Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2686/18.0T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

II - Conforme jurisprudência uniformizada do STJ de 06-12-2021 no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, al. a), e 314.º do CVM, na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/07, de 31-10, e 342.º, n.º 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7.º, n.º 1, do CVM. 3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório


 AA, intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra “BANCO BIC PORTUGUÊS, S. A.”, peticionando a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00, a título de capital, e juros vencidos, no valor de € 7.424,66 (contados desde 27/10/2014, data de vencimento da obrigação, e até à data de instauração da ação), bem como os juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Alegou que era cliente do banco R., em clima de confiança recíproca, tendo sido contactado por funcionários do balcão, em 2004, dando nota de um produto financeiro novo, sem risco, com capital garantido e boa rentabilidade; foi-lhe referido ainda que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o banco BPN a 100%, com a designação de “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.”; assim, o A. subscreveu o montante mínimo possível (uma obrigação “SLN Rendimento Mais 2004”), € 50.000,00, cujos juros sempre recebeu, mas já não o capital, a 27/10/2014, data do vencimento, tendo inclusivamente reclamado o seu crédito num processo especial de revitalização, sem qualquer êxito; tendo o R. agido como intermediário financeiro, o A. apenas subscreveu a aplicação porque estava seguro de que se tratava de um produto com capital garantido, âmbito em que ocorreu violação de deveres de informação, lealdade e transparência por aquele, e conclui pedindo a condenação do banco R., adquirente do anterior BPN, com quem negociou.

O R. contestou, defendendo-se por exceção – invocou a prescrição – e impugnação, concluindo pela total improcedência da ação.

Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou a ação provada e procedente, e condenou o réu, Banco BIC Português SA, no pagamento ao autor, AA, de a) O capital de € 50.000,00;

b) Juros, à taxa de 4%, desde o vencimento da prestação, 27 de outubro de 2014, e até integral pagamento.».


Inconformado, o réu recorreu tendo a apelação sido julgada improcedente com a confirmação integral da decisão recorrida.

 De novo não resignado com esta decisão interpôs o réu recurso de revista excecional concluindo que:

“1) O recurso ora interposto é de revista excecional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objeto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exata expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exatamente com este objeto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma atividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) Tratando-se (como se trata) da violação de direito probatório material, o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve sindicar a atuação da Relação. E assim é porque tal previsão do artigo 662.º do CPC constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CPC.

10) Lido e relido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, é ostensiva a violação da norma ínsita no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

11) Destarte, forçoso seria de concluir, que os factos 1 e 6, porque perfeitamente coincidentes e não impugnados, deveriam ter sido admitidos por acordo e, consequentemente, deveriam ter sido considerados como provados!

12) Mais do que errado, nos termos e com os fundamentos já sobejamente explanados anteriormente, acaba mesmo por estar ferido de nulidade, nos termos conjugados dos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 5, 662.º e 674.º, n.º 1, al. b) e 3, todos do CPC – Nulidade que, aqui, expressamente se argui.

Mais,

13) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

14) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

15) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

16) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

17) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

18) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

19) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

20) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

21) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

22) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

23) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

24) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospeto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

25) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospeto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

26) A adequação da informação começa exatamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efetiva informação.

27) O CdVM estabelece objetiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objeto dessa intermediação.

28) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redação aplicável ao caso).

29) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redação anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

30) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

31) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

32) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

33) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

34) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

35) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

36) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

37) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

38) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

39) Não cometeu o R. qualquer ato ilícito!

40) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redação aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.”

… …

O recorrido contra alegou defendendo a rejeição liminar do recurso de revista, por violação do disposto no artigo 640 do Código de Processo Civil e, em qualquer caso, ser mantido o acórdão recorrido e, assim, julgar-se totalmente improcedente o recurso do Recorrente.

 Depois de admitida pelas Formação a que alude o art. 672 nº3 do CPC a presente revista como excecional, colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:

«1 - O Réu, até 2012 denominado de BPN - Banco Português de Negócios, S.A., viu, em novembro de 2008, as ações representativas do seu capital social serem nacionalizadas, capital esse que era detido na sua totalidade pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

2 - Após a referida nacionalização, o capital social do BPN foi adquirido pelo Banco BIC Português, S.A. e, de seguida, incorporado por fusão neste Banco.

3 - O Autor era cliente habitual da Agência do BPN ... e lá detinha as suas economias.

4 - Entre si e o funcionário da Instituição Bancária BB existia uma relação de confiança e proximidade, característica de um meio pequeno onde todos se conhecem e de largos anos de convivência.

5 - No ano de 2004, numa das suas várias visitas à Agência bancária, foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido.

6 - O autor aceitou a proposta, subscrevendo uma obrigação “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, no valor nominal de € 50.000 (cinquenta mil euros).

7 - Tal subscrição implicou a ordem de débito, através da sua conta, no montante de €50.000 (cinquenta mil euros), que correspondia ao valor mínimo de subscrição do produto financeiro.

