Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7543/14.7T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ACORDO DE CREDORES
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Data do Acordão: 04/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO / CONCLUSÃO DO PROCESSO SEM APROVAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO.
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2013, 69/70.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-C, N.º 1, 17.º-D, N.ºS 1, 2, 5 E 10, 17.º-G, N.º 1.

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RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 43/2011, DE 25-10.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17 DE NOVEMBRO DE 2015, IN WWW.DGI.PT .
Sumário :

I. O P.E.R. é um processo de natureza eminentemente urgente, de prazos procedimentais curtos, durante os quais os credores concedem ao devedor um período global de «tréguas», o chamado «standstill», auto-impedindo-se de instaurarem e/ou fazerem prosseguir quaisquer acções, declarativas e/ou executivas, para cobrança de dividas contra aquele, em que o tempo para a sua finalização é categórico, o que deflui da tramitação restritiva a que alude o normativo inserto no artigo 17.º-D do C.I.R.E., maxime, os segmentos normativos constantes dos seus n.ºs 2 e 5.

II. Nesta asserção, o período de suspensão apenas poderá ter a duração de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17.º-D, n.º5 do C.I.R.E., sendo este prazo peremptório e por isso inegociável e (re)improrrogável.

III. Tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim da mesma, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo, que na espécie se não equacionaram.

IV. Esta posição decorre, inequívoca, do preceituado no artigo 17.º-G, n.º1 do C.I.R.E., o qual é claro ao predispor que o processo negocial é encerrado se não for possível conclui-lo no prazo aludido naquele supra citado nº.5 do artigo 17.º-D, do mesmo diploma: «caso seja ultrapassado o prazo», na letra da Lei.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I B, administrado e representado pela sociedade gestora I, SA veio intentar processo especial de revitalização nos termos do artigo 17º-A do CIRE.

Foi nomeado administrador judicial provisório, tendo o mesmo feito juntar a lista provisória de créditos, a qual foi publicada no dia 28 de Janeiro de 2015.

Impugnaram a aludida lista os seguintes Credores: X (que da mesma veio desistir), M, A, J, A M, T e I T M, pretendendo estes últimos o reconhecimento do crédito que reclamam e contraditando, ainda, os créditos reconhecidos aos credores BCP e BII, as quais não foram admitidas, por extemporâneas.

 

Concluídas as negociações e apresentado pela devedora, no dia 4 de Maio de 2015, foi plano que consta de fls. 281 e seguintes votado no dia 18 de Maio de 2015.

Votaram, o referido plano, os Credores constantes da lista de créditos com créditos no montante de € 14.306.060,44 (sendo a totalidade dos créditos no montante de € 14.389.245,91).

Os Credores BCP, com créditos no valor de € 6.875.138,92, BII, com créditos no valor de € 2.871.220,22, B & F, SA, com créditos no valor de € 199.337,81 e B Imobiliária, SA, com créditos no valor de € 240.000,00 votaram a favor do plano, tendo os Credores Condomínio S, com créditos no valor de € 2.047.129,25 (sendo € 2.000.000,00, sob condição) e O, SA, com créditos no valor de € 2.073.234,24, votaram contra o plano.

Votaram a favor do plano créditos no total de € 10.185.696,95 e contra o plano créditos no montante de € 4.120.363,49, ou seja, foi o mesmo aprovado por mais de 2/3 dos votos emitidos e numa percentagem, respectivamente, de 71,195% e de 28,80%.

Os credores Condomínio S e O, SA, requereram a não homologação do plano, alegando, em síntese que não pode a devedora sujeitar-se a PER, dada a sua natureza e impossibilidade de se proceder à sua dissolução ou liquidação por forma diversa da prevista na legislação que regula tal tipo de entidade e além do mais, esgotou-se o prazo de três meses para aprovação do plano de revitalização e o mesmo não acautelou a possibilidade de procedência das impugnações deduzidas ou de eventual recurso que sob a respectiva decisão recaísse; acrescentaram ainda que ocorreu violação do princípio da igualdade dos credores e o plano não é exequível e verifica-se uma situação previsivelmente menos favorável da que interviria na ausência de plano.

Por despacho de 26 de Maio de 2015 foi determinada a publicação do plano.

Respondeu a devedora aos pedidos de não homologação do plano, alegando, em síntese, nada impedir que a devedora se sujeitasse a PER, não ser o prazo de três meses para aprovação do plano de revitalização peremptório, esgotando-se, em todo o caso, com as negociações e não estando a esse prazo sujeito o processo de votação, não ser aplicável em sede de PER o nº 3, do artigo 209º do CIRE, e não ocorrer qualquer violação do princípio da igualdade dos credores, ser o plano exequível e inexistir qualquer situação previsivelmente menos favorável da que interviria na ausência de plano, pugnando pela homologação do mesmo.

 

Foi proferida sentença que, nos termos do artigo 17º-F nºs 5 e 6 do CIRE, homologou o plano de revitalização da devedora, da qual inconformados recorreram os Credores O, SA e Condomínio S, tendo a Apelação sido julgada improcedente.

Inconformada, a Credora  O, SA, recorre agora de Revista, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE e por oposição de julgados, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

- São as seguintes as questões fundamentais de direito em oposição nos acórdãos-fundamento e no acórdão recorrido (i) ajuizar se o prazo estabelecido para conclusão de negociações do Plano de Revitalização inclui a efectiva votação e aprovação do Plano e se o mesmo é peremptório, bem como ii) apurar se o não exercício do ónus de impugnação da lista provisória de créditos reconhecidos prevista no artigo 17º-D, nºs 3 e 4 do CIRE obsta ao conhecimento oficioso de erro manifesto na qualificação dos créditos para efeitos de quórum de votação do Plano de Revitalização e para efeitos de homologação do referido Plano, impondo-se que o faça atenta a existência de conflitos jurisprudenciais.

- Por fim, sobre as questões fundamentais de direito apresentadas não proferiu este Supremo Tribunal acórdão de uniformização de jurisprudência ao qual o acórdão recorrido tenha aderido.

PRIMEIRA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO: PRAZO ESTABELECIDO PARA CONCLUSÃO DE NEGOCIAÇÕES DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO

- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora sob recurso, confirmou a sentença homologatória do Plano de Revitalização do BF INVEST proferida em primeira instância, por considerar, em síntese, que o prazo estabelecido pelo artigo 17º-D, nº5, do CIRE, não inclui o prazo para votação e aprovação do Plano de Revitalização. Entende ainda o Tribunal recorrido que o prazo fixado nos artigos 17º-D, nº5, do CIRE não tem natureza peremptória (acórdão recorrido, pags. 19 e 20).

- Ora, sobre a mesma questão de direito, e com base na interpretação e aplicação da mesma legislação, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2015, no processo nº570/13.3TBSRT.C1.S1 (acórdão transitado em julgado, cuja cópia se anexou).

- O acórdão recorrido e o primeiro dos acórdãos-fundamento estão em contradição no que diz respeito à natureza do prazo previsto nos artigos 17º-D, nº5 e l7º-G, nºl, do CIRE.

- No acórdão recorrido, o Tribunal a quo entendeu que o prazo de conclusão de negociações não inclui o prazo para votação e aprovação do plano de revitalização e que tal prazo não tem natureza peremptória, para tanto citando os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.04.2014 (proferido no processo 8972/13.9T2SNT.L1) e de 09.04.2014 (proferido no processo 62/14.3TYLSB-A.L1).

- Sucede, contudo, que os acórdãos que serviram de suporte ao Acórdão ora recorrido partem de situações fácticas diferentes e que, para atingirem um resultado que entenderam como mais equitativa, perverteram (desnecessariamente, como se viu acima) a letra da lei, da qual resulta inequivocamente estarmos perante um prazo peremptório.

- Já no acórdão-fundamento junto (da 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2015, no processo n.º 570/13.TBSRT.C1.SI) se entende, quanto a esta mesmíssima questão, que o Plano de Recuperação e a aprovação pelos credores deve estar concluída no prazo de três meses (havendo prorrogação legal).

- Acresce que o acórdão fundamento (da 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2015, no processo n.º 570/13.3TBSRT.C1Sl) resultou precisamente de recurso de oposição de julgados sujeito à mesmíssima questão de Direito.

- Em causa estão, pois, resultados distintos da mesma operação de interpretação dos artigos 17º-D, nº5, e 17º-G, nº1, do CIRE, desenvolvida pelos dois Tribunais nos diferentes arestos em confronto, e concretamente para efeitos de não homologação do plano de revitalização, sendo certo que as normas legais cuja interpretação e aplicação díspares se discutem -artigos 17º-D, nº 5, e 17º-G, nº 1, do CIRE - não sofreram alterações entre as datas de prolação dos acórdãos em confronto, nem posteriormente, pelo que as decisões em apreço foram adoptadas à luz do mesmo quadro normativo.

- Assim, as questões fundamentais de direito que se submetem, em primeira linha, à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça são as de saber se a aprovação pelos credores do Plano de Revitalização, nos termos dos artigos 17º-D, nº5, e 17º-G, nº1, do CIRE, deve ser obtida dentro do prazo legalmente previsto para as negociações e se tal prazo é um prazo de caducidade.

SEGUNDA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO: da inexistência de efeito preclusivo pelo não exercício do ónus de impugnação da lista definitiva de créditos reconhecidos prevista no artigo 17º-D nº4 do CIRE para efeitos de votação e de homologação do plano de revitalização.

- A Recorrente sustentou ainda que ocorreu um erro manifesto, de conhecimento oficioso na lista definitiva de créditos reconhecidos, por força da indevida graduação dos créditos dos credores BCP e BII como garantidos, quando os créditos de tais credores deveriam ter sido qualificados como subordinados por tais pessoas colectivas se encontrarem em relação de grupo com a sociedade gestora da Devedora Revitalizanda B (a Devedora como fundo de investimento imobiliário, depende, para a sua administração, da referida entidade gestora) - artigo 48.° do CIRE.

- A questão da subordinação dos créditos de BCP e BII foi suscitada em várias impugnações da lista provisória de créditos reconhecidos pelos credores referidos no acórdão recorrido (página 15) e ainda pelo credor X em impugnação da lista de créditos.

- Sucede que, tendo o crédito da X contra a Devedora sido entretanto adquirido pelo Credor BCP, na sequência do qual, aquela apresentou desistência da impugnação e, bem assim, tendo as impugnações referidas na p. 15 do acórdão recorrido sido julgadas improcedentes por extemporâneas e por falta de legitimidade, o tribunal de 1.ª instância não chegou a proferir sentença de mérito quanto à natureza dos créditos de BCP e BII.

- Ora, o acórdão recorrido entende estar vedada do seu conhecimento a questão do erro manifesto da qualificação da natureza dos créditos de BCP e BII - não olhando sequer aos fundamentos invocados para tal erro manifesto —, considerando que tal questão está prejudicada por dois motivos: i) "Nenhum dos credores recorrentes impugnou a lista provisória de créditos apresentada pelo administrador" -acórdão recorrido p. 16; ii) “Por outro lado, o mencionado despacho de 25.04.2015 transitou em julgado, ou seja, os créditos do BCP e do BE não têm a natureza de subordinados” -acórdão recorrido p. 16.

- O primeiro motivo (i) avançado pelo acórdão recorrido para não conhecer da questão de conhecimento oficioso (do erro manifesto) da qualificação da natureza dos créditos de BCP e BII está, porém, em oposição com o acórdão- fundamento do Tribunal da Relação do Porto proferido a 12.05.2014 (no processo 91/13.4TBVNH.P1) que entende que “o não exercício do ónus de impugnação previsto no n."3 do artigo 17."-D do CIRE não preclude, a nosso ver, a possibilidade de (...) poder invocar, comprovando, em momento ulterior, o erro manifesto no concernente à qualificação de um crédito reclamado”.

- O segundo motivo (ii) invocado pelo acórdão recorrido para não se pronunciar quanto à natureza dos créditos de BCP e de BII consiste em excepção de caso julgado formal por efeito do despacho de 25.04.2015 do Tribunal de 1.ª Instância. Sucede, porém, que este despacho não faz caso julgado formal – o que, de resto, é reconhecido pelo próprio despacho nos trechos já acima citados (Pontos 26 e 27 das alegações).

- Assim, o acórdão recorrido incorreu em erro manifesto ao entender que o despacho de 25.04.2015 do Tribunal de 1." Instância fez caso julgado formal ou material – o que expressamente se argui –, na medida em que tal despacho não se pronunciou, a qualquer título, sobre a natureza dos créditos de BCP e de BII.

- A segunda questão fundamental relativamente à qual há oposição de julgados é, assim, a de se aferir se o estatuído no nº4 do artigo 17º-D obsta a que se altere, posteriormente, a errada classificação de um crédito constante da lista provisória, convertida em definitiva e em que extensão?

- Precisamente sobre a mesma questão de direito, e com base na interpretação e aplicação da mesma  legislação,  se  pronunciou o  acórdão-fundamento   do Tribunal da Relação do Porto proferido a 12.05.2014 (no processo 91/13.4TBVNH.P1), nos termos do qual o Tribunal considerou que o nº4 do artigo 17º-D não obsta a que se altere, posteriormente, a errada classificação de um crédito constante da lista provisória, convertida em definitiva, nomeadamente para efeitos de votação do plano de Revitalização (acórdão transitado em julgado, cuja cópia se anexou como doc. Nº5, enquanto acórdão-fundamento).

- Por tudo o que ficou exposto, verifica-se o preenchimento de todos os requisitos legalmente exigidos para que o presente recurso de revista seja admitido e julgado pelo ilustre Supremo Tribunal de Justiça.

Da violação não negligenciável da lei no Plano de Revitalização homologado: VIOLAÇÃO DO PRAZO ESTABELECIDO PARA CONCLUSÃO DE NEGOCIAÇÕES E APROVAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO

- Temos como factos assentes, para o que interessa nesta sede, os seguintes:

i) O término do prazo para as impugnações de créditos ocorreu em 02.02.2015, começando no dia seguinte o prazo de dois meses para a conclusão das negociações - prazo que terminaria a 03.04.2015;

ii) Este prazo era prorrogável, por uma só vez e por um mês, o que sucedeu, passando o prazo para a conclusão das negociações deste Plano a terminar a 04.05.2015, não sendo susceptível de ulteriores prorrogações;

iii) apesar de o Plano ter sido apresentado a 04.05.2015, o mesmo não foi até essa data objecto de aprovação, tendo a votação do Plano de Revitalização sido agendada para 14.05.2015, ou seja, para 10 dias depois do término do prazo para a conclusão das negociações.

