Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23817/14.0TBVNG-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACÇÃO CAMBIÁRIA
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
LIVRANÇA EM BRANCO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
TÍTULO EXECUTIVO
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
AÇÃO CAMBIÁRIA
Data do Acordão: 06/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO PROMOVIDA PELO TITULAR.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª edição, Abril de 2014, em nota de actualização ao art.679º, p. 356 e 359;
-Antunes Varela, RLJ, 121. °, 148;
-Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, I, 333;
-Pedro Pais de Vasconcelos, Estudo Aval em branco, Revista de Direito Comercial, publicação de 9.3.2018, in www.revistadedireitocomercial.com.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-05-2017, RELATOR FONSECA RAMOS, IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 26-05-2015, PROCESSO N.º 665/13.3TBLSD-A-P1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Não tendo sido uma primeira execução baseada num título executivo válido (uma livrança), conforme decisão transitada em julgado, a citação da executada que aí ocorreu, não tem o efeito interruptivo da prescrição, para com base no mesmo título, em posterior execução cambiária, ser invocada a citação naquela execução para considerar interrompida a prescrição, quanto à executada nos termos do art. 323º, nº1, do Código Civil.

II. O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir da acção, não é o próprio documento, antes a relação extracartular ou fundamental que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, sendo que este deve proporcionar directamente, ou através de prova complementar, cabal informação ao devedor executado, demonstrando a existência de um “direito a uma prestação”.

III. Dada a incompletude da livrança exequenda, apresentada na primeira execução (não se ignora que a livrança pode circular enquanto título em branco ou incompleto), que apenas continha a assinatura da subscritora e avales em branco, tendo sido invocada como título executivo cambiário que o Tribunal não aceitou, tal documento “não oferece demonstração da existência de um direito a uma prestação”, nas palavras do Professor Castro Mendes: não basta a instauração de execução alegando a existência de um título executivo e a citação do executado, para considerar interrompida a prescrição cambiária de três anos, se o documento não revelar os requisitos de certeza e liquidez que lhe conferem força executiva, demonstrando a obrigação do executado, mais a mais, se a tal livrança, na anterior execução, não foi considerada título executivo - crédito cambiário - e o Tribunal absolveu os executados da instância.

Decisão Texto Integral:

R-661[1]


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA deduziu oposição por Embargos de Executado à execução movida pelo Banco BB, S.A. tendo como título executivo uma de três livranças subscritas pela sociedade executada CC, S.A, e em que figuram como avalistas os demais executados, entre os quais a aqui embargante.

Como fundamento dos embargos, invoca a embargante a prescrição da obrigação cambiária, considerando que foi citada para a execução em 14.05.2017.

Argumenta, ainda, que prescrita a obrigação cambiária, não pode, em relação ao avalista, invocar-se a livrança como quirógrafo por não haver qualquer relação fundamental ou causal do aval.

Sustenta, por outro lado, que tendo as referidas livranças, entre as quais a que agora é dada à execução, sido invocadas em anterior processo executivo que correu os seus termos com o nº.10803/10.2 TBVNG, a decisão aí proferida que julgou procedente a oposição e extinta a execução por falta de título executivo, constituiu caso julgado.

Argumenta, ainda, sustentando a nulidade da obrigação e ilegitimidade da executada e inexistência de causa debendi, por a assinatura imputada à executada, aposta tanto na livrança dada à execução como no contrato de mútuo que a mesma visaria garantir, não terem sido por si realizadas, desconhecendo a executada quaisquer relações subjacentes à livrança, e impugnando assim tais documentos, bem como toda a materialidade vertida na petição executiva.

Argumenta, por isso, que a actuação do exequente é reconduzível ao uso abusivo do direito.

O Exequente/Embargado Banco BB, S.A, contestou, argumentando, além do mais, que o prazo prescricional teria sido interrompido com a citação da executada/embargante na primeira acção executiva intentada, que correu termos com o nº10803/10.2TBVNG-B.

Sustenta ainda que, em todo o caso, sempre a livrança dada à execução valeria como quirógrafo, não só porque em todas as livranças consta a referência aos contratos que as mesmas titulam, como também constam dos factos descritos no requerimento executivo, e porque mesmo que se entenda que o aval não é uma fiança, sempre deveria considerar-se que ao subscrever o aval os executados, entre os quais a embargante, e ao outorgarem nos contratos de mútuo, quiseram afiançar as obrigações emergentes do título, assumindo-se como responsáveis pelo pagamento da dívida em caso de incumprimento do devedor principal.

Concluiu, pugnando pela improcedência dos embargos.


***

Após audiência prévia, foi proferido despacho saneador tendo a Senhora Juíza a quo feito constar dos autos os factos que, por falta de impugnação e porque documentalmente comprovados, considerou estarem provados, proferindo de seguida decisão na qual foi considerada procedente a excepção de prescrição da obrigação cambiária: a livrança em que figura como avalista a aqui executada/embargante surge pela primeira vez em 30 de Setembro de 2013,com a execução comum n.º10803/10.2TBVNG-B, ou seja, mais de três anos depois da data do vencimento de 2010.02.05 aposta na livrança dada à execução, para além de que a embargante só teve conhecimento da apresentação da livrança à execução em 7 de Novembro de 2013 quando foi citada para contestar.

Considerou, por outro lado, que a livrança, assim prescrita, não pode valer como quirógrafo em relação ao avalista por entender que da assinatura aposta no título pelo avalista não se pode presumir que existe uma qualquer outra obrigação.

E em consequência concluiu, julgando: “Procedentes os presentes embargos de executado, declarando prescrita e, consequentemente, inexigível a obrigação exequenda emergente do aval alegadamente prestado pela executada/embargante AA na livrança junta como título executivo, com a consequente e oportuna extinção da execução quanto à aqui executada/embargante.”

E em função do assim decidido julgou prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela embargante.


***

Inconformado, recorreu o Exequente/Embargado/Apelante, Banco BB, S.A, para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 23.11.2017 – fls. 218 a 226), sentenciou:

 “Termos em que acordam em julgar pelos fundamentos expostos, não verificada prescrição cambiária decorrente da subscrição da livrança que serve de título que serve à execução, determinando em consequência o prosseguimento dos autos para, após decisão sobre a matéria facto controvertida mediante a produção da prova apresentada, se conhecer das questões suscitadas cuja apreciação havia sido julgada prejudicada na decisão recorrida, decidindo-se a final conforme for de Direito.”


***


Inconformada a Autora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

I. Por douta sentença proferida a 3 de Junho de 2016, foram julgados procedentes os embargos deduzidos pela aqui Recorrente, declarando-se em consequência, prescrita e inexigível a obrigação exequenda do aval alegadamente prestado pela Embargante (ora recorrente) na livrança junta como título executivo, com a consequente e oportuna extinção da execução quanto à mesma.

II. Inconformado com tal decisão, veio o Banco BB, S.A. interpor recurso da mesma, impugnando a douta sentença proferida, alegando em síntese que a excepção da prescrição invocada e doutamente decidida não ocorreu, porque se interrompeu cinco dias após a entrada da primeira acção executiva que intentou contra a aqui Embargante; mais alegou que, caso assim se não entendesse, sempre a livrança dada à execução nos presentes autos, valeria como mero quirógrafo.

III. O objecto do recurso circunscreveu-se às seguintes questões:

 “I – Se não decorreu o prazo prescricional da obrigação cambiária por ter sido interrompido passados 5 (cinco) dias após a data da entrada da primeira acção executiva intentada em 29.11.2010, ou seja, no dia 05-12-2010;

II – Se a considerar-se a prescrição da livrança, o título executivo vale como mero quirógrafo contra a embargante.”