8 - O prazo de vencimento era de 10 (dez) anos, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5% nos primeiros 10 semestres e à taxa de 1,75% + Euribor a 6 meses nos restantes 10 semestres.

9 - O reembolso deveria ocorrer a 27 de outubro de 2014.

10 - A remuneração dos juros foi sendo feita nas respetivas datas de vencimento, creditados na conta bancária titulada pelo Autor.

11 - Na data do vencimento da subscrição, isto é, a 27 de outubro de 2014, o Réu não devolveu o capital investido, nem em data posterior.

12 - O autor apresentou reclamação de crédito na 1.ª Secção do Comércio, da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 22922/15.....

13 - Apesar da reclamação apresentada, o Autor não obteve a restituição do valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

14 - No mês seguinte à da operação supra, recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

15 - E os vários extratos periódicos onde lhe aparecia essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

16 - Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um subtítulo “OBRIGAÇÕES”.

17 - Foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.

18 - Ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN.».

… …

 Foi julgada como não provada a seguinte matéria de facto:

«1 - Referiram-lhe também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.).

2 - Nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

3 O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

4 O subscritor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.

5 E que aplicava o seu dinheiro em produtos diferentes do simples depósito a prazo.

6 No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

7 E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.».

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente revista, delimitadas pelas conclusões, remete para decidir se deve alterada a matéria de facto e, em qualquer caso, se deve ser revogada a decisão recorrida e julgada improcedente a ação por inexistência de ilicitude e nexo de causalidade que permita o reconhecimento do direito invocado pelo autor em sede de responsabilidade civil.

… …

A primeira questão suscitada na revista incide sobre o erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais e neste domínio, por regra, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A tal propósito, estatui o art.º 662 n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674 n.º 3 do mesmo diploma que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. De igual, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, razão para que o Supremo Tribunal de Justiça não possa sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito.

Numa dimensão formal e processual, o protesto contido num recurso de revista referente à matéria de facto pode dirigir-se ao cumprimento/incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640 do CPC (violação ou errada aplicação da lei de processo) ou, numa dimensão substantiva, destinar-se à obtenção de uma alteração decorrente de normativo que reclamasse imperativamente determinada espécie de prova para a demonstração ou que fixasse a força probatória de determinado meio de prova. Em qualquer dos casos, porém, estamos perante questões (as únicas) relativas à matéria de facto sobre as quais pode o STJ pronunciar-se, razão para que, quando suscitadas o deva fazer antes do conhecimento de qualquer outra matéria, nomeadamente, antes de abordar a questão da admissibilidade da revista excecional por ser (a matéria de facto) um dos aspetos que conflitua ou pode conflituar com a situação de dupla conformidade. Nos casos em que o acórdão recorrido tenha confirmado sem voto de vencido a decisão e a fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, mas os recorrentes aleguem que houve violação da lei de processo, por a Relação não ter exercido os poderes previstos no art. 662º do Código de Processo Civil, é jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça que deve fazer-se uma interpretação restritiva do art. 671 n.º 3 do Código de Processo Civil, de forma a admitir-se o recurso de revista, em termos gerais, com fundamento em violação da lei de processo imputável ao Tribunal da Relação - neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2018 (Processo n.º 48/15.0T8VNC.G1.S1), de 30 de maio de 2019 (Processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1), de 17 de outubro de 2019 (Processo n.º 617/14.6YIPRT.L1.S1), e de 2 de junho de 2021 (Processo n.º 786/15.8T8FAF.G1.S1).

Em verdade, a ser entendido que a impugnação da matéria de facto devia (ou não deveria) ter sido apreciada pelo Tribunal da Relação por incumprimento do art. 640 do CPC ou que, por força do art. 674 nº3 do CPC um facto foi, ou não deveria ter sido, fixado como provado ou não provada pelas instâncias, o escrutínio e decisão destas questões cabe no quadro do recurso de revista em termos gerais e impõe que sobre ele se realize um juízo prévio de admissibilidade.

Seja como seja, porque a revista excecional foi admitida, abre-se neste caso a possibilidade de conhecer do protesto do recorrente quanto à matéria de facto o que se passa a conhecer de imediato.

Refere-se nas conclusões de recurso que o autor articulou no ponto 6 da sua petição inicial que “Referiram-lhe (ao autor) também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.).”

 E que no ponto 1 do petitório também o autor alegou que “O Réu, até 2012 denominado de BPN – Banco Português de Negócios, S.A., viu, em novembro de 2008, as ações representativas do seu capital social serem nacionalizadas, capital esse que era detido na sua totalidade pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”

Concluindo que, como tal matéria não foi impugnada pelo réu deveria constar dos factos provados e não dos não provados.

Uma primeira observação regista que a matéria constante do ponto 1 da petição inicial é a que consta como facto provado nº 1 da decisão recorrida. Portanto do que se trata é de saber se, para lá desse facto, também o contido no ponto 6 da petição deverá constar nos factos assentes.

A impugnação que o recorrente realiza na revista já a suscitou na apelação e, aí, o Tribunal da Relação decidiu manter o ponto 6 da petição como facto não provado essencialmente com o argumento de que, dizer o autor que lhe referiram “que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.).” não significava que tivesse sido informado/esclarecido (o autor) do significado e alcance da respetiva subscrição.

Aceitando que em termos lógicos esse reparo da decisão recorrida é de todo coerente e qualificado, cremos, contudo, com respeito por diverso, que acordo com o disposto no art. 574 nº2 do CPC a forma mais correta de seria a de fazer figurar nos factos provados o que consta do ponto 6º da petição inicial e, depois, na medida em que tenha/tivesse sido alegado, inscrever nos factos a provar aqueles que reportassem ao não conhecimento por parte do autor do que significava o que de facto lhe havia sido referido, isto é, que não alcançava sem responsabilidade sua que o significado e alcance do produto que lhe propunham, isto é o de corresponder não a um depósito a prazo mas sim  à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%.

Como antes afirmámos, cabendo nos apertados limites em que o STJ aprecia a matéria de facto as questões referentes à ofensa de uma lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto, entendemos que deste acervo faz parte o art. 574 nº2 do CPC que determina que seja fixado como provado aquele que constando da petição inicial o réu não tenha impugnado.

Assim, acorda-se em fazer constar dos factos provados com nº 19, o que consta como nº1 dos não provados e que daí é excluído “ 19 - Referiram-lhe também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.).

… …

Entrando agora no conhecimento do mérito do recurso, fazemos lembrar que os tribunais foram confrontados com diversas ações semelhantes à presente como efeito colateral da crise financeira que ocorreu em finais de 2007 e que, entre outras consequências, desvendou problemas de solvabilidade de certos grupos empresariais entre os quais se incluiu a instituição financeira ré que acabou por desempenhar também a função de intermediário na colocação dos produtos financeiros discutidos nos autos.

Dessa função de intermediário emergiram diversos litígios que, como o presente, têm num dos polos investidores não qualificados, surgindo na posição de sujeito passivo o R.

Um aspeto a reter é a legislação sobre os valores mobiliários e designadamente sobre a atividade e os deveres dos intermediários financeiros ter sofrido uma importante modificação na sequência da crise financeira de 2007, tendo sido desde logo alteradas as normas legais e os regulamentos (soft law) relacionados com a atividade de intermediação financeira, com especial destaque para o dever de informação perante cada cliente ou investidor.

Ora, na medida em que aquelas alterações legais contenham elementos substancialmente inovadores, designadamente no que se refere ao reforço do dever de informação imposto a intermediários financeiros, apenas podem ser aplicadas a factos posteriores à sua entrada em vigor, atentas as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo.

Na definição do contrato celebrado cumpre identificar o réu como uma instituição de crédito (art.º 3º, al. a) do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, abreviadamente designado por RGICSF) sendo que, nos termos do art.º 4º do RGICSF cabe nas suas atribuições a possibilidade de realizar as seguintes atividades:

“1 - e) Transações, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários;

f) Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos;”

Do conjunto destas atividades e no que interessa ao caso dos autos o R. pode fazer transações, por conta própria de valores mobiliários, ou seja pode vender valores mobiliários que lhe pertençam ou de que seja proprietário, mas, também, pode fazer idênticas transações por conta de outrem ou agir apenas como mero intermediário na colocação no mercado de valores mobiliários emitidos por outrem e prestando os correlativos serviços. Para distinguir se a transação, designadamente a venda de valores mobiliários, é feita em nome próprio ou se age apenas como intermediário na colocação desses valores junto do público é necessário que se apure a titularidade dos valores objeto da transação.

O autor foi abordado na agência bancária por um funcionário do réu em quem tinha confiança o qual lhe propôs a aplicação  das suas poupanças num produto com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido.

Referindo-lhe que  tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, o autor aceitou a proposta, subscrevendo uma obrigação “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, no valor nominal de € 50.000 (cinquenta mil euros).

Desta factualidade extrai-se sem dúvida que a intervenção do R. na “venda” das obrigações, não foi realizada em nome próprio, enquanto titular das mesmas, mas sim como intermediário financeiro entre o emitente e o destinatário final o “público”, numa operação enquadrada na previsão da al. f) do art.º 4 do RGICSF. Nos termos do disposto no artigo 293º do Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, a qualificação de intermediários financeiros é atribuída a um conjunto de entidades que estejam autorizadas a exercer as atividades de intermediação financeira, sendo uma dessas entidades os Bancos (instituições de créditos) - alínea a) do nº 1.

Essas atividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289° e ss. do CVM, onde são classificadas em serviços de investimento em valores mobiliários; serviços auxiliares de investimento e gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários sendo que no caso o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM. A intervenção da ré consistiu na aquisição de obrigação na sequência da ordem por parte do autor pelo que dúvidas não subsistem de estarmos perante uma atividade de intermediação de receção e de transmissão de ordens por conta de outrem, prevista expressamente na citada alínea a) do nº 1 do artigo 290° do CVM. Como assim, é forçoso concluir que estamos perante um contrato de intermediação financeira e não perante um contrato de compra e venda, isto sem prejuízo de se reconhecer que numa operação de colocação de obrigações junto de instituições de crédito, a intermediação financeira, tem normalmente como objeto uma compra e venda. Só que essa compra e venda tem como sujeitos o investidor e o emitente e não o banco que faz a intermediação - Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 572/573, afirma: “Designamos genericamente por contratos financeiros os negócios jurídicos relativos ao mercado de capitais: entre eles, destacam-se os contratos de intermediação financeira e os contratos derivados…Denominam-se contratos de intermediação financeira os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira”.

Assente que o contrato celebrado entre o autor e o R. é um contrato de intermediação financeira, importa averiguar se a atuação do R., espelhada na factualidade provada, violou as regras legais aplicáveis e se incorre em responsabilidade civil.

Da prova obtemos que um funcionário da ré propôs ao autor que este adquirisse uma Obrigação Rendimento Mais - SLN 2004 que tinha boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido, tendo-lhe sido ainda referido que o produto era uma obrigação subordinada de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”. E uma primeira observação importante é a que assinala que não ficou provado nem vinha alegado que ao autor tenha sido mencionado que o produto proposto era um depósito a prazo ou um produto que replicava todas as características deste, apenas e singelamente que tinha prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido  e tão pouco resultou provado ou foi alegado que  se tivesse informado de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro.

As questões a abordar são as de saber se o pressuposto da ilicitude se encontra demonstrado por referência aos factos enunciados, por incumprimento do dever de informação, assim como se o nexo de causalidade entre a atuação do BPN, SA, e o evento traduzido na subscrição da obrigação não subordinada cujo capital não foi devolvido pela SLN.

A base jurídica essencial para a resolução do presente caso é integrada pelas normas do Cód. de Valores Mobiliários em vigor na data em que a operação financeira foi realizada e desse regime sobressai o que então preceituava o art. 314º do CVM que, em termos autónomos relativamente ao que consta das regras gerais do Código Civil, prescrevia para os intermediários financeiros a obrigação de indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, nele se enunciando ainda a presunção de culpa quando o dano fosse causado no âmbito de relações contratuais, designadamente quando fosse originado pela violação de deveres de informação.

A exigência da informação no negócio e no contrato é comum aos regimes jurídicos do erro, do dolo, da usura e da boa-fé pré-contratual (artigos 227º, 247º a 254º e 282º e 485º do Código Civil) e o pilar do regime do dever de informação está estabelecido no artigo 227º que obriga as partes a agirem de acordo com a boa-fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato.

A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está especificamente prevista no do Código dos Valores Mobiliários (acentuamos a aplicabilidade ao caso em juízo do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com sucessivas alterações até ao Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de março, atenta a data da subscrição do produto financeiro ajuizado.

De acordo com a disciplina consagrada no Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nesse relacionamento, devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. A obrigação de informação está inscrita no Código dos Valores Mobiliários e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada. E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º, nº 1).

O critério da diligência é acolhido no artigo 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira e nesta dimensão, confrontando a evolução legislativa, a alteração normativa não incorpora matéria inovatória que não estivesse provisionada na esfera de proteção das regras atinentes à responsabilidade contratual e dos princípios gerais do direito positivo no domínio do cumprimento obrigacional. Estamos num território em que as declarações negociais não podem ser desviadas do sentido da ordem jurídica na sua globalidade, isto é, apesar da legislação específica a que estão sujeitas as operações e os sujeitos bancários, as instituições financeiras e de crédito, estão vinculadas às regras de direito positivo relativas à boa-fé e à lealdade e transparência contratuais sediadas no Código Civil. E, por isso, também no domínio da legislação do pretérito, os funcionários bancários dotados de poderes de direção e representativos estavam vinculados a agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral art.º 75º do RGICSF. “Efetivamente, apesar da alteração legislativa entretanto ocorrida, como resulta da comparação entre o regime inicial e a disciplina agora vigente, por força dos princípios gerais conformadores do cumprimento obrigacional e da cláusula geral da boa-fé, torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada.” Ac. STJ, de 25-10-2018 no proc. 2581/16.8T8LRA.C2.S1, in dgsi.pt.