- Ora, o acórdão recorrido, ao entender que o prazo do artigo 17º-D, nº5, do CIRE foi cumprido no caso dos autos na medida em que este não era um prazo peremptório (vide acórdão recorrido, págs. 19 e 20), violou expressamente o disposto nos artigos 17º- D, nº5 e 17º-G do CIRE.

- Com efeito, resulta destes dois normativos que, efectivamente, a votação e aprovação do plano tem que sei efectuada dentro do prazo das negociações, ou seja, a votação e aprovação do Plano teriam que ter ocorrido até 04.05.2015, pelo que o acórdão recorrido dever-se-ia ter pronunciado pela não homologação do plano de revitalização por violação de norma legal imperativa - n.º1 do artº 17º-G conjugada com o nº5 do artº 17º-D, ambos do CIRE.

- Em defesa da interpretação vertida no acórdão-fundamento, concorrem, desde logo, motivos de compatibilização com a natureza urgente do processo de revitalização6, mesmo quando comparado com o processo de insolvência (vide, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.09.2015 (consultável em www.dgsi.pt, processo n.° 817/14.9T8ACB.C1), o qual decidiu pela natureza peremptória do prazo para aprovação e conclusão das negociações precisamente com base na natureza urgente do processo de revitalização).

- Vide, no sentido da natureza urgente do processo de revitalização, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.10.2013 (in www.dgsi.pt, no Processo n.° 2329/12.6TBPBL-A.C1).

- Para fundamentar a natureza não peremptória deste prazo para conclusão das negociações, o acórdão recorrido limita-se a citar dois acórdãos da Relação de Lisboa, descurando contudo o estrito contexto casuístico em que os mesmos foram proferidos e que não é extensível ao caso dos autos.

- Com efeito, no caso concreto, não ocorreu qualquer situação que justificasse uma segunda prorrogação do prazo, nada tendo sido alegado a esse respeito pelo Administrador ou pela Devedora ou credores e, por isso não há qualquer fundamento casuístico atendível (mesmo que com apelo ao ius naturali) que permita sustentar que o Direito Positivo é materialmente inadequado ou injusto neste caso.

- Por outra via, a fixação de um prazo para conclusão e aprovação das negociações é essencial aos direitos dos credores, na medida em que o exercício de tais direitos fica sujeito a limitações graves - vide artigo 17 °-E do CIRE.

- Do que decorre que a norma que resulta da interpretação dos artigos 17º-D, nº5 e 17º-G, nº1, do CIRE, no sentido de que o prazo para as negociações e aprovação do plano de revitalização não é peremptório ou que é meramente ordenador ou procedimental, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 2º da CRP, na vertente do principio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos – inconstitucionalidade essa que se deixa invocada para todos os efeitos legais.

- Afigurando-se assim dever prevalecer a interpretação sufragada no acórdão-fundamento, proferido pelo  Supremo Tribunal de Justiça   a 08.09.2015, no processo n.º 570/13.3TBSRT.C1.S1, reproduzido acima no corpo das presentes alegações.

- O acórdão-fundamento é, de resto, semelhante ao recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 17.11.2015 (no processo 1557/14.4TBMTJ.L1.S1 - 6.ª Secção), tendo-se, no mesmo sentido, pronunciado igualmente vários acórdãos das Relações, citados no corpo das presentes alegações, a saber o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.10.2014 (2081/13.8TBPBL-A.C1); o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.10.2014 (974/13.1TBPFR.P1); o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.04.2015 (2460/14.3TBLRA.C1); o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.03.2014 (1904/12.3TYLSB.L1-2); o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.09.2015 (processo 817/14.9T8ACB.C1) (e, ainda, no mesmo sentido, se pronunciaram Carvalho Fernandes e João Labareda (in CIRE, Anotado, 2.ª Edição, Quid Júris, Lisboa, 2013, a pág. 161).

- Pelo que, seguindo-se a jurisprudência maioritária, subscrita no Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 08.09.2015, por ser a que mais se coaduna com o espírito e a letra da lei, se impõe a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por Acórdão que dê provimento ao presente recurso e decida pela recusa de homologação do plano de revitalização da Devedora BF INVEST.

Da violação não negligenciável da lei no Plano de Revitalização homologada. DO CONHECIMENTO OFICIOSO QUANTO À QUALIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS

- Da análise do acórdão recorrido resulta ainda que o Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia ter suscitado a questão do conhecimento oficioso da natureza subordinada dos créditos do BCP e do BII, na medida em que não cumpriu o ónus de impugnação previsto no n.º3 do artigo 17º-D do CIRE.

- Tal entendimento, porém, contraria frontalmente o que decidiu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 12.05.2014 (no processo 91 /13.4TBVNH.P1), segundo o qual “o não exercício do ónus de impugnação previsto no n.º3 do artigo 17.º-D do CIRE não preclude, a nosso ver, a possibilidade de (...) poder invocar, comprovando, em momento ulterior, o erro manifesto no concernente à qualificação de um crédito reclamado”. Aqui reside a oposição de acórdãos.

- O acórdão recorrido avança ainda uma outra argumentação que se prende com o trânsito em julgado do despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância a 25.04.2015.

- Todavia, tal argumentação padece de sustentação jurídica ou fáctica, na medida em que notoriamente tal despacho não proferiu qualquer decisão de mérito quanto à qualificação dos créditos dos credores BCP e BII, antes admitindo expressamente não se pronunciar sobre a mesma.

- Atendendo a que o acórdão recorrido considerou a questão do erro manifesto na qualificação do crédito dos credores BCP e BII como prejudicada, impõe-se a efectiva apreciação da subsunção jurídica de tais créditos à qualidade de créditos subordinados, pois que a mesma não se reporta apenas ao quórum deliberativo na aprovação do Plano de Revitalização, mas antes e também à violação do princípio da igualdade ínsita a um plano de revitalização que trata mais favoravelmente credores (BII e BCP) que são, materialmente, credores subordinados.

- A Recorrente entende que, para esse efeito, bastarão os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que não são disputados os factos atinentes às relações societárias entre estas entidades e a administração da Devedora (acima descritas no corpo das presentes alegações), pelo que opera a presunção iuris et de iure quanto à natureza subordinada dos créditos dos credores BCP e BII, por força dos artigos 48º, al. a) 49º, nº2, alíneas b) e c), e nº3 do CIRE e artigo 21º, nº1 e nº2 alínea a do CVM.

- O Tribunal a quo não podia, assim, deixar de conhecer tal facto pelo seu impacto na notória ineptidão do plano de revitalização apresentado, por implicar que não foi cumprido o quórum deliberativo e ainda por violação do princípio da igualdade no plano de revitalização.

- Como decorre do corpo das alegações, a ostensiva diferença de tratamento dado a credores, favorece dois credores materialmente subordinados (e, por erro manifesto, e de conhecimento oficioso, actualmente qualificados como garantidos) que estão em relação de grupo com a entidade que gere a Devedora e que tratará da venda dos activos.

- Na verdade, mesmo que o artigo 17º-D, nº3 obstaculizasse o conhecimento desta questão para efeitos de votação, jamais criaria impedimento a que o acórdão recorrido conhecesse da natureza subordinada destes créditos para efeitos da violação do princípio da igualdade.

- Assim, o acórdão-fundamento do Tribunal da Relação do Parto (a 12.05.2014 no processo n.º91/13.4TBVHN.P1) admite imediatamente os poderes oficiosos de alteração da lista definitiva de créditos reconhecidos no processo de revitalização e rectifica o erro manifesto na qualificação do crédito, reconhecendo ainda que é devida a aplicação analógica do nº3 do artigo 130º do CIRE, referindo que o Tribunal a quo «não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessa lista, e nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, afim de evitar a violação da lei substantiva».

- No caso não houve sequer decisão de mérito, mesmo que sumária, sobre a qualificação dos créditos do BII e do BCP – muito menos tal resulta do Despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância a 25.04.2015

- Sustentamos assim que da ponderação desta oposição de julgados deverá prevalecer a interpretação do acórdão-fundamento do Tribunal da Relação do Porto quanto ao artigo 17º-D, nºs 3 e 4 do CIRE, devendo conhecer-se do erro manifesto no concernente à qualificação dos créditos do BCP e BII como créditos subordinados (vide, no mesmo sentido, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.07.2014 (Processo 262/12.0T2AVR-K.C1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2014 (processo 3045/12.4TB VLG-B.P1.S1 consultavel em www.dgsi.pt).

Nas contra alegações a Requerente pugna pela improcedência do recurso.

II As questões a dilucidar no âmbito da presente impugnação recursiva são as de saber se o prazo a que alude o artigo 17º-G, nº1 do CIRE é ou não peremptório e se mesmo que não seja impugnada a relação de créditos, se a errada qualificação dos mesmos pode ser suscitada em sede de recurso, tendo em atenção a contradição de Acórdãos convocada.

Mostra-se provada com interesse para a questão decidenda a seguinte factualidade:

- B, administrado e representado pela sociedade gestora I, SA, veio intentar processo especial de revitalização.

- Foi nomeado administrador judicial provisório, tendo o mesmo feito juntar a lista provisória de créditos, a qual foi publicada no dia 28 de Janeiro de 2015.

- Impugnaram a aludida lista os seguintes Credores: X (que da mesma veio desistir), M, (…), pretendendo estes últimos o reconhecimento do crédito que reclamam e contraditando, ainda, os créditos reconhecidos aos credores BCP e BII, as quais não foram admitidas, por extemporâneas.