IV. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação que “em face do exposto irá revogar-se a decisão recorrida que julgando verificada a prescrição da obrigação cambiária, considerou procedentes os embargos do executado, com a consequente extinção da execução, ficando dessa forma prejudicada a apreciação da validade da mesma enquanto quirógrafo, relativamente à pessoa que a subscreve apenas como avalista, mas impondo-se o prosseguimento dos autos para, após decisão sobre a matéria de facto controvertida, mediante a produção da prova apresentada, se conhecer das demais questões suscitadas e cuja apreciação havia sido julgada prejudicada na decisão recorrida”.

V Assim, foi julgada “não verificada a prescrição cambiária decorrente da subscrição da livrança que serve de título à execução, determinando em consequência o prosseguimento dos autos para, após decisão sobre a matéria de facto controvertida mediante a produção da prova apresentada, se conhecer das questões suscitadas cuja apreciação havia sido julgada prejudicada na decisão recorrida, decidindo-se a final conforme for de Direito.”

VI. Porém, e, salvo devido respeito por melhor opinião, a Embargante/Recorrente não se conforma com tal douto acórdão proferido pelos motivos que infra melhor se demonstrarão.

VII. Dispõe o artº. 70° da Lei Uniforme das Letras e Livranças (doravante LULL), que “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.”, isto é, as acções relativas a livranças, contra o avalista, prescrevem em três anos.

VIII. E, tal prazo de três anos referido no citado art. 70.°, aplicável à livrança por força do art. 77.° do mesmo diploma legal, é aplicável à acção do portador contra o avalista do aceitante, que se encontra vinculado da mesma maneira que este, nos termos do art. 32.°, 1.° parágrafo, ex vi do mesmo art. 77.° (4).

IX. A livrança dada à execução no presente processo tem como data de vencimento, 05.02.2010.

X. Ou seja, ainda que o montante na mesma constante fosse da responsabilidade da Embargante/Recorrente, e não é, sempre a obrigação nessa livrança inserta, se encontra prescrita, uma vez que a Embargante/Recorrente foi citada para a presente acção em 14.5.2014 (tendo a carta sido recebida por terceira pessoa), não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção da dita prescrição,

XI. Nem mesmo a citação da aqui Recorrente na execução n°.10803/10.2 TBVNG, instaurada pelo Exequente em 29 de Novembro de 2010, interrompeu tal prescrição.

XII. Na verdade e como doutamente se concluiu na decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, em tal processo executivo e conforme resulta de requerimento executivo, junto aos presentes autos por certidão, a execução fundava-se no título executivo “livrança”.

XIII.  Em complemento a tal alusão, referia o Banco Exequente, juntar três livranças.

XIV. Acontece, porém que, nos termos do disposto no art° 45°, n°1, do Cód. Proc. Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, sendo o título executivo, um documento: um documento constitutivo ou certificativo de obrigações; um documento escrito constitutivo oi certificativo de obrigações que, mercê da força probatória especial de que está munido, torna dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador.

XV. E, sendo um documento, ele cumpre uma função probatória; daí que, mesmo tratando-se de um documento não autenticado, mas cuja assinatura esteja reconhecida ou não seja impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, ele faça prova plena, nos termos do art° 376°, n°1, do Cód. Civil, considerando-se, assim, provada a obrigação exequenda até prova em contrário do executado.

XVI. O título é constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte e é certificativo quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a sua existência.

XVII. Os títulos executivos constam, taxativamente, do art° 46° do Código de Processo Civil, que após a alteração introduzida pelo Dec. Lei n° 38/2003, de 08/3, passou a dispor na sua alínea c), poderem servir de base à execução: “Os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

XVIII. Portanto, para que os documentos particulares não autenticados constituam título executivo é suficiente que deles conste uma obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, de entrega de coisa ou de prestação de facto.

XIX. Por sua vez, como título de crédito, a livrança é uma promessa feita, no título, pelo subscritor de pagar ao tomador ou à sua ordem quantia determinada; é uma promessa de pagamento de uma certa quantia, em dadas condições de tempo e lugar, dado por uma determinada pessoa, subscritor, a outra, o beneficiário o seu portador legítimo no vencimento.

XX. Porém, para que a livrança (tal como, aliás a letra e o cheque) possa reclamar-se da categoria de título de crédito tem de satisfazer determinados requisitos exigidos pela respectiva Lei Uniforme.

XXI. Assim, a livrança tem de satisfazer os requisitos essenciais prescritos no art° 75° da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, sob pena de não poder valer como livrança, sendo que, nos termos do disposto no art°. 76° da mesma Lei, na falta de algum desses requisitos de forma, o escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no art. 75° “não produzirá efeito como livrança”, salvo se se tratar de falta de indicação da época do pagamento, ou do lugar do pagamento, ou do lugar onde a livrança foi passada.

XXII. Ora, as livranças juntas no citado processo executivo não passavam de impressos de livranças e que alegadamente constituíam título executivo, não se encontravam preenchidas, constando apenas das mesmas a assinatura do subscritor; tais livranças não continham quer o local e data de emissão, quer o valor, quer a data do vencimento, nem o local de pagamento.

XXIII. Isto é, tratava-se de meros documentos sem qualquer valor jurídico com título executivo, e nem sequer como livrança!

XXIV. A aqui Recorrente foi citada naquela acção executiva em 7 de Março de 2012, conforme resulta do aviso de recepção junto com a certidão do identificado processo, a fls. 107 destes autos e, no prazo de que dispunha para o efeito, deduziu oposição onde para além do mais, invocou a referida inexistência de título, por o impresso de livrança não possuir os requisitos formais do art°. 75° da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças.

XXV. O Banco contestou tal oposição conforme também resulta da certidão junta a estes autos, aproveitando para juntar cópias telemáticas dos anteriores impressos de livranças que havia junto como requerimento executivo, desta feita já preenchidos.

XXVI. A ora Recorrente foi ali notificada dessa contestação com cópia de tal livrança em 7 de Novembro de 2013.

XXVII. Ou seja, o documento contendo os requisitos necessários para valer como livrança – integrando uma obrigação cambiária – apenas foi apresentado nos autos do Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG (ou melhor, no apenso de oposição à execução n.°10803/10.2TBVNG-B) em 30 de Setembro de 2013, e a aqui Recorrente, ali executada/embargante só foi notificada de tal documento (título executivo que podia ser dado à execução) em 7 de Novembro de 2013.

XXVIII. Tal documento só nessa ocasião surge como título executivo que integra a obrigação cambiária – literal, formal e autónoma – que a ali exequente, aí deu à execução (ou seja, como título de crédito).

XXIX. Portanto, no âmbito do aludido Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG, a aqui Recorrente só tomou conhecimento da pretensão do Banco de exercer o direito de executar o título executivo livrança que pretende agora executar com a notificação de tal documento (título executivo) junto com a contestação à oposição à execução comum n.°10803/10.2TBVNG-B apresentada em juízo em 30 de Setembro de 2013, notificação essa ocorrida em 7 de Novembro de 2013.

XXX. A falta de anterior junção pela exequente, (na data da propositura da execução) do título executivo é-lhe imputável.

XXXI. Não merecendo acolhimento a conclusão plasmada no douto acórdão de que “E já então o exequente, ao instaurar a primeira execução, tornava claro o propósito de accionar aquela obrigação cambiária.”

XXXII. A aqui Recorrente não tinha obrigação de conhecer qual o propósito do Banco, sendo certo ainda que o facto de ter deduzido oposição na primeira acção, não significa que tivesse conhecimento do título executivo; bem ao invés, a aqui Recorrente teve conhecimento da acção, mas não do título executivo que devia fundamentar tal acção, mas que era inexistente.

XXXIII. E nem sequer se diga que foi interpelada judicialmente ao pagamento do montante agora aposto na livrança em apreço, porque não foi; apenas conheceu tal título, como título e não mero impresso sem qualquer preenchimento, após 3 anos da data do seu vencimento.

XXXIV. Assim, a interrupção da prescrição nos termos previstos no art. 323.° do Código Civil não ocorreu nem com a citação da executada para a execução, nem após os 5 dias subsequentes à propositura da execução, mas apenas na data em que a executada foi notificada do teor do título executivo junto apenas com a contestação à oposição à execução, ou seja, em 7 de Novembro de 2013.