Neste contexto obrigacional não tem sentido de ponderação pretender ficcionar qualquer tensão de interesses antagónicos no âmbito da qual se pretenda configurar de um lado a entidade bancária movida pelo desígnio de convencimento dos particulares no sentido de a todo o custo obter destes a subscrição e, do lado oposto, os subscritores com um dever de cuidado de não se deixarem convencer das investidas de sugestão por parte do banco. Ainda que, os desenvolvimentos de futuro possam ter criado, a posteriori, uma possibilidade interpretativa que faça resvalar o momento fundador da subscrição para uma figuração de enredo de enganos, impõe-se preservar o equilíbrio da análise, dento dos exatos limites da axiologia normativa servida pela subsunção dos factos fixados como provados. E com esta advertência, certificamos que a existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores tendo este princípio nuclear subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado - cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, A proteção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2001, pág. 23 e seguintes - razão para que toda e qualquer avaliação da responsabilidade contratual não possa ser apartada desta ideia.

Como já se decidiu em matéria igual, “no domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. É uma relação de clientela” – vd. ac. STJ de 17/0372016, in www.dgsi.pt. Também Calvão da Silva sublinha que “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa-fé, para satisfação do interesse do credor. A relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios assentem ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual”in Direito Bancário, Almedina, Coimbra 2002, pág. 335. E em igual abono Paulo Câmara refere igualmente que “neste domínio é essencial garantir a emissão de uma declaração negocial especialmente qualificada, porque devidamente esclarecida e fundamentada, sendo ainda instrumental do (também) dever do intermediário de adequação do produto ou do serviço de investimento ao concreto perfil do cliente.”  - in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, Coimbra 2011, pág. 691/3.

Esta exposição de princípio necessita, no entanto, ser temperada pelo cuidado que deve merecer o contexto próprio, a natureza antes indicada das operações em questão e, sobretudo, percebendo o momento fundador dessas mesmas operações. Em formulação simples, não pode ter-se como certo por presumido que a atividade bancária é complexa e portadora de circunvalações técnicas e semânticas de difícil compreensão, para criar, a partir de uma tal presunção tornada absoluta, um único padrão de dever de informação segundo o qual em qualquer circunstância e a qualquer pessoa, tudo deverá ser explicado, antecipando o agente bancário todas as questões que em seu entender e critério não são facilmente compreensíveis pelo cliente mesmo que em concreto o estejam a ser, antecipando uma literacia bancária que o transforme a ele, funcionário, num verdadeiro mandatário do cliente. Em verdade, a razoabilidade em que se move a boa-fé nas relações contratuais é moldada pela natureza das operações e dos comportamentos, e desta ideia decorre, no caso da atividade bancária, que se tenha por avisado definir e perceber se as informações foram, no caso concreto, “recomendação de investimento, conselho ou sugestão, elementos fundamentais para a criação de uma base de confiança do cliente que justifique a responsabilidade do intermediário financeiro nos termos em que a mesma veio decidida” - Vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt.

A importância da identificação naturalística (através da análise dos factos concretos) do processo de criação da decisão de realizar a subscrição, no quadro dos deveres de informação, é evidenciada por Gonçalo André Castilho dos Santos, quando adverte para que “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele” - in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135. Neste expresso sentido, a informação a prestar por um intermediário financeiro a um seu cliente tem “patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário: se é este intermediário quem recomenda um investimento, os deveres de informação são especialmente intensos; se o intermediário presta um serviço de “balcão” do tipo de recolha de subscrições de produtos financeiros, abertura de conta de valores mobiliários ou sua movimentação, a intensidade é outra. Em qualquer caso, no entanto, variando a intensidade e o tipo de detalhe informativo, não varia a veracidade da informação e demais características que lhe estão associadas.” - Vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt.

É esta a ideia comum a toda a realidade dos valores mobiliários regulada pelo CVM (que resulta do seu art. 7º, nº 1), a necessidade de ser fornecida em todas as fases informação que, sendo suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita, devendo os intermediários financeiros agir de acordo com os princípios orientadores dessa atividade que, na ocasião, estavam enunciados no art. 304. Já então se estabelecia uma divisão entre investidores qualificados (art. 30º) e não qualificados, com reflexos designadamente no nível da informação que deveria ser prestada (arts. 321º e 323º). Sobrelevando a “proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”, previa-se ainda a necessidade de serem observadas as regras da boa-fé e de serem adotados elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº 2), devendo ser evitados ou reduzidos ao mínimo os conflitos de interesses (art. 309º, nº 1) e devendo ser assegurado aos clientes um tratamento transparente e equitativo (nº 2).

Do campo regulamentar ressaltava o que constava do art. 39º do Reg. CMVM nº 12/2000 que: “1. Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado; …”.

Ademais, sendo o BIC uma instituição financeira, o art. 77º, nº 1, do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31-12, na vertente da intermediação financeira, dispunha ainda que “devem informar com clareza os clientes sobre … os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos …”.

Como adianta Castilho dos Santos, no cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro estes devem ter em consideração a proteção dos interesses legítimos dos clientes, indagando sobre a sua situação financeira e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, com observância dos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência – op. cit p. 76. Ou como defende Sofia Nascimento Rodrigues “a inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (know your client rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores” - op. cit. p. 46.