- O prazo de dois meses para conclusão das negociações, que ocorreria em 3 de Abril de 2015, foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre administrador judicial provisório nomeado e a devedora, passando a terminar no dia 4 de Maio 2015.

- Concluídas as negociações e apresentado pela devedora, no dia 4 de Maio de 2015, foi plano que consta de fls. 281 a 295 votado no dia 18 de Maio de 2015, cfr teor de fls 415 a 418.

- Votaram o referido Plano os credores constantes da lista de créditos com créditos no montante de € 14.306.060,44 (sendo a totalidade dos créditos no montante de € 14.389.245,91).

- Os credores BCPortuguês, com créditos no valor de e 6.875.138,92, BII, com créditos no valor de € 2.871.220,22, B & F, SA, com créditos no valor de € 199.337,81 e B Imobiliária, SA, com créditos no valor de 240.000,00 votaram a favor do plano.

1.Quanto à primeira oposição suscitada, concernente ao prazo peremptório para conclusão do PER, contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2015, no processo nº570/13.3TBSRT.C1.S1.

Vejamos então.

No Aresto impugnado a este propósito, pode ler-se:

«(…) Prescreve o artigo 17º-D nº 5, do CIRE que, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Por sua vez, determina o nº 1 do artigo 17º- G do CIRE, que caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no nº 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar o facto ao processo, se possível por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius.

O prazo de dois meses ocorreu em 03-04-2015, tendo sido prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, terminando assim em 04-05-2015.

As negociações foram concluídas e o Plano foi apresentado no dia 04-05-2015, tendo este sido votado no dia 14-05-2015.

Entendem as apelantes que o Plano, bem como a votação e o seu resultado, deveriam ser enviados para o tribunal até ao último dia do prazo previsto no supra citado artigo 17º-D, nº 5 do CIRE, ou seja, até ao dia 04-05-2015.Não assiste razão às apelante, já que ao prazo legalmente estabelecido para as negociações, acresce o prazo para votação e aprovação do plano. 

Neste sentido foi decidido pelo acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 10-04-2014[1]:

“O prazo previsto no art. 17º-D nº 5 do CIRE não tem natureza peremptória. Por conseguinte, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o pretendido acordo com os credores, esta circunstância não constitui fundamento para recusar a homologação do plano de recuperação aprovado”, “atendendo à formulação legal (cf. art.º 17º-D, n.º 5, do CIRE), (…) o prazo para concluir as negociações encetadas não tem natureza peremptória, desde logo por ser a própria lei a prever a sua eventual prorrogação” e “que a devedora explicitou as razões que terão levado a que o prazo em curso tivesse sido ultrapassado (…), as quais, com os elementos que constam dos autos, parecem ser de acolher”.

No mesmo sentido foi decidido pelo acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 09-04-2014 do seguinte modo:

“A aprovação de um plano de revitalização, com a manutenção em actividade da devedora, agora em termos de poder recuperar e vir a cumprir as suas obrigações, é, certamente, mais favorável para a sociedade e para os credores, do que a manutenção daquela, mas numa situação económica difícil ou mesmo de insolvência eminente, que a levou a requerer o PER”.“ Tendo sido alcançada a aprovação de um plano de revitalização, pela totalidade dos credores, justificado que foi o prolongamento das negociações, e tendo concorrido para o “atraso” na aprovação do plano de revitalização facto respeitante ao AJP, estranho, portanto, ao próprio processo, é contrário ao espírito da lei e aos objectivos do legislador permitir que, apenas, razões de ordem formal obstem à sua aceitação e, eventual, homologação.”, “ O prazo previsto no artigo 17º - G, nº 1 do CIRE, não tem natureza peremptória”.

Tendo sido integralmente cumprido o prazo legalmente previsto, improcedem as conclusões das alegações das apelantes.(…)»

O Acórdão fundamento sustentou a sua posição no seguinte arrazoado argumentativo:

«(…) Quanto à tramitação rege o artigo 17.º-D (Tramitação subsequente)

“1. Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu inicio a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.

2. Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

3. A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

4. Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

5. Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”.

O PER é dominado pela autonomia dos credores e da devedora, pela desjudicialização e, sobretudo, pela celeridade.

Se for ultrapassado o prazo para as negociações o plano não deve ser homologado, como decorre dos arts. 17º-F, nºs e 2 e 5.

O prazo para as negociações decorre independentemente de quaisquer vicissitudes, sendo que o plano deve ser apresentado com a conclusão das negociações, não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada.

Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto – art. 17º -F, nº1, do PER.

Do nº2 resulta que as negociações e a aprovação do plano se devem conter num prazo único –“Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal”.

