a A. do pedido reconvencional.

Recorreu a R. e a Relação, no acórdão recorrido, por unanimidade, manteve a sua condenação da R. no pagamento à A. da quantia de € 104.207,97 €, com juros vencidos e vincendos até integral pagamento, e condenou a A. no pagamento à R. reconvinte da quantia de € 1.550,53.

Desse acórdão interpôs a R. recurso de revista, ao abrigo do art. 721º, nº 1, do CPC, insistindo na condenação da A. na totalidade do pedido reconvencional.

2. Apesar de não existir uma total coincidência quantitativa entre a sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação, estamos perante uma situação que deve ser qualificada como de dupla conforme, de tal modo que a interposição de recurso de revista teria de ser veiculada pela via da excepcionalidade prevista no art. 721º-A do CPC, e não pela via “normal” do art. 721º.

Com efeito, a diferença entre ambas as decisões circunscreve-se ao pedido reconvencional que, tendo sido julgado totalmente improcedente na 1ª instância, foi julgado parcialmente procedente na Relação.

Se a Relação tivesse confirmado integralmente a sentença também na parte em que apreciou a reconvenção, mantendo a absolvição da A. da totalidade do pedido reconvencional, era evidente que o acórdão seria insusceptível de impugnação através da interposição de recurso de revista “normal”, nos termos do art. 721º, nº 1, do CPC (conformidade do resultado e unanimidade dos subscritores). Em tal eventualidade, a impugnação em sede de revista ficaria condicionada à demonstração de alguma das situações excepcionais previstas no art. 721º-A, nº 1.

Neste contexto, aquela primeira via recursória também deve considerar-se encerrada em casos, como o dos autos, em que a parte interessada acabou por sair beneficiada (ainda que em proporção inferior à pretendida) pelo acórdão da Relação.

3. Trata-se de solução que se funda no argumento “por maioria de razão” que mais não traduz do que o relevo dado ao elemento teleológico na interpretação normativa, levando a que, a par do texto legal, se atenda aos motivos que estiveram na génese de uma determinada solução. Confluindo, assim, para soluções coerentes e racionais, acabam por ser rejeitados por essa via resultados que não se inscrevem nos objectivos propostos pelo legislador.

Tal solução foi exposta em primeira via por Teixeira de Sousa num artigo intitulado “Dupla Conforme: critério e âmbito da conformidade”, em Cadernos de Direito Privado, nº 21, págs. 21 e segs., com a concordância do Cons. Pereira da Silva, em intervenção no âmbito do “Colóquio sobre o Processo Civil”, realizado neste mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 27-5-10, acessível através de www.stj.pt/coloquios.

O mesmo entendimento vem ganhando apoio jurisprudencial, como o revelam os Acs. de 10-5-12 (Lopes do Rego) ou de 12-7-11 (João Bernardo), ambos acessíveis através de www.dgsi.pt.

Trata-se, aliás, de solução que também foi assumida no Ac. de 16-11-11 (Fernandes da Silva), no âmbito de um recurso de revista interposto em processo do foro laboral. Outrossim, no Ac. de 5-7-12 (Santos Carvalho), proferido no âmbito de um recurso sobre pedido cível em sede de processo penal.

Tal entendimento segue trajecto semelhante ao que na área central do processo penal leva a que se considere vedado o recurso para o Supremo por parte do arguido quando a Relação atenua a pena aplicada na primeira instância (v.g. Acs. de 6-1-11 – Rodrigues da Costa, 27-1-10, Isabel Pais Martins, ou de 8-11-06 – Sousa Fonte).

4. Não se desconhece que aquela primeira jurisprudência, no âmbito da revista cível, não é uniforme, como o demonstram arestos emanados da formação específica a que alude o art. 721º-A, nº 3, do CPC (v.g. os Acs. de 8-9-11 e de 7-7-10, in www.dgsi.pt).

Apesar disso, consideramos que deve prevalecer a primeira solução, por ser aquela que, sem desrespeitar o preceituado legal, acolhe com mais razoabilidade o elemento racional ou teleológico, evitando resultados desajustados a partir do relevo exclusivo de um elemento de natureza literal.

Com efeito, seguindo outra solução que exigisse para a verificação de uma situação de dupla conforme a total sobreposição ou identidade do segmento ou segmentos decisório, sem ponderar os seus diversos elementos, tratar-se-iam de forma mais garantística - com abertura de um 3º grau de jurisdição, sem qualquer exigência acrescida – situações em que o interessado é beneficiado com o acórdão da Relação, vedando, contudo, tal via de recurso em casos em que a Relação se tivesse limitado a confirmar integralmente a sentença da 1ª instância.

5. Nestes termos, ao abrigo dos arts. 700º, nº 1, al. h), 704º, nº 1, e 721º, nº 3, do CPC, não admito o recurso de revista.

Lisboa, 30-10-12

A. Abrantes Geraldes