A respeito dos níveis de informação, é insofismável que o facto de a instituição bancária exercer também a atividade de intermediação financeira lhe impunha um elevado grau de empenhamento que pudesse compensar o menor grau de experiência de investidores não profissionais. Ainda assim, não seria razoável pensar que por essa via se eliminaria por completo a assimetria informativa (de que trata Margarida de Almeida Azevedo, em A Responsabilidade Civil por Prospeto no Direito dos Valores Mobiliários, p. 137), tanto mais que o BIC era substancialmente um canal através do qual o “Grupo SLN” desenvolvia a sua estratégia de angariação de fundos para as diversas empresas que o integravam. Para que a R. possa ser responsabilizada pelos prejuízos que advieram para a autora, necessário é que, atento o disposto no art. 314º do CVM, esteja provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos pela lei ou por regulamento.

Prescrevendo o art. 304º do CVM que os intermediários financeiros deveriam orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa-fé com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência e posto que se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que, em concreto, se poderia traduzir na violação daqueles deveres, máxime do dever de informação, com função causal relativamente aos prejuízos.

No caso em decisão não podendo ser descurado o dever de diligência de cada indivíduo na procura da informação que permita tomar uma decisão conscienciosa (em vez de se ater apenas em alguns dos elementos, orientado unicamente pela perspetiva de obtenção dos lucros, sem atenção aos riscos), sobressai o facto de o autor ter sido interpelado por um funcionário do banco que lhe sugeriu a aquisição de um produto, dizendo-lhe ter de capital garantido, boa taxa de rentabilidade e um prazo de retorno alargado, de dez anos. Ainda que lhe tenha sido referido que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.) e podendo aceitar-se que tenha sido o rendimento e a garantia de reembolso do capital o que motivou o investimento do autor, em verdade não se alegou nem provou que o argumento  de convencimento tenha sido (como na esmagadora maioria dos casos semelhantes) o de se estar perante um depósito a prazo ou uma réplica deste,  apenas com um maior limite mínimo de investimento e um prazo mais alargado que justificaria uma maior rendabilidade.

A matéria de facto não certifica qualquer iliteracia financeira do autor e tão pouco que estivesse a comprometer-se com um investimento diverso daquele que em si era habitual e sobre o qual tivesse conhecimento consolidado. Neste contexto, sendo o autor merecedor de esclarecimentos e informação sobre o produto em causa, não se verifica, pelo menos ao nível da prova realizada, que tenha sido colocado em confronto o produto tido por mais comum ao conhecimento geral dos utilizadores bancários (o depósito a prazo versus o depósito à ordem) para que dessa semelhança comparativa resultasse uma maior persuasão. Seria nessa proximidade e ficção de semelhança (entre um depósito a prazo e um empréstimo obrigacionista), seja quanto à identificação do devedor da obrigação de reembolso, seja quanto ao prazo de reembolso, seja ainda quanto à inexistência de qualquer garantia concedida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que naturalmente apenas abarcava os titulares de depósitos bancários e não outros investidores designadamente titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista, que se alicerça um elemento forte da falta de informação que se tem por ilicitude. Não obstante, a alusão declarativa do produto oferecido para subscrição ter capital garantido e boa taxa de rentabilidade encerra em si mesma e de forma completa e decisiva a ideia que despistou as dúvidas sobre a natureza do produto subscrito. Para que tal ocorra (a ausência de dúvidas que motivam a subscrição) não se impõe, embora seja o argumentário comum, a invocação comparativa entre o que se estava a propor e um depósito a prazo, sim que se forneça a informação não verdadeira de o capital ser garantido e sem risco.

Do que ficou provado ter-lhe sido dito, segundo as regras de experiência comum, o autor não poderia ter entendido que estava a subscrever um produto comum e conservador como se fosse um depósito a prazo, mas a informação de o capital ser garantido dá peso decisivo ao argumento de ainda estarmos numa mesma necessidade (e desvio) de dever informação. A definição do significado útil da expressão “capital seguro ou garantido” referido a uma garantia de depósito, de entrega de dinheiro a uma entidade bancária, em termos de comum experiencia e razoabilidade logica, incide essencialmente sobre a ideia de o dinheiro investido ficar salvaguardado, ou melhor, que existe uma garantia que assegura o reembolso do capital investido, o que reportando  em primeira grandeza aos depósitos a prazo e à ordem, e até determinado montante, não cremos possa ser excluído quando a expressão de garantia de capital (que o capital não se perde) foi a utilizada . Quando na subscrição de um depósito a prazo (e por maioria de razão nos depósitos à ordem) e em linguagem técnica bancária se assegura que o capital investido está garantido isso significa que ele beneficia de uma segurança que não se sustenta na simples consistência que a solidez do sistema bancário forneceu ao longo de diversas décadas, mas sim numa certeza de, dentro dos limites do Fundo de Garantia, os valores investidos nesses depósitos estarem a salvo de riscos de perda total.

É verdade que o banco réu através dos seus funcionários, não podia esquecer, em qualquer circunstância, que a informação de o capital estar garantido e ser semelhante a um depósito a prazo,(quando este argumento era usado)  correspondendo a uma exigência de técnica e conhecimento financeiro, não era a que pudesse resultar de uma observação da realidade e conclusão de prognose sobre a fiabilidade do sistema financeiro, mas sim a que decorria da consistência e segurança fundadas no ordenamento jurídico aplicável.  E, no entanto, foi essa a informação e com esse sentido que foi prestada em concreto, a da garantia do capital, contida na informação prestada. Com este informe, segundo a apreciação de um homem médio normal colocado na situação do concreto implicado e no contexto e natureza da operação realizada, dá-se a indicação da segurança de, em qualquer caso, o capital estar sempre garantido, mesmo sem a indicação de a aplicação ser um, ou semelhante a um, depósito a prazo, a informação contempla ainda uma única possibilidade de entendimento de a garantia ser a institucional.

O autor é merecedor de esclarecimentos que estabeleçam a diferença entre um depósito a prazo e um empréstimo obrigacionista ou, quando não se ponham esses produtos em confronto, é de exigir que informe que produto é aquele que se está a propor, quanto à identificação do devedor da obrigação de reembolso, quanto ao prazo de reembolso, ainda quanto à inexistência de qualquer garantia concedida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que naturalmente apenas abarcava os titulares de depósitos bancários e não outros investidores designadamente titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista.

Os acórdãos dos tribunais superiores e designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça que se encontram acessíveis revelam a este respeito uma variedade de situações que se evidencia, desde logo, no vetor relacionado com o cumprimento dos deveres e com o nível de conhecimento dos clientes relativamente às características de produtos financeiros como as obrigações SLN.

Existem casos em que este Tribunal tem considerado que não foi incumprido o dever de informação - v.g. o Ac. do STJ de 24-1-19, 2406/16, deste mesmo coletivo, o Ac. do STJ de 28-2-19, 2146/16, o Ac. do STJ de 15-1-19, 3831/15, o Ac. do STJ de 19-12-18, 2382/17 ou o Ac. de 19-12-18, 433/11, todos em www.dgsi.pt. A par destes casos, outros existem em que este mesmo Tribunal se confrontou com práticas agressivas, envolvendo clientes sem quaisquer conhecimentos e que foram motivados a subscrever “obrigações subordinadas” como se fossem verdadeiros depósitos bancários, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação. Certos casos deixam visível uma estratégia delineada no sentido de retirar proveito da boa-fé, da credulidade, da ingenuidade ou mesmo da pura ignorância de pessoas que acabaram por subscrever produtos que nunca pretenderam, iludidos por uma falsa associação entre obrigações e depósitos a prazo, sem verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas nas operações.

Assim ocorreu no Ac. do STJ de 10-4-18 no proc. 753/16, em www.dgsi.pt, em que foi assegurado ao investidor que “o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo” e que “nos casos … em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança … qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro”.  Outro caso semelhante ressalta do Ac. do STJ de 17-3-16 no proc. 70/13, www.dgsi.pt, em que, a respeito de “Obrigações CNE”, também do grupo SLN, se provou que, “aquando da subscrição da aplicação o A. foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a CNE, S.A. – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado”; “o A. alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só investiria aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros”; “foi-lhe então assegurado por aquela gerente que a aplicação tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco”.

Semelhante é também a situação que foi apreciada no Ac. do STJ de 18-9-18, no proc. 20329/16, em www.dgsi.pt, numa situação em que “os AA. eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4ª classe; os funcionários do R. sabiam que os AA. nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;  os AA. não tinham a intenção de investir; foram os funcionários do R. que seduziram e convenceram os AA. a investir o valor de € 50.000,00 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características”.

O caso presente inscreve-se no bloco das situações que não revelam um agressivo e gritante, no sentido de clamoroso, incumprimento do dever de informação que tenha conduzido à convicção de se estar a subscrever uma “obrigação subordinada” como se fosse um verdadeiro depósito bancário, mas podemos aceitar que contempla ainda um caso em que tal dever de informação não foi cumprido como o deveria ter sido e essa falta configuraria a ilicitude da atuação da ré.

Não podendo ceder-se ao facilitismo de interpretar e integrar os deveres que recaíam sobre os intermediários financeiros em 2006 à luz da evolução do mercado financeiro e designadamente do surgimento da crise financeira em finais de 2007 ou da posterior insolvência da emitente das obrigações há de realizar-se no sentido de colocar cada interveniente na posição relativa em que se encontrava na data em que foi executada a operação financeira, contando exclusivamente com os deveres do intermediário no contexto jurídico e financeiro que rodeava a operação em causa e com as correspondentes necessidades informativas do investidor. Acontece, porém, que no caso concreto o facto de o BPN informar que garantia o reembolso do capital, apesar de estar a agir como intermediário financeiro, constitui um plus que não pôde deixar de ter efeitos ao nível da verificação da ilicitude.