Discorrendo sobre a natureza do prazo em apreciação, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” – 2ª edição – págs. 160/161, escrevem:

“Com o sentido já acima explicitado, uma vez terminado o prazo das impugnações, sabe-se quem, desde logo, fica habilitado a intervir no processo negocial: todos os titulares de créditos que não tenham sido objecto de contestação, quer tenham sido subscritores da declaração inicial junta com o requerimento de instauração do processo – art. 17.°- C, n.°1 – quer não, carecendo neste caso de dar satisfação à exigência do nº7 do preceito em anotação.

Percebe-se, assim, que o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar, tal como fixado no n.°5.

Trata-se de um prazo corrido, comungando a fase negocial do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art. 17.°-A, n.° 3.

Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art. 215.°, aplicável por imperativo do art. 17.°-F, n.°5.

Aliás, segundo a disposição expressa do art. 17.°-G, n.°1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.

Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.” – (destaque e sublinhado nosso)

No caso em apreço, o Plano de Recuperação e a aprovação pelos credores foi concluída para lá do prazo de três meses (já com a prorrogação legal de um mês), pelo que devendo a aprovação do plano estar concluída e contida nesse prazo, tendo ele sido excedido deveria ter sido proferida decisão de não homologação do plano, por não poder ser aprovado em violação de norma legal imperativa – n.º1 do art.º 17º-G, conjugada com o n.º5 do art.º 17º-D, ambos do CIRE.

O prazo em causa é peremptório. O regime legal do art. 139º, nº5, do Código de Processo Civil, não deve ser aplicado oficiosamente carecendo da invocação da parte que pretende a prática do acto decorrido o prazo.

Daí, que com o devido respeito, não se acompanha o douto Acórdão recorrido (…)».

O aporema daqui consiste em saber, afinal das contas, de que sorte de prazo se trata.

O PER constitui uma profunda alteração introduzida pela Lei 16/2012, resultante das negociações com a Troika, cujos princípios orientadores constam, de uma maneira geral da Resolução do Conselho de Ministros 43/2011 e cuja consagração legal, decorre agora dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE.

Nesses normativos veio-se a consagrar dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17º-A a 17º-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17º-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente, quer dizer, enquanto no primeiro dos procedimentos se recorre desde logo ao Tribunal, através da declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos seus credores, na qual manifestam a intenção de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele e através de um plano de recuperação, artigo 17º-C, nº1, no segundo dos procedimentos, o acordo é efectuado extrajudicialmente entre o devedor e os credores que representem, pelo menos a maioria dos votos a que se alude no artigo 212º, nº1, acompanhado dos documentos referidos no artigo 24º (relação de credores, relatórios de actividades e de exercícios, etc), levando à prolação de um despacho de homologação ou de não homologação no prazo de dez dias, artigo 17º-I, tratando-se de um procedimento mais expedito e simplificado que leva a uma tramitação processual mais abreviada ainda.

A estrutura destes dois processos é híbrida (hibrid procedures do direito inglês), porque fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respectivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência e com a intervenção das autoridades judiciárias na respectiva aprovação, obtêm a garantia do seu cumprimento, desde que o devedor se encontre numa situação económica difícil, ou em situação de insolvência eminente, mas que seja ainda possível a sua recuperação, o que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao activo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, porque se assim for, este processo especialíssimo não se lhe pode aplicar, aplicando-se antes o processo de insolvência

Como se vê, estes dois procedimentos apresentam-se na sua estrutura em relação ao processo de insolvência, como se de uma verdadeira providência cautelar antecipatória se tratasse, destinada à manutenção da estrutura económica do devedor, permitindo a continuação da sua actividade, evitando-se o desmantelamento da empresa, desfecho inultrapassável em processo de insolvência, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, com a consequente extinção de postos de trabalho.

Assim sendo, estando o devedor (sendo este um agente económico) numa situação de dificuldade económica que lhe permita solver com regularidade os seus compromissos, mas não estando ainda numa situação de incumprimento total dos mesmos e pretendendo apresentar-se a qualquer um destes dois procedimentos híbridos, o primeiro efeito imediato de tal apresentação, quer a mesma seja judicial, quer a mesma seja pré-judicial, é a de se iniciar um período de suspensão, em que os credores estão obrigados a concederem ao devedor um período de tempo suficiente, mas limitado, de onde o mesmo dever ser negociado, para todos partilharem as informações necessárias para a elaboração de propostas a fim de se levar a bom termo as negociações: é uma concessão dos credores ao devedor e não um direito deste. Por outro lado, durante este período de suspensão, os credores não devem agir contra o devedor, intentando novas acções, devendo sustar as que se encontrem pendentes contra aquele. É o chamado «standstill».

Este dever de cooperação dos credores para com o devedor e a consequente suspensão das acções pendentes e eventuais futuras, correspondem aos quarto e quinto princípios orientadores da recuperação extrajudicial de devedores, constante da resolução do Conselho de Ministros que antecedeu a alteração legislativa introduzida com a criação do PER, sendo os mesmos obrigatórios e por isso deverão ser observados aquando das negociações, como impõe o nº10 do artigo 17º-D do CIRE, no qual se estipula expressis verbis que «Durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº43/2011, de 25 de Outubro.».

O devedor, ao comunicar ao Tribunal o inicio das negociações com vista à sua recuperação económica, através da entrega da declaração a que alude o artigo 17º-C, nº1 e proferido que seja o despacho de nomeação do Administrador provisório, impede a instauração de novas acções para cobrança de dividas enquanto perdurarem as negociações, faz suspender as que se encontrem instauradas as quais se extinguirão, logo que seja proferida a homologação do plano no caso em que os créditos delas objecto ali forem abrangidos, excepto se este previr a respectiva continuação, nº1 do artigo 17º-D.

Óbvio se torna, naturalis ratio, que estando nós em presença de um processo de natureza eminentemente urgente, de prazos procedimentais curtos, durante os quais os credores concedem ao devedor um período global de «tréguas», auto-impedindo-se de instaurarem e/ou fazerem prosseguir quaisquer acções, declarativas e/ou executivas, para cobrança de dividas contra aquele, que o tempo para a sua finalização seja categórico, o que deflui da tramitação restritiva a que alude o normativo inserto no artigo 17º-D do CIRE, maxime, os segmentos normativos constantes dos seus nºs 2 e 5.

Nesta asserção, o período de suspensão apenas poderá ter a duração de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17º-D, nº5 do CIRE, sendo este prazo peremptório e por isso inegociável e (re)improrrogável, cfr neste sentido o recente Ac STJ de 17 de Novembro de 2015 (Relator José Rainho), onde se pode ler no respectivo sumário «I - O prazo fixado no nº 5 do art. 17º-D do CIRE para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é perentório ou preclusivo. II - Decorrido tal prazo sem que as negociações estejam concluídas, o processo negocial fica encerrado, não podendo ser homologado, por ocorrer uma violação não negligenciável de regras procedimentais, o plano que venha ainda assim a ser aprovado.», in www.dgi.pt.

Efectivamente, tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim daquela, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo.

Esta posição decorre, inequívoca, do preceituado no artigo 17º-G, nº1 do CIRE, o qual é claro ao presdispor que o processo negocial é encerrado se não for possível conclui-lo no prazo aludido naquele supra citado nº5 do artigo 17º-D, do mesmo diploma: «caso seja ultrapassado o prazo», na letra da Lei, cfr neste sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, Código da insolvência e da recuperação de Empresas Anotado, 2013, 69/70.

Procedem assim, neste conspectu, as conclusões de recurso, mostrando-se precludido o prazo legal peremptório para as negociações no âmbito deste processo negocial de PER.

2.Da apontada segunda contradição e no que tange à (im)possibilidade de ser invocada posteriormente à fase da impugnação dos créditos, o erro quanto á qualificação dos mesmos, oposição entre o Acórdão recorrido e o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Maio de 2014, processo 91/13.4TBVNH.P1.

Insurge-se ainda a Credora Recorrente contra o Aresto impugnado, uma vez que na sua tese aquele entendeu que não podia ter sido suscitada a questão do conhecimento oficioso da natureza subordinada dos créditos do BCP e do BII, na medida em que não tinha cumprido, na oportunidade, o ónus de impugnação previsto no n.º3 do artigo 17º-D do CIRE, sendo que tal entendimento contraria frontalmente o que decidido se mostra pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de12 de Maio de 2014 (supra assinalado) segundo o qual “o não exercício do ónus de impugnação previsto no n.º3 do artigo 17.º-D do CIRE não preclude, a nosso ver, a possibilidade de (...) poder invocar, comprovando, em momento ulterior, o erro manifesto no concernente à qualificação de um crédito reclamado”.

Sem embargo da oposição referenciada nas decisões em confronto, a dilucidação da problemática envolvente, na especie, mostra-se prejudicada.

Efectivamente, mostrando-se extinto o presente procedimento de PER, por via da decisão dada à primeira das questões em análise, carece de qualquer razoabilidade o conhecimento destoutra temática recursiva, cuja operância e/ou não operância, apenas teria, como tem razão de ser, em sede de análise do plano de recuperação e da bondade da qualificação operada no mesmo quanto aos créditos reclamados.

É que, nestas circunstâncias específicas de encerramento do PER, inútil se torna apreciar quaisquer eventuais violações não negligenciáveis do plano de recuperação, se o mesmo, para todos os efeitos, é inoperante.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão ínsita no Acórdão sob censura, declarando-se encerrado o processo negocial, nos termos do disposto no artigo 17º-G, nº1 do CIRE, com a consequente não homologação do plano de recuperação do Requerente BF - Invest - Fundo De Investimento Imobiliário Fechado De Subscrição Particular.

Custas pelo Requerente, aqui Recorrido.

Lisboa, 19 de Abril de 2016

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes)

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[1] Processo nº 8972/13.9T2SNT.L1, in www.dgsi.pt/jtrl.