XXXV. Pelo que, na data em que o título de crédito (eventual incorporador da obrigação cambiária da aqui Recorrida da alegada prestação de aval) que aqui se pretendeu dar à execução surge pela primeira vez, em 30 de Setembro de 2013 – data da apresentação pela exequente da contestação à oposição à execução comum n.º10803/10.2TBVNG-B -, já tinha decorrido o prazo de prescrição de 3 anos previsto nos arts. 70.°, § 1, ex vi art. 77.°, ambos da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, contados da data do vencimento de 2010-02-05 aposta na livrança dada à execução (tal prazo havia terminado, sem a verificação da pretendida interrupção alegada pela Recorrente).

XXXVI. Resulta, assim, que a interrupção da prescrição nos termos previstos no art. 323.° do Código Civil não ocorreu nem com a citação da executada para a execução, nem após os 5 dias subsequentes à propositura da execução, mas apenas na data em que a executada foi notificada do teor do título executivo junto apenas com a contestação à oposição à execução, ou seja, em 7 de Novembro de 2013.

XXXVII. Em termos gerais, temos que a prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjectivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.°298°, n.°1, e 300.° do Código Civil).

XXXVIII. Por outro lado, nos termos do art.°70° 1, ex vi do art.° 77, ambos da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, todas as acções contra o subscritor e avalista de livranças prescrevem em três anos, sendo que o Assento de 20 de Julho de 1962, identificado na motivação supra, determinou que os prazos fixados neste art.°70° da Lei Uniforme são de prescrição, sujeitos a interrupção.

XXXIX. O dispositivo legal suscitado é do seguinte teor: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” (cf. art.° 323°, n.°l, do Código Civil).

XL. No caso concreto, está provado que o Banco exequente havia anteriormente instaurado, em 29 de Novembro de 2010, a Execução Comum com o nº10803/10.2TBVNG, com a qual juntou três livranças em branco, que não constituíram título executivo por não poderem valer como livrança e ser inadmissível a pretensão de suprimento da falta de título executivo mediante a junção das livranças preenchidas na contestação à oposição à execução, apesar de no requerimento executivo, a exequente ter descrito as relações causais das três livranças.

XLI. A livrança é, como se sabe, um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a promessa de uma pessoa pagar a outra determinada quantia (cf. art.°75.° da Lei Uniforme de Letras e Livranças).

XLII. Como é sabido, o credor só pode dar início à acção executiva desde que possua título executivo, sendo por este que se determinam o fim e os limites da acção executiva (cf. art.°10.°, n.°5, do Código de Processo Civil), ou seja, a acção executiva está sempre subordinada ao conteúdo do título executivo.

XLIII. Ora, é manifesto (e nem sequer está impugnado pelas partes) que nesta acção executiva as livranças dos autos, por falta dos requisitos legais exigidos pela respectiva Lei Uniforme, não reuniam as características dos títulos cambiários.

XLIV. Não havendo execução sem título é evidente que, sem a junção de títulos de crédito válidos, não pode considerar-se que a Exequente tenha praticado qualquer acto judicial que, directa ou indirectamente, revele a sua intenção de exercer a pretensão creditório incorporada em tais títulos.

XLV. Logo a executada/embargante apenas tomou conhecimento da intenção da exequente de exercer o seu direito de executar a livrança aqui dada à execução como título de crédito após a apresentação, com a contestação da exequente à oposição à execução n.°10803/10.2TBVNG-A de 30 de Setembro de 2013, do aludido documento.

XLVI. Assim, ao decidir como decidiu, e face ao supra exposto, conclui-se que o Venerando Tribunal da Relação violou os arts.70° e 77° da Lei Uniforme sobre letras e Livranças e art°. 323° do Código Civil.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vªs Ex.ªs. muito doutamente suprirão, deve dar-se provimento à presente revista e revogar-se o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se in totum, a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.

Decidindo deste modo, farão V.ªs. Ex.ª, aliás como sempre, um acto de inteira e sã Justiça.

O recorrido Banco DD, SA, [que integrou por fusão e incorporação a instituição bancária BANCO BB SA.], contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos[2]:

1- O exequente Banco BB, S.A., instaurou em 03 de Abril de 2014 a presente Execução Ordinária contra, além de outros, melhor identificados no requerimento executivo junto a fls. 2 a 5 do processo físico de execução, a aqui executada/embargante AA, indicando como título executivo ‘Livrança’ e alegando ser portador de 3 livranças, aí melhor descritas no ponto 1. dos Factos, alegando que, apresentadas a pagamento na data do seu vencimento, as referidas livranças não foram pagas.

Alegou ainda, no ponto 4. dos Factos, que a sociedade executada CC, S.A., solicitou ao exequente a concessão de 3 empréstimos, os quais lhe foram concedidos pelos 3 contratos de empréstimo aí melhor descritos, assinados pela referida sociedade executada, tendo o Banco exequente adiantado à sociedade executada/mutuária as quantias mutuadas, que foram creditadas na conta de depósitos à ordem de que a sociedade era titular, tendo a sociedade utilizado as referidas importâncias e tendo a sociedade executada/mutuária entregue uma livrança em branco (por ela subscrita e com os restantes elementos por preencher), avalizada pelos demais executados, por cada um desses contratos de mútuo, os quais juntou com o requerimento executivo, em garantia do bom e pontual pagamento das responsabilidades emergentes dos empréstimos no montante global de € 600.000,00 concedidos pelo exequente.

Alegou ainda, nos pontos 8. e 9. dos Factos, que a sociedade executada incumpriu os planos de pagamentos prestacionais daqueles empréstimos e que, face a tal incumprimento, considerou exigível e vencido o montante de cada um dos empréstimos e nos termos das cláusulas dos contratos de crédito, procedeu ao preenchimento das livranças, apondo-lhes a data de vencimento de 05.02.2010 e os valores referidos no ponto 1. dos Factos, tudo conforme consta c aludido requerimento executivo que, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 – Por requerimento apresentado em juízo em 02 de Maio de 2014 a exequente Banco BB, S.A., alegou ter havido lapso na instauração da execução com base em 3 livranças uma vez que apenas é legítima portadora, na data, da livrança emitida em 02.09.2008 no valor de € 280.517,56 e vencida em 05.02.2010, subscrita pela sociedade executada CC. S.A., e avalizada pelos demais executados, solicitando que seja considerado como crédito exequendo o valor de € 329.050,02 e juros vincendos até integral pagamento (€ 280.517,56 a título de capital titulado pela livrança, acrescido de € 46.665,83 a título de juros de mora vencidos contados sobre o capital à taxa de 4% desde a data de vencimento da livrança – 05/02/2010 – até à data de entrada do requerimento executivo – 03/04/2014 -, e € 1.866,63 de imposto de selo sobre os juros, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento da livrança e até à data de entrada do requerimento executivo, tendo junto com tal requerimento o original da livrança que apresenta como título executivo, de acordo com o disposto no art. 724.°, n.°5, do Código de Processo Civil, tudo conforme consta do requerimento junto a fls. 15 e 16 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

3 – Por despacho proferido em 07/05/2014 foi admitida a requerida redução do pedido determinando-se o prosseguimento do processo apenas para pagamento do montante de € 329.050,02, acrescida dos juros de mora vincendos, tendo como título executivo a livrança (original) junta pela exequente a fls. 16 dos autos, tudo conforme consta do aludido despacho junto a fls. 17 do processo físico de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

4 – A executada/embargante AA foi assim citada em 14 de Maio de 2014 da execução para pagamento da quantia de € 329.050,02, acrescida dos juros de mora vincendos, tendo como título executivo a livrança com o n.º ... (original) junta pela exequente a fls. 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, encontrando-se a mesma assinada/subscrita pela sociedade CC, S.A., no local destinado a Assinatura(s) do(s) subscritor(es), e contendo apostas no seu verso, em seguida à expressão manuscrita “Bom por aval ao subscritor”, uma assinatura manuscrita do nome de cada um dos demais executados, encontrando-se, designadamente, uma assinatura manuscrita do nome ‘AA’ aposta em seguida à frase manuscrita ‘Bom por aval ao Subscritor’ que surge no verso da livrança em segundo lugar, encontrando-se tal livrança preenchida nos seguintes termos:

Local e data de emissão: ... – 2008-09-02

Importância (em Euros): 280.517,56 €

Valor: Contrato de empréstimo

Vencimento: 2010-02-05

No seu vencimento, pagaremos por esta única via de livrança ao Banco BB, S.A. ou à sua ordem, a quantia de duzentos e oitenta mil, quinhentos e dezassete euros e cinquenta e seis cêntimos

Nome e Morada do(s) Subscritor(es): CC, SA.

Rua ..., 169 e 191

4250- 475 .... – Facto Provado por força do teor do documento junto a fls. 16 dos autos de execução, na parte não impugnada.

5 – A livrança dada à execução foi entregue pela sociedade executada à exequente contendo nela apostas apenas as assinaturas manuscritas e carimbo com a firma da sociedade executada que se encontram no local destinado à assinatura do subscritor, e as assinaturas e frases manuscritas que constam do respectivo verso, encontrando-se por preencher quanto a todos os demais elementos dela agora constantes, tendo tal entrega da livrança sido efectuada no âmbito do denominado Contrato de Empréstimo, datado de 02/09/2008, cuja cópia se encontra junta a fls. 9 a 10 do processo físico do execução, documento junto com o requerimento executivo referido no n.°1 da presente Fundamentação de Facto, nos termos do qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, celebrado entre o Banco exequente e a sociedade executada CC, S.A., na aí declarada qualidade de Mutuária, representada pelo co-executado EE, nos termos do qual o Banco exequente declarou conceder à sociedade executada e mutuária CC, S.A., um empréstimo no montante de € 250.000,00, do qual aquela sociedade declarou ser devedora, a vencer juros nos termos aí acordados e a reembolsar em 48 prestações mensais de capital e juros, tendo ainda sido acordado, nos termos das Cláusulas Adicionais que “Em titulação do capital, respectivos juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos resultantes do presente empréstimo, (…), o/a(s) mutuário/a(s) entrega(m) ao Banco uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelo(s) interveniente(s) acima identificado(s) abreviadamente como AVL, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus colaboradores, a preenchê-la designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato e assumidas pelo/a(s) mutuário/a(s) perante o Banco, caso se verifique o incumprimento por parte do/a(s) mutuário/a(s) de qualquer das obrigações que llhe(s) compete (m) e que aqui são referidos.

(…)

Encontrando-se em mora qualquer quantia devida ao Banco no âmbito do presente contrato, o(s) AVL autoriza(m) expressamente o Banco, sem dependência de qualquer formalidade, seja de que natureza for, a proceder ao débito da(s) conta(s) DO de me sejam) ou venha(m) a ser titular (es) ou contitular(es) em conta de movimentação solidária, aberta junto do Banco, ficando expressamente sub-rogado(s) nos direitos do Banco, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 589. ° e ss. do Código Civil.

0(s) AVL declara(m) expressamente que foi (foram) esclarecido(s) quanto à natureza e características da operação de crédito que avalizam e implicações do aval, pelo qual dão o seu inteiro acordo ao conteúdo do presente contrato e assumem a responsabilidade pelas informações prestadas e que as mesmas são completas e exactas, autorizando expressamente o Banco a obter todas as informações consideradas relevantes para análise da operação de crédito. (…)”.

Surgem identificados como AVL os co-executados FF, GG, HH, II. JJ, LL, EE, AA e MM, encontrando-se no contrato assinado pelos representantes do Banco exequente, pelo representante da sociedade executada em representação daquela e surgindo, em seguida ao local destinado à assinatura dos Avalistas, assinaturas manuscritas, sendo a segunda delas efectuada com o nome “AA”.

6 - O Banco exequente havia anteriormente instaurado, em 29 de Novembro de 2010, no extinto Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia, contra os executados CC, S.A., EE, AA, HH, LL, FF, JJ, II, GG e MM, a Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, constando de fls. 13 a 30 dos presentes autos de embargos de executado cópia do requerimento executivo e documentos juntos com aquele que deu origem à aludida execução, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, liquidando o exequente a quantia exequenda em € 442.970,03 (€ 394.357,80 de capital, acrescido de € 48.612,23 de juros remuneratórios e moratórios vencidos, comissões e imposto de selo) e juros moratórios vincendos.

No aludido requerimento executivo a exequente indicou como título executivo Livrança, tendo alegado no local destinado à exposição dos factos que o Banco exequente celebrou com a sociedade executada CC, S.A., os 3 contratos de mútuo aí melhor identificados – sendo o terceiro contrato aí indicado o contrato supra referido no n.°5. da presente fundamentação de facto -, e alegando ainda que, em caução e garantia do cumprimento dos referidos empréstimos, a sociedade executada subscreveu 3 livranças em branco, juntando telematicamente tais documentos – constantes de fls. 20 a 22 dos presentes autos de execução – e alegando ainda que tais livranças estão avalizadas pelos co-executados EE, AA, HH, LL, FF, JJ, II, GG e MM, tudo conforme consta dos aludidos documentos juntos a fls. 13 a 27 dos presentes autos de embargos de executado, e da certidão do processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG junta a fls. 102 dos autos de embargos de executado, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

7 – Na execução referida no antecedente n.°6. a exequente juntou como títulos executivos os três impressos de livranças, cujas cópias se encontram juntas a fls. 20, 21 e 22 deste apenso de embargos de executado, preenchidos apenas com a assinatura dos legais representantes e carimbo com a firma da subscritora sociedade CC, S.A., no local destinado à assinatura dos subscritores e com a aposição, no verso, em seguida à expressão manuscrita ‘Por aval à firma subscritora’, de nove assinaturas manuscritas, entre os quais o impresso de livrança com o nº..., conforme cópia junta a fls. 22 dos autos de embargos de executado (e cópia junta com a certidão do processo de Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, junta a fls. 106 dos autos de embargos de executado), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

8 – A aqui executada/embargante AA foi citada para os termos daquela execução assim instaurada em 07 de Março de 2012, conforme cópia do aviso de recepção junto com a certidão do processo de Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, a fls. 107 dos presentes autos de embargos de executado.

9 – A executada/embargante AA deduziu, em 27 de Marco de 2012, oposição a tal execução, conforme cópia do aludido articulado junta a fls. 28 a 37 frente dos presentes embargos de executado, na qual, além do mais que aqui se dá por reproduzido, invocou a inexistência de título executivo, por o impresso de livrança não possuir os requisitos formais do art. 75.° da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, face ao disposto no art. 76.° do mesmo diploma.

10 – A exequente apresentou contestação a tal oposição à execução em 30 de Setembro de 2013 – que correu termos com o n.°1080/10.2 TBVNG-B -. conforme cópia do aludido articulado junto a fls. 39 a 47 do presente apenso de embargos de executado, juntando com a contestação as cópias telemáticas dos anteriores impressos de livranças que havia junto, com o requerimento executivo com que intentou a Execução Comum com o n.° 10803/10.2TBVNG referidos no n.°7, já preenchidos quanto aos demais elementos – constando a cópia da livrança com o n.°... junta como Doc. 3 a fls. 45 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 – A exequente apresentou contestação a tal oposição à execução em 30 de Setembro de 2013, conforme cópia do aludido articulado junto a fls. 39 a 47 do presente apenso de embargos de executado, juntando com a contestação as cópias telemáticas dos anteriores impressos de livranças que havia junto, com o requerimento executivo com que intentou a Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG referidos no n.º7, já preenchidos quanto aos demais elementos constando a cópia da livrança com o n.°504227114070263469 junta como Doc. 3 a fls. 45 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo a aqui executada/embargante AA sido notificada de tal peça processual, com tal livrança preenchida, por notificação de 7 de Novembro de 2013.

12 – Na referida oposição à execução comum que correu n.°10803/10.2TBVNG-B deduzida pela aqui executada/embargante AA, foi proferida, em 10 de Dezembro de 2013, saneador-sentença cuja cópia se encontra junta com a certidão do Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG a fls. 110 e 110-a destes autos de embargos de executado, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e que, considerando que os impressos de livrança juntos com o requerimento executivo não constituíam título executivo por não poderem valer como livrança e ser inadmissível a pretensão de suprimento da falta de título executivo mediante a junção das livranças preenchidas efectuada pela executada na contestação à oposição à execução, julgou procedente a excepção da falta de título executivo, com a consequente procedência da oposição, determinando ainda a extinção da execução.

13 – Tal decisão foi notificada à executada/opoente em 16/12/2013 e transitou em julgado a 03/02/2014, conforme consta da certidão do Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG junta a fls. 102, cujo teor aqui se dá por reproduzido.  

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se ocorreu prescrição cambiária relativamente à livrança exequenda, invocada como título executivo, e, se assim se não considerar, se vale como quirógrafo da obrigação extracartular.

O Acórdão recorrido revogou o despacho saneador-sentença, que julgou procedente a oposição da recorrente/executada cambiária porque avalista da livrança exequenda, por entender que a livrança se venceu em 5.2.2010, e a citação ocorreu mais de três anos após aquela data, em 14.4.2014.

Tendo abordado – a fls. 131 a 132 verso – a questão da admissibilidade da execução da livrança dada à execução, ainda que prescrita, como mero quirógrafo da relação subjacente, considerou o argumento “absolutamente descabido”, louvando-se na extensa citação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2015, Processo nº665/13.3TBLSD-A-P1 – in www.dgsi.pt.

Já o Acórdão recorrido, diversamente, considerou que não ocorreu prescrição, ordenando a baixa do processo à primeira instância para, “após decisão sobre a matéria de facto controvertida mediante a produção da prova apresentada, se conhecer das questões suscitadas cuja apreciação havia sido julgada prejudicada na decisão recorrida, decidindo-se a final conforme for de Direito.”   

Vejamos.

A apreciação da questão decidenda – prescrição da obrigação cambiária – uma livrança com o nº5042271140702, titulando o valor de € 329 050,02, implica a apreciação das vicissitudes ocorridas na prévia execução comum, instaurada em 29.11.2010, no extinto Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia, que teve o nº10 803/10.2TBVNG, (doravante 10803/13), movida pelo aqui exequente contra os mesmos executados, entre os quais a Recorrente AA, que deu o seu aval à subscritora e, nessa qualidade, foi executada.

 

A livrança foi subscrita, pela executada CC SA, enquanto mutuária de três empréstimos bancários concedidos pelo banco exequente.

A relevância de tais vicissitudes é o esteio da argumentação do Banco recorrido para sustentar que a prescrição se interrompeu no contexto dessa execução, com repercussão nesta segunda execução. 

Desde já se refere que, nessa primeira execução, transitou em julgado, em 3.2.2014, a decisão proferida no despacho saneador-sentença de 10.12.2013, que, considerou que os impressos de livrança juntos com o requerimento executivo não constituíam título executivo, por não poderem valer como livrança e ser inadmissível a pretensão de suprimento da falta de título executivo mediante a junção posterior das livranças preenchidas, efectuada pela executada na contestação à oposição à execução, pelo que julgou procedente a excepção da falta de título executivo, com a consequente procedência da oposição, determinando ainda a extinção da execução - (facto provado 13).

Atentemos nos factos provados no que respeita a esta primeira execução:

“6 - O Banco exequente havia anteriormente instaurado, em 29 de Novembro de 2010, no extinto Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia, contra os executados CC, S.A., EE, AA , HH, LL, FF, JJ, II, GG e MM, a Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, constando de fls. 13 a 30 dos presentes autos de embargos de executado cópia do requerimento executivo e documentos juntos com aquele que deu origem à aludida execução, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, liquidando o exequente a quantia exequenda em € 442.970,03 (€ 394.357,80 de capital, acrescido de € 48.612,23 de juros remuneratórios e moratórios vencidos, comissões e imposto de selo) e juros moratórios vincendos.

No aludido requerimento executivo a exequente indicou como título executivo Livrança, tendo alegado no local destinado à exposição dos factos que o Banco exequente celebrou com a sociedade executada CC, S.A., os 3 contratos de mútuo aí melhor identificados – sendo o terceiro contrato aí indicado o contrato supra referido no n.°5. da presente fundamentação de facto -, e alegando ainda que, em caução e garantia do cumprimento dos referidos empréstimos, a sociedade executada subscreveu 3 livranças em branco, juntando telematicamente tais documentos – constantes de fls. 20 a 22 dos presentes autos de execução – e alegando ainda que tais livranças estão avalizadas pelos co-executados EE, AA, HH, LL, FF, JJ, II, GG

e MM, tudo conforme consta dos aludidos documentos juntos a fls. 13 a 27 dos presentes autos de embargos de executado, e da certidão do processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG junta a fls. 102 dos autos de embargos de executado, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

7 – Na execução referida no antecedente n.°6. a exequente juntou como títulos executivos os três impressos de livranças, cujas cópias se encontram juntas a fls. 20, 21 e 22 deste apenso de embargos de executado, preenchidos apenas com a assinatura dos legais representantes e carimbo com a firma da subscritora sociedade CC, S.A., no local destinado à assinatura dos subscritores e com a aposição, no verso, em seguida à expressão manuscrita ‘Por aval à firma subscritora’, de nove assinaturas manuscritas, entre os quais o impresso de livrança com o nº ..., conforme cópia junta a fls. 22 dos autos de embargos de executado (e cópia junta com a certidão do processo de Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, junta a fls. 106 dos autos de embargos de executado), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

8 – A aqui executada/embargante AA foi citada para os termos daquela execução assim instaurada em 07 de Março de 2012, conforme cópia do aviso de recepção junto com a certidão do processo de Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG, a fls. 107 dos presentes autos de embargos de executado.

9 – A executada/embargante AA deduziu, em 27 de Marco de 2012, oposição a tal execução, conforme cópia do aludido articulado junta a fls. 28 a 37 frente dos presentes embargos de executado, na qual, além do mais que aqui se dá por reproduzido, invocou a inexistência de título executivo, por o impresso de livrança não possuir os requisitos formais do art. 75.° da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, face ao disposto no art. 76.° do mesmo diploma.

10 – A exequente apresentou contestação a tal oposição à execução em 30 de Setembro de 2013 – que correu termos com o n.°1080/10.2 TBVNG-B - conforme cópia do aludido articulado junto a fls. 39 a 47 do presente apenso de embargos de executado, juntando com a contestação as cópias telemáticas dos anteriores impressos de livranças que havia junto, com o requerimento executivo com que intentou a Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG referidos no n.°7, já preenchidos quanto aos demais elementos – constando a cópia da livrança com o n.°504227114070263469 junta como Doc. 3 a fls. 45 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 – A exequente apresentou contestação a tal oposição à execução em 30 de Setembro de 2013, conforme cópia do aludido articulado junto a fls. 39 a 47 do presente apenso de embargos de executado, juntando com a contestação as cópias telemáticas dos anteriores impressos de livranças que havia junto, com o requerimento executivo com que intentou a Execução Comum com o n.°10803/10.2TBVNG referidos no n.º7, já preenchidos quanto aos demais elementos constando a cópia da livrança com o n.°504227114070263469 junta como Doc. 3 a fls. 45 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo a aqui executada/embargante AA sido notificada de tal peça processual, com tal livrança preenchida, por notificação de 7 de Novembro de 2013.

12 – Na referida oposição à execução comum que correu n.°10803/10.2TBVNG-B deduzida pela aqui executada/embargante AA, foi proferida, em 10 de Dezembro de 2013, saneador-sentença cuja cópia se encontra junta com a certidão do Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG a fls. 110 e 110-a destes autos de embargos de executado, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e que, considerando que os impressos de livrança juntos com o requerimento executivo não constituíam título executivo por não poderem valer como livrança e ser inadmissível a pretensão de suprimento da falta de título executivo mediante a junção das livranças preenchidas efectuada pela executada na contestação à oposição à execução, julgou procedente a excepção da falta de título executivo, com a consequente procedência da oposição, determinando ainda a extinção da execução.

13 – Tal decisão foi notificada à executada/opoente em 16/12/2013 e transitou em julgado a 03/02/2014, conforme consta da certidão do Processo de Execução Comum n.°10803/10.2TBVNG junta a fls. 102, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 

De referir que uma dessas livranças é, nesta segunda execução, o alegado título executivo.

A livrança exequenda venceu-se em 5.2.2010. A primeira execução foi instaurada em 29.11.2010, e nela o exequente juntou três impressos de livranças preenchidas apenas com a assinatura dos legais representantes da subscritora e carimbo da sociedade CC (a mutuária de três empréstimos), contendo no verso a dação de aval à subscritora sendo co- avalista a executada Célia.

Nessa execução, instaurada em 7.3.2012, após citação, a executada deduziu, em 27.3.2012, oposição invocando a inexistência de título executivo “por o impresso da livrança não possuir os requisitos formais do art. 75º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL)”.

Com a contestação da oposição, em 30.9.2013, o exequente juntou cópias telemáticas dos referidos impressos das livranças, agora preenchidos com os demais elementos, constando a cópia da livrança com o nº ..., tendo a executada AA sido notificada da livrança preenchida em 7.11.2013.

Importa, assim, afirmar que o exequente reconheceu o seu erro, ou lapso, quando confrontado com a alegação, em sede de oposição, que os documentos oferecidos como títulos executivos cambiários não valiam como tal, pois, de outro modo, não teria, na sequência de tal alegação, junto os impressos (títulos) completamente preenchidos, incluindo a livrança agora exequenda.

Em suma: nessa primeira execução só após a citação e já na tramitação dos embargos foi a executada oponente notificada daquilo que efectivamente o exequente considerou ser o título executivo, o que ocorreu em 7.11.2013, data em que a executada AA foi confrontada com a livrança totalmente preenchida.

O certo é que nessa primeira execução, Proc. 10803/10.2, o Tribunal considerou no despacho saneador-sentença de 10.12.2013, transitado em julgado em 3.2.2014, que os documentos não constituíam título executivo por não poderem valer como livrança “sendo inadmissível a pretensão de suprimento da falta de título executivo mediante a junção das livranças preenchidas efectuada pela executada na contestação à oposição à execução.”

Nesta sequência surge a 2ª execução (de onde o recurso promana) instaurada, em 3.4.2014, com base na livrança vencida em 5.2.2010[3], tendo a executada sido citada em 14.5.2014, para pagar, como avalista, o valor de € 329 050,02 mais juros de mora.

Como se acha provado no ponto 5), a livrança dada à execução foi entregue pela sociedade executada à exequente contendo apostas apenas as assinaturas manuscritas e carimbo com a firma da sociedade executada que se encontram no local destinado à assinatura do subscritor, e as assinaturas e frases manuscritas que constam do respectivo verso, encontrando-se por preencher quanto a todos os demais elementos dela agora constantes, tendo tal entrega da livrança sido efectuada no âmbito do denominado Contrato de Empréstimo, datado de 02/09/2008, figurando a recorrente como co-avalista além de outros executados.

Como vimos, pretende o exequente extrair daquela primeira execução, que teve o desfecho referido com o fundamento indicado (falta de título executivo), eficácia interruptiva da prescrição de três anos, na segunda execução, nos termos do art. 70º da LULL, aplicável por força do art. 77º, que estabelece que todas as acções contra o aceitante nas letras e contra o subscritor na livrança prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento, prazo que se aplica aos avalistas.

O regime da prescrição do Código Civil aplica-se no domínio cambiário, como decorre do art. 71º da LULL e do Assento n.º5/95 do Supremo Tribunal de Justiça, de 1995.03.28, no Diário de República n.º117/95,1 Série-A, de 1995.05.20, pág. 3125 (agora valendo como Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) –“Por força do disposto no artigo 71° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável por via do seu artigo 78°, a interrupção da prescrição da obrigação cambiária contra o subscritor de uma livrança não produz efeito em relação ao respectivo avalista.”    

Sobre a prescrição:

- Artigo 323º do Código Civil (Interrupção promovida pelo titular)

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

 - Artigo 326° (Efeitos da interrupção)

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311°.

Da maior relevância, no caso, é a articulação do regime jurídico da prescrição cambiária, com a consideração de se estar ou não perante um título executivo.

 O exequente pretende que a citação, ocorrida na primeira execução, interrompeu a prescrição, desconsiderando que o Tribunal decidiu aí que o exequente não dispunha de título executivo, pelo que importa saber se a circunstância de ter intentado aquela acção executiva e a ora Recorrente ter sido citada, decorre que, relevantemente, foi manifestada clara intenção de exercer um direito, com a consequente interrupção da prescrição, art. 323º, nº1, do Código Civil, no concernente, ao direito ao crédito que o título cambiário incorpora.

A melindrosa questão foi resolvida na 1ª Instância, considerando-se que, não podendo o documento dado à execução ser considerado título executivo, desde logo porque uma sentença o afirmou, não pode o exequente, portador desse título, na segunda execução movida para além do prazo de três anos de prescrição cambiária, invocar contra o executado a interrupção da prescrição com fundamento na citação ocorrida na precedente execução.

Aí se ponderou: “Assim, a interrupção da prescrição nos termos previstos no art. 323.° do Código Civil não ocorreu nem com a citação da executada para a execução [1ª execução], nem após os 5 dias subsequentes à propositura da execução, mas apenas na data em que a executada foi notificada do teor do título executivo junto apenas com a contestação à oposição à execução [na 1ª execução – Proc. 10 803/10,2], ou seja, em 7 de Novembro de 2013.”

Considerou-se que “a executada/embargante apenas tomou conhecimento da intenção da exequente de exercer o seu direito de executar a livrança aqui dada à execução como título de crédito com a sua notificação em 7 de Novembro de 2013, efectuada na oposição à execução n.º10803/10.2TBVNG-B do aludido documento, apenas apresentado pela exequente com a contestação de 30 de Setembro de 2013”, quando já tinha decorrido o prazo de três anos contados sobre a data do vencimento – 5.2.2010.

O Acórdão recorrido, ao invés, ponderou que, “Muito embora se tivesse então considerado, em decisão proferida na oposição deduzida à primeira execução, que as referidas livranças que não constituíam titulo executivo por não estarem preenchidos, contendo apenas a assinatura da subscritora e dos avalistas, para efeitos da apreciação da cada prescrição importa salientar que a obrigação cambiária nasceu com a subscrição e entrega daquelas livranças apesar de preenchidas art. 10° da LULL, ex vi art° 77° do mesmo diploma, e já então o exequente, ao instaurar a primeira execução, tornava claro o propósito de accionar aquela obrigação cambiária.

 Entende-se por isso que assiste razão exequente/embargado/apelante quando sustenta ter ocorrido interrupção da prescrição nos termos previstos no art.323º, n°1 do Código Civil.”

Decorre desta interpretação que, estando a livrança incompleta e não valendo como título executivo como se considerou na 1ª execução, o simples facto de a executada ter sido citada na primeira execução, esse acto, por revelar intenção do portador do título de exercer o seu direito como credor, implica a interrupção da prescrição, nos termos do art. 323º, nº1, do Código Civil.

O Acórdão considerou que a intenção do exercício do direito se manifestou com a citação e não com a ciência pela executada de que estava a ser invocado um título executivo perfeito, como na realidade o exequente tacitamente aceitou que não estava, apresentando, já depois da contestação dos embargos na primeira execução, a livrança totalmente preenchida.

Assim pode ler-se a fls. 223 verso:

“O que importa reter é que nos termos do referido n° 1 do art° 323° do Código Civil a prescrição interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indirectamente a intenção de exercer o direito.

Ou seja, o que releva para efeitos da interrupção da prescrição é que a Intenção de exercer seja expressa através de um ato do titular do direito, podendo essa intenção ser expressa direta ou indirectamente, seja qual for o processo a que o ato pertence, e independentemente da sorte desse mesmo processo. Por isso que se entende que o facto de o exequente ter manifestado de forma expressa, através da instauração da primeira execução, o propósito de exercer o direito correspondente obrigação cambiária decorrente da subscrição da livrança que agora é, mais uma vez, dada à execução, é adequado a interromper o prazo prescricional, não obstando para esse efeito, facto de as referidas livranças não estarem então completamente reenchidas, não contendo nomeadamente, a quantia correspondente.

Com efeito, o que nos termos do disposto no referido normativo releva para a interrupção da prescrição é que se assuma como titular de um direito efectivo, minimamente definido nos seus contornos e fundamentos, em termos de tornar exigível que o devedor fique ciente da pretensão a que o credor se arroga e pretende fazer valer perante ele, não bastando que se assuma como titular de um mero direito virtual […]

E a fls. 224 verso e 225:

 […] Como tal, por força do disposto no referido n°2 do art. 323° do C. Civil, deve considerar-se que a interrupção da prescrição se verificou efectivamente 5 (cinco) dias depois da entrada da primeira acção executiva, intentada em 29.11.2010, ou seja, no dia 05.12.2010.

Por norma a interrupção da prescrição inutiliza para prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo de prescrição igual ao anterior – n° 1 do art° 327° do C. Civil.

No entanto quando a interrupção ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o art° 327º, nº1, do Código Civil dispõe que o prazo prescricional não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, começando então a correr novo prazo prescricional de três anos.

Transpondo este princípio para o caso em análise nos autos, devendo considerar-se para todos os efeitos que a interrupção da prescrição resultou da citação que foi requerida no dia 05.12.2010, não se iniciou logo ali o novo prazo prescricional de três anos, já que este só começou a correr após o trânsito em julgado da decisão proferida a 10.12.2013 que pôs termo aquela execução.

Só com o trânsito em julgado daquela decisão que julgou procedente a oposição e declarou a extinta aquela execução se iniciou novo prazo prescricional de três anos.

Por isso que, quando a 03.04.2014 o exequente deu entrada da execução de que os presentes autos são apensos, ainda não havia decorrido aquele novo prazo prescricional, tal como não havia ainda decorrido quando a 14 de Maio de 2014 a executada/embargante AA foi citada na referida execução, sendo que também nesta execução haveria de considerar o disposto no n° 1 do art° 323° do C. Civil.”

Salvo o devido respeito, o Acórdão não considerou correctamente o nº3 do art. 327º do Código Civil: “Se por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”, é que a absolvição da instância, na primeira execução, ocorreu por motivo imputável ao exequente que accionou sem dispor de título executivo: foi por culpa sua que foi ditada a absolvição da instância, pelo que não se pode considerar a extensão do prazo prevista na parte final da norma citada.

Volvendo à questão de saber se, no caso em apreço, estando em causa uma execução cambiária, sendo o título executivo o documento que constitui prova de primeira aparência do direito de crédito nele incorporado - uma livrança - que não contém sequer o valor exequendo e que não proporciona ao executado informação clara e inequívoca sobre o crédito que se arroga o seu titular, sendo o executado citado, tal é quanto basta para que ocorra interrupção da prescrição.

Sem dúvida que, nos termos do art. 703º, nº1, c) do Código de Processo Civil, podem servir de base à execução “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”, importando, pois, que o título executivo demonstre a existência do direito exequendo.

Atentemos no conceito título executivo:

“Título executivo – é a peça que pela sua força probatória abre directamente as portas da acção executiva. É no plano probatório, o salvo-conduto indispensável para ingressar na área do processo executivo. Em síntese é um instrumento probatório especial da obrigação exequente e, consequentemente, distingue-se da causa de pedir já que esta é, em resumo, um elemento essencial da identificação da pretensão processual” – Antunes Varela, RLJ, 121. °-148.

Título executivo – Materialmente é um meio legal de demonstração de existência do direito exequendo. Não é, pois, em rigor essencial e necessariamente um acto, nem um documento. Tem natureza mais genérica de algo que abrange uma e outra realidade – é um meio de prova, legal e sintética, do direito exequendo, ou melhor, meio de demons­tração da sua existência.

 Formalmente, no nosso direito, traduz-se num documento.

 Por isso, título executivo pode definir-se como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução” – Castro Mendes, “Direito Processual Civil” – 1980, I, -333).

Dada a incompletude da livrança exequenda (não se ignora que a livrança pode circular enquanto título em branco ou incompleto[4] [5]), que apenas continha a assinatura da subscritora e avales em branco, entendemos que, tendo sido invocada como título executivo cambiário “não oferece demonstração da existência de um direito a uma prestação”, para usar as palavras de Castro Mendes; não basta, pois, a instauração de execução alegando a existência de um título executivo e a citação do executado, se o documento não revelar os requisitos de certeza e liquidez que lhe conferem força executiva e que evidenciam a obrigação do executado, no caso, os requisitos para que o co-avalista fosse demandado, mais a mais, se a tal livrança na anterior execução não foi considerada título executivo de crédito cambiário.

A assim não se considerar, colocando a tónica unicamente na intenção de exercer um direito, estaria a porta franqueada para abusos: mesmo que a pretensão soçobrasse, logo o exequente, brandindo com o facto de o executado ter sido citado - art. 323º, nº1, do Código Civil - teria a seu favor a “vantagem” da interrupção da prescrição, podendo executar o devedor, para lá o prazo prescricional inicial e dispor de um novo prazo de prescrição, como no caso ocorrerá, a vingar a tese do recorrido; com efeito, este usa na segunda execução o título executivo invocado na primeira execução onde a recorrente, apesar de ter sido citada, viu no despacho saneador-sentença o Tribunal declarar que o documento dado à execução não constituía título executivo, tendo sido decretada a absolvição da instância.

Relevante no caso e quiçá benefício[6] para o negligente procedimento do exequente e dos lapsos cometidos na primeira execução, que só permitiram à executada saber, em 30 de Setembro de 2013, depois de ter sido citada e apenas com a contestação dos embargos, no Proc.10830/10.2, o essencial do crédito cambiário exequendo, quando o exequente reconhecendo o erro, pretendeu, sem sucesso, apresentar as livranças preenchidas.

 A livrança, de novo exequenda, venceu-se em 5.2.2010, pelo que já tinha ocorrido a prescrição cambiária trienal, quando a Recorrente foi citada na 2ª execução, em 14.5.2014.

Não tendo sido a primeira execução baseada num título executivo cambiário válido, a citação da executada que aí ocorreu, não tem o efeito interruptivo da prescrição para com base no mesmo título, em posterior execução cambiária, ser invocada a citação naquela execução para considerar interrompida a prescrição, quanto à executada nos termos do art. 323º, nº1, do Código Civil.

O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir da acção, não é o próprio documento, antes a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, sendo que este deve proporcionar directamente, ou através de prova complementar, cabal informação ao devedor executado, demonstrando a existência de um “direito a uma prestação”.

Não pode, nesta perspectiva, manter-se o Acórdão recorrido que considerou ter ocorrido a prescrição.

Quanto à 2ª questão – saber se a livrança vale como quirógrafo.

O Acórdão recorrido, tendo considerado que não ocorreu prescrição, decidiu que os embargos devem prosseguir para, após decisão sobre a matéria de facto controvertida mediante produção da prova apresentada, se conhecer das questões suscitadas cuja apreciação havia sido julgada prejudicada na decisão recorrida, decidindo-se a final conforme for de Direito.

A decisão apelada, no despacho saneador-sentença, elencou a matéria de facto considerada provada, sobre a qual houve discussão.  

No saneador-sentença, a fls. 125 v/126, foram enunciadas como questões a decidir:

- Prescrição da obrigação cambiária;

- Admissibilidade da execução fundada na livrança, ainda que prescrita a obrigação cambiária, como mero quirógrafo da relação subjacente;

- Excepção de caso julgado;

- Nulidade da obrigação e ilegitimidade da executada e inexistência de causa debendi;

- Abuso de direito:

- Litigância de má-fé da exequente/embargada.   

A decisão apreciou as duas primeiras questões de forma inequívoca e ainda a da litigância de má fé. No entanto, no ponto 4), a fls. 132 verso, escreveu: “Atenta a procedência da excepção de prescrição, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos embargos de executado deduzidos.”

Ora as questões não apreciadas consideradas prejudicadas são:

- Excepção de caso julgado;

- Nulidade da obrigação e ilegitimidade da executada e inexistência de causa debendi;

- Abuso de direito:

Apesar do lapso, a decisão de 1ª Instância, ao invés do que afirma, apreciou a questão de saber se a livrança podia valer como quirógrafo: ela foi apreciada e decidida em sentido negativo.

O Acórdão recorrido, induzido em erro, considerou que tal questão não fora apreciada na decisão apelada, mas foi.

Temos, assim, que as questões consideradas não apreciadas na 1ª Instância foram: excepção de caso julgado; - nulidade da obrigação e ilegitimidade da executada e inexistência de causa debendi - abuso de direito.

O Tribunal da Relação deveria ter considerado o disposto no art. 665º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil que estabelece:

 “2. Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.

Mas o Acórdão alude a matéria de facto controvertida, (que não existe), ordenando que, depois dessa apreciação, sejam decididas as questões suscitadas e consideradas prejudicadas.

Assim, determina-se a remessa do Acórdão ao Tribunal da Relação, para apreciação da questão que aí deveria ter sido apreciada, já que no recurso de apelação a Recorrente colocou apenas duas questões como objecto do recurso:

“1. Se não decorreu o prazo prescricional da obrigação cambiária por ter sido interrompido passados 5 (cinco) dias após a data da entrada da primeira acção executiva intentada em 29.11.2010, ou seja, no dia 05-12-2010;

2. Se a considerar-se a prescrição da livrança, o título executivo vale como mero quirógrafo contra a embargante.”  

Nos termos do art. 679º - Aplicação do regime da apelação

 “São aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação interposta para a Relação, com excepção do que se estabelece nos artigos 662º e 665º e o disposto nos artigos seguintes.”

 O artigo 665[7]º - Regra da substituição ao Tribunal recorrido – no seu nº2 estatui:

“Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por aí considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.  

               O Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição – Abril de 2014, em nota de actualização ao art.679º, pág. 356, escreve:

“Corresponde ao art. 726º do anterior Código de Processo Civil, sendo afastada, no entanto, a aplicabilidade de todo o art. 665º e não apenas do seu nº1, como ocorria com a remissão que era feita para o disposto no nº1 do art. 715º do anterior Código de Processo Civil.”

Na nota 4., pág. 359, acrescenta: “Mais atenção merece a não aplicação de todo o art. 665º, por comparação com o regime pregresso em que apenas se excluía o nº1 do art. 715º do anterior Código de Processo Civil.

No sistema anterior, uma vez que não estava vedada a aplicação à revista do nº2 do art. 715º, quando a Relação tivesse deixado de conhecer de certas questões, por considerá-las prejudicadas pela solução dada ao litígio, se o Supremo Tribunal de Justiça dispusesse de todos os elementos, deveria substituir-se à Relação e proferir a decisão sobre o mérito do recurso em toda a sua extensão.

No NCPC o art. 679º exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no art. 665º, incluindo o nº2 que trata das aludidas situações que no Código de Processo Civil anterior constavam do nº2 do art. 715º

Tal significa que foi retirada a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação, devendo agir do seguinte modo:

a) Detectada alguma nulidade decisória que afecte o acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o prescrito pelo art. 684º, nuns casos (als. c) e e) e 2ª parte da al. d), do art. 615º), decidirá em regime de substituição, noutros casos, maxime quando a nulidade corresponder a omissão de pronúncia, limitar-se-á a cassar a decisão, remetendo os autos para a Relação;

b) Quando o acórdão da Relação não estiver afectado por uma nulidade mas dele emergir apenas que não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, se tal acórdão for revogado, impõe-se a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciadas em primeira mão as questões omitidas. ” (destaque e sublinhado nosso)

 Sufragando tal entendimento, os autos serão remetidos ao Tribunal da Relação para apreciação das questões que o Acórdão recorrido considerou prejudicadas.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

   Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão, no que respeita ao fundamento do recurso apreciado – prescrição da livrança exequenda, considerando-se agora que está prescrita - mais se decidindo ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, para apreciar a questão que o Acórdão recorrido considerou prejudicada: se a livrança vale como mero quirógrafo da obrigação extracartular.

            Custas, provisoriamente, pelo Recorrido.

         

       Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Junho de 2018

----------------


[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] Consta no Acórdão a fls. 222: “Porque não impugnados, os factos a considerar são os que foram tidos como assentes na sentença recorrida, para a qual nessa parte se remete, em conformidade com o disposto no 663º,n°6, do Código de Processo Civil, sem prejuízo de se referirem expressamente os que assumam directamente relevo na decisão a proferir”.
O Relator transcreveu, laboriosamente, os factos considerados provados a fls. 126 a 128 verso.
[3] “Por requerimento apresentado em juízo em 02 de Maio de 2014 o exequente Banco BB, S.A., alegou ter havido lapso na instauração da execução com base em 3 livranças uma vez que apenas é legítima portadora, na data, da livrança emitida em 02.09.2008 no valor de € 280.517,56 e vencida em 5.2.2010, subscrita pela sociedade executada CC. S.A., e avalizada pelos demais executados, solicitando que seja considerado como crédito exequendo o valor de € 329.050,02 e juros vincendos até integral pagamento (€ 280.517,56 a título de capital titulado pela livrança, acrescido de € 46.665,83 a título de juros…”.
Por despacho proferido em 07.05.2014 foi admitida a requerida redução do pedido determinando-se o prosseguimento do processo apenas “para pagamento do montante de € 329.050,02, acrescida dos juros de mora vincendos, tendo como título executivo a livrança (original) junta pela exequente a fls. 16 dos autos, tudo conforme consta do aludido despacho junto a fls. 17 do processo físico de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
[4] No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça 25.05.2017, in www.dgsi.pt (Fonseca Ramos): “II - O regular preenchimento, em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exequibilidade.”
[5] “Não é correto dizer que, antes do seu preenchimento, antes de ser completa, a letra não exista. O preenchimento não é um pressuposto de existência da letra ou livrança, mas apenas da exigibilidade do seu pagamento, é uma condição de eficácia da exigibilidade do crédito cartular” – Pedro Pais de Vasconcelos, no Estudo Aval em branco, Revista de Direito Comercial, publicação de 9.3.2018, in www.revistadedireitocomercial.com  
[6] Nas contra-alegações a fls. 302 o recorrido reportando-se à 1ª execução instaurada em 29.11.2010, alega: “Sucede que, o Recorrido apenas por mero lapso, pelo qual muito se penitencia, aquando da instauração da acção executiva, fez acompanhar o requerimento executivo de cópias, ainda não preenchidas, das livranças associadas aos referidos contratos de mútuo. 
Na verdade, como bem se compreenderá (até porque as indicou como título executivo, fazendo também menção das mesmas nas “Declarações Complementares” do requerimento executivo, como documentos juntos), o que se pretendia juntar era a cópia das livranças devidamente preenchidas.”
[7] Correspondente ao art.715º do anterior Código de Processo Civil.