Para o efeito releva especialmente o facto de ter sido proferido AUJ de 6 de dezembro de 2021 no proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, no qual se uniformizou o entendimento jurisprudencial que, a respeito do pressuposto da ilicitude, assim ficou condensado:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.

Demonstrada que fica a ilicitude, a procedência da ação depende ainda da verificação do nexo de causalidade entre a atuação do BPN e a subscrição por parte do autor do produto financeiro que mais tarde se revelou ruinoso, pelo facto de a entidade emitente não ter procedido ao reembolso do capital. A demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do AUJ acima referido e foi explicitado nos pontos 3 e 4 com a seguinte redação:

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 

A necessidade de demonstração do nexo de causalidade nestas e noutras ações já fora assinalada na jurisprudência deste Supremo, mantendo-se firme o critério segundo o qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, embora com variação do grau de probabilidade entre o evento e o resultado.

Assim foi no Ac. do STJ de 24-1-19, 2406/16, www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, além do mais que: “Ainda que se apurasse ter existido incumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, a sua responsabilidade civil dependeria ainda do estabelecimento de um nexo de causalidade, ou seja, de que foi por causa daquele incumprimento que o investidor realizou o concreto investimento que se revelou prejudicial.

Não se tendo provado que a subscrição da Obrigação SLN 2006 foi decidida em função de alguma confusão relativamente a um depósito a prazo constituído na instituição financeira intermediária da operação ou de algum aspeto conexo com a identidade da emitente das obrigações e do intermediário financeiro, não se considera verificado o nexo de causalidade”.

A mesma linha já fora seguida no Ac. do STJ de 6-6-13, 364/11, em www.dgsi.pt, no qual se afirmou que “a responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado”.

Foi também na falta de prova de factos reveladores desse pressuposto que o Ac. do STJ de 6-11-18, 2468/16, em www.dgsi.pt, se fundou para julgar a improcedente a ação que foi instaurada contra um intermediário financeiro. Tratou-se de um caso em que, embora tenha sido afirmado a ilicitude do Banco por inobservância de elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram exigíveis para a prestação de informações, acabou por concluir que não se verificava o nexo de causalidade por não ter resultado provado que os danos invocados pelos recorrentes devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado.

O mesmo aconteceu com o Ac. do STJ de 13-9-18, 13809/16, em www.dgsi.pt. Para além de neste se assentar que “a lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção”, ficou expresso que não resultava da “matéria de facto que se os deveres de informação que recaíam sobre o banco intermediário financeiro tivessem sido cumpridos os AA. não teriam investido na aplicação em causa nos autos, mas noutra que lhes garantisse um retorno seguro”. Concluiu que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito (violação do dever de informação) e o dano (valor da prestação não cumprida pela entidade emitente) e que “para que tal sucedesse era necessário ter-se provado que os AA. não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações em causa se lhes tivesse sido prestada toda a informação relativa ao produto que adquiriram”.

Como ficou clarificado pelo referido AUJ, a respeito do nexo de causalidade, não pode aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Não cremos, aliás, que alguma especificidade possa encontrar-se nesta área da intermediação financeira que permita associar a um eventual incumprimento do dever de informação a presunção de que aí se encontra a causa adequada do resultado traduzido na subscrição da obrigação subordinada e, depois, na falta de reembolso do respetivo capital. Pelo contrário, parece importante que também nestes casos se demonstre o referido nexo de causalidade adequada, sem que se invertam os termos da equação, atribuindo relevo ao sinistro antes de apreciar os comportamentos dos agentes nas circunstâncias que existiam.

Ora, estando no caso em causa o alegado incumprimento do dever de informação, a matéria de facto apurada não permite afirmar a existência de nexo de causalidade  adequada entre a atuação do BPN e o efeito negativo que veio a manifestar-se na esfera patrimonial do A. com a insolvência da GALILEI conexo com a anterior aquisição de um produto financeiro indesejado ou carente de melhor informação. Não se apurou no essencial que se o autor tivesse sido informado de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança, designadamente de um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro.

Para responsabilizar o Banco R. pelo “sinistro” financeiro era necessário que se apurasse que foi na errada, deficitária ou perturbadora informação dada pelo BPN que o A. assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro. Ou seja, era necessário que a matéria de facto revelasse que foi por não ter recebido do BPN informação que fosse completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita que o A. aceitou a proposta de aplicação financeira ou que não contrataria tal obrigação se lhe tivesse sido dada informação completa e verdadeira.

Tal prova não tendo sido feita faz soçobrar a pretensão do autor e proceder a revista.

… …

Síntese conclusiva

- Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Conforme jurisprudência uniformizada do STJ de 6 de dezembro de 2021 no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “ 1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. “


 Decisão

Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar procedente a revista e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a ação e absolvendo o réu dos pedidos.

Custas pelo recorrido.


 Lisboa, 27 de outubro de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves