Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1812/18.4T8BRR-C.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
CITIUS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :
I- A Portaria nº 280/2013 assenta no pressuposto de que o processo é eletrónico e que os atos devem ser apresentados em juízo por via eletrónica, só podendo sê-lo de forma distinta, quando tal se mostre impossível por limitações do próprio sistema, in casu, o limite de 10 MB.
II- O processo disciplinar não é um documento por si só, mas um conjunto de um acervo documental variado, incluindo, em regra, uma nota de culpa, notificações, decisão final, autos de depoimentos e demais elementos instrutórios, entre outros.
III- Sendo assim composto por vários documentos poderia ser dividido em grupos de documentos, tal como foi feito pela Ré, através de oito requerimentos sucessivos remetidos via Citius. Tendo tal junção repartida como fundamento a dimensão da totalidade dos documentos que compunham o referido processo disciplinar excedido os 10 MB.
IV- Assim, estando o processo disciplinar junto aos autos, repartido por vários requerimentos entregues via citius, sancionar esse comportamento, como se o referido processo não tivesse sido apresentado, só porque não o foi em papel junto da secretaria, ou enviado por telecópia, é contrário aos interesses da justiça, por dar prevalência a uma justiça formal em detrimento da justiça material.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1812/18.4T8BRR-C. L1.S1

Recurso de revista


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

AA intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade de despedimento contra: Rumo – Cooperativa de Solidariedade Social CRL.

Esta ação foi autuada como apenso A. e apensada ao processo nº 1812/18.4T8BRR correspondente ao procedimento cautelar intentado pela ora Autora contra ora Ré.

Em 09.07.2018 teve lugar audiência de partes, tendo sido proferido o despacho no qual se pode ler o seguinte: Frustrada a conciliação, aguarde-se que a Empregadora apresente, em 15 dias, articulado a motivar o despedimento, apresente o rol de testemunhas e requeira as demais provas sob pena da cominação a que alude o artigo 98º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (condenação da Empregadora na reintegração do Trabalhador ou, em substituição, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano completo ou fração de antiguidade; no valor das retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; e ainda, notificação do Trabalhador, em data posterior, para, querendo, peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação) (…).

Na sequência de tal notificação, em 13.07.2018, a Ré remeteu aos autos 8 requerimentos sucessivos contendo o articulado motivador, 5 documentos autónomos e o procedimento disciplinar dividido pelos referidos documentos com fundamento na dimensão da totalidade dos actos que compunham o procedimento exceder os 10 MB.

Importa referir que, no âmbito do nº1969/18...., apenso B, a Ré apresentou, em 16.07.2018, o articulado motivador do despedimento, 5 documentos “autónomos” e o procedimento disciplinar do trabalhador BB dividido em vários requerimentos por força da extensão dos actos que compunham o procedimento disciplinar.

Em 29.10.2018 foi determinada a apensação aos presentes autos da ação com processo especial de impugnação judicial de regularidade e licitude de despedimento intentada por BB contra a referida Ré e que corria termos sob o nº 1969/18.... (passou a constituir o apenso B).

Em 07.01.2019 e já no âmbito do apenso A, foi a Ré notificada para juntar aos autos o original do procedimento disciplinar relativo ao trabalhador BB. Ao invés, pese embora a Ré tenha junto o processo disciplinar de AA, igualmente através de sucessivos requerimentos em 13.07.2018, nunca foi notificada para juntar o original do processo disciplinar.

Nos presentes autos foi proferido em 06.02.2019 despacho saneador, no qual, entre outras questões e com referência ao pedido formulado pela Autora, AA, foi decidido:

 A. Declarar a ilicitude do despedimento promovido pela Ré contra a Autora AA;

B. Consequentemente, condenar a Ré na reintegração da Autora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

C. Condenar a Ré no pagamento à Autora das retribuições que esta deixou de auferir desde 06.06.2018, até trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das quantias já pagas, a liquidar em incidente próprio.

Esta decisão, proferida na ação declarativa, teve como fundamento a não junção do original do processo disciplinar pela Ré no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, proposto pela Autora, AA (da não junção do original do procedimento disciplinar no procedimento cautelar foi extraída a consequência prevista no artigo 98º-J, nº 3 do C.P.T. no âmbito da ação principal).

A Ré, inconformada, interpôs recurso de apelação, o qual veio a ser considerado improcedente pelo Tribunal da Relação ..., considerando que (i) pese embora a Ré não tivesse sido notificada para juntar o procedimento disciplinar no âmbito da ação de impugnação do despedimento, tal configura uma nulidade sanada por falta de arguição, (ii) a Ré não poderia proceder, como fez, à junção procedimento disciplinar, por partes e via CITIUS, com o articulado motivador do despedimento, quando, devido ao seu tamanho, carecia de ter sido fisicamente enviado pelo correio ou entregue na secretaria judicial ou, então, enviado através de telecópia (o Tribunal da Relação remeteu ainda para a fundamentação do Acórdão proferido no procedimento cautelar de suspensão de despedimento).

A Ré, Rumo – Cooperativa de Solidariedade Social CRL interpôs recurso de Revista Excecional, com as seguintes Conclusões:

1 – Não tendo a Relação fixado o valor do processo, como já não o havia feito o Tribunal de primeira instância, a despeito do determinado no número 3 do artigo 98º-P do Código de Processo do Trabalho, verifica-se omissão de pronúncia geradora de nulidade, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, como, aliás, já foi decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 08-05-2019, proferido no processo 714/15.0T8BRR.L2. S1, in dgsi.pt;

2 – Sendo que os autos contêm os elementos suficientes para fixar valor ao processo superior à alçada da Relação, de acordo com os critérios dos artigos 296º e seguintes do Código de Processo Civil;

3 – Sabendo que a revista excecional, além dos requisitos que constam do artigo 672º do Código de Processo Civil, tem de cumprir todos os requisitos que fundam a revista normal, apenas se distinguindo por incidir sobre acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão de primeira instância, a questão do valor não é de somenos importância, pelo que qualquer decisão, seja qual for o fundamento, que não seja a da fixação de valor superior ao da alçada da Relação, de acordo com os elementos já constantes dos autos, seria desconforme com o consagrado constitucionalmente acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa);

4 – Mesmo fora das circunstâncias que permitem invocar o justo impedimento, à entrega de peças processuais e documentos sem cumprimento dos requisitos do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto, ex vi artigos 144º, número 1, e 132º, número 1, ambos do Código de Processo Civil, não é reservada qualificação mais gravosa do que a de mera irregularidade pela generalidade da doutrina;

5 – Verifica-se contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19-06-2019, no processo 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1, já transitado em julgado (in dgsi.pt);

6 – No segundo é enfatizando o dever especial da secretaria de submeter a despacho os actos cuja legalidade da junção suscite dúvidas (número 2 do artigo 162º do Código de Processo Civil), não podendo as partes ser prejudicadas pelos seus erros ou omissões (número 6 do artigo 157º), ao passo que na decisão recorrida foi absolutamente ignorada essa obrigação, sendo que no caso dos autos, tendo a entidade patronal sido notificada para juntar a motivação do despedimento e procedimento disciplinar no prazo de quinze dias na data de 09-07-2018, logo o fez na data de 13-07-2018, pelo que, recusada pela secretaria a junção do último nos termos em que foi feita, muito tempo ainda teria a recorrente para o fazer de acordo com a forma legalmente prescrita;

7 – A divergência acentua-se no que toca ao tratamento e consequências do comportamento do juiz, atento os princípios da confiança, cooperação e dever de boa-fé processual (artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil), dado que no acórdão fundamento é entendido que a admissão do recurso “gerou um justificado clima de confiança de que tudo estava sanado, ou seja, que o modo de apresentação dos atos relativos ao recurso estava ultrapassado”, sendo que no acórdão recorrido foi absolutamente negligenciado o facto de a Senhora Juíza de primeira instância não só não ter de imediato dado cumprimento ao disposto nas alíneas do número 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho, como ainda, já posteriormente aos articulados, ter notificado a recorrente para aperfeiçoar o articulado de motivação do despedimento, questão claramente a jusante da putativa não entrega do procedimento disciplinar;

8 – A contradição entre o acórdão fundamento e o recorrido culmina no entendimento expresso no primeiro, a par com a generalidade da doutrina, de que a falta de observância da forma na junção dos actos processuais (peças ou documentos, entenda-se) não pode conduzir a situações de bloqueio da realização da justa composição do litígio, ao passo que no acórdão recorrido convictamente é sustentada a posição segundo a qual “das duas uma: ou a parte enviou o documento nos termos legais ou não o fez e, nesse caso, é irrelevante e terá que arcar com as consequências da sua omissão;

9 – A Portaria n. º280/2013, de 26 de agosto, não estabelece qualquer tipo de sanção para a irregularidade resultante do envio do documento nos termos estabelecidos no número 3 do seu artigo 10º, em vez dos indicados no número 5, tal como o Código de Processo Civil, não estando em causa nulidade principal (artigos 196º e 198º) ou sequer secundária (artigos 195º, número 1, e 199º);

10 – O entendimento de que, sem mais, pode ser decretada a ilicitude de um despedimento por falta de junção do processo disciplinar quando o mesmo, ainda que incorretamente enviado, está junto, na sua integralidade, aos autos, é caucionar uma solução excessiva e desproporcionada, manifestamente denegando um processo equitativo;

11 – Têm-se por violadas as normas jurídicas constantes do artigo 98º- J, número 3, do Código de Processo de Trabalho, artigos 7º, 8º, 132º, número 1, 144º, número 1, e 195º, número 1, do Código de Processo Civil, 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, e 20º da Constituição da República Portuguesa, quando, no seu conjunto, interpretadas no sentido de equivaler à não junção aos autos do processo disciplinar que exceda a capacidade da plataforma CITIUS, com as necessárias cominações, apesar de naqueles o mesmo constar na sua integralidade, ainda que remetido pela entidade patronal por via eletrónica, em parcelas, sem que o juiz convide aquela a repetir a junção do documento pelos meios previstos no número 7 do artigo 144º.”

Foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho de 28.10.2020, o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso como revista excecional, mas determinou a sua apreciação como revista normal.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido da procedência da Revista.

Notificado o referido parecer às partes, não houve resposta.

A nulidade invocada – falta de fixação do valor da causa, foi reparada pelo Tribunal da Relação, tendo proferido despacho fixando o valor em 77.000 euros, pelo que fica prejudicada a apreciação da nulidade.

II. Fundamentação

Tal como resulta das conclusões do recurso de revista interposto que delimitam o seu objeto, a questão que importa apreciar é saber se a apresentação pela Ré do processo disciplinar da trabalhadora, AA, através de sucessivos requerimentos apresentados via Citius, no mesmo dia, está conforme o disposto no artigo 10º da Portaria nº 280/2013 na redação vigente em 13.07.2018 e, em caso negativo, qual a respetiva consequência legal.


Fundamentos de facto

Com referência ao recurso interposto pela Ré, foram dados como provados pelo Tribunal da Relação ... os seguintes factos decorrentes da tramitação processual (excluem-se os factos referentes aos outros dois recursos apreciados no mesmo Acórdão do Tribunal da Relação):

1.1 O despacho saneador

"I. Da falta de junção do procedimento disciplinar original relativamente à Autora AA:

Compulsados os autos de procedimento cautelar de suspensão de despedimento, propostos pela Autora AA, constata-se ter sido proferido despacho (constante da plataforma CITIUS com referência ...), determinando a notificação da Ré para juntar aos autos o procedimento formal de despedimento.

Devidamente notificada, a Ré não procedeu à referida junção.

Nos termos do disposto no art.º 98.°-J n.° 3 do Código de Processo do Trabalho:

3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.° do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

Relativamente à notificação a que alude a alínea c), resulta dos autos ter sido deduzida reconvenção pela Autora, pedido relativamente ao qual a Ré exerceu o contraditório.

Entende, assim, o tribunal que os direitos conferidos a ambas as partes se encontram assegurados com os elementos já carreados para os autos.

Em face do exposto, ao abrigo do citado preceito, o tribunal decide:

A. Declarar a ilicitude do despedimento promovido pela Ré contra a Autora AA;

B. Consequentemente, condenar a Ré na reintegração da Autora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

C. Condenar a Ré no pagamento à Autora das retribuições que esta deixou de auferir desde 06.06.2018, até trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das quantias já pagas, a liquidar em incidente próprio;

Custas a cargo da Ré (art. 527. ° do Código de Processo Civil).

Registe e Notifique".

1.2. 0 despacho proferido no dia 30.08-2019 (na parte em que em parte reparou a nulidade arguida pela autora)”.

"I. A MM.ª Juíza em sede de despacho saneador condenou a R. a reintegrar a A., em consequência da declaração da ilicitude do seu despedimento.

Efetivamente, a A. já tinha optado nos autos pela compensação em substituição da reintegração.

Assim, não podia a MM.a Juíza ter condenado na reintegração, como condenou.

Estamos perante a nulidade prevista no art.° 615.°, d), do CPC, que foi arguida em tempo e que importa que se profira despacho a que alude o art.° 617.°, n.° 1, do mesmo diploma legal.

Ora, na sequência do despacho saneador de fls. 574, importaria fixar a indemnização em, pelo menos, 30 dias de retribuição base.

Conforme resulta da matéria constante do art.° 152.°, da Contestação aperfeiçoada, e do art.° 99.°, da Réplica, está em causa qual o valor da retribuição base da A.

Note-se que a A. considera para este efeito a quantia global de 2.110,91 €, certo sendo que a R. alega que, desde 2012, aquela deixou de auferir o subsídio de 271,53 € (que, segundo a A., era recebido 11 vezes ao ano e tinha relação com a sua prestação de trabalho).

Finalmente, estão em discussão factos que se prendem com as consequências da atuação da R. e sua decisão na vida da A. e que relevam para a graduação do grau de ilicitude.

Julgamos, assim, que o tribunal não se encontra, ainda, apto a graduar o montante da indemnização, tendo por referência os 30 e os 45 dias.

De facto, a A. pede que se gradue a indemnização em 45 dias (ou seja, o máximo previsto por lei).

Entendemos, desta feita, que o estado dos autos não nos permite determinar nem o valor base da retribuição da A. à datada do despedimento, sem a efetiva gravidade e grau de ilicitude do seu comportamento e culpa do agente vertida na ação.

II. Desta feita, julgando a procedência da arguida nulidade, decido:

a) dar sem efeito a condenação da R. na Reintegração da A.;

b) relegar para sentença a fixação da indemnização em substituição da reintegração;

c)em tudo o mais, manter o decidido".

1.5 Da audiência de partes (ação intentada pela autora AA:

ACTA DE AUDIÊNCIA DE PARTES

Processo: 1812/18....

Acção Impugnação Judicial e da Regularidade e Licitude do Despedimento

Autora: AA

Réu: Rumo - Cooperativa de Solidariedade Social, CRL

Data: 09-07-2018, pelas 09h30

Juiz de Direito: Dr.a CC

Oficial de Justiça: DD

PRESENTES:

Autora: AA

Mandatária do Autora: Dr.a EE representante da Ré: FF e GG

Mandatário da Ré: Dr. HH

Declarada aberta a audiência pela Mm.ª Juiz de Direito quando eram 09h41, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Empregadora para os efeitos previstos no artigo 98.°-I, n.° 1, do Código de Processo de Trabalho, tendo o mesmo declarado que a Empregadora mantém a decisão constante dos autos.

Dada a palavra à Trabalhadora, pela mesma foi dito que mantém a intenção de impugnar o despedimento, por dele discordar.

*

Após, pela Mm.a Juiz de Direito foi tentada a conciliação das partes, o que não foi conseguido por ambas as partes manterem, no presente momento, posições inconciliáveis, pelo que, de seguida, proferiu o seguinte:

DESPACHO

'Frustrada a conciliação, aguarde-se que a Empregadora apresente, em 15 dias, articulado a motivar o despedimento, apresente o rol de testemunhas e requeira as demais provas sob pena da cominação a que alude o artigo 98°-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (condenação da Empregadora na reintegração do Trabalhador ou, em substituição, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano completo ou fração de antiguidade; no valor das retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; e ainda, notificação do Trabalhador, em data posterior, para, querendo, peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação).

Para realização da audiência final designa-se o próximo dia 6 de Novembro de 2018, pelas 09.30 horas, para prova da empregadora e o dia 7 de Novembro pelas 09:30 horas para a prova da trabalhadora, (sem prejuízo das testemunhas comuns serem inquiridas na data em que se apresentarem), datas e horas em que as partes deverão comparecer pessoalmente ou, no caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por Ilustre Mandatário com poderes de representação, para confessar, desistir e transigir, sob pena de se considerarem provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso ou, no caso de ambas faltarem injustificadamente e não se fazerem representar por Mandatário Judicial, se julgarem provados os factos alegados pelo Trabalhador que sejam pessoais do Empregador.

Se alguma ou ambas as partes se fizerem representar por Mandatário Judicial, será ordenada a produção de prova admitida nos autos e a demais indispensável à decisão da causa, julgando-se a causa conforme o direito (cfr. artigo 71.°, n.ºs 2 a 4, do Código de Processo do Trabalho, aplicável ex vi do artigo 98.°-M, n.° 1, do mesmo diploma).

                                                                       *

Do despacho que antecede todos os presentes foram notificados, tendo a Mm.a Juiz declarado encerrada a audiência quando eram 09h43".

Da tramitação dos autos, resulta ainda, com relevo para a presente decisão que:

- No dia 13.07.2018, a Ré remeteu aos autos 8 requerimentos sucessivos nos seguintes termos:

- às 18h21m, um requerimento contendo o articulado motivador, documentos com os nºs 1 a 5 e as páginas 1 a 82 do procedimento disciplinar;

- às 18h34m, as fls. 83 a 220 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 83 a 220”;

- às 18h42m, as fls. 221 a 351 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 221 a 351”;

- às 18h48m, as fls. 352 a 480 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 352 a 480”;

- às 23h19m, as fls. 481 a 610 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 481 a 610”;

-às 23h25m, as fls. 611 a 671 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 611 a 671”;

-às 23h31m, as fls. 672 a 791 do procedimento disciplinar, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 672 a 791”;

-às 23h38m, as fls. 792 a 874 do procedimento disciplinar, relatório final e decisão de despedimento, com o seguinte fundamento “tendo apresentado articulado de motivação do despedimento desacompanhada da totalidade os documentos que formam o procedimento disciplinar, ultrapassando o mesmo, devido à dimensão do seu conjunto, o limite indicado no número 1 do artigo 10º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, vem nos termos dos números 3 e 4 do mesmo artigo requerer a junção aos autos dos ficheiros correspondentes a fls. 792 a 874, relatório final e decisão de despedimento”.

Fundamentos de direito

Tal como se referiu, importa apreciar se a apresentação pela Ré do processo disciplinar da trabalhadora, AA, através de sucessivos requerimentos apresentados via Citius, no mesmo dia, está conforme o disposto no artigo 10º da Portaria nº 280/2013 na redação vigente em 13.07.2018.

Prevê o artigo 98º- I, nº 4 do Código de Processo do Trabalho que:

Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz: a) procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

Prevê o artigo 98º- J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho que:

3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:

 a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.”

Resulta da tramitação processual que, no âmbito da ação de declarativa com processo especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a Ré/Recorrente não foi notificada, após a frustração da tentativa de conciliação, para juntar o processo disciplinar.

Com efeito, compulsado o processo principal e os apensos, verificamos que, apenas no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, foi a ali Requerida, ora Ré, notificada para juntar o original do processo  disciplinar, tendo procedido à sua junção através do sistema Citius, mas que veio a ser considerada  inadmissível pelo Tribunal a quo, decisão posteriormente confirmado por acórdão do Tribunal da Relação, tendo o juiz a quo naquele procedimento cautelar, considerado verificado o disposto no artigo 38.º nº 1 do Código de Processo do Trabalho.

O comportamento processual de uma parte, omitindo a junção de um documento num determinado processo – in casu, no procedimento cautelar - não poderá ter repercussões noutro processo, ainda que seja a ação principal.

Na verdade, a sanção para a não junção do processo disciplinar no âmbito de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento implica que o tribunal determine o decretamento da providência, ou seja, tem como consequência a prolação de uma decisão cautelar a determinar a suspensão do despedimento, enquanto numa ação de impugnação da regularidade do despedimento, a sanção será a declaração imediata e definitiva (sem prejuízo da possibilidade de recurso) da ilicitude do despedimento.

Não poderia, assim, o Tribunal de 1ª instância, aplicar nestes autos de ação de declarativa com processo especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento a cominação prevista no artigo 98º-J, nº 3 do CPT, com fundamento na não junção do processo disciplinar no âmbito de outro processo.

Sucede que, no acórdão recorrido, ignorando-se a questão supra referida, partiu-se do pressuposto de que a fundamentação da decisão do Tribunal de 1ª instância assentava na notificação efetuada na audiência de partes que teve lugar em 09.07.2018, tendo a Relação entendido que nessa notificação não se mencionava a junção do processo  disciplinar, concluiu que ocorreu omissão da notificação para junção do processo disciplinar nos autos principais, prevista no artigo 98º-I, nº 4 do Código de Processo do Trabalho, mas que tal configurava uma nulidade secundária que, por não ter sido oportunamente arguida, se devia considerar sanada.

Todavia, resulta da tramitação processual que, apesar de não ter sido notificada para o efeito, a Ré/Recorrente procedeu à junção aos autos do processo disciplinar instaurado à trabalhadora, AA, através de oito requerimentos sucessivos remetidos via Citius. Esta junção repartida teve como fundamento a dimensão da totalidade dos documentos que compunham o referido processo excedendo os 10 MB.

Vejamos o quadro legal.

Previa o artigo 10º da Portaria, na redação vigente à data da entrada dos requerimentos, com a epígrafe Dimensão da peça processual, que:

1 - A peça processual, ou o conjunto da peça processual e dos documentos, não pode exceder a dimensão de 10 MB.

2 - Nos casos em que o limite previsto no número anterior seja excedido em virtude da dimensão da peça processual, a sua apresentação, bem como dos documentos que a acompanhem, deve ser efetuada através dos meios previstos no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil.

3 - Nos casos em que o limite previsto no n.º 1 seja excedido em virtude da dimensão dos documentos, a peça processual deve ser apresentada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, devendo os documentos, no mesmo dia, ser apresentados pela mesma via, através de um único requerimento ou, quando tal não seja possível por desrespeitar o limite previsto no n.º 1, através do menor número possível de requerimentos.

4 - Quando a peça em causa seja uma petição inicial ou outro ato processual sujeito a distribuição, a apresentação dos documentos prevista no número anterior deve ser efetuada até ao final do dia seguinte ao da distribuição.

5 - Os documentos previstos nos nºs 3 e 4 que, por si só, desrespeitem o limite previsto no n.º 1 devem ser apresentados pelos meios previstos no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, no prazo de cinco dias após a entrega da peça processual, juntamente com o respetivo comprovativo de entrega disponibilizado pelo sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.

6 - Nas situações previstas nos nºs 2 e 5, não devem ser apresentados os duplicados ou cópias da peça processual ou dos documentos.

Consta do Preâmbulo da Portaria n.º 280/2013: Em segundo lugar, importa referir uma alteração ao regime da apresentação de peças processuais, nomeadamente quando a dimensão do conjunto formado pela peça e os documentos que a acompanham excede o limite de 3 Mb. Nestas situações, e caso o limite seja excedido não pela dimensão da peça, mas dos documentos que a acompanham, a peça deve ser apresentada por via eletrónica, tal como já hoje sucede, mas devendo os documentos ser igualmente enviados por via eletrónica, em requerimentos sucessivos. Estes requerimentos, que não podem exceder o referido limite de 3 Mb, devem ser apresentados no mesmo dia da peça processual a que respeitam, ou, caso esta seja uma petição inicial ou outra peça que deva ser distribuída, até ao final do dia seguinte ao da distribuição.” (sublinhado nosso).

Conjugando a teleologia da norma descrita no Preâmbulo com o disposto no artigo 10º e considerando, ainda, o disposto no artigo 144º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (que preveem a prática de todos os actos processuais por escrito por via eletrónica, incluindo os documentos, exceto quando o respetivo formato ou dimensão não permitirem tal envio) que impõe a apresentação das peças processuais através da plataforma de suporte aos tribunais, concluímos que:

- Em regra, a peça processual e os documentos que a acompanham devem ser apresentados num único requerimento, que não poderá exceder 10MB, por limitações do sistema (nº 1);

- Caso a peça processual em si mesma exceda desde logo os 10MB, a peça e os documentos devem ser apresentados através de uma das formas previstas no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil (até ao final do dia seguinte ao da distribuição, quando a peça processual seja uma petição inicial ou outro acto sujeito a distribuição) (nºs 2 e 4);

- Caso a peça processual não exceda os 10MB, mas o conjunto dos documentos com a peça implique a ultrapassagem de tal limite, impedindo assim apresentação de todos os documentos juntamente com a peça processual, deve a parte (i) apresentar a peça processual através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais; (ii) juntar os documentos, através daquele sistema informático, no mesmo dia, através de um único requerimento, ou quando tal não seja possível, subdividir o conjunto dos documentos em vários grupos, juntando-os através do menor número de requerimentos possíveis (nº 3);

- O documento que por si só tenha mais de 10 MB (e por isso não pôde ser apresentado com a peça processual respetiva) deve ser apresentado nos termos previstos no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, no prazo de cinco dias após a entrega da peça processual, juntamente com o respetivo comprovativo de entrega disponibilizado pelo sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (nº 5).

Assim sendo, neste contexto, constatamos que o legislador pretendeu que as peças processuais e os documentos sejam apresentados, em regra, através do sistema informático, ainda que com a apresentação de requerimentos sucessivos. Só assim não será se a peça processual em si mesma ultrapassar os 10 MB, que poderá ser apresentada juntamente com todos os documentos de outra forma legalmente prevista ou se um dos documentos em si mesmo ultrapassar aquele limite, caso este em que o documento deve ser apresentado numa das outras formas.

A teleologia da norma e a sua interpretação sistemática, em coerência com o ordenamento jurídico seu todo (os processos são eletrónicos, estando prevista como regra a prática dos actos através do Citius), leva-nos a concluir que o nº 5 do artigo 10º é essencialmente uma válvula de escape, com vista a impedir que o apresentante seja prejudicado pelas limitações próprias do sistema.

O recurso à possibilidade de utilização de outros meios para a entrega de peças processuais ou de documentos deve considerar-se reservada para a situações em que não seja mesmo possível efetuar a junção de um articulado ou documento através do sistema eletrónico de apoio aos tribunais ou quando tal junção colocasse em causa a perceção e legibilidade do documento pela sua dimensão ou formato. Não obstante, o juiz terá sempre a possibilidade de se entender que o acto processual deveria ser praticado através de outro meio para melhor análise/perceção, assim o determinar.

No caso em apreço, está em causa a apresentação do Processo Disciplinar pela Ré, contudo, ao contrário do que parece ter sido o entendimento Tribunal da Relação, não estamos perante a junção de um documento que em si mesmo exceda 10 MB.

O processo disciplinar não é um documento por si só, mas sim um conjunto complexo de um acervo documental variado que se articula e complementa, de forma sequencial e lógica, incluindo, em regra, uma nota de culpa, notificações, decisão final, autos de depoimentos e demais elementos instrutórios, entre outros. Sendo assim composto por vários documentos que poderiam, por isso, ser divididos em grupos de documentos, tal como foi feito pela Ré.

Deste modo, concluímos que a Ré andou bem quando apresentou sucessivos requerimentos com os vários documentos que compunham o processo disciplinar, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 10º, nº 5 da Portaria nº 280/2013.

Mas, mesmo que se considerasse o processo disciplinar como um documento só, ainda assim não podemos concordar com o acórdão recorrido, pois, estando o processo disciplinar junto aos autos repartido por vários requerimentos, ficcionar que o mesmo não havia sido apresentado, só porque não o foi em papel junto da secretaria, ou enviado por telecópia, é contrário aos interesses da justiça, por dar prevalência a uma justiça formal em detrimento da justiça material.

Na verdade, aplicar neste caso a cominação prevista, no artigo 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, quando a teologia da norma que impõe a junção do processo disciplinar se encontra manifestamente salvaguardada, afigura-se nos irrazoável.

A Portaria nº 280/2013 assenta no pressuposto de que o processo é eletrónico e que os actos devem ser apresentados em juízo por via eletrónica, só podendo sê-lo de forma distinta, quando tal se mostre impossível por limitações do próprio sistema, in casu, o limite de 10 MB.

Deste modo, caso a Ré tivesse apresentado o processo disciplinar em papel ou por fax, in casu, teria a própria secretaria de o digitalizar e inserir no Citius (artigo 144.º, nº 11 do CPC), tal como sucedeu quando, com referência ao trabalhador BB, o Tribunal de 1ª instância determinou a junção do original do processo disciplinar.

Existiriam assim duas medidas nestes autos, gerando uma desigualdade no seu âmbito, a saber: a Ré juntou quanto a ambos os trabalhadores os respetivos processos disciplinares via Citius, em sucessivos requerimentos. Contudo, quanto ao trabalhador BB foi determinada a junção do original, mas quanto ao processo da AA não foi proferido qualquer despacho a determinar a junção do original, tendo depois sido considerado que o processo não estava junto aos autos.
O comportamento processual da Ré, ainda que pudesse ser considerado como falha processual, que não se admite, não comprometeu de forma significativa a regularidade processual, motivo pelo qual sancioná-lo com a gravidade como o foi – como se tivesse sido omitido ato de junção do processo disciplinar - colocaria em causa o direito a uma efetiva tutela jurisdicional e o direito a um processo equitativo[1].[2]
Se o Tribunal entende que o acto processual deve ser praticado através de outro meio, deve convidar a parte nesse sentido.

III. Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista interposta, revoga-se o acórdão recorrido, considerando admissibilidade da junção do processo disciplinar, relativo a AA, através dos sucessivos requerimentos apresentados em 13.07.2018, via Citius.

Custas pela Ré/recorrida.

STJ, 22 de fevereiro de 2022.

Maria Paula Sá Fernandes (Relatora)

Leonor Cruz Rodrigues     

Pedro Manuel Branquinho Dias


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[1] Neste sentido, embora com referências em situações inversas, em que o acto processual foi indevidamente praticado em papel ou através de e-mail ao invés de o ser através do sistema Citius, vide, entre outros:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.06.2021 proferido no processo nº 290/07.8GBPNF-G.P1.S1, com abundantes citações doutrinárias e jurisprudenciais,  disponível em www.dgsi.pt.
- Acórdão do Tribunal Constitucional nº 174/2020 que decidiu “ a) Julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível” disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200174.html e o  Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/20 disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200268.html

[2] O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 355/2009 de 08.07.2009 citado pelo Tribunal da Relação no Acórdão recorrido não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, tendo sido emitido no âmbito de um recurso interposto pelo Ministério Público face à recusa de um magistrado em aplicar a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro, no sentido de ser imposta a prática dos actos processuais dos mandatários judiciais em processo civil através do sistema informático CITIUS, sob pena de irrelevância processual, devendo ser esta a dimensão normativa cuja constitucionalidade cumpre verificar.