Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
176/1998.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: RETRIBUIÇÃO-BASE
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
REINTEGRAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
DEDUÇÃO DE RENDIMENTOS AUFERIDOS APÓS O DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 04/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina: - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pág. 447.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 556º, N.º1, 560.º, 829.º-A, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 456.º, N.º2, 458.º, 661.º, N.º2, 663.º, N.º 1, 712.º, 749.º A 752.º, 762.º, 700.º A 720.º, 722.º, N.º 2, E 729.º, N.º 2 E N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO DL N.º 272-A/81, DE 30 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 83.º, 85.º.
DL N.º 64-A/89, DE 27-2, REGIME JURÍDICO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO E DA CELEBRAÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO A TERMO (LCCT): - ARTIGO 13.º.
DL N.º 323/01, DE 17-12: - ARTIGO 1.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, ANEXO AO DL N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGO 82.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/9/1991, PROCESSO N.º 082086;
-DE 9/1/1996, PROCESSO N.º 087941;
-DE 23/1/2003, PROCESSO N.º 02B4173, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13/11/2003, DOCUMENTO N.º SJ200311130030257, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 21/2/2006, PROCESSO N.º 05A4362;
-DE 20/9/2006, PROCESSO N.º 899/06;
-DE 14/12/2006, PROCESSO N.º 1324/06;
-DE 3/5/2007, PROCESSO N.º 07B1165, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 12/7/2007, PROCESSOS N.OS 4104/06 E 4280/06;
-DE 10/7/2008, PROCESSO N.º 457/08;
-DE 25/3/2010, PROCESSO N.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1.
Sumário : 1. Devendo o pagamento da retribuição de base em causa ser feito em Portugal, na moeda com curso legal no País, isto é, em Escudos, face à sua substituição pelo Euro e ao estipulado no n.º 1 do artigo 556.º do Código Civil, o cumprimento a efectivar-se tem de ser feito na moeda com curso legal ao tempo do pagamento, isto é, em euros, à taxa de conversão de escudos em euros, sendo que a moeda convencionada, no caso o Marco alemão, desempenha apenas uma função de cálculo do montante da dívida e não de pagamento.

2. Os juros relativos a período igual ou superior a um ano podem ser capitalizados sob o impulso do credor por via e a partir da notificação judicial dirigida ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização, não bastando a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados.

3. Não tendo o trabalhador, por sua iniciativa ou a pedido do empregador, exercido, oportunamente, o direito de optar pela atribuição de indemnização em substituição da reintegração, cumpria ao tribunal decretar a sua reintegração.

4. A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código de Processo Civil opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação.

5. A imperatividade do regime acolhido no artigo 13.º da LCCT não dispensa a entidade empregadora de alegar e provar que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento, pelo que, se o não fizer, não é possível operar a dedução aludida na alínea b) do seu n.º 2, entendimento que salvaguarda pilares estruturantes do nosso sistema jurídico, como são o princípio do dispositivo e as regras de distribuição do ónus da prova.

6. Tendo a empregadora autorizado o autor a trabalhar para terceiros, sem qualquer reserva ou restrição, quando ainda vigorava o contrato de trabalho, não há lugar a efectivar a dedução estipulada na alínea b) do n.º 2 do citado artigo 13.º, na medida em que a mesma se reporta às «importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento», o que não é o caso.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 15 de Maio de 1998, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra «BB, L.da», denominada, posteriormente, «CC, S. A.», e, actualmente, «DD, L.da», «EE», à qual sucedeu a «EE», «FF», «GG, S. A.», HH, II e JJ, em que formulou os seguintes pedidos: i) se declare nulo o primeiro despedimento, em sede de despacho saneador, por falta de processo disciplinar, o que constitui vício insuprível; ii) se reconheça, no mesmo despacho, que as imputações da nota de culpa respeitam a um período em que o autor era exclusivamente gerente — estando legalmente suspenso o contrato de trabalho e o seu exercício funcional como director-geral — e pressupõem a actividade efectiva e, consequentemente, se declare que o processo disciplinar laboral e a punição do despedimento eram legalmente inaplicáveis aos factos que lhe foram imputados, pelo que o segundo despedimento deve ser julgado ilícito e anulado; iii) subsidiariamente, caso se entenda que as funções de gerente eram cumuladas com as de director-geral, se julgue as imputações insindicáveis no plano juslaboral, visto que a acusação não discrimina as infracções pelas funções e daí a ilicitude do despedimento; iv) subsidiariamente, o segundo despedimento seja julgado inválido, por o respectivo processo disciplinar ser um meio juridicamente inadmissível de sanação dos vícios do despedimento anterior — «idoneidade, extemporaneidade e ilicitude do objecto processual visado»; v) se julgue inválido, por estar esgotado o poder disciplinar das rés aquando da comunicação da primeira punição (irrepetibilidade da sanção, ofensa do princípio “non bis in idem”); vi) subsidiariamente, o segundo despedimento seja julgado nulo por vício de forma (acusação vaga, genérica, não especificada) consistente em falta de audiência do arguido, e também se julgue nulo por deficiência insuprível de instrução (recusa ilegal de provas documentais, recusa de testemunhas de defesa, falta de notificação de documentos juntos pela acusação); vii) subsidiariamente, o poder disciplinar seja julgado caduco (mais de 60 dias sobre o conhecimento ou a cognoscibilidade, pelas rés, dos factos imputados), sendo o segundo despedimento declarado ilícito também por esse motivo; viii) em sede de sentença final e quando se entenda que o segundo processo era admissível, formalmente válido e não caduco, e que o despedimento podia ser repetido, deve ser declarado ilícito por inexistência dos factos imputados e dos prejuízos alegados; ix) subsidiariamente, seja julgado ilícito por inexistência de nexo causal directo e necessário entre as imputações e os supostos prejuízos invocados, bem como por inadequação da sanção expulsiva aos comportamentos e em qualquer caso ambos os despedimentos sejam reputados abusivos; x) as 1.ª e 2.ª rés sejam condenadas, solidariamente, a proceder à sua reintegração nos quadros da 1.ª ré, sem perda de antiguidade e na efectividade das mesmas funções, tarefas e responsabilidades enquanto director-geral da empresa ou, em alternativa, à sua escolha, as mesmas rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe indemnização por antiguidade, correspondente, no mínimo, a um mês de retribuição completa por cada ano ou fracção de tempo de serviço, antiguidade contada até ser proferida sentença com trânsito em julgado e que à data da petição inicial correspondia a três meses e ascendia a 3.099.444$00; xi) seja declarada a natureza abusiva dos despedimentos, sendo as rés condenadas a pagar-lhe indemnização por antiguidade em dobro; xii) as 1.ª e 2.ª rés sejam condenadas a pagar-lhe, solidariamente, a remuneração base, indexada ao valor do marco alemão e demais prestações pecuniárias complementares e acessórias mencionadas supra, vencidas até à data da citação e vincendas até ao trânsito da sentença, como se nunca tivesse sido despedido, totalizando, em 30 de Abril de 1998, 7.232.036$00; xiii) as 1.ª e 2.ª rés sejam condenadas, solidariamente, a reconhecerem o seu direito a continuar a auferir outras garantias pecuniárias com expressão pecuniária, nomeadamente, o uso permanente de um automóvel de gama, categoria e cilindrada não inferiores às do Volvo, tanto para deslocações em serviço como para seu uso particular, suportando as mesmas todos os encargos e despesas da viatura, sem limite de quilómetros e, enquanto o uso do veículo não for restabelecido, sejam condenadas a pagar-lhe o valor mensal relativo ao aluguer de um automóvel Volvo e demais despesas e encargos, equivalentes, em média, a 323.825$00 mensais, totalizando, em 30 de Abril de 1998, 1.619.125$00 (1.219.125$00 + 400.000$00); xiv) as 1.ª e 2.ª rés sejam condenadas a voltar a conceder-lhe telemóvel permanente, com pagamento da respectiva assinatura e despesas com chamadas de serviços e particulares e, enquanto o uso do telemóvel não for restabelecido, sejam condenadas a pagar-lhe mensalmente o seu valor em dinheiro, correspondente à média mensal estimada de 25.000$00, totalizando, em 30 de Abril de 1998, 125.000$00; xv) que incidam sobre todas as prestações descontos para a Segurança Social; xvi) sejam as prestações vencidas e vincendas eventualmente aumentadas em valor e condições não inferiores às que as rés tenham passado a praticar, ou venham a praticar no futuro, com os directores-gerais ou gerentes entretanto colocados no seu lugar ou a desempenhar funções equivalentes; xvii) sejam as rés condenadas solidariamente a indemnizá-lo, nos termos gerais do direito, quanto aos danos morais pela doença e sofrimento causado, desde 24 de Outubro de 1997, em valor não inferior a 30.000$00 diários, totalizando, até 30 de Abril de 1998, 5.580.000$00, sendo os danos futuros a liquidar em execução de sentença, quanto aos danos morais na sua imagem e carreira profissionais, desde 24 de Outubro de 1997, [em montante] não inferior ao valor das retribuições pecuniárias que teria direito a receber mensalmente se não tivesse sido despedido, que à data de 30 de Abril de 1998 é superior a 3.099.444$00 (3 x 1.033.148$00), e por danos futuros a liquidar em execução de sentença, até à sua efectiva reintegração ao serviço das rés como director-geral, devendo ainda ser condenadas a pagar-lhe todas as despesas com a presente lide, designadamente com técnicos, peritos, testemunhas, deslocações, mandatários judiciais e solicitadoria, a sair da conta de custas a liquidar oportunamente; xviii) as mesmas rés sejam condenadas a pagar-lhe juros de mora contados desde a data de vencimento das prestações até efectivo pagamento (prestações periódicas ou com vencimento certo como é o caso das retribuições), juros que, em 30 de Abril de 1998, superam 150.000$00, ou contados desde a data da citação no caso da indemnização a liquidar em execução de sentença; xix) os juros sejam sujeitos a capitalização após um ano sobre o vencimento (artigo 506.º, n.º 1, do Código Civil) e, assim, sucessivamente, ano a ano e prestação a prestação, até total pagamento do capital em dívida e respectivos juros de mora; xx) se determine que os pagamentos que as rés efectuem no âmbito da presente acção sejam feitos por depósito bancário em conta à sua ordem a indicar e, quando parciais, sejam feitos sucessivamente por conta das despesas, indemnizações, juros e só depois do capital, pela indicada ordem (artigo 785.º, n.º 1 e 2, do Código Civil); xxi) os restantes réus sejam condenados, solidariamente a reconhecerem a ilicitude dos seus despedimentos, bem como a praticarem todos os actos e tomarem todas as deliberações necessárias para que a 1.ª e 2.ª rés cumpram integral e pontualmente a sentença condenatória a proferir; xxii) os restantes réus sejam condenados acessoriamente, para a hipótese do património da 1.ª ré se tornar insuficiente, a responderem pelos créditos peticionados; xxiii) a título de sanção pecuniária compulsória, diária e progressiva, seja estipulada, por cada dia de incumprimento ou cumprimento deficiente, a cargo das rés, durante os primeiros 30 dias, uma multa diária de 50.000$00, para além dos 30 iniciais, uma multa diária de 100.000$00; xxiv) seja concedido apoio judiciário, na sua mais ampla modalidade.

Nos termos do artigo 273.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, o autor pediu que se fixasse sobre todos os montantes a sanção pecuniária legal prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, correspondente à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença transitar em julgado, a qual acrescerá automaticamente aos juros de mora legais ou à indemnização a que houver lugar.

E também pediu a condenação dos réus a suportar e efectuar os respectivos descontos para a Segurança Social, proceder às retenções fiscais a que entidade patronal estiver legalmente obrigada por força da relação laboral, como se nunca tivesse sido despedido e, subsidiariamente, caso o Tribunal de Trabalho entenda que não tem competência para condenar as rés a efectuarem os descontos e as retenções fiscais decorrentes da reintegração, que os mesmos fossem condenadas, caso não entreguem voluntária e atempadamente os referidos descontos e retenções a quem de direito, e daí lhe advenha algum prejuízo, a indemnizarem-no por todos os prejuízos que a omissão total ou parcial, ou retardamento desses descontos e/ou retenções tenha provocado ou venha a provocar-lhe, designadamente, as diferenças perdidas na sua pensão de reforma, enquanto for vivo — entre o valor da pensão que vier a receber da Segurança Social depois de se aposentar e o valor da pensão da reforma que teria direito a receber caso as rés não o tivessem despedido ilicitamente e tivessem continuado a efectuar os correspondentes descontos — diferenças estas a apurar em execução de sentença, acrescidas de juros de mora sobre tais diferenças.

As ampliações do pedido foram admitidas.

Citados os réus, a «BB, L.da», então denominada «CC, S. A.», a «EE», a «GG, S. A.», HH, II e JJ apresentaram contestação.

Por excepção, alegaram a incompetência material do tribunal, porquanto o autor foi contratado para desempenhar as funções de gerente da 1.ª ré, exercendo-as efectivamente desde 1 de Abril de 1997 e formalmente desde 26 de Maio de 1997, configurando-se um contrato de mandato e não uma relação de natureza laboral, e, mesmo que assim não se entendesse, a relação material controvertida tal como o autor a configura foi estabelecida apenas com a 1.ª ré, pelo que os demais réus são partes ilegítimas e deviam ser absolvidos da instância.
E, por impugnação, aduziram que nunca existiram remunerações acessórias, sendo a viatura distribuída ao autor apenas para o exercício das suas funções, bem como o telemóvel, que somente lhe foi atribuído para uso profissional, e que o autor foi designado gerente, na assembleia geral da sociedade 1.ª ré, em 26 de Maio de 1997, em substituição de JJ, tendo, em 18 de Março de 1997 e em 19 de Maio de 1997, respectivamente, assinado e iniciado funções como gerente.

Quanto aos alegados despedimentos, não se tratou de um despedimento, mas antes de uma rescisão do contrato de mandato; mas reclamando o autor uma relação de trabalho e tendo a 1.ª ré tomado conhecimento de comportamentos ilícitos após a tomada de posse do novo gerente, decidiu instaurar-lhe um processo disciplinar que culminou na decisão de despedimento com justa causa; mais aduziu a inexistência de caducidade do processo disciplinar, porquanto os factos objecto da nota de culpa, ainda que reportados ao período em que o autor esteve em exercício de funções, apenas foram do conhecimento da entidade patronal após a entrada em funções do Sr. JJ, porque o autor sempre os ocultou, sendo ele quem, até 23 de Outubro de 1997, controlava a informação da empresa, na qualidade de único gerente.

O autor respondeu às excepções da ilegitimidade e incompetência material do Tribunal, alegando abuso do direito das rés e pedindo a condenação destas como litigantes de má fé no pagamento de multa e indemnização, incluindo solicitadoria e honorários do mandatário, a liquidar em posterior incidente, tendo ainda requerido a condenação das rés como litigantes de má fé a fls. 416, 441 e 680.

Entretanto, o autor requereu a extinção da instância quanto à ré «FF», já que se extinguira por fusão com a «EE», sendo então proferida sentença, que julgou extinta a instância relativamente à mencionada ré, por inutilidade superveniente da lide.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções da incompetência material do tribunal e da ilegitimidade dos 2.º, 4.º, 6.º e 7.º réus, seleccionou a matéria de facto assente e a base instrutória, conheceu parcialmente do mérito da causa, declarando a ilicitude dos invocados despedimentos, e determinou o prosseguimento do processo com vista ao conhecimento dos demais pedidos.

Subsequentemente, as rés pediram a condenação do autor como litigante de má fé, foi realizada tentativa de conciliação e os réus interpuseram recurso de agravo do despacho que indeferiu, por extemporâneo, o pedido de notificação do autor para juntar documentos, recurso admitido com subida diferida e efeito suspensivo.

Realizado o julgamento, foi fixada a matéria de facto provada por decisão de fls. 1241-1257, de que o autor solicitou aclaração e/ou rectificação (fls. 1258), a qual foi indeferida, com os fundamentos que se passam a transcrever (fls. 1271):

                    «Em momento posterior ao fixado para a leitura da resposta à matéria de facto (já que não compareceu a esta diligência), o autor veio reclamar da mesma, conforme teor de fls. 1265 e ss. dos autos.
                      Aguardaram os autos 10 dias para, querendo, a parte contrária exercer o contraditório, sendo que nada veio dizer.
                      Vejamos.
                      Desde logo, importa fazer referência que o momento processualmente adequado e limite para a apresentação de reclamação à matéria de facto é a própria audiência em que tal despacho é proferido, pelo que, não tendo o autor comparecido, esgotou-se o direito de o fazer, mostrando-se, assim, a presente reclamação extemporânea.
                      Sem prejuízo, sempre importará dizer que […] o autor lança a discussão entre o facto [assente] sob a alínea 27) a fls. 498 dos autos e uma parte da fundamentação dos artigos 13.º, 14.º e 15.º da base instrutória constante do despacho de fls. 1241. E refere, como núcleo central da discussão, a conversão do valor pago ao autor a título de retribuição constante do acordo de fls. 75 a 78, a saber: [DEM — Marco alemão] 135.000,00 para escudos e posteriormente para euros, tendo em atenção os vários critérios de câmbio em cada momento vigentes.
                      Ora, a questão aqui levantada, salvo o devido respeito, lança uma confusão que não existe, já que o valor fixado de € 4.809,91 (964.300$00) mostra-se aceite pelas partes nos seus articulados, conforme art. 276.º da petição inicial e art. 15.º da contestação. E diga-se que a referência a que alude a fundamentação [dos] artigos 13.º a 15.º da Base Instrutória, sobre o valor em marcos alemães não contradiz [aquela] alínea 27), porquanto faz uma referência ao contrato outorgado pelas partes que tem um valor pecuniário noutra moeda. A questão de saber se [DEM] 135.000,00 correspondem a € 4.809,91 está ultrapassada pois aceite pelas próprias parte[s] ab initio, não colidindo com este facto a afirmação do 4.º e 5.º parágrafo[s] de fls. 1247, porquanto genérica e sem preocupações de conversão exacta de tal valor em euros.
                      Em face do exposto, julgo a presente reclamação improcedente.»

Posteriormente, exarou-se sentença, com o seguinte dispositivo:

                    «3.1. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
                      3.1.1. Declarar este Tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido de condenar as rés a fazer incidir sobre todas as prestações descontos para a Segurança Social e retenções fiscais e em consequência absolver os réus relativamente a estes pedidos;
                      3.1.2. Absolver as rés da instância dos pedidos de indemnizarem o autor por todos os prejuízos que a omissão total ou parcial, ou retardamento desses descontos e/ou retenções tenha provocado ou venha a provocar ao autor, designadamente das diferenças perdidas na sua pensão de reforma, enquanto o autor for vivo — entre o valor da pensão que o autor vier a receber da Segurança Social depois de se aposentar, e o valor da pensão da reforma a que o autor teria direito a receber caso as rés não o tivessem despedido ilicitamente e tivessem continuado a efectuar os correspondentes descontos para a Segurança Social — diferenças estas a apurar em execução de sentença, acrescido de juros de mora sobre tais diferenças;
                      3.1.3. Absolver as rés da instância do pedido de as prestações vencidas e vincendas serem eventualmente aumentadas em montantes e condições não inferiores à que os réus tenham passado a praticar, ou venham a praticar no futuro, com os directores-gerais ou gerentes entretanto colocados no lugar do autor, ou a desempenhar funções equivalentes.
                      3.2. Considerando a declaração da ilicitude dos despedimentos em sede de despacho saneador, decide-se:
                      3.2.1. Condenar solidariamente as rés “DD, Lda.” e “KK”, a reintegrar o autor, AA, no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e facultando-‑lhe o uso de automóvel e telemóvel;
                      3.2.2. Condenar solidariamente as rés “DD, Lda.” e “KK”, a pagar ao autor, AA, as retribuições vencidas desde 15 de Abril de 1998 até ao trânsito da sentença — sendo o valor de cada uma delas de € 4.809,91 — acrescidas dos juros de mora computados às sucessivas taxas legais de 10% até 16.04.1999, de 7% desde 17.04.1999 até 30.04.2003 e de 4% desde 01.05.2003, deduzidas as importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento a liquidar se necessário;
                      3.2.3. Condenar solidariamente as rés “DD, Lda.” e “KK”, a pagar ao autor, AA a quantia de € 9.154,34 (nove mil, cento e cinquenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) acrescida dos juros de mora computados às taxas legais de 10% até 16.04.1999, de 7% desde 17.04.1999 até 30.04.2003 e de 4% desde 01.05.2003;
                      3.2.4. Condenar solidariamente as rés “DD, Lda.” e “KK”, a pagar uma multa diária compulsória de € 250,00 por cada dia de incumprimento ou cumprimento deficiente da prestação de reintegração do autor, desde o trânsito em julgado da presente decisão;
                      3.2.5. Condenar solidariamente as rés “DD, Lda.” e “KK”, a pagar ao autor a quantia correspondente ao valor correspondente ao uso pessoal do veículo desde 03.12.1997 até à efectiva entrega de um veículo, a liquidar em execução de sentença;
                      3.2.6. Condenar solidariamente as rés […] “DD, Lda.” e “KK”, a pagar ao autor a quantia correspondente ao valor correspondente ao uso pessoal do telemóvel desde 03.12.1997 até à efectiva entrega de um telemóvel, a liquidar em execução de sentença;
                      3.2.7. Absolver as rés “DD, Lda.” e “KK” do demais peticionado.
                      3.2.8. Absolver os réus “GG, SA”, HH, II e JJ dos pedidos.
                      Não existem nos autos indícios de má fé.»

2. Inconformados, o autor e as rés «DD, L.da», e «EE» interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão, aclarado a fls. 2100-2110, com o seguinte dispositivo:

                    «Nestes termos, acorda-se em:
                     –  julgar improcedente o recurso de agravo interposto pelas Rés.
                     –  julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelas Rés.
                     –  julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pel[o] Autor e consequentemente:
                     –  absolve-se as Rés do pedido subsidiário formulado pelo Autor atinente à pretensão respeitante aos descontos para a Segurança Social e retenções fiscais;
                     –  julga-se verificada a nulidade de sentença respeitante à falta de pronúncia quanto à capitalização de juros, sendo que, no entanto, se declara tal pretensão improcedente;
                     –  confere-se aos pontos de facto n.os 21, 22 e 26 a seguinte redacção:
                         21 – Provado que a viatura atribuída ao Autor era para utilizar no exercício das suas funções, mas a 1ª Ré permitia que o mesmo a utilizasse nas deslocações que fazia de casa para a empresa e vice-versa, bem como aos fins-de-semana e em férias.
                         22 – A 1ª Ré custeava a utilização pelo Autor da viatura de marca Volvo, modelo S-‑40/2.0, de matrícula ...-IJ, nomeadamente no que respeitava às deslocações que o primeiro fazia de casa para a empresa e vice-versa.
                         Todavia, em relação à utilização que o Autor fizesse da mesma em deslocações particular, isto é fora do âmbito da[s] funções que desempenhava para a 1ª Ré, levadas a cabo aos fins-de-semana e férias, devia ser ele [a] suportar os inerentes custos (portagens e combustível), sendo que não convencionaram atribuir à sua utilização pelo segundo um montante expresso.
                         26 – Ao Autor foi distribuída uma viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0, que tinha a matrícula ...-IJ.
                     –  confere-se ao ponto 3.2.2. da sentença recorrida a seguinte redacção:
                         “Condenar solidariamente as rés ‘DD, Lda.’ e ‘KK’, a pagar ao autor, AA, o valor que se apurar, em sede de execução de sentença, respeitante às retribuições, que teria auferido se não tivesse sido despedido, com as subsequentes actualizações, vencidas desde 15 de Abril de 1998 até ao trânsito da sentença, sendo tais valores acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do seu vencimento até integral pagamento”.
                     –  revoga-se a decisão recorrida na parte que determinou a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento a liquidar se necessário.
                     –  condena-se solidariamente as Rés DD, Lda, e KK, no caso de fazerem pagamentos parciais a imputarem o capital em último lugar.
                     –  no tocante aos pagamentos em dinheiro corrente a efectuar pelas Rés DD, Lda, e EE ao Autor condena-se solidariamente as primeiras no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.»

É contra o deliberado no mencionado acórdão que o autor e as rés «DD, L.da», e «EE» agora se insurgem, mediante recurso de revista, em que formulam as conclusões que se passam a transcrever:

O AUTOR:

                «1.    A resposta à matéria [de] facto interrogada no art. 27 da B. I. [pretender-se-á aludir ao item 27) dos factos assentes, antiga especificação, a que se reporta o facto provado 27)] deveria ter sido rectificada e alterada pela Relação, passando a ser como se sugere:
                         “O A. auferia de vencimento base mensal a quantia ilíquida de 9.642,8571 Marcos alemães pagável 14 vezes ao ano (135.000,00 : 14 = 9.642,8571 DM), valor este que a partir de 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor do Euro, converteu-se para 4.930,31 Euros (9.642,8571 : 1,95583)”.
                    2.  Subsidiariamente, a Relação deveria ter revogado a sentença, por erro na decisão de facto e de direito que a levou a fixar a retribuição de base em apenas 4.809,91 Euros, já que com a entrada em vigor do Euro, a quantia ilíquida mensal de 9.642,8571 Marcos alemães converteu-se em 4.930,31 Euros. Assim, o STJ deverá revogar o acórdão, por erro de julgamento, e deferir a solicitada alteração.
                    3.  Pediu o A. (cfr. 23.º) que os juros de mora fossem sujeitos a capitalização decorrido que fosse um ano sobre o seu vencimento, ex vi do art. 560.º, n.º 1 do C.C., e assim sucessivamente, ano a ano e prestação a prestação até total pagamento do capital em dívida e respectivos juros de mora.
                    4.  Mais requereu que as RR. fossem notificadas da mencionada interpelação, servindo a p.i. de notificação, o que foi feito.
                    5.  Ora nenhum dos Réus contestou especificadamente o pedido de condenação na capitalização dos juros de mora. Pelo que, tendo sido notificados da p.i. — e, consequentemente, da interpelação formal nela contida para procederem à respectiva capitalização — nada obstava legalmente ao deferimento da pretensão, nos seus precisos termos.
                    6.  Dado o exposto, no caso concreto era vedado à Relação recusar a capitalização com tais fundamentos, muito menos oficiosamente. Assim, o STJ deverá revogar o acórdão e deferir a capitalização dos juros de mora.
                    7.  O Tribunal do Trabalho e a Relação incorreram em erro de julgamento quando absolveram as RR. da instância, relativamente ao art. 27 do petitório, onde o A. requeria a actualização das retribuições intercalares.
                    8.  Assim, o STJ revogará o acórdão e deferirá ao pedido, em ordem a que, na medida do possível, a situação remuneratória seja reposta “in pristinumno statu quo ante”.
                    9.  Para tanto a actualização será feita em montantes e condições não inferiores aos que as RR. tenham passado a praticar — ou venham a praticar no futuro — com os Directores- ‑Gerais ou Gerentes entretanto colocados no lugar A., ou a desempenhar funções equivalentes, sendo eventuais diferenças a liquidar previamente à execução de sentença.»

Termina aduzindo que «deverá o STJ dar provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido nos pontos criticados, com as legais consequências».

AS RÉS «DD» e «EE»:

                «A)   No que toca à reintegração, segundo o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, os efeitos da ilicitude do despedimento para a entidade empregadora serão a sua condenação:
                         (i)   No pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença;
                        (ii)  Na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à data da sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º 3 deste artigo (de indemnização em substituição da reintegração), por sua iniciativa ou a pedido do empregador.
                    B) Tal não pode determinar sem mais que a reintegração do trabalhador é uma consequência normal e lógica em detrimento de uma eventual indemnização, como refere o Tribunal a quo.
                    C) Devem ser aferidos determinados factores no caso concreto que levariam desde logo a ter um entendimento diferente, senão vejamos:
                         (i)   O elevado decurso de tempo passado entre a petição inicial e a eventual obrigação de reintegração, que não permite qualquer “presunção” de que o Recorrido pretende ser reintegrado;
                         (ii) A quebra de confiança do Recorrido para com as Recorrentes, em virtude da ilicitude do despedimento, não sendo, por isso, verosímil ou presumível que aquele queira ser reintegrado;
                        (iii) A inexistência da empresa para a qual o Recorrido originariamente prestava o seu trabalho (BB, Lda.), que dificulta e prejudica a própria reintegração, sendo certo que também aqui tal inexistência não permite qualquer “presunção” de que o Recorrido pretende ser reintegrado;
                        (iv)  A organização societária actual do grupo das Recorrentes, que o Recorrido desconhece, o que igualmente não pode permitir sem mais qualquer “presunção” de que o Recorrido pretende ser reintegrado;
                         (v)  As próprias consequências morais alegadas pelo próprio Recorrido que sempre arguiu, pese embora não as tenha provado, que inclusivamente apontam mais no sentido de se presumir a sua não reintegração do que o contrário, tendo em conta o provável desconforto que sentiria ao regressar a um posto e local de trabalho onde provavelmente não se sentiria “desejado”.
                    D) Por outro lado, não existe nenhuma normal legal que consagre essa presunção.
                    E) O Tribunal deveria assim ter notificado o ora Recorrido para vir aos autos informar se deseja ser reintegrado ou se opta pela indemnização correspondente.
                    F) O silêncio do trabalhador não pode significar uma presunção de que este deseja a reintegração.
                    G) Tal actuação que seria devida pelo Tribunal é referida na jurisprudência (vejam-se os acórdãos de 24.06.1998 e 28.04.2004 supra referidos nos pontos XVII e XVIII).
                    H) Desta forma, a reintegração é um direito que assiste sempre a um trabalhador despedido ilicitamente, pelo que na defesa dos seus mais elementares interesses e de acordo com os princípios constitucionais de direito ao trabalho e à dignidade pessoal, não pode (nem deve) um Tribunal impor por via dessa “presunção” uma escolha desse direito.
                    I)   Esta é uma escolha que só pode caber ao trabalhador e ninguém pode substituir-se à sua vontade.
                    J)  Portanto, não tendo o Recorrido optado em qualquer momento do processo entre a sua reintegração ou a indemnização em substituição desta, não se poderá nem deverá presumir que a reintegração funciona de modo automático.
                    K) Nestes termos, o Acórdão deverá ser revisto nesta parte e serem os ora Recorrentes condenadas a cumprir com a opção do Recorrido quanto à reintegração ou à indemnização em substituição da reintegração, quando este exercer tal opção por declaração expressa e inequívoca.
                    L)  No que respeita à condenação dos Recorrentes a pagar ao ora Recorrido a quantia correspondente ao valor do uso pessoal do veículo desde o dia 03.12.1997 até à efectiva entrega do veículo, a liquidar em execução de sentença, na opinião dos Recorrentes, só existirá uma utilidade económica da utilização da viatura em proveito próprio se a utilização desta para uso pessoal for consentida pela entidade empregadora.
                    M)          É este o entendimento dominante na jurisprudência e doutrina portuguesas, servindo de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2006, citado na sentença da primeira instância: “a retribuição resultante da atribuição de uma viatura de serviço é a que resulta da utilidade económica da sua utilização em proveito próprio, quando essa utilização seja consentida pela entidade patronal”.
                    N) Da seguinte factualidade provada não se pode extrair que houvesse qualquer “consentimento” na utilização privada da viatura pelo ora Recorrido, mas, quanto muito, apenas uma mera tolerância:
                         (i)   Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE;
                         (ii) A viatura atribuída ao Autor era para utilizar no exercício das suas funções mas a 1.ª Ré permitia que o mesmo o utilizasse nas deslocações que fazia de casa e para a empresa e vice-versa, bem como aos fins-de-semana e em férias;
                        (iii) Os impostos que possam eventualmente advir do uso particular terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal;
                        (iv)  A l.ª Ré custeava a utilização pelo Autor da viatura de marca Volvo, modelo S40/2.0 matrícula ...-IJ, nomeadamente nas deslocações que o primeiro fazia de casa para a empresa e vice-versa. Todavia em relação à utilização particular que o Autor fizesse da mesma devia ser ele a suportar os inerentes custos, sendo que não convencionaram atribuir à sua utilização pelo segundo um montante expresso;
                         (v)  Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE.
                    O) Se o consentimento fosse efectivamente dado pelas Recorrentes, seria expectável que o próprio contrato de [trabalho] o determinasse expressamente. Pelo contrário, o contrato de trabalho determina que a utilização seria para fins profissionais, sendo que nunca é referido o “consentimento da utilização particular”.
                    P) Além disso, ao contrário do douto Acórdão, não se pode inferir que, pelo facto de no contrato de trabalho estar disposto que “os impostos que possam eventualmente advir do uso particular terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal”, não estamos perante uma tolerância.
                    Q) De todas as disposições relativas à utilização da viatura, apenas se pode inferir a “possibilidade” do uso particular e não uma “previsão” do mesmo. Essa “possibilidade” coaduna-se com uma tolerância, uma vez que não é certa nem determinável.
                    R) Por outro lado, não se pode aferir como “consentimento” da utilização particular o facto de [a] 1.ª Recorrente nunca se ter oposto a que a viatura pudesse ser eventualmente conduzida pela mulher do ora Recorrido.
                    S)  Não resultou provado que a 1.ª Ré “consentia” no uso do veículo pela mulher do Recorrido mas apenas que “nunca se opôs a que a viatura fosse eventualmente conduzida” por ela. Tratando-se de uma “não oposição”, não se pode subentender que se trata de um consentimento expresso do uso do veículo pela mulher do ora Recorrido, tanto mais quando a restante prova também não o permite determinar.
                    T)  De um comportamento de indiferença não se pode retirar um comportamento positivo, uma vez que estamos perante situações com valores axiológicos diferentes.
                    U) Não estamos perante um caso de atribuição ao trabalhador de algo estritamente pessoal e gratuito, que não tenha qualquer tipo de restrição de utilização. Estamos perante uma mera liberalidade da entidade empregadora que pode ser retirada a qualquer tempo, e não perante uma contrapartida directa do trabalho efectuado pelo trabalhador, com cariz de obrigatoriedade.
                    V) Entendimento contrário não foi provado pelo ora Recorrido, como deveria de ter sido (segundo a jurisprudência assinalada nos pontos LXX e LXXI).
                    W)          O simples facto de todas as despesas sem limite de quilómetros e das despesas de gasolina passarem a ser feitas através do “Cartão Galp”, sendo debitadas mensalmente à ora Recorrente, não permitem deduzir que esta “consentia” na utilização privada da viatura, em consequência do exposto e porque inexiste um carácter de obrigatoriedade (nos termos da jurisprudência assinalada nos pontos LXV a LXVIII).
                    X) Nestes termos, o Acórdão deverá ser revisto nesta parte e serem as ora Recorrentes integralmente absolvidas da parte da decisão do Tribunal a quo que as condenou a pagar ao ora Recorrido a quantia correspondente ao valor do uso pessoal do veículo desde o dia 03.12.1997 até à entrega efectiva do veículo, a liquidar em execução de sentença.
                    Y)  Quanto à parte da decisão que as condenou a pagar juros à taxa de 5% ao ano, no que respeita aos pagamentos em dinheiro corrente a efectuar ao Recorrido, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou a indemnização a que houver lugar, nos termos da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.°-A do Código Civil, esta sanção adicional prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil deve ser interpretada de modo a ser apenas aplicada às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo Tribunal, como resultante do entendimento perfilhado por Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, II, vol. 4.ª Edição, p. 105).
                    Z)  Recusa-se o entendimento de que esta sanção adicional possa ser aplicada a todas as sanções pecuniárias que as rés sejam condenadas a pagar, uma vez que seria uma aplicação arbitrária e discricionária. Por isso, este preceito legal apenas deve ser aplicado em casos muito concretos e preestabelecidos e não de modo genérico.
              (AA)   Nestes termos, deverá ser revisto o Acórdão nesta parte, sendo as Recorrentes integralmente absolvidas da parte da decisão que as condenou a pagar ao ora Recorrido, no tocante aos pagamentos em dinheiro corrente, juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.
              (BB)   Por fim, na parte da decisão que ordenou a revogação da parte da sentença que determinara a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento a liquidar se necessário, dizem os Recorrentes que a referida dedução decorre de uma lei imperativa, pelo qual se visa aproximar tanto quanto possível aquele montante ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos socialmente injustificados.
              (CC)   Se o objectivo é garantir que o trabalhador seja ressarcido pelo dano que o despedimento ilícito efectivamente lhe causou, fica afastada a possibilidade de o trabalhador beneficiar de uma duplicidade de rendimentos, isto é, cumular com as retribuições intercalares “rendimentos paralelos”, o que a verificar-se consubstanciaria um enriquecimento injustificado e injusto por parte do trabalhador.
              (DD)   A solução não é prejudicada pelo facto da não arguição da respectiva factualidade, uma vez que a lei impõe imperativamente as referidas deduções, logo não há necessidade de a entidade patronal alegar a existência dessas retribuições.
              (EE)   Por outro lado, a solução também não é alterada pelo facto de existir uma declaração autorizando o Recorrido a exercer outras actividades remuneradas, querendo. A lei é imperativa ao estabelecer a dedução das referidas quantias, contudo, para tal não interessa aferir se tais proventos eventualmente ganhos com rendimentos de trabalho foram ou não “autorizados” pelo empregador que despediu ilicitamente.
              (FF)   Desta forma, não deduzir esses montantes ao cômputo geral das retribuições que o trabalhador tem direito a receber por as ter deixado de auferir desde a data dos despedimentos até à sentença é ilegal, uma vez que viola um preceito legal e imperativo.
              (GG)   Deste modo, o Acórdão deve ser revisto nesta parte, sendo reposta a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo trabalhador em actividades posteriores ao despedimento, a liquidar.»

A final, requer «a revogação d[o] [acórdão] do tribunal a quo nas partes especificadas, devendo, nos termos e para todos os efeitos legais, o presente recurso ser considerado procedente por provado, pois, só assim se fará a costumada justiça».

O autor e as rés/recorrentes apresentaram contra-alegações, defendendo a confirmação do julgado nos segmentos não impugnados nos próprios recursos, tendo o autor sustentado, na atinente contra-alegação, que «[a]s RR. devem ser condenadas em litigância de má fé, em multa condigna e de indemnização ao A., incluindo solicitadoria e os honorários do mandatário, a liquidar a final, o que desde já se requer […]», alinhando, a este propósito, as proposições seguintes:

                       «21. Assim, não colhem as conclusões A) a K). Nestes termos, o acórdão deverá ser confirmado nesta parte e serem as ora Recorrentes condenadas a cumprir com a reintegração, sem necessidade de qualquer outra opção do Recorrido.
                         Litigantes de má fé
                         22. Mais, as recorrentes serão condenadas como litigantes de má fé, já que persistem em suscitar a questão da presunção que a Relação já clarificou de forma assaz eloquente — tanto mais que questão é pacífica na nossa jurisprudência —, pelo que as RR. não podem deixar de conhecer a reiterada falta de fundamento e de legitimidade da sua posição.
                         23. Sendo certo que o despedimento já se encontra declarado ilícito há vários anos, mais precisamente desde o saneador, pelo que as RR. outra coisa não pretendem que não seja entorpecer a justiça e dilatar artificialmente o cumprimento da reintegração.
                         […]
                         e) Má fé
                         92. Conclui-se, assim, que as recorrentes deduziram pretensão anómala, estando as RR. ora recorrentes perfeitamente conscientes que a mesma assentava em pressupostos falsos, sendo destituída de qualquer fundamento válido, para além de contraditória logo à partida.
                         93. Na verdade, tendo autorizado o A. a trabalhar para terceiros — isto sem qualquer reserva ou restrição — quando ele ainda estava vinculado à BB — as Rés já tinham renunciado tacitamente a exigir qualquer “dedução” futura, o que reiteraram na sua contestação.
                          94. Incorreram assim as recorrentes em litigância de má fé, devendo ser condenadas em multa condigna — naturalmente proporcionada à vastidão do seu património de que se gabam — e de indemnização ao A., incluindo solicitadoria e os honorários do mandatário, o que desde já requer.»

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que os recursos de revista deviam improceder, parecer que, notificado às partes, não motivou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

              –   Se a resposta ao item 27) dos factos assentes, a que corresponde o facto provado 27), devia ter sido rectificada e alterada pelo tribunal recorrido (conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista do autor);
                Subsidiariamente, se o tribunal a quo devia ter revogado a sentença, por erro na decisão de facto e de direito, ao fixar a retribuição de base em € 4.809,91 (conclusão 2.ª da alegação do recurso de revista do autor);
                Se havia que deferir a pedida capitalização dos juros de mora (conclusões 3.ª a 6.ª da alegação do recurso de revista do autor);
                Se as retribuições intercalares deviam ser actualizadas «em montantes e condições não inferiores aos que as RR. tenham passado a praticar, ou venham a praticar no futuro, com os directores-gerais ou gerentes entretanto colocados no lugar autor, ou a exercer funções equivalentes» (conclusões 7.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista do autor);
                Se o autor devia ter sido notificado para optar entre a reintegração e a atribuição de indemnização em substituição daquela [conclusões A) a K) da alegação do recurso de revista das rés];
                Se as rés/recorrentes deviam ser absolvidas do pagamento ao autor do montante correspondente ao valor do uso pessoal de veículo automóvel [conclusões L) a X) da alegação do recurso de revista das rés];
                Se carece de fundamento legal a condenação solidária das rés/recorrentes, no respeitante aos pagamentos em dinheiro corrente a efectuar, em juros à taxa de 5% ao ano, desde a data do trânsito em julgado da sentença de condenação, a acrescer aos juros de mora e à indemnização a que houver lugar [conclusões Y) a AA) da alegação do recurso de revista das rés];
              –   Se deve ser reposta a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades posteriores ao despedimento [conclusões BB) a GG) da alegação do recurso de revista das rés];
              –   Se há fundamento para condenar as rés/recorrentes como litigantes de má fé [itens 22), 23) e 92) a 94) da contra-alegação do autor].

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. O tribunal a quo deu como provados os factos seguintes, mencionando-se entre parênteses os números cardinais da matéria de facto considerada assente (antiga especificação) e os números ordinais da base instrutória (antigo questionário):
1) Autor e 1.ª ré «BB Portuguesa» outorgaram por escrito junto como doc. 10 (e traduzido no doc. 11 e a fls. 252 a 255 dos autos de providência cautelar de suspensão do despedimento), cujo teor se dá aqui por reproduzido, nomeadamente o seguinte:
                    «§1 Competências
                      O Senhor AA é nomeado Administrador da BB – Portuguesa, com efeitos a partir de Maio de 1997.
                      Este presta contas ao Presidente da Administração da EE, Bad Lauterberg.
                      O Senhor AA representa a sociedade, juntamente com o segundo Administrador da sociedade ou com um Procurador.
                      O Senhor AA cabe a responsável gestão da sociedade. Este é Chefe de Serviços de funcionários da sociedade.
                      O Senhor AA obriga-se a desempenhar todos os actos relacionados com a sociedade, nos termos previstos na Lei portuguesa e no Contrato da Sociedade, e a seguir todas as instruções que lhe foram dadas pela Assembleia Geral.
                      §2 Vencimentos
                      O Senhor AA receberá como remuneração pela sua actividade, um salário base anual fixo ilíquido no valor de DEM 135.000,00 (por extenso: cento e trinta e cinco mil marcos alemães) que em Portugal lhe será pago em Escudos.
                      O salário será pago em catorze mensalidades, respectivamente, no final de cada mês, enquanto que em Junho e Novembro serão pagos dois salários. Ambos os salários opcionais de Junho e Novembro serão pagos proporcionalmente no ano da admissão e no ano da demissão.
                      §3 Pagamentos acessórios
                      Relativamente ao reembolso dos custos por motivo de deslocações em serviço, são válidas as normas da sociedade, na medida em que fazem parte integrante deste contrato.
                      Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à sua disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE em Bad Lauterberg.
                      Os impostos que possam eventualmente advir do uso particular, terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal.
                      § 4
                      Duração do contrato e rescisão
                      Um prazo de rescisão de 3 meses é válido, para ambas as partes, durante os primeiros 12 meses, no final de cada mês.
                      Após terem decorrido 12 meses o contrato tem prazo fixado até 30 de Abril de 2000. O contrato prolongar-se-á novamente por dois anos, caso não tenha sido rescindido, por escrito, com um aviso prévio de 6 meses.
                      O contrato de trabalho termina em todo o caso, sem que seja necessária uma rescisão, no máximo, no final do mês em que o Senhor AA começar a adquirir a pensão de invalidez, a pensão de incapacidade para o trabalho ou a reforma, ou seja, quando atingir a idade da reforma (actualmente aos 65 anos de idade).
                      Uma rescisão antes da entrada ao serviço encontra-se excluída.
                      Uma rescisão declarada pelo Senhor AA, antes da sua tomada de posse, apenas será válida como entregue, após a sua entrada ao serviço. Qualquer rescisão tem de ser comunicada por escrito.
                       (...)» — (1);
2) Encontram-se juntos aos autos os doc.s 18 a 22 juntos a fls. 86 a 89 com a p.i., os quais intitulados «recibos de remunerações» encontram-se em nome do autor e deles constam a retenção na fonte do correspondente IRS — (2);
3) A fls. 91 (doc. 23 da petição inicial) consta uma carta com timbre da 1.ª ré, datada de 09.12.1997, dirigida ao autor, a qual se reporta ao envio de um cheque «para pagamento do subsídio de Natal» — (3);
4) A fls. 98 e 99 consta cópia da acta da Assembleia Geral da 1.ª ré ocorrida em 26.05.1997, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se documenta, entre outras, que a ordem de trabalho consta do seguinte:
                    «[A]ceitar a renúncia do cargo de gerente pelo Sr. Eng. JJ, conforme consta da renúncia dirigida por este à Sociedade em 26.05.1997; nomeação com efeitos a partir de 31 de Maio de 1997 o Sr. AA para o exercício do cargo gerente da sociedade» — (4);
5) A fls. 100 e 101 (doc. 26 e 27) consta uma carta com o timbre da 2.ª ré, datada de 16.10.1997, dirigida ao autor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e na qual consta, entre outras, o seguinte:
                   «Assunto: Rescisão da relação de trabalho a partir de 31 de Janeiro de 1998
                      Exm° Sr. AA:
                      Rescindimos por esta via a relação de trabalho existente, com efeitos à data de 31 de Janeiro de 1998.
                      Está dispensado do seu trabalho a partir de 24 de Outubro de 1997, devendo gozar as férias a que tem direito. (...)» — (5);
6) A fls. 102 (doc. 28 da p.i.) consta uma carta com o timbre da 1.ª ré, datada de 24.10.1997 e dirigida ao autor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta, entre outras, o seguinte:
                    «Informo V. Exa que a nossa accionista “EE dispensou V. Exa de comparecer nas instalações da “BB, Lda.”, a partir de 24 de Outubro de 1997, obviamente mantendo a remuneração habitual» — (6);
7) Através de carta datada de 26.11.1997, emitida pela 1.ª ré e dirigida ao autor, cuja cópia se encontra a fls. 112 (doc. 35 da p.i.) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, a 1.ª ré comunica àquele, entre outras, que «informa-se que tem à sua disposição na Tesouraria, a quantia de (...) respeitante à cessação da sua prestação, nela se incluindo as quantias devidas até 31.01.1998, conforme combinado» — (7);
8) À carta referida em 7), respondeu o autor nos termos que constam da carta constante de fls. 113 (doc. 36 da p.i.), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — (8);
9) Datado de 17-12-1997, a 1.ª ré elaborou e enviou ao autor a «nota de culpa» que faz fls. 114 e ss. (doc 37 da p.i.), cujo teor se dá por integralmente reproduzido — (9);
10) À nota de culpa respondeu o autor nos termos que constam de fls. 117 e ss. (doc. 38 da p.i.), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — (10);
11) Por carta datada de 23.01.1998, emitida pela 1.ª ré e dirigida ao autor, a qual faz fls. 142 e ss. (doc. 39 da p.i.), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, é comunicada ao autor o teor do relatório e da decisão final do seu processo disciplinar — (11);
12) A «BB Portuguesa» é proprietária de uma fábrica de baterias em Porto Alto — (12);
13) Tem 130.000 contos de capital, sendo 96.200 da EE e 33.800 da FF — (13);
14) O capital de FF, por sua vez, é detido na sua totalidade pela EE — (14);
15) Até Agosto de 1997, o capital social da 2.ª Ré era totalmente possuído e, ou, controlado, anteriormente pela LL. — (15);
16) A 1.ª, 2.ª e 3.ª rés faziam parte do mesmo grupo económico, «LL» — (16);
17) E agiam no mercado mundial e nacional de baterias em obediência a políticas e estratégias económicas definidas e concertadas pelo Grupo LL — (17);
18) Designadamente, nos aspectos fabril, tecnológico, matérias primas, recursos naturais, recursos humanos, comercial, financeiro e fiscal — (18);
19) Em meados de 1997, a LL anunciou ao Banco Borges & Irmão, Fonsecas & Burnay e Deutshe Bank Investimento a sua aquisição pelo Grupo MM — (19);
20) Em 01.08.1997, a 4.ª ré já detinha a totalidade do capital e do controlo da 2.ª ré, conforme informação prestada à imprensa, e através desta, a totalidade do capital e do controlo da 1.ª e da 3.ª rés, ficando todas integradas no Grupo MM — (20);
21) O 5.º réu é administrador da 2.ª e da 3.ª rés e Vice-Presidente Sénior da 4.ª ré — (21);
22) O 6.º réu é administrador da 2.ª e da 3.ª rés — (22);
23) O 7.° réu é Gerente da 1.ª ré — (23);
24) A 1.ª ré, por escritura de 25 de Março de 2002, incorporou por fusão a CC, S. A., e adoptou a denominação da sociedade incorporada — (24);
25) A 3.ª ré LL foi incorporada na 2.ª ré EE por fusão — (25);
26) Ao Autor foi distribuída uma viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0, que tinha a matrícula ...-IJ (26) ― redacção conferida pelo Tribunal da Relação;
27) O autor auferia, pelo menos, 4.809.91 euros (esc. 964.300$00) mensais — (27);
28) Pelo menos a 1.ª ré confessa-se devedora de 4.809,91 euros referentes ao mês de Dezembro de 1997 e ainda de 4.344,43 euros referentes a 28 dias de remuneração de Janeiro de 1998 — (28);
29) Nomeadamente nas deslocações de sua casa para a empresa e vice-versa — (2.º)
30) Mais ficou acordado que os impostos eventualmente devidos pela utilização particular da viatura seriam da conta do autor e pagáveis em Portugal — (4.º);
31) Em 19.05.1997, o gerente da 1.ª ré, Sr. JJ, assinou com a BFN Rent o contrato de aluguer n.º … do automóvel de marca Volvo, modelo S-40/2.0 matrícula ...-IJ — (5.º);
32) Que logo entregou ao autor, juntamente com o respectivo livrete, título de registo de propriedade e certificado de seguro — (6.º);
33) Obrigou-se a 1.ª ré a pagar todas as rendas mensais pelo aluguer da viatura, no valor Esc. 199.341$00, de administração, no valor de Esc. 17.550$00, e de seguro contra todos os riscos, no valor de Esc. 26.934$00, o que totaliza um encargo mensal de Esc. 243.825$00 — (7.º);
34) Desde 19.05.1997 e até pelo menos 03.12.1997 — data em que a BB Portuguesa retirou o automóvel ao autor — esta sempre pagou directa e regularmente todos os encargos, rendas e despesas relativas ao automóvel, nomeadamente combustível, lubrificação, limpeza, assistência, manutenção, portagens e seguro, sem limites de quilómetros — (9.º);
35) A partir de Setembro [de 1997] as despesas de gasolina passaram a ser feitas através do «Cartão Galp», sendo debitadas mensalmente à ré pela empresa exploradora — (10.º);
36) A 1.ª ré nunca se opôs a que a viatura fosse eventualmente conduzida pela Dra. NN, mulher do autor — (12.º);
37) Estava também acordado que o autor também recebia subsídio de Natal e subsídio de férias — (16.º);
38) E, em finais de Maio, a 1.ª ré entregou ao autor um telemóvel com o n.º ..., que o autor usou diariamente até a 1.ª ré o ter retirado em 03.12.1997 — (17.º);
39) A 1.ª ré sempre pagou regularmente as despesas com a assinatura do telemóvel e o custo das respectivas chamadas, contra factura detalhada, sem limite — (18.º);
40) Nunca se distinguiu se as mesmas chamadas respeitavam a questões de serviço ou particulares — (19.º);
41) Ou se eram feitas pelo autor ao fim-de-semana e em férias — (20.º);
42) A viatura atribuída ao Autor era para utilizar no exercício das suas funções, mas a 1.ª Ré permitia que o mesmo a utilizasse nas deslocações que fazia de casa para a empresa e vice-versa, bem como aos fins-de-semana e em férias (21.º)  — redacção conferida pelo Tribunal da Relação;
43) A 1.ª Ré custeava a utilização pelo Autor da viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0, de matrícula ...-IJ, nomeadamente no que respeitava às deslocações que o primeiro fazia de casa para a empresa e vice-versa. Todavia, em relação à utilização que o Autor fizesse da mesma em deslocações particular[es], isto é fora do âmbito da[s] funções que desempenhava para a 1.ª Ré, levadas a cabo aos fins-de-semana e férias, devia ser ele [a] suportar os inerentes custos (portagens e combustível), sendo que não convencionaram atribuir à sua utilização pelo segundo um montante expresso (22.º)  — redacção conferida pelo Tribunal da Relação;
44) A notificação ao autor do primeiro despedimento causou-lhe tristeza e ansiedade quanto ao seu futuro profissional — (23.º);
45) E sentimentos de frustração e de revolta pela pena expulsiva sofrida — (27.º);
46) Quando a 1.ª e 2.ª rés convidaram o autor para dirigir a 1.ª ré, o autor ocupava há cerca de doze anos o cargo de Director Industrial e Qualidade da fábrica Paraglas, no Porto Alto — (33.º);
47) O autor deu aulas como professor universitário e fez investigação — (34.º);
48) À data do despedimento o autor tinha 50 anos de idade — (36.º);
49) A actividade de Gestor de Empresas é altamente exigente e competitiva — (43.º);
50) Até ser judicialmente eliminado o despedimento do autor poderá constar do seu curriculum vitae — (44.º);
51) A valorização de um gestor de empresas depende, entre outras, do alargamento da sua experiência profissional — (47.º);
52) As despesas médias mensais com o telemóvel com o n.º ... (assinatura e chamadas) traduzem cerca de esc. 25.000$00 — (54.º).

Eis o acervo factual a considerar para resolver as questões postas no recurso.

2. Em primeira linha, o autor propugna que a matéria de facto constante do item 27) dos factos assentes, antiga especificação, a que corresponde o facto provado 27), deveria ter sido rectificada e alterada pela Relação, passando a conter o seguinte: «[o] A. auferia de vencimento base mensal a quantia ilíquida de 9.642,8571 Marcos alemães pagável 14 vezes ao ano (135.000,00 : 14 = 9.642,8571 DM), valor este que a partir de 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor do Euro, converteu-se para 4.930,31 Euros (9.642,8571: 1,95583).»

Refira-se que, no tocante à questão do valor da retribuição de base, o autor consigna, no item 30) do corpo da alegação do recurso de revista, que «nessa parte a sentença enfermará de nulidade (art. 668, n.º 1, c), do CPC), por contradição entre a decisão e os factos dados por assentes no art. dos FA. Mas mesmo que não haja nulidade, há pelo menos erro de julgamento da matéria de facto e de direito».

Sobre a arguida nulidade da sentença, o aresto recorrido decidiu o seguinte:

                  «Em relação à terceira nulidade de sentença arguida em sede de apelação pelo Autor, o mesmo alega que existe contradição entre o valor de 4.809,91 Euros referido como valor da sua retribuição na sentença e o facto assente em 1.º, nomeadamente no seu ponto 2 (de acordo o qual:
                      1. Autor e l a ré “BB Portuguesa” outorgaram por escrito junto como doc. 10 (e traduzido no doc. 11 e a fls. 252 a 255 dos autos de providência cautelar de suspensão do despedimento) cujo teor se dá aqui por reproduzido, nomeadamente o seguinte:
                       “§1 Competências
                      O Senhor AA é nomeado Administrador da BB – Portuguesa, com efeitos a partir de Maio de 1997.
                      Este presta contas ao Presidente da Administração da EE, Bad Lauterberg.
                      O Senhor AA representa a sociedade, juntamente com o segundo Administrador da sociedade ou com um Procurador.
                      O Senhor AA cabe a responsável gestão da sociedade. Este é Chefe de Serviços de funcionários da sociedade.
                      O Senhor AA obriga-se a desempenhar todos os actos relacionados com a sociedade, nos termos previstos na Lei portuguesa e no Contrato da Sociedade e, a seguir todas as instruções que lhe foram dadas pela Assembleia Geral.
                      §2 Vencimentos
                      O Senhor AA receberá como remuneração pela sua actividade, um salário base anual fixo ilíquido no valor de DEM 135.000,00 (por extenso: cento e trinta e cinco mil marcos alemães) que em Portugal lhe será pago em Escudos.
                      O salário será pago em catorze mensalidade mensalidades, respectivamente no final de cada mês, enquanto que em Junho e Novembro serão pagos dois salários. Ambos os salários opcionais de Junho e Novembro serão pagos proporcionalmente no ano da admissão e no ano da demissão) — que menciona que a retribuição do Autor era no montante de DEM 135.000,00 pagável em 14 mensalidades, que, a seu ver, perfaz 4.930,31 mensais e não o outro valor.
                      Daí que sustente que se verifica nulidade de sentença por contradição entre a decisão e os factos assentes ou então um erro na sentença.
                      Porém, não é assim.
                      Afigura-se que o que o recorrente pretende é que a remuneração seja calculada tendo em conta a conversão de marcos alemães em Euros (vide ponto n.º 9 das conclusões).
                      Todavia tal como as recorridas salientam nas suas contra-alegações de acordo com o contrato referido no ponto n.º 1 da matéria assente o vencimento do Autor devia ser pago em escudos, sendo que na petição inicial o Autor alegou e formulou os seus cálculos tendo em conta uma prestação mensal base ilíquida em Escudos no valor de 964.300$00 (vide vg artigos 24.º, 25.º e 276.º).
                      E as recorridas admitiram tal valor no artigo 15.º da contestação (vide fls. 337 em que também referem que tal montante convertido em Euros é no valor de € 4.809,91).
                      E nem se argumente com a entrada em vigor do Euro (vide artigo 1.º do DL n.º 323/01, de 17 de Dezembro) em termos da posterior conversão em sede dos  pagamentos a operar.
                      Tal como se refere em douto aresto do STJ de 13-11-2003 (vide doc SJ200311130030257,  acessível em www.dgsi.pt):
                      “A conversão é automática, não alterando por si só, a denominação dos instrumentos jurídicos à data da substituição das moedas dos Estados membros participantes (artigos 1.º, 3.º e 7.º do Regulamento n.º 974/98 do Conselho, de 3 de Maio de 1998, relativo à introdução do euro – JOC – L 139, de 11 de Maio de 1998). Assim:
                      ‘As taxas de conversão são irrevogavelmente fixadas entre o euro e as moedas dos Estados-membros que adoptem o euro são ... 200.482 escudos portugueses’ (Artigo 1.º do Regulamento n.º 2866/98, do Conselho, de 31 de Dezembro de 1998 – JOC – L 359, de 31 de Dezembro de 1998)(-).
                      O Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros (artigo 249.º, ex-189.º, do Tratado CE) aderentes ao Euro, como é o caso de Portugal.
                      Os dois Regulamentos citados vigoram, desde 1 de Janeiro de 1999 (Artigos 17.º e 2.º, respectivamente, dos dois regulamentos citados)(-).
                      E ainda que, por exercício académico, admitíssemos que não vigorassem, sempre se tomaria em conta o que dispõem os artigos 550.º, 552.º e 558.º-1, Código Civil, quando estabelecem a regra geral de cumprimento das obrigações pecuniárias em moeda que tenha curso legal no País, na data em que for efectuado o pagamento” – fim de transcrição.
                      Desta forma, ainda que a decisão recorrida faça referência a “escudos”, o cumprimento a efectivar-se tem de ser feito na moeda com curso legal ao tempo do pagamento, isto é em “euros”, à supra citada taxa de conversão de escudos em euros.
                      Uma vez que a remuneração do Autor devia ser paga em escudos, a taxa de conversão a ter em consideração é de 1 € vale 200.482 Escudos.
                      É que não deve olvidar-se que o artigo 556.º do CC estipula (Moeda específica sem curso legal):
                      “1. Sempre que a espécie monetária estipulada ou as moedas do metal estipulado não tenham já curso legal na data do cumprimento, deve a prestação ser feita em moeda que tenha curso legal nessa data, de harmonia com a norma de redução que a lei tiver estabelecido ou, na falta de determinação legal, segundo a relação de valores correntes na data em que a nova moeda for introduzida.
                      2. Quando o quantitativo da obrigação tiver sido expresso em moeda corrente, estipulando-se o pagamento em espécies monetárias, em certo metal ou em moedas de certo metal, e essas moedas carecerem de curso legal na data do cumprimento, observar-‑se-á a doutrina do número anterior, uma vez determinada a quantidade dessas moedas que constituía o montante da prestação em dívida.”
                      Seja como for, a nosso ver, a situação em análise não era susceptível de configurar uma nulidade de sentença, sendo que, mesmo que se verificasse (o que sempre deve ser reanalisado posteriormente) lograria enquadramento ou como erro de direito ou como erro de cálculo.
                      Não se vislumbra, pois, que a arguida nulidade deva proceder.»

E, mais adiante, enfrentando a impugnação da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a correspondente matéria de facto, decidiu-se no acórdão recorrido:

                  «No tocante à matéria dada como provada no n.º 27 dos factos assentes (Especificação) — ou seja que o autor auferia, pelo menos, 4.809.91 euros (esc. 964.300$00) mensais — (e não da Base instrutória como as recorridas entenderam (vide artigos 151.º a 154.º das respectivas contra-alegações), embora à cautela tenham contra alegado também no respeitante aos factos assentes (isto é a antiga Especificação), o Autor pretende que se dê como provado que “auferia de vencimento base mensal a quantia ilíquida de 9.642,8571 marcos alemães pagável 14 vezes ao ano (135.000,00 : 14 = 9.842,8571 DM) valor este que a partir de 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor do Euro converteu-se para 4.930,31 Euros (9.642,8571 : 1.95583).
                      Neste particular dão-se por reproduzidas as considerações já expendidas a tal título na parte em que tal questão foi tratada em sede de nulidade de sentença.
                      De facto, analisados os autos constata-se que resulta da matéria articulada pelo Autor (vide arts. 24 e 25 da p.i. a fls. 4 — vol. I) e do artigo 15.º da contestação (vide fls. 337) que a tal título as partes acordaram que:
                      O Autor tinha um vencimento anual bruto de 135.000 (cento e trinta e cinco mil) marcos alemães, pagável, em escudos, em 14 prestações mensais, que ao câmbio da altura correspondia a uma prestação mensal bruta de 964.300$00.
                      Daí que a matéria apurada em 27) não se afigure deslocada.
                      E nem se argumente que se está perante uma obrigação valutária imprópria ou fictícia.
                      Segundo Mário Júlio de Almeida e Costa, “[é] comum os autores, sobretudo alemães e italianos, denominarem obrigações valutárias, as que têm o montante fixado em moeda estrangeira, o que, mercê da introdução do euro, deverá entender-se como moeda com curso legal apenas no estrangeiro.
                      Distinguem-se duas hipóteses básicas: as dívidas cujo pagamento deve ser realizado nessa moeda efectiva (obrigações valutárias próprias ou puras), e as dívidas nas quais se deve pagar em moeda com curso legal no País o quantitativo equivalente a uma certa soma de moeda legal apenas no estrangeiro  (obrigações valutárias impróprias ou fictícias).
                      Existem diferenças de regime.
                      Tratando-se de obrigações valutárias próprias, o pagamento efectua-se na moeda convencionada.
                      Salientámos que estas podem assumir as modalidades de obrigações de quantidade e de moeda específica.
                      Também aqui impera, via de regra, o princípio nominalista.
                      Apresentam configuração diversa as obrigações valutárias impróprias, dado que o devedor cumpre, necessariamente, em moeda com curso legal no País.
                      É que a moeda convencionada, nesse caso, desempenha apenas uma função de cálculo do montante da dívida e não de pagamento” — Direito das Obrigações, 9.ª edição, revista e aumentada, Almedina, pág. 692/693.
                      Ora, no caso concreto, afigura-se que se verificava esta última hipótese, visto que para o pagamento da sua actividade o Autor tinha um vencimento anual base bruto de 135.000 DM que devia ser pago em Portugal em escudos, tal como já se referiu (vide § 2 do acordo celebrado entre as partes, constante de fls. 75 a 78 — vide Volume I).
                      Todavia esse facto, a nosso ver, não implica a procedência da pretensão do recorrente neste particular.
                      Improcede, pois, a reclamação neste ponto.»

À presente acção, ajuizada em 15 de Maio de 1998, aplica-se o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro, sendo que o artigo 83.º daquele Código estatuía que «[o] regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de agravo, quer interposto na primeira, quer na segunda instância, conforme os casos», e o artigo 85.º seguinte, epigrafado «Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça»,  previa que «[o] Supremo Tribunal de Justiça, quando funcione como tribunal de revista, conhecerá apenas de matéria de direito» (n.º 1) e que, «[s]endo o recurso interposto da decisão de mérito, o Supremo aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgar adequado, sendo aplicável o disposto nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil» (n.º 3).

Trata-se de uma remissão para as normas integrantes do sobredito regime.

A remissão na lei é, em regra, dinâmica, sendo certo que a remissão operada pelos sobreditos artigos do Código de Processo do Trabalho para o regime estatuído no Código de Processo Civil, atento o sentido e alcance do comando legal em causa, assume a natureza de uma inquestionável remissão dinâmica ou formal.

Assim, o regime do julgamento do recurso e dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, atenta a data de instauração da acção, é o contido nos artigos 762.º, 749.º a 752.º e 700.º a 720.º, ex vi artigo 749.º, todos do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, sendo aplicável o preceituado no artigo 712.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, que não se aplica aos processos pendentes à data da respectiva entrada em vigor (artigo 8.º, n.º 2), a qual ocorreu trinta dias após a data da sua publicação (artigo 9.º).

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Por outro lado, o n.º 2 do artigo 729.º referido reza que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

No domínio da redacção do sobredito artigo 712.º, resultante da reforma processual de 1995/1996, isto é, anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, entendia-se que o Supremo não podia controlar o não uso pela Relação dos poderes conferidos por esse preceito, mas já poderia efectuar esse controlo quando a Relação tivesse feito uso desses poderes, caso em que se considerava que o que estava em causa não eram os estritos aspectos da apreciação das provas ou da fixação dos factos materiais da causa, mas a eventual ocorrência de um erro de direito quanto à existência da deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, ou a necessidade da sua ampliação, que justificasse a repetição do julgamento (cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 447, e, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Setembro de 1991, Processo n.º 082086, de 9 de Janeiro de 1996, Processo n.º 087941, e de 21 de Fevereiro de 2006, Processo n.º 05A4362).

Ora, no concreto segmento decisório impugnado, o Tribunal da Relação não fez uso dos poderes previstos no artigo 712.º do Código de Processo Civil, e não vem invocado que aquele tribunal tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, hipóteses contempladas na parte final do n.º 2 citado artigo 722.º, pelo que é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a pretendida rectificação/alteração da matéria de facto contida no item 27) da especificação, a que corresponde o facto provado 27).

Nesta conformidade, não se conhece da matéria vertida na conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista do autor.

3. Subsidiariamente, o autor sustenta que «a Relação deveria ter revogado a sentença, por erro na decisão de facto e de direito que a levou a fixar a retribuição de base em apenas 4.809,91 Euros, já que com a entrada em vigor do Euro, a quantia ilíquida mensal de 9.642,8571 Marcos alemães converteu-se em 4.930,31 Euros», para concluir, em seguida, que o Supremo Tribunal de Justiça «deverá revogar o acórdão, por erro de julgamento, e deferir a solicitada alteração».

As considerações anteriormente expostas, formuladas a propósito do não conhecimento da invocada rectificação e/ou alteração da matéria de facto contida no item 27) da especificação, a que corresponde o facto provado 27), são inteiramente transponíveis para a questão em apreciação, na vertente que se refere ao alegado erro na decisão de facto e à solicitada alteração da matéria de facto, termos em que, em relação a esses precisos segmentos, não se toma conhecimento da matéria vertida na conclusão 2.ª da alegação do recurso de revista do autor.

Resta ajuizar se ocorreu o apontado erro de direito, na parte em que se fixou a retribuição de base do autor em € 4.809,91.

Neste plano de consideração, resulta da matéria de facto dada como provada que o autor e a 1.ª ré «BB Portuguesa» outorgaram por escrito junto como doc. 10, no respectivo § 2, intitulado «Vencimentos», que «[o] Senhor AA receberá como remuneração pela sua actividade, um salário base anual fixo ilíquido no valor de DEM 135.000,00 (por extenso: cento e trinta e cinco mil marcos alemães) que em Portugal lhe será pago em Escudos», em catorze mensalidades, no final de cada mês, «enquanto que em Junho e Novembro serão pagos dois salários» [facto provado 1)], que o autor «auferia, pelo menos, 4.809.91 euros (esc. 964.300$00) mensais» [facto provado 27)] e que, «[p]elo menos, a 1.ª ré confessa-se devedora de 4.809,91 euros referentes ao mês de Dezembro de 1997 e ainda de 4.344,43 euros referentes a 28 dias de remuneração de Janeiro de 1998» [facto provado 28)].

Assim, a retribuição de base mensal do autor era determinada em Marcos alemães (DEM 135.000,00 : 14 = DEM 9.642,8571), mas paga, em Portugal, em Escudos, mediante a conversão do valor em Marcos alemães para Escudos, o que correspondia, ao câmbio da época, conforme o afirmado no artigo 25.º da petição inicial e o acolhido em sede de decisão sobre a matéria de facto, a uma prestação mensal base bruta de PTE 964.300$00.

Deste modo, devendo o pagamento da retribuição de base em causa ser feito em Portugal, na moeda com curso legal no País, isto é, em Escudos (PTE), face à sua substituição pelo Euro e ao estipulado no n.º 1 do artigo 556.º do Código Civil, é de concluir, tal como o fez o acórdão recorrido, que «o cumprimento a efectivar-se tem de ser feito na moeda com curso legal ao tempo do pagamento, isto é, em “euros”, à […] taxa de conversão de escudos em euros», sendo que a moeda convencionada, no caso o Marco alemão, «desempenha apenas uma função de cálculo do montante da dívida e não de pagamento», no dizer do AUTOR e obra citados no aresto recorrido.

Improcede, pois, a conclusão 2.ª da alegação do recurso de revista do autor, na parte em que se invoca um erro na decisão de direito na fixação do montante da  retribuição de base do autor.

4. O autor consigna, por outro lado, que pediu «que os juros de mora fossem sujeitos a capitalização decorrido que fosse um ano sobre o seu vencimento, ex vi do art. 560.º, n.º 1 do C.C., e assim sucessivamente, ano a ano e prestação a prestação até total pagamento do capital em dívida e respectivos juros de mora», que requereu «que as RR. fossem notificadas da mencionada interpelação, servindo a p.i. de notificação, o que foi feito», e que «nenhum dos Réus contestou especificadamente o pedido de condenação na capitalização dos juros de mora», pelo que, «tendo sido notificados da p.i. — e, consequentemente, da interpelação formal nela contida para procederem à respectiva capitalização — nada obstava legalmente ao deferimento da pretensão, nos seus precisos termos».

Conclui, assim, que «era vedado à Relação recusar a capitalização com tais fundamentos, muito menos oficiosamente», donde, «o STJ deverá revogar o acórdão e deferir a capitalização dos juros de mora».

Rege sobre esta matéria o artigo 560.º do Código Civil, subordinado ao tema «Anatocismo», nos termos do qual, «[p]ara que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização» (n.º 1) mais se estabelecendo que «[s]ó podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano» (n.º 2) e que «[n]ão são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio» (n.º 3).

O Código Civil mantém, como regra, a proibição do anatocismo, ou seja, o vencimento de juros pelos juros, admitindo, porém, excepções: uma é a convenção posterior ao vencimento dos juros em causa, que determine que estes passem a vencer juros; outra é a notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou pagá-los sob pena de capitalização, sendo que, em ambos os casos, apenas podem ser capitalizados os juros correspondentes a um ano ou mais.

Adite-se, por outro lado, que as restrições enunciadas deixam de se aplicar quando «forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio».

É certo que o autor, na petição inicial, após ter requerido a citação dos réus, requereu ainda a sua notificação «para procederem à capitalização discriminada dos juros de mora, nos termos seguintes: a) dos juros relativos às prestações vencidas até à citação; b) dos juros relativos às prestações que se vençam depois da citação ; c) a capitalização será feita logo que cada juro (relativo a cada prestação) se mostre vencido há mais de um ano, e assim sucessivamente, ano após ano, prestação a prestação, sem necessidade de nova notificação judicial ou interpelação».

Todavia, tal como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2007, Processo n.º 07B1165, subscrito pelos Juízes Conselheiros Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís, disponível em www.dgsi.pt, sob o n.º de documento SJ200705030011657, «os juros relativos a período igual ou superior a um ano podem ser capitalizados sob o impulso do credor por via e a partir da notificação judicial dirigida ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Trata-se, dado o contexto, da notificação judicial avulsa a que se reportam os artigos 261.º a 263.º do Código de Processo Civil, pelo que não basta a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados.»

Acresce que, tal como é afirmado no aresto sob recurso, a dita notificação judicial avulsa configura, «não uma condição de apreciação da pretensão em análise, mas uma condição da respectiva procedibilidade», sendo certo que, no caso vertente, não se demonstrou a existência de convenção posterior de capitalização, nem de regras ou usos particulares do comércio.

Termos em que improcedem as conclusões 3.ª a 6.ª da alegação do recurso de revista do autor.

5. O autor aduz que «[o] Tribunal do Trabalho e a Relação incorreram em erro de julgamento quando absolveram as RR. da instância, relativamente ao art. 27 do petitório, onde o A. requeria a actualização das retribuições intercalares», devendo o Supremo Tribunal de Justiça revogar o acórdão e deferir ao pedido, operando a actualização «em montantes e condições não inferiores aos que as RR. tenham passado a praticar — ou venham a praticar no futuro — com os Directores-Gerais ou Gerentes entretanto colocados no lugar A., ou a desempenhar funções equivalentes, sendo eventuais diferenças a liquidar previamente à execução de sentença».

De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 13.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, doravante LCCT, aplicável no caso vertente, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora é condenada «[n]o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença» [alínea a)].

A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «[…] o recorrente suscita a questão de saber se às prestações vencidas e vincendas devem ser eventualmente aumentadas em montantes e condições não inferiores às que as Rés tenham passado a praticar — ou venha a praticar no futuro — com os Directores-Gerais ou Gerentes, entretanto colocados no lugar do Autor ou a desempenhar funções equivalentes.
                      Porém, com respeito por entendimento diverso, não se vislumbra que tal pretensão deva proceder integralmente.
                      Desde logo, porque não se alegou nem provou que foi admitido Director-Geral ou Gerente para desempenhar funções equivalentes às do Autor nem as respectivas condições salariais.
                      Por outro lado, ainda que assim fosse, a verdade é que o contrato desse trabalhador sempre poderia ter condições substancialmente distintas das do Autor.
                      O mesmo tanto podia ser admitido a auferir mais do que o Autor, como podia ter condições salariais inferiores…, não sendo evidentemente sustentável que nesta última situação as mesmas se lhe aplicassem.
                      Daí que também na situação inversa as mesmas também não se lhe apliquem.
                      É que, tal como anteriormente se deixou expresso, no cálculo das denominadas retribuições intercalares tudo se deve passar como se o contrato de trabalho entre os litigantes sempre tivesse subsistido — sem qualquer quebra ou ruptura do vínculo laboral ― e a actividade tivesse sido normalmente exercida.
                      Este entendimento aponta claramente no sentido de que as retribuições intercalares do trabalhador ilicitamente despedido devem abranger as actualizações de que teriam  alvo se tem permanecido ao serviço como devia.
                      Porém, não se vislumbra que abarquem as relativas às de novas contratações que tenham sido levadas a cabo para colmatar a sua falta.
                      E nem se argumente que tal entendimento é materialmente inconstitucional.
                      Uma coisa são as actualizações salariais a que o trabalhador teria tido direito se tem permanecido ao serviço ― como devia — e outra, a nosso ver, distinta concerne  às condições salariais de um outro trabalhador cujo contrato de trabalho em rigor nada  tem a ver com o seu, nomeadamente quanto às condições remuneratórias, que podem ser iguais, inferiores ou superiores às que o recorrente (trabalhador ilicitamente despedido) tinha.
                      E neste particular também não se detecta sequer que se possa (ou deva) invocar o princípio “para trabalho igual, salário igual”, visto que para o mesmo poder operar  sempre teria que ser feita prova dessa igualdade não só em termos de condições contratuais, mas também de natureza, qualidade e qualidade…
                      E atento o raciocínio que se deixou exposto, também não se detecta que se possa ou deva reputar violado o disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC, visto que a aplicação dessa norma fica naturalmente prejudicada por tal ordem de ideias.»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.
Na verdade, carece do necessário suporte fáctico, bem como de fundamento legal, a actualização das retribuições intercalares nos termos pretendidos.

Desde logo porque o citado artigo 13.º prevê, especificamente, o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença e, doutro passo, como bem se assinala no acórdão recorrido, «não se alegou nem provou que foi admitido Director-Geral ou Gerente para desempenhar funções equivalentes às do Autor nem as respectivas condições salariais».

Improcedem, por conseguinte, as conclusões 7.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista do autor.

6. As rés defendem que o autor devia ter sido notificado para optar entre a reintegração e a atribuição de indemnização em substituição daquela.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «Cumpre […] decidir a terceira questão suscitada pela Rés que é a de saber se devia ter sido formulado convite para o trabalhador se pronunciar sobre a  sua opção no tocante à  reintegração /indemnização.
                      E afigura-se que neste ponto o recurso tem de improceder.
                      Desde logo, porque, com respeito por entendimento diverso, nomeadamente o expresso no douto aresto mencionado pelas recorrentes, não se vislumbra norma que imponha ao juiz o dever de ordenar a notificação ao Autor para vir aos autos informar se opta pela indemnização em vez da sua reintegração. 
                      E, no caso concreto, cumpre salientar que há muito que Autor e Rés sabiam que o despedimento do primeiro era ilícito, pois tal havia sido decidido em sede de despacho saneador proferido em 22.1.2005 (vide fls. 492 a 517) que nesse ponto transitou em julgado.
                      Como tal, tendo o julgamento ocorrido no decurso de 2009 (a resposta à Base Instrutória foi dada em 2.7.2009 (vide fls. 1234) e a sentença proferida em 10.11.2009 ― vide fls. 1340) é evidente que não só o Autor teve mais que tempo para pensar se queria ser reintegrado ou indemnizado, assim como as Rés também o tiveram para requerer a efectivação da sua  notificação para vir aos autos declarar a sua opção.
                      Todavia nem o Autor nem as Rés o fizeram.
                      E não o tendo feito (o Autor), apenas restava ao Mmº juiz “a quo” ordenar a respectiva reintegração, visto que o trabalhador não exerceu até à data da sentença o seu direito  de opção.
                      É que não se deve olvidar, na sequência do já mencionado, que o direito do trabalhador à reintegração na empresa mais não é do que a consequência normal do direito do primeiro a conservar a sua relação contratual (neste sentido vide Pedro Furtado Martins, RFDUCP, obra já citada, pág. 160).
                      Improcede, pois, por estes motivos, o recurso das Rés neste particular.»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Efectivamente, o n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, aplicável no caso, comanda que, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada «[n]o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença» [alínea a)] e, bem assim, «[n]a reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º 3, por sua iniciativa ou a pedido do empregador» [alínea b)].

E reza o n.º 3 da mesma norma que «[e]m substituição de reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença».

Não tendo o trabalhador, «por sua iniciativa ou a pedido do empregador», exercido, oportunamente, o direito de optar pela atribuição de uma indemnização em substituição da reintegração, cumpria ao tribunal decretar a questionada reintegração.

Improcedem, portanto, as conclusões A) a K) da alegação do recurso de revista trazido pelas rés.

7. As rés invocam que deviam ter sido absolvidas do pagamento ao autor do montante correspondente ao valor do uso pessoal de veículo automóvel.

Relativamente a esta problemática, o acórdão recorrido decidiu o seguinte:

                    «A […] última questão a dirimir em relação à apelação das Rés tem a ver com a sua condenação a pagar ao Autor a quantia correspondente ao valor do uso pessoal do veículo desde 3 de Dezembro de 1997 até à entrega efectiva do veículo, a liquidar em execução de sentença.
                      As apelantes pretendem que se considere que o veículo em questão não fazia parte da retribuição do Autor, visto que não consentia no seu uso particular meramente o tolerando.
                      […]
                      In casu, com relevo para apreciação desta pretensão provou-se que:
                      “1. Autor e 1.ª ré ‘BB Portuguesa’ outorgaram por escrito junto como doc. 10 (e traduzido no doc. 11 e a fls. 252 a 255 dos autos de providência cautelar de suspensão do despedimento) cujo teor se dá aqui por reproduzido, nomeadamente o seguinte:
                      §1 ...
                      §3 Pagamentos acessórios
                      Relativamente ao reembolso dos custos por motivo de deslocações em serviço são válidas as normas da sociedade, na medida em que fazem parte integrante deste contrato.
                      Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à sua disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE, em Bad Lauterberg.
                      Os impostos que possam eventualmente advir do uso particular, terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal.”
                      “21 – A viatura atribuída ao Autor era para utilizar no exercício das suas funções, mas a 1.ª Ré permitia que o mesmo a utilizasse nas deslocações que fazia de casa para a empresa e vice-versa, bem como aos fins-de-semana e em férias.
                      22 – Provado que a 1.ª Ré custeava a utilização pelo Autor da viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0, de matrícula ...-IJ, nomeadamente no que respeitava às deslocações que o primeiro fazia de casa para a empresa e vice-versa.
                      Todavia em relação à utilização particular que o Autor fizesse da mesma devia ser ele as suportar os inerentes custos, sendo que não convencionaram atribuir à sua utilização pelo segundo um  montante  expresso [redacção anterior à assinalada aclaração do acórdão].
                      26 – Ao Autor foi distribuída uma viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0 que  tinha a matrícula ...-IJ.
                      30. Mais ficou acordado que os impostos eventualmente devidos pela utilização particular da viatura seriam da conta do autor e pagáveis em Portugal — (4.º).
                      31. Em 19.05.1997, o gerente da 1.ª ré, Sr. JJ, assinou com a BFN Rent o contrato de aluguer n.º … do automóvel de marca Volvo, modelo S40/2.0 matrícula ...-IJ — (5.º).
                      32. Que logo entregou ao autor, juntamente com o respectivo livrete, título de registo de propriedade e certificado de seguro — (6.º).
                      33. Obrigou-se a 1.ª ré a pagar todas as rendas mensais pelo aluguer da viatura, no valor Esc. 199.341$00, de administração no valor de Esc. 17.550$00, e de seguro contra todos os riscos no valor de Esc. 26.934$00, o que totaliza um encargo mensal de Esc. 243.825$00 — (7.º).
                      34. Desde 19.05.1997 e até pelo menos 03.12.1997 — data em que a BB Portuguesa retirou o automóvel ao autor — esta sempre pagou directa e regularmente todos os encargos, rendas e despesas relativas ao automóvel, nomeadamente combustível, lubrificação, limpeza, assistência, manutenção, portagens e seguro, sem limites de quilómetros — (9.º).
                      35. A partir de Setembro, as despesas de gasolina passaram a ser feitas através do “Cartão Galp”, sendo debitadas mensalmente à ré pela empresa exploradora — (10.°).
                      Temos, pois, que da supra citada matéria de facto resulta evidente que a utilização pelo Autor da viatura na sua vida particular lhe trazia vantagens económicas.
                      Basta pensar que com isso evitava utilizar uma que fosse sua com os inerentes custos (combustível, portagens, seguros, selo, revisões, avarias, desgaste do veículo, desvalorização contínua do veículo, etc., etc.).
                      Como tal, o benefício económico que, a nível pessoal, o autor retirava da utilização do veículo não pode deixar de ser considerado como parte integrante da retribuição, por força da presunção contida no n.º 3 do art. 82.º da LCT que, a nosso ver, as recorrentes não lograram ilidir.
                      E nem se afigura que se possa considerar que se provou que a utilização da viatura em apreço para usos pessoais do Autor não passava de uma mera liberalidade das Rés (nomeadamente da 1.ª Ré).
                      Aliás, isso bem resulta do § 3 contrato do Autor de acordo com o qual:
                      “ Pagamentos acessórios
                      Relativamente ao reembolso dos custos por motivo de deslocações em serviço, são válidas as normas da sociedade, na medida em que fazem parte integrante deste contrato.
                      Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à sua disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE em Bad Lauterberg.
                      Os impostos que possam eventualmente advir do uso particular, terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal.
                      Para o desempenho da sua actividade, o Senhor AA tem à sua disposição uma viatura de serviço, de acordo com as indicações da EE em Bad Lauterberg.
                      Os impostos que possam eventualmente advir do uso particular, terão de ser suportados pelo Senhor AA em Portugal.”
                      Ora, quando o próprio contrato de trabalho lavrado inicialmente prevê o uso particular da viatura ― independentemente de a esposa do Autor a poder ou não usar ― afigura-se evidente que não estamos perante uma mera tolerância…!!!
                      Assim sendo, cumpre considerar que o recurso das Rés também improcede neste ponto e como tal integralmente.»

Tudo ponderado, sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Efectivamente, atento o que resulta dos factos provados 1), § 3 Pagamentos acessórios, 26), 30) a 36), 42) e 43), não somente ficou demonstrado que a viatura automóvel distribuída ao autor «era para utilizar no exercício das suas funções», mas, igualmente, que «a 1.ª Ré permitia que o mesmo a utilizasse nas deslocações que fazia de casa para a empresa e vice-versa, bem como aos fins-de-semana e em férias (21.º)» e que «a 1.ª Ré custeava a utilização pelo Autor da viatura de marca Volvo, modelo S-40/2.0, de matrícula ...-IJ, nomeadamente no que respeitava às deslocações que o primeiro fazia de casa para a empresa e vice-versa», embora «em relação à utilização que o Autor fizesse da mesma em deslocações particular[es], isto é fora do âmbito da[s] funções que desempenhava para a 1.ª Ré, levadas a cabo aos fins-de-semana e férias, devia ser ele [a] suportar os inerentes custos (portagens e combustível), sendo que não convencionaram atribuir à sua utilização pelo segundo um montante expresso (22.º)».

Acresce que as rés/recorrentes não lograram ilidir, quanto ao uso particular da viatura automóvel atribuída ao autor, a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto‑Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), o qual dispunha que, «até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador», nem se afigura, tal como se consignou no aresto recorrido, «que se possa considerar que se provou que a utilização da viatura em apreço para usos pessoais do Autor não passava de uma mera liberalidade das Rés».

Assim, estando provado que o autor tem direito a receber da empregadora uma importância correspondente à retribuição em espécie que deixou de lhe ser prestada, e não fornecendo os autos elementos para fixar tal valor, bem se decidiu ao proferir-se condenação ilíquida, remetendo o apuramento do quantum devido a esse título para posterior liquidação (artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Improcedem, pois, as conclusões L) a X) da alegação do recurso de revista interposto pelas rés.

8. As rés reclamam que a «sanção adicional prevista no n.º 4 do artigo 829.º-‑A do Código Civil deve ser interpretada de modo a ser apenas aplicada às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo Tribunal», recusando o entendimento de que esta sanção adicional possa ser aplicada a todas as sanções pecuniárias que as rés sejam condenadas a pagar, uma vez que seria uma aplicação arbitrária e discricionária, devendo aquele preceito legal apenas «ser aplicado em casos muito concretos e preestabelecidos e não de modo genérico».

Concluem, por isso, que «deverá ser revisto o Acórdão nesta parte, sendo as Recorrentes integralmente absolvidas da parte da decisão que as condenou a pagar ao ora Recorrido, no tocante aos pagamentos em dinheiro corrente, juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado».

Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, «[q]uando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença e a condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar».

Esta disposição foi objecto de análise no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2003, Processo n.º 02B4173, subscrito pelos Juízes Conselheiros Araújo Barros, Oliveira Barros e Miranda Gusmão, disponível em www.dgsi.pt, sob o n.º de documento SJ200301230041737, nos termos seguintes:

                    «A consagração das sanções compulsórias no art. 829-A constituiu, entre nós, autêntica inovação, inspirando-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes.
                      “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória — no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) — poderá funcionar automaticamente.
                      Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico”(-).
                      Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem, atenta a sua natureza de astreinte(-), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência”(-), constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça” (-).
                      Ou, dito de outro modo, “a sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial” (-).
                      A qual se analisa, “quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue” (-).
                      Deve, no entanto, atender-se a que no n.º 1 do art. 829.º-A “o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal — obrigações de carácter intuitu personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem — fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar” (-).
                      Enquanto, em contrapartida, em incoerência com a intenção e disciplina visadas com o n.º 1 do art. 829.º-A, no seu n.º 4, consagrou uma diferente sanção pecuniária (ainda aqui compulsória) para forçar o devedor ao cumprimento de obrigações pecuniárias, com a criação do adicional de juros à taxa de 5% ao ano, devidos desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.
                      Isto é, “o legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal a ordenação (a requerimento do credor) da sanção pecuniária compulsória, disciplina-a, ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal”(-)

Assim, de harmonia com o entendimento transcrito, a que se adere, porque a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do citado artigo 829.º-A opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, improcedem as conclusões Y) a AA) da alegação do recurso de revista das indicadas rés.

9. As rés opõem-se, em derradeiro termo, à «revogação da parte da sentença que determinara a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento a liquidar se necessário», argumentando que, «[s]e o objectivo é garantir que o trabalhador seja ressarcido pelo dano que o despedimento ilícito efectivamente lhe causou, fica afastada a possibilidade de o trabalhador beneficiar de uma duplicidade de rendimentos, isto é, cumular com as retribuições intercalares rendimentos paralelos, o que a verificar-se consubstanciaria um enriquecimento injustificado e injusto por parte do trabalhador», aduzindo, ainda, que «[a] solução não é prejudicada pelo facto da não arguição da respectiva factualidade, uma vez que a lei impõe imperativamente as referidas deduções, logo não há necessidade de a entidade patronal alegar a existência dessas retribuições».

Acrescentam, por outro lado, que «a solução também não é alterada pelo facto de existir uma declaração autorizando o Recorrido a exercer outras actividades remuneradas, querendo. A lei é imperativa ao estabelecer a dedução das referidas quantias, contudo, para tal não interessa aferir se tais proventos eventualmente ganhos com rendimentos de trabalho foram ou não “autorizados” pelo empregador que despediu ilicitamente», por isso, «não deduzir esses montantes ao cômputo geral das retribuições que o trabalhador tem direito a receber por as ter deixado de auferir desde a data dos despedimentos até à sentença é ilegal, uma vez que viola um preceito legal e imperativo».

9.1. O artigo 13.º da LCCT, sob a epígrafe «Efeitos da ilicitude», estipulava, no seu n.º 1, que sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora era condenada «[n]o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença» [alínea a)], determinando, no n.º 2, que à importância assim apurada eram deduzidos os seguintes valores: «a) montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; b) montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento».

Portanto, a solução legal, alicerçada no princípio do pagamento integral das retribuições que o trabalhador deixou de auferir entre a data do despedimento e a decisão do tribunal, comportava duas excepções.

Na primeira, se o trabalhador tardasse mais de trinta dias a propor a acção de impugnação judicial do despedimento, não lhe eram devidas as retribuições vencidas entre a data do despedimento e trinta dias antes da propositura da acção.

Na segunda, se o trabalhador iniciasse, posteriormente ao despedimento, actividade remunerada, os correspondentes rendimentos eram deduzidos no valor das retribuições intercalares ou de tramitação a pagar pela entidade empregadora.

As deduções previstas em função da inércia do trabalhador na propositura da acção e de eventuais retribuições que tivesse auferido pelo exercício de actividade profissional posterior ao despedimento visavam, como se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aproximar tanto quanto possível o valor das retribuições a pagar «ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas».

Não se questiona a natureza imperativa das normas contidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 13.º da LCCT: o que importa ajuizar é se uma tal imperatividade afasta as regras sobre a alegação dos factos pertinentes e o respectivo ónus da prova.

De acordo com o artigo 264.º do Código de Processo Civil, «[à]s partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções» (n.º 1), sendo que «[o] juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa» (n.º 2). Por outro lado, o artigo 342.º do Código Civil estipula que, «[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado «àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2), e, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (n.º 3).

9.2. A problemática concernente ao ónus de alegação e da prova dos factos demonstrativos da obtenção pelo trabalhador de rendimentos a deduzir, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 13.º da LCCT, não tem sido objecto de tratamento uniforme por parte da jurisprudência, incluindo a deste Supremo Tribunal.

Todavia, neste Supremo Tribunal, a jurisprudência tem vindo a orientar-se, há já algum tempo e de modo uniforme, no sentido de que aqueles ónus recaem sobre o empregador (cf., entre outros, os acórdãos de 20 de Setembro de 2006, Processo n.º 899/06, de 14 de Dezembro de 2006, Processo n.º 1324/06, de 12 de Julho de 2007, Processos n.os 4104/06 e 4280/06, de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 457/08, e de 25 de Março de 2010, Processo n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1, todos da 4.ª Secção).

No citado Acórdão de 14 de Dezembro de 2006, escreveu-se o seguinte:

                    «A dedução dos rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento constitui um facto extintivo do direito do autor, e, como tal, incumbia à ré a alegação e prova dos factos em que se alicerça essa possível dedução, ónus que teria necessariamente de ser cumprido na contestação, já que posteriormente “só podem ser deduzidas, as excepções, incidentes ou meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente” (artigo 489.º do CPC). Ou seja, a questão teria de ser suscitada e apreciada em primeira instância, o que está, de resto, em sintonia com o estabelecido no artigo 814.º do CPC quanto aos fundamentos da oposição à execução, em cuja alínea g) se refere que a oposição só pode fundar-se em «qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.»

E, em conformidade com a tese assim explicitada, concluiu:

                    «[…] não tendo a ré suscitado, na acção declarativa, a questão da dedução dos rendimentos auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, o acórdão apenas podia salvaguardar a possibilidade de virem a ser deduzidos os rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador recorrente posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração».

Neste sentido também se pronunciou o mencionado acórdão de 12 de Julho de 2007, Processo n.º 4280/06, aí se tendo afirmado:

                  «Em princípio, é na sentença que aprecia a licitude do despedimento que, havendo elementos para se concluir que o trabalhador auferiu rendimentos, após a cessação do contrato, deve, estando eles quantificados, operar-se a dedução dos proventos auferidos até à data da sentença, condenando-se o empregador em quantia certa — valor das retribuições intercalares menos o valor daqueles proventos — ou, caso não estejam quantificados, proferindo-se, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do CPC, condenação no que vier, posteriormente, a ser liquidado.
                      Quando, na acção declarativa, não é suscitada a questão relativamente a rendimentos auferidos entre o despedimento e o encerramento da discussão, fica precludida, em relação a esse período, a possibilidade de o empregador vir a operar a dedução(-)
                      E se a sentença proferiu condenação em quantia certa, quanto ao valor das retribuições intercalares, que vem a servir de título executivo — definindo os fins e limites da acção executiva, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do CPC —, a oposição, relativamente ao montante fixado, fundada na dedução de proventos a que se refere a alínea b) do n.º 2 do citado artigo 13.º só é atendível relativamente àqueles que o trabalhador auferiu depois de proferida a sentença, nos termos da alínea g) do artigo 814.º do CPC(-).
                      Nesta perspectiva, não pode considerar-se que ao executar a sentença, nos precisos termos em que ela define o direito do trabalhador, este tem o dever de fazer deduções relativamente às quais a possibilidade de invocação pelo executado se mostra precludida».

Na mesma linha de entendimento, o citado acórdão de 10 de Julho de 2008 considerou que, constituindo o despedimento ilícito o facto constitutivo do direito às retribuições intercalares previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, a dedução estipulada na alínea b) do n.º 2 do mesmo preceito, funciona como facto extintivo desse direito, pelo que compete à entidade empregadora, contra quem é invocado o direito a essas retribuições, a alegação e prova de que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividades iniciadas depois do despedimento, acrescentando que «[e]ssa alegação e prova terá que ser feita na acção declarativa: não o tendo sido, fica precludida a possibilidade de a entidade empregadora operar a dedução em relação aos rendimentos auferidos desde o despedimento até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento (da acção declarativa). Todavia, já quanto aos (eventuais) rendimentos auferidos após o encerramento da discussão da audiência de julgamento, uma vez que a entidade empregadora não teve oportunidade de, na acção declarativa, alegar e provar os mesmos (cf. art. 663.º, n.º 1, do CPC), é possível a oposição no âmbito da acção executiva, podendo, por isso, alegar e provar a existência desses rendimentos.»

Tudo para concluir que a imperatividade do regime acolhido no artigo 13.º da LCCT não dispensa a entidade empregadora de alegar e provar que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento, pelo que, se o não fizer, não é possível operar a dedução aludida na alínea b) do seu n.º 2, entendimento que salvaguarda pilares estruturantes do nosso sistema jurídico, como são o princípio do dispositivo e as regras de distribuição do ónus da prova.

9.3. Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «A sexta questão a decidir, no que ao recurso interposto pelo Autor concerne, é a de saber se a sentença deve ser revogada na parte em que ordenou a dedução nas retribuições intercalares de rendimentos auferidos pelo recorrente em datas posteriores ao despedimento.
                      E neste ponto afigura-se que o recurso deve proceder.
                      Desde logo, dir-se-á que pelos motivos já aduzidos aquando do tratamento da inerente nulidade, sempre teria que lograr no mínimo procedência parcial quanto ao período decorrido entre o despedimento e a data da sentença.
                      É que tal como já se referiu as Rés nada arguiram factualmente, quando o deviam ter feito, a tal título.
                      Todavia, a nosso ver, a procedência neste ponto é integral.
                      É que tal como resulta do disposto no artigo 13.º, n.º 2, alínea b) do RJCCT nas importâncias correspondentes ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença devem ser deduzidas as importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
                      […]
                      Ora, no caso em apreço, uma vez que o Autor estava autorizado pelas Rés a exercer outras actividades remuneradas ou não por conta de terceiros, e tanto mais que as partes devem ser colocadas em posição tanto quanto possível idêntica àquela em que estariam se não tivesse ocorrido o despedimento, afigura-se que nesse particular assiste razão ao recorrente, não havendo lugar a tais descontos.
                      Argumentar-se-á com o teor da supra citada norma.
                      Todavia usualmente, ao contrário do que sucedia com o aqui recorrente, desde 24 de Outubro de 1997, os trabalhadores não estão expressamente autorizados pela sua entidade patronal a exercer outras actividades remuneradas ou não, por conta de terceiros (ou seja a trabalhar para terceiros) e a serem remunerados por isso…
                      Essa autorização resulta do ponto de facto n.º 5, que alude a carta datada de 24 de Outubro de 1997, constante de fls. 102 — doc . 26 da p.i.
                      Nos termos dessa missiva a partir daquela data  o Autor foi autorizado pela BB, L.da, “a, querendo, exercer outras actividades remuneradas ou não, por conta de terceiros”; sendo certo que o invocado “primeiro“ despedimento, tal como decorre da leitura da decisão de fls. 567, a tal título proferida em 1.ª instância, que transitou em julgado (constante de fls. 495 a 510 —– vide Vol. IV ) sempre tem de se ter como operado em data posterior, isto é em 31 de Janeiro de 1998.
                      E o mesmo decorre da missiva datada de 16 de Outubro de 1977 (vide fls. 101, Vol I, doc. 27 da p.i.), de acordo com a qual a rescisão por aquela via da relação de trabalho existente tem efeitos “à data de 31 de Janeiro de 1998”.
                      Aliás, a datada de 24.10.1997 (fls. 102) refere que o Autor mantém a remuneração habitual…
                      Ora se em sede remuneratória tudo se deve passar como se a relação laboral em apreço sempre tivesse subsistido, não se vê motivo para se considerar derrogada tal autorização na situação em exame.
                      Aliás, a não ser assim estar-se-ia a “premiar o infractor”.
                      É que se o trabalhador, seja porque motivo for, estava autorizado a trabalhar para terceiros e auferir as consequentes remunerações, não se detecta qualquer motivo para não o poder fazer quando a relação entre ambos aparentemente estava cessada.
                      No caso concreto, não se vislumbra, pois, que se verifique uma relação entre a exoneração temporária do cumprimento da prestação do trabalho e a execução das actividades subsequentes ao despedimento.
                      É que o trabalhador estava autorizado a levá-las a cabo durante a execução do seu contrato de trabalho…
                      Cabe, assim, concluir que a tal título não estão em causa benefícios conseguidos independentemente da exoneração provocada pela impossibilidade de prestar o trabalho, decorrentes do despedimento ilícito.
                      Como tal não há fundamento para se proceder ao desconto.
                      E nem argumente que a Ré só deu o consentimento, por estar convicta que não estava a despedir o Autor.
                      Neste particular, apenas se dirá sibi imputet
                      E também não se esgrima com um eventual enriquecimento sem causa por parte do trabalhador.
                      Se tal enriquecimento existe mostra-se perfeitamente justificado, pela supra mencionada autorização, sendo certo, por outro lado, que se o recorrente laborou e auferiu rendimentos por isso também teve os correlativos sacrifícios inerentes a tal prestação.
                      A dedução desses rendimentos essa sim, é que, a nosso ver, significaria, uma alteração ou revogação da supra mencionada autorização que nada na lei autoriza ou permite quer ao Tribunal quer às Rés levar a cabo.
                      E, por outro lado, até se estaria a penalizar o esforço, o labor, a produtividade ao invés de lhe conferir um estímulo.   
                      Procede, pois, o recurso neste ponto pelo que se deve revogar a decisão recorrida na parte em que determinou a dedução nos salários intercalares das importâncias relativas a rendimentos de trabalho comprovadamente obtidas pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento a liquidar se necessário.»

Tudo ponderado, sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.
De facto, tendo a empregadora autorizado o autor a trabalhar para terceiros, sem qualquer reserva ou restrição, quando ainda vigorava o contrato de trabalho, não há lugar a efectivar a dedução estipulada na alínea b) do n.º 2 do  citado artigo 13.º, na medida em que a mesma se reporta às «importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento», o que não é o caso.

Improcedem, portanto, as conclusões BB) a GG) da alegação do recurso de revista das rés.

10. Resta ajuizar se há fundamento para condenar as rés/recorrentes como litigantes de má fé, tal como o autor requer, em contra-alegação ao recurso de revista, aduzindo, para tanto, que aquelas rés, insurgindo-se contra a reintegração decretada, ao abrigo das proposições contidas nas conclusões A) a K) da respectiva alegação de recurso de revista, «outra coisa não pretendem que não seja entorpecer a justiça e dilatar artificialmente o cumprimento da reintegração».

E, por outro lado, que «tendo autorizado o A. a trabalhar para terceiros — isto sem qualquer reserva ou restrição — quando ele ainda estava vinculado à BB — as Rés já tinham renunciado tacitamente a exigir qualquer “dedução” futura, o que reiteraram na sua contestação», incorrem «em litigância de má fé, devendo ser condenadas em multa condigna — naturalmente proporcionada à vastidão do seu património de que se gabam — e de indemnização ao A., incluindo solicitadoria e os honorários do mandatário, o que desde já requer».

Nos termos do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, «[d]iz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

Reza, ainda, o artigo 458.º seguinte que, «[q]uando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa».

Ora, examinando a actuação processual das rés/recorrentes nos segmentos em causa, não se vislumbra que aquelas, com dolo ou negligência grave, tenham deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, ou tenham feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, tendo-se limitado, isso sim, a expor o seu entendimento jurídico.

Assim sendo, carece de fundamento legal a pretendida condenação.

                                             III

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar ambas as revistas e confirmar o acórdão recorrido.

Custas de cada recurso pelos respectivos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.

Lisboa, 12 de Abril de 2012


Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha