Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3158/16.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL
CONDUTOR DO VEÍCULO ACIDENTADO COM UMA TAXA DE ÁLCOOL SUPERIOR À PERMITIDA POR LEI
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / SENTIDO NORMAL DA DECLARAÇÃO / NEGÓCIOS FORMAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1 E 238.º, N.º 1.
REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25/10, NA REDACÇÃO DADA PELO DL N.º 249/99, DE 07/07: - ARTIGOS 7.º, 10.º E 11.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 01-03-2016, PROCESSO N.º 1/12.6TBALD.C1.S1;
- DE 10-03-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-03-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-09-2018, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – No caso, acha-se provado que o condutor do veículo pertencente à autora, que havia celebrado com a ré contrato de seguro do Ramo Automóvel, abrangendo danos próprios resultantes da circulação daquele veículo, apresentava, no momento do acidente, uma taxa de álcool de 0,61 TAS.

II – Das condições gerais daquele contrato faz parte a cláusula 4ª, al.c), que exclui a responsabilidade da seguradora nos casos de «sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álccol no sangue igual ou superior à legalmente permitida …».

III - Tratando-se, como se trata, de uma cláusula geral inserida num contrato de adesão, como é manifestamente o contrato dos autos, é susceptível de interpretação em conformidade com as regras gerais dos arts.236º e segs., do C.Civil, embora com as especificidades decorrentes dos arts.7º, 10º e 11º, do regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do DL nº446/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL nº249/99, de 7/7.

IV - Tal interpretação deve pautar-se pela denominada teoria da «impressão do destinatário», segundo a qual prevalece «o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (cfr. o art.236º, nº1, do C.Civil).

V - E como estamos perante um contrato formal, a declaração negocial só pode valer com um sentido que tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o art.238º, nº1, do C.Civil).

VI - Atendendo aos referidos critérios legais, não se nos afigura duvidoso que o sentido normal, apreendido ou extraído por um declaratário medianamente instruído colocado na posição da segurada, da expressão «sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida», é o da verificação objectiva de uma taxa daquele valor no momento do acidente e na pessoa do condutor.

VII - Na verdade, o sentido de se exigir o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l e o sinistro, não encontra o mínimo de correspondência na letra da referida cláusula.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.
Na Secção Cível da Instância Local da Comarca de Lisboa, AA Lda, propôs acção com processo comum contra BB, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 35.393,06, acrescida de juros legais, desde a citação, a título de indemnização por danos, decorrentes de acidente de viação, sofridos por veículo propriedade da A. e naquela segurado.
A ré contestou, alegando achar-se excluída a responsabilidade a si imputada, concluindo pela improcedência da acção.
Após resposta da autora, foi proferido despacho saneador, tendo-se, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a ré no pagamento à autora da indemnização, a título de danos patrimoniais, no montante de € 35.393,06, acrescida dos respectivos juros legais, desde a citação até integral pagamento.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo, então, sido proferido o Acórdão da Relação de fls.144 a 147, que, concedendo provimento ao recurso, decidiu revogar a decisão recorrida e julgar a acção improcedente.
Inconformada, a autora interpôs recurso de revista daquele acórdão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:
1° No dia ../../2015, cerca da 1.30 h (hora portuguesa), no ramal de ligação, de sentido único, à estrada N-620, ao Km 350,087, sentido Portugal - ......, em Fuentes de ....., Ciudad ....... Salamanca, em Espanha, ocorreu um acidente de viação, conforme declaração amigável da ocorrência (doc. 1 junto com a p.i.).

2° No local do acidente a via configura uma recta que antecede uma curva à esquerda onde existe um talude de pedra, atento o sentido de marcha do veículo infra identificado; ora, foi justamente nesse talude que se deu o embate.

3° No momento do acidente era noite e o piso estava seco.

4º No acidente foi interveniente o seguinte veículo:

- O veículo tractor de mercadorias de marca Scania, matricula 00-00-00, que tinha atrelado o semi-reboque de carga. marca Chereau, matricula 000000, com caixa frigorífica.

5º O veiculo A. era conduzido por CC, no interesse por conta da A., proprietária do tractor de mercadorias e do semi-reboque.

6° O referido veículo, constituído assim por tractor e semi-reboque, circulava no sentido Portugal - Ciudad .... no ramal de ligação à N-620, de sentido único destinado a pesados que pretendessem entrar na estrada N-620, sentido Portugal - Ciudad ....o, o que era ao caso, ao Km ------

7º Circulava na sua mão de trânsito, junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha.

8º Ao aproximar-se da curva, e pese embora seguisse a velocidade moderada, travou e o veículo ao pisar a berma entrou em despiste, e embateu com toda a lateral direita no talude de pedra.

9º Com o embate o semi-reboque ficou com a caixa frigorífica e o grupo de frio completamente danificados.

10º Os factos que consubstanciaram o acidente da presente acção causaram directa e necessariamente danos patrimoniais no veículo da A. e na carga que o mesmo transportava.

11º Como consequência directa e necessária do choque supra mencionado, no talude de pedra, o mesmo veículo, propriedade da aqui A., ficou danificado, sendo que o semi-reboque ficou completamente inutilizado.

12º Em consequência, e em resposta à participação efectuada a seguradora aqui R. comunicou à A., a 23/2/2015 o seguinte:

 - Recebemos a sua participação de sinistro com data de ocorrência a ../../.. ao abrigo da garantia de Danos Próprios.

 - Foi realizada uma peritagem na oficina AA Lda, para avariar quanto custaria reparar o seu veiculo.

 - O relatório de peritagem indica que o custo da reparação é de € 28.256,98 (vinte e oito mil duzentos e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), valor superior ao capital seguro que é € 27.151,16 (vinte e sete mil cento e cinquenta e um euros e dezasseis cêntimos).

 - Pelo motivo indicado, se viermos a concluir pelo enquadramento do sinistro, vamos indemnizá-lo em dinheiro.

 - Sempre que nos participa um acidente coberto pelo seu seguro, há uma parte do sinistro que pode ficar por sua conta - a franquia. O valor da franquia vem indicado nas Condições Particulares do seu seguro. Neste caso, a franquia é de € 543,02 (quinhentos e quarenta e três euros e dois cêntimos).

- O seu veículo, no estado em que ficou depois do acidente, foi avaliado em € 1.001 (mil e um euros) - o salvado.

- Assim, vamos pagar-lhe € 25.607,14 (vinte e cinco mil seiscentos e sete euros e catorze cêntimos) (capital seguro menos a franquia e o valor do salvado), se viermos a assumir o sinistro.

13º O que a A. aceitou.

14º Sucede que a R. em 30/3/2015 informou a A. que declinava a sua responsabilidade no pagamento dos danos resultantes do sinistro, que desde logo lhe foram reclamados.

15º Alegando que o condutor do veiculo apresentava uma taxa de álcool superior à permitida por lei.

16º O que a A. não aceitou.

17º Além dos referidos danos a A. ficou privada do uso do veículo, que utilizava diariamente na prossecução da sua actividade, que é o transporte rodoviário de mercadorias, e que ascendiam a € 9.785,92, à data em que a R. declinou a sua responsabilidade, prejuízo que tem sido suportado pela A.

18º O referido montante foi alcançado através do número de dias de paralisação do veículo, calculados desde a data do acidente, de ../../.. até à data em que a R. declinou a sua responsabilidade, a 30/3/2015, à razão de € 184,64 por dia (53 dias x € 184,64). A quantia diária indicada foi despendida pela A. para substituição do veículo aqui em causa, e que era essencial ao exercício da sua actividade.

19º O condutor do veículo apresentava, no momento do acidente, uma taxa de álcool superior à permitida por lei (0,61 TAS).

2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

A- No acórdão aqui sindicado foi revogada a decisão da 1.ª instância que condenou a ora Recorrida, Seguradora, no pagamento à ora Recorrente, Segurada, da indemnização no montante de €35.393,06 (trinta e cinco mil trezentos e noventa e três euros e seis cêntimos) acrescida dos respectivos juros legais, desde a citação até integral pagamento, a título de danos patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido a 06 de Fevereiro de 2015.

B- No entendimento da Recorrente o acórdão é incompreensível, decidindo pela aplicação de uma orientação à situação aqui em discussão de forma injustificada e que é aqui inaplicável, e incorrendo na violação da Lei, em erro na interpretação e aplicação do direito, revelando-se assim manifestamente injusto e desproporcionado.

C- Em 1.ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:

(…)

D- Referindo e concluindo a sentença o seguinte:

- “O acidente em causa resultou do facto de o condutor do pesado, pese embora seguisse a velocidade moderada, não ter conseguido evitar o embate no talude de pedra, pontiagudo, e com isso deu causa aos danos que se vieram reclamar.”

- “As condições físicas e psicológicas em que o condutor se encontrava naquele momento, pese embora a taxa de álcool de que era portador, não lhe permitiram evitar o acidente, não lhe tendo provocado aquela, uma diminuição das capacidades de vigilância e de reflexos e tempos de reacção, não provocando ainda, perda ou diminuição substancial da sua capacidade de percepção visual, auditiva e de concentração.”

- “Não está demonstrado o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, pois, tais efeitos do álcool no sangue do condutor não fizeram com que o mesmo não conseguisse manter o domínio sobre a trajectória do veículo.”

 - “Os danos sofridos e aqui reclamados são consequência do embate no talude de pedra, devido à configuração da via, que o condutor não conseguiria evitar mesmo sem taxa de alcoolemia, e consequentemente abrangidos pela apólice referida supra.”

Do que resultou a condenação da Recorrida!

E- A contrario no acórdão aqui em discussão entendeu-se que uma vez demonstrado apresentar o condutor do veículo segurado uma taxa de álcool superior à permitida por Lei, opera, sem necessidade de se provar o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente, a exclusão prevista na clausula 4.ª, n.º 1 c) das Condições Especiais da apólice, da qual consta o seguinte: “para além das exclusões previstas na cláusula 5ª, aplicáveis às coberturas facultativas, ficam ainda excluídos, os sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida(…).” Argumentado que a referida orientação jurisprudencial dominante, segundo a qual não é necessário provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente, em matéria de direito de regresso contra o condutor do veículo, é inteiramente aplicável à situação em análise.

F- Ora é justamente este o cerne da discordância.

G- Em primeiro lugar, trata-se de igual forma situações completamente distintas. Por outro lado, o referido entendimento não é unânime, isto é, mesmo depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/8, há mais de dez anos, há quem entenda que para operar o direito de regresso é necessário provar o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente, e há também que entenda que para operar o direito de regresso basta provar a condução sob o efeito do álcool no momento do acidente. Porém é uma situação completamente distinta da que aqui está em discussão.

H- No caso aqui em discussão temos uma relação contratual e por via dessa veio a ser demandada a seguradora. Isto é, foi entre as partes celebrado um contrato de seguro, em que para além do seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório, foi ainda incluída a cobertura de danos próprios, e foi invocando essa cobertura que a aqui Recorrente reclamou a reparação dos prejuízos decorrentes do acidente aqui em causa.

I- De onde, e para decidir qual é a interpretação que mais se justifica para a referida cláusula devemos socorrer-nos do disposto no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, do qual consta o seguinte: “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” E ainda, porquanto se trata de um contrato típico de adesão, nos termos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e a clausula aqui em discussão de uma clausula imposta pela Seguradora à Segurada sem qualquer negociação prévia, considerar que cabia à Recorrida o cumprimento dos deveres de comunicação e informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º do referido diploma, o que não resulta dos autos e não sucedeu de todo.

J- Além disso, deveria ainda ter-se aplicado o critério interpretativo fixado no artigo 237.º do Código Civil, que vai no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente: impõe-se como regra, o princípio in dúbio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações. Assim, se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas uma significação que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer – vide o Ac. do STJ de 20/10/2011, disponível em www.dgsi.pt.

K- Ora, o acórdão aqui em discussão além de decidir da forma incompreensível como fez, ainda violou o disposto no n.º 1, do artigo 236.º e o artigo 237.º do Código Civil, e o disposto nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

L- Em suma, perante a mencionada cláusula e o que se deixa exposto, é unânime que um qualquer declaratário normal e abstracto, não pode de todo concluir – em termos de normalidade – que a obrigação da seguradora deve ter-se logo por excluída logo que se verifique tão só o elemento objectivo relacionado com a detecção no condutor de uma taxa de alcoolemia superior a determinado valor máximo.

M- Além disso, é profundamente desequilibrado e manifestamente injusto, ponderando os interesses em causa e considerando que estamos no âmbito de uma relação contratual em que a Segurada se limita a aceitar as cláusulas que lhe são impostas, não tendo alternativa, que neste caso concreto em que o acidente e os danos deles decorrentes são consequência do embate no talude de pedra pontiagudo, que o condutor, pese embora seguisse a velocidade moderada não conseguiu evitar, isto é, em que a existência de álcool no sangue não teve qualquer influência no produção do sinistro, seja excluído do âmbito do referido contrato. Veja-se também neste sentido o Ac. do STJ de 27/10/2009, disponível em www.dgsi.pt.

N- E ainda o vertido no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 28/09/2015. Que refere e conclui, o que se entende ser inteiramente aplicável aos presentes autos, que numa situação em que a condução sob o efeito do álcool foi irrelevante para a ocorrência do sinistro: O risco assumido pela A. não foi afectado no caso concreto, pela mencionada actuação do R.. Não há qualquer situação de causalidade entre um e outro. E a mencionada cláusula de exclusão, assim como o direito de regresso por indemnização paga só têm razão de ser quando resulte que o estado de embriaguez tenha, concretamente, aumentado o risco da seguradora ou do obrigado ao pagamento da indemnização, por ter facilitado, contribuído para a ocorrência do sinistro. Aliás, esta é a interpretação que um declaratário normal colocado na posição do Apelante, daria a tal cláusula. A situação tem de ser objectivamente apreciada e não a conjectura de que essa condução era susceptível de causar um acidente, mas não causou. Este teve uma etiologia a que aquela situação é inteiramente alheia.

O- De onde, somos forçados a concluir que é da mais elementar justiça a revogação do acórdão aqui recorrido.

Nestes termos e nos melhores de direito supridos, deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se o acórdão recorrido nos termos pretendidos.

2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1.Foi efectuada uma apreciação correcta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento;

2.Foi na prova produzida nos presentes autos que os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores se alicerçaram para poder formar um juízo quanto à prova dos factos em discussão nos presentes autos;

3.Tratou-se antes de um juízo adequado, realista e concreto da prova que se produziu, presencialmente, na audiência de discussão e julgamento;

4.Para além de resultar inequívoco que o condutor do veículo seguro conduzia sob o efeito de uma TAS positiva, correspondente a 0,61 g/I [19° facto provado].

5.nos termos e para efeitos das Condições Especiais da Apólice, na Cláusula 4ª, n.0 1 - c) que "Para além das exclusões previstas na Cláusula 5ª das Condições Gerais aplicáveis às coberturas facultativas, ficam ainda excluídos, os sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida".

6.O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ proferido em 28.11.2013 no processo nº 995/10.6TVPRT, disponível em www.dgsi.pt, veio afastar definitivamente as dúvidas existentes em torno da norma em apreço, ao decidir que "o artigo 27°, nº 1, alinea c) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente".

7.Tal como foi decidido no douto Acórdão tal entendimento é inteiramente aplicável ao caso dos autos, mostrando-se excluído, por força do clausulado da apólice, a responsabilidade da ora recorrida.

2.4. No acórdão recorrido considerou-se que a questão a decidir se centra na apreciação da responsabilidade da ré Seguradora pelos danos decorrentes do acidente em causa.

Tal questão foi aí decidida com base na seguinte argumentação:

«Sustenta a apelante que, uma vez demonstrado apresentar o condutor do veículo segurado uma taxa de álcool superior à permitida por lei, opera, sem necessidade de se provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente, a exclusão prevista na cláusula 4°, nº1 c), das Condições Especiais da apólice.

 Essa tem sido, efectivamente, a orientação jurisprudencial dominante, em matéria de direito de regresso contra o condutor do veículo, na sequência da entrada em vigor do Dec-Lei 291/2007, de 21/8.

 "O artigo 27°, nº1, alínea c) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto. atribui à entidade seguradora (direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob efeito do álcool e o acidente" (ac. STJ, de 28/11/2013 - Proc.  995/10.6TVPRT).

“Não é exigível o nexo de causalidade entre a alcoolemia e os danos: à seguradora basta alegar e demonstrar a taxa de alcoolemia do condutor na altura do acidente, sendo irrelevante a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente, ou seja, os factos em que se materializa a influência do álcool na condução e que eram relevantes na vigência do DL nº 522/85, de 31-12, na interpretação do AUJ nº 6/2002” (ac. STJ, de 9/10/2014 - Proc. 582/11.1TBSTB.E1.S1).

“Com o artigo 27º nº1 alínea c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, o direito de regresso basta-se - para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida, deixando de ser relevante a questão de saber se, no caso concreto, influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente” (ac. TRL, de 4/2/2016 - Proc 2559-13.3TBMTJ.L1).

No caso, acha-se provado que o condutor do veículo segurado apresentava, no momento do acidente, uma taxa de álcool (0,61 TAS), superior à legalmente permitida.

Resultando da cláusula 4°, nº1 c), das Condições Gerais da apólice (fls. 44) que, para além das exclusões previstas na cláusula 5ª, aplicáveis às coberturas facultativas, se acham também daquela excluídos os sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida.

Entendendo-se ser a aludida orientação inteiramente aplicável à situação em análise, se haverá, assim, de concluir, ao invés do decidido, mostrar-se excluída, por força do clausulado na apólice, a responsabilidade da apelante - procedendo as alegações respectivas».

Segundo a recorrente, a referida orientação jurisprudencial dominante não é inteiramente aplicável à situação em análise, onde temos uma relação contratual e há que apurar qual é a interpretação que mais se justifica para a cláusula de exclusão em causa, à luz dos arts.236º a 238º, do C.Civil, e dos arts.5º e 6º, do DL nº446/85, de 25/10.

Concluindo a recorrente que, perante tal cláusula, é unânime que um qualquer declaratário normal e abstracto, não pode de todo concluir que a obrigação da seguradora deve ter-se logo por excluída logo que se verifique, tão só, o elemento objectivo relacionado com a detecção no condutor de uma taxa de alcoolemia superior a determinado valor máximo.

Deste modo, enquanto no acórdão recorrido se entendeu que a cláusula excludente da responsabilidade da seguradora opera uma vez demonstrado apresentar o condutor do veículo uma taxa de álcool superior à permitida por lei, sem necessidade, pois, de se provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente, a recorrente considera que, por via da interpretação da referida cláusula, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não pode de todo concluir nesse sentido.

Assim, a questão essencial que importa apreciar no presente recurso consiste em saber qual a interpretação a atribuir à cláusula geral do contrato de seguro em causa, que exclui a responsabilidade da seguradora.

Vejamos.

Dir-se-á, antes do mais, que, apesar de não constar da matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que a autora e a ré celebraram, entre si, um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice nº 3300001233, por via do qual a ré Seguradora assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do atrelado de matrícula SE-2038, abrangendo a cobertura de danos próprios.

As partes estão de acordo nessa matéria e foi junto aos autos o respectivo documento comprovativo (cfr. fls. 44).

Das condições gerais daquele contrato faz parte a cláusula 4ª, al.c), do seguinte teor:

«Para além das exclusões constantes da cláusula 5ª das Condições Gerais da ASORCA, que não tenham sido derrogadas e que são aplicáveis às coberturas facultativas, ficam também excluídas:

(…)

c) Sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida ou conduza sob o efeito de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos ou em estado de demência ou cegueira».

Como se refere no recente Acórdão do STJ, de 18/9/18, in www.dgsi.pt, a propósito de cláusula semelhante, a questão de saber se é exigível o já referido nexo de causalidade não é nova e tem vindo a originar entendimentos diversos na jurisprudência, embora a mais recente do STJ se venha a afirmar no sentido de, para a exclusão da cobertura do seguro, não ser exigível aquele nexo.

É certo que a solução de tal questão passa pela interpretação da aludida cláusula contratual geral do contrato de seguro celebrado pelas partes.

Tratando-se, como se trata, de uma cláusula geral inserida num contrato de adesão, como é manifestamente o contrato dos autos, é susceptível de interpretação em conformidade com as regras gerais dos arts.236º e segs., do C.Civil, embora com as especificidades decorrentes dos arts.7º, 10º e 11º, do regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do DL nº446/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL nº249/99, de 7/7.

Sendo assim, tal interpretação deve pautar-se pela denominada teoria da «impressão do destinatário», segundo a qual prevalece «o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (cfr. o art.236º, nº1, do C.Civil).

E como estamos perante um contrato formal, a declaração negocial só pode valer com um sentido que tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o art.238º, nº1, do C.Civil).

Deste modo, o sentido a extrair deve ser aquele que um declaratário normal, colocado na posição da segurada, deduzisse do texto da cláusula em questão, conquanto nele tenha um mínimo de correspondência.

Atendendo aos referidos critérios legais, não se nos afigura duvidoso que o sentido normal, apreendido ou extraído por um declaratário medianamente instruído colocado na posição da segurada, da expressão «sinistros ocorridos quando o condutor apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida», é o da verificação objectiva de uma taxa daquele valor no momento do acidente e na pessoa do condutor.

Na verdade, o sentido de se exigir o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l e o sinistro, não encontra o mínimo de correspondência na letra da cláusula.

O que esta estabelece é um nexo entre a ocorrência do sinistro e o facto de o condutor ser portador de um grau de alcoolemia no sangue igual ou superior ao legalmente permitido.

Caso em que se tem por excluída a cobertura do seguro, bastando, pois, à seguradora alegar e provar aquele nexo, não se exigindo que esta prove, ainda, o nexo causal especificamente naturalístico entre o grau de alcoolemia e o resultado verificado (sinistro).

É reconhecida a dificuldade desta prova específica por parte das seguradoras, bem se compreendendo que estas procurem excluir a cobertura do seguro nos casos em que se verifique uma coincidência temporal entre o sinistro e o estado de alcoolemia do condutor.

Como se diz no Acórdão do STJ, de 10/3/16, in www.dgsi.pt, «E compreende-se que assim seja: o sentido útil da cláusula é não fazer repercutir sobre a seguradora, no domínio de um seguro (…) facultativo, o agravamento desmesurado do risco de acidente associado a alguém caçar (ou conduzir, dizemos nós) com alcoolemia superior ao máximo legalmente permitido, e não também exigir – sabe-se lá que manancial informativo poderia a seguradora dispor a esse respeito – que alegue e, sobretudo prove, terem sido os efeitos associados à alcoolemia concretamente detectada que originaram ou justificaram o acidente, probatio diabólica que já se havia revelado injusta, ao tempo da alteração, no exercício judicial do direito de regresso da seguradora automóvel perante o condutor causador do  do art.563ºdo DL nº522/85, de 31 de Dezembro».

Consideramos, pois, que um declaratário normal, identificado como alguém normalmente diligente, sagaz e experiente, colocado perante a declaração negocial em causa, não podia deixar de entender que, verificando-se o circunstancialismo de facto aí descrito, nomeadamente quando o condutor, aquando do sinistro, apresentasse uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida, se encontrava excluída a cobertura do sinistro (cfr. o citado Acórdão do STJ, de 18/9/18).

E como se refere no Acórdão do STJ, de 8/3/18, in www.dgsi.pt, «Trata-se, por conseguinte, de uma cláusula que, nos limites da liberdade contratual, densifica, em termos razoáveis, o ónus probatório que incumbe à seguradora sobre a verificação da causa de exclusão de cobertura do seguro (…)».

Cita-se aí, ainda, o Acórdão do STJ, de 1/3/16, proferido no processo nº1/12.6TBALD.C1.S1, onde se considera que: «(…) a cláusula de exclusão não exige a prova do nexo de causalidade entre o acidente mortal e o consumo de álcool, bastando que estes dois factos estejam associados em termos de coincidência temporal, o que se demonstrou, e não que o acidente tenha a sua causa naturalística, ou em termos de adequação ou de probabilidade, para o efeito do art.563º do CC, no consumo de álcool».

Ora, no caso dos autos, o que se provou, a esse respeito, foi o seguinte:
1° No dia ../../.., cerca da 1.30 h (hora portuguesa), no ramal de ligação, de sentido único, à estrada N-620, ao Km 350,087, sentido Portugal - Ciudad ....o, em F...., Ciudad..... S..., em Espanha, ocorreu um acidente de viação, conforme declaração amigável da ocorrência (doc. 1 junto com a p.i.).

2° No local do acidente a via configura uma recta que antecede uma curva à esquerda onde existe um talude de pedra, atento o sentido de marcha do veículo infra identificado; ora, foi justamente nesse talude que se deu o embate.

3° No momento do acidente era noite e o piso estava seco.

4º No acidente foi interveniente o seguinte veículo:

- O veículo tractor de mercadorias de marca Scania, matricula 00-00-00, que tinha atrelado o semi-reboque de carga. marca Chereau, matricula 000000, com caixa frigorífica.

5º O veiculo A. era conduzido por CC, no interesse por conta da A., proprietária do tractor de mercadorias e do semi-reboque.

6° O referido veículo, constituído assim por tractor e semi-reboque, circulava no sentido Portugal - Ciudad ......no ramal de ligação à N-620, de sentido único destinado a pesados que pretendessem entrar na estrada N-620, sentido Portugal - Ciudad R...., o que era ao caso, ao Km ....,087.

7º Circulava na sua mão de trânsito, junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha.

8º Ao aproximar-se da curva, e pese embora seguisse a velocidade moderada, travou e o veículo ao pisar a berma entrou em despiste, e embateu com toda a lateral direita no talude de pedra.

19º O condutor do veículo apresentava, no momento do acidente, uma taxa de álcool superior à permitida por lei (0,61 TAS).

Dúvidas não restam, pois, que o sinistro ocorreu quando o condutor apresentava uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.

E como não vislumbramos razões para discordar do entendimento jurisprudencial seguido nos acórdãos do STJ atrás citados, entendemos que basta o coeficiente probatório revelado na coincidência temporal entre a ocorrência do sinistro e o facto de o condutor se encontrar, nesse momento, num estado de alcoolemia no sangue superior a 0.5 gramas por litro, para fazer operar a cláusula de exclusão em causa.

Daí que, tendo-se por excluído o acidente em questão do âmbito da cobertura do contrato de seguro, se imponha a confirmação do acórdão recorrido e, assim, a absolvição da ré do pedido.

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2017

Roque Nogueira (Relator)
Alexandre Reis
Pedro Lima Gonçalves