Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO TÍTULO EXECUTIVO FALTA DE TÍTULO OBRIGAÇÃO FUTURA EMPRÉSTIMO CONTRATO DE MÚTUO | ||
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Data do Acordão: | 06/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Os contratos de abertura de crédito são aqueles em que o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária, que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado, ficando obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respetivos juros e comissões. II – Nos termos do contrato, a CGD obrigou-se a colocar à disposição da embargante, Quinta do Solar, a quantia de € 1.850.000,00 sob a forma de abertura de crédito (ponto 3 dos factos provados). Em relação a este valor, a escritura pública de abertura de crédito contém apenas uma promessa de empréstimo, não constituindo, só por si, título executivo contra o creditado. III – Todavia, tendo a exequente entregue à executada, no ato da celebração do contrato de abertura de crédito, a quantia de € 185.000,00 (ponto 4 dos factos provados) e reportando-se a pretensão executiva a esta quantia, a obrigação exequenda, na parte em que visa o cumprimento coercivo da quantia de € 185.000,00, a título de capital, mostra-se constituída no título executivo e, como tal, este é exequível, nos termos do artigo 703.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. Quinta do Solar - Sociedade Imobiliária Lda., com sede em ……, AA e BB, residentes na Rua …, …, CC e DD, residentes na Rua …. e EE e FF, residentes na Rua …, vieram, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes foi instaurada por Caixa Geral de Depósitos S.A., com sede na …, em …, deduzir embargos à execução. Alegaram, em resumo, a ilegitimidade dos Executados, pessoas singulares, para os termos da execução, a inexequibilidade do título, por inexigibilidade da divida exequenda e por inobservância do benefício da excussão prévia, a ineptidão do requerimento executivo, por omissão de factos que expressem o incumprimento e a mora e a nulidade da cláusula 13ª do documento complementar à escritura, por abusiva e ilegítima. Concluíram pela extinção da execução. Contestou a Embargada por forma a contradizer a defesa dos Embargantes e a concluir, a final, pela improcedência dos embargos.
2. Considerando que os factos adquiridos nos autos permitiam, sem recurso a outras provas, conhecer das questões suscitadas pelos Embargantes, foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, dispôs designadamente a final: “(…) julgo procedente a exceção de inexequibilidade do título executivo e, em consequência, absolvo os embargantes da instância executiva e determino a extinção da execução”.
3. A Embargada apelou da decisão e por acórdão desta Relação foi ordenada a substituição da decisão recorrida por outra com vista ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
4. A Embargada juntou aos autos requerimento com vista ao aperfeiçoamento do requerimento executivo ao qual se seguiu saneador-sentença que dispôs designadamente a final: «(…) julgo procedentes os embargos de executado (…) e, consequentemente, determino a extinção da execução requerida por “Caixa Geral de Depósitos, S.A”.»
5. A Embargada recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação …, suscitando duas questões: (i) impugnação da decisão de facto e (ii) se o título dado à execução certifica com suficiência a obrigação exequenda, tendo o Tribunal da Relação, após ter indeferido a impugnação quanto à matéria de facto, decidido o seguinte: «Delibera-se, pelo exposto, na procedência parcial do recurso em: a) revogar a decisão recorrida; b) determinar a execução imediata da quantia de € 185.000,00; c) determinar que os embargos prossigam para liquidação da obrigação de juros, depois de convidada a Exequente, ora apelante, a indicar todos os pressupostos que, de acordo com o título, concorreram para o seu cálculo (taxas de juro aplicáveis, períodos sobre que incide a contagem dos juros capitalizados e respetiva base de incidência demonstrada com as taxas que justificam o cálculo e outros elementos considerados necessários); d) julgar, no mais, improcedentes os embargos. Custas pela Apelante e Apelados na proporção de ½».
6. Inconformados, os embargantes interpõem recurso de revista, em cuja alegação, formulam as seguintes conclusões: «A) Rebelam-se os ora Recorrentes contra o decidido no Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação …. em 21/05/2020, com enfoque na questão da execução imediata da quantia de € 185.000,00. B) Porquanto, o título dado à execução não certifica com suficiência a obrigação exequenda. C) A decisão judicial aqui sindicada apresenta-se contraditória e oposta a tudo quanto ressalta anteriormente dos autos e à boa aplicação do direito constituído. D) É que, anteriormente, mediante Acórdão do Tribunal da Relação …, datado de 6/12/2018, neste mesmo processo, ficou bem latente que a quantificação de reembolso, com origem no contrato de abertura de crédito, não resulta do título que documenta o contrato, mas dos instrumentos documentais que certificam a utilização do crédito, incumbindo ao exequente instruir o título executivo com tal documentação complementar, sem a qual o contrato não pode haver-se, por insuficiente, como título apto à realização coativa da obrigação. E) Como tal, determinou-se aí que fosse a Exequente convidada a aperfeiçoar o requerimento executivo com vista à junção da documentação que, assinada pelos recorridos demonstre as quantias pecuniárias por estes concretamente utilizadas para além da quantia entregue na data do contrato com a discriminação das respectivas datas e montantes. F) Porém, apesar do convite formulado pela 1ª instância em ordenação da decisão do tribunal superior, nada disso foi efectivamente feito. G) Tendo assim, de novo, o Juízo de Execução do Entroncamento concluído pela inexequibilidade do título oferecido à execução, julgando procedentes os Embargos e determinando a extinção da execução pela qual se peticionava a quantia exequenda de € 339.066,99. H) E a nosso ver bem, já que como resulta dessa decisão “(…) se é certo que na escritura pública fez-se constar a cedência, desde logo, pela exequente à sociedade executada do capital de € 185.000,00, considerando a posterior discriminação feita pela exequente/embargada das prestações vencidas e não pagas pela sociedade executada (prestações 14, 15, 16, 17, 19, 20 e 21), resulta que outras terão sido pagas”. I) Pelo que como fundamenta o Tribunal, “incumbia à exequente, para efeito de constituição válida, completa do título (complexo) em que se funda a execução, a junção do extracto da conta da sociedade executada, de onde se pudessem extrair os movimentos a débito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, vencidas e não pagas, e os movimentos a crédito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, por forma a extrair-se o valor vencido e não pago pela mutuária, ficando, então, o apuramento da exigibilidade dos demais valores reclamados apenas dependente de simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do contrato. De facto, tendo os executados/embargantes impugnado o valor da quantia exequenda e da mesma não ressaltando, por si só, do contrato de abertura de crédito, hipoteca e fiança e documento complementar, incumbia à exequente/embargada, na resposta ao convite dirigido pelo Tribunal e a fim de sustentar os valores que aí discriminou, proceder à junção do extracto de conta do empréstimo e de todos os documentos de débito emitidos a respeito do contrato em causa, cuja exigência probatória a mesma reconheceu ao incluir no texto do contrato a cláusula 17ª. nesse exacto sentido.” J) Sendo que o Acórdão recorrido, o qual revogou assim a decisão da 1ª. instância, contraria não só o que por si foi anteriormente decidido e que transitou em julgado – em violação do art. 625.º, do CPC – como vai contra a maioria da Jurisprudência, nos termos dos acórdãos referidos no corpo alegatório acima descrito, designadamente a doutrina plasmada no Acórdão 10/04/2018, tirado no Proc. n.º18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, em que foi Relator o Conselheiro Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt K) Se a configuração do título executivo como pressuposto processual não deixa dúvidas, sem embargo da sua articulação com o direito exequendo, quanto à certeza, à exigibilidade e à liquidez da prestação estamos diante condições qualificadas da acção executiva, constituindo mesmo requisitos autónomos da acção executiva quando não resultem propriamente do título executivo. L) In casu, inexiste título suficiente para a execução; a obrigação exequenda não se apresenta certa, líquida ou exigível. M) A exequente não alegou factualidade essencial de que depende a acção, designadamente datas de vencimento das obrigações, da mora ou incumprimento contratual, conforme anteriormente expresso nos Embargos deduzidos. A exequente não cumpriu convenientemente com o despacho-convite que lhe foi endereçado e o Acórdão recorrido posterga o que por si, anteriormente, ficara decidido. N) Com este enquadramento, entendemos que o Tribunal a quo violou e errou no que respeita à aplicação da lei de processo, para efeitos do que dispõe o art. 674.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C. O) A decisão recorrida não logrou a melhor subsunção fáctico-jurídica às normas dos artigos 703.º, n.º 1, alínea b), 707.º, 713.º, 716.º, n.º 1, 724.º, n.º 1, alíneas e), f) e h)., 726.º, n.º 5, 625.º, do CPC. P) Ademais, não se alcança qualquer fundamento quanto ao valor pelo qual foi determinada o a execução imediata, ou seja € 185.000,00. Q) Não ressalta o mesmo do título oferecido à execução, nem tampouco se extrai de qualquer documento mandado juntar e que inexiste nos autos. R) Não apenas impugnaram os Embargantes, na oposição à execução, o valor da quantia exequenda (v.g. artigo 38), como deflui dos autos que um manancial de prestações havia sido pago. S) Não podemos deixar de concordar com o Juízo de Execução do Entroncamento quando fundamenta que: “(…) considerando a posterior discriminação feita pela exequente/embargada das prestações vencidas e não pagas pela sociedade executada (prestações 14, 15, 16, 17, 19, 20 e 21), resulta que outras terão sido pagas. Ora, incumbia à exequente, para efeito de constituição válida, completa do título (complexo) em que se funda a execução, a junção do extracto da conta da sociedade executada, de onde se pudessem extrair os movimentos a débito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, vencidas e não pagas, e os movimentos a crédito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, por forma a extrair-se o valor vencido e não pago pela mutuária, ficando, então, o apuramento da exigibilidade dos demais valores reclamados apenas dependente de simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do contrato (…)”. T) Neste prisma, o Acórdão recorrido viola a lei substantiva, aqui para efeitos do art. 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC. Designadamente, por desaplicação da norma que respeita ao cumprimento das obrigações, estatuída no princípio geral vertido no n.º 1 do art.762.º, do Código Civil, a qual giza que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”. U) Fundamentos estes que devem suprimir da ordem jurídica o Acórdão recorrido, atenta a violação das mais básicas garantias e princípios gerais de Direito Executivo.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, como fez a 1ª instância, determine a inexequibilidade do título executivo e, bem assim, a extinção da acção executiva, com legais consequências.
Fazendo-se a acostumada Justiça!».
7. A recorrida, Caixa Geral dos Depósitos, apresentou contra-alegações, que aqui se consideram transcritas, em que pugna pela manutenção do decidido.
8. Sabido que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões, a única questão a decidir é a de saber se o título dado à execução certifica com suficiência a obrigação exequenda.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação A – Os factos As instâncias julgaram provados os seguintes factos: «1. "CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A." requereu execução para pagamento da quantia de € 339.066,99 contra "Quinta do Solar - Sociedade Imobiliária, Lda.", AA, BB, CC, DD, EE e FF. 2. No requerimento executivo, a quantia exequenda mostra-se liquidada da seguinte forma: Capital: € 218.119,66; Juros de 20/03/2012 a 21/04/2016: € 120.507,33; Comissões: € 440,00; Soma: € 339.066,99. 3. Para o efeito, apresentou como título executivo o contrato de "Abertura de Crédito Com Hipoteca e Fiança" celebrado com os executados por escritura pública no dia 29/11/2006, com referência interna PT ……..91, na qual, entre o mais, e com relevo consta o seguinte: «( ... ) pelo presente instrumento, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A." concede a QUINTA DO SOLAR - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA. (adiante designada parte devedora) um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de UM MILHÃO OITOCENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, importância de que esta se confessa desde já devedora. Tal empréstimo reger-se-á pelo estipulado no presente instrumento como pelas cláusulas constantes de um documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado. ( ... ) Mais disseram os segundos outorgantes que se constituem eles próprios e às respetivas mulheres como fiadores solidários e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa no âmbito do contrato de empréstimo aqui titulado, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos, dando, desde já, o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora e renunciando ao benefício do prazo previsto no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no artigo seiscentos e quarenta e dois do mesmo Código. ( ... )». 4. No documento complementar referido na escritura consta, entre o mais, e com relevo, o seguinte: «( ... ) Cláusula 2.ª (Prazos) ----- O presente contrato obedecerá aos seguintes prazos: a) Prazo de utilização (prazo durante o qual os fundos são colocados à disposição da parte devedora, vencendo-se juros e outros encargos): quarenta e oito meses, a contar desta data. b) Prazo de amortização (período em que haverá lugar à cobrança de prestações de capital e de juros e outros encargos): doze meses, a contar do termo do prazo de utilização. c) Prazo global: sessenta meses a contar desta data. Cláusula 3.ª (Utilização de fundos) ----- 1. a) Nesta data foi entregue à parte devedora a quantia de cento e oitenta e cinco mil euros, através de crédito lançado na conta de depósito a ordem adiante indicada para o serviço da operação. b) A restante parte do capital emprestado, no valor de um milhão seiscentos e sessenta e cinco mil euros, será também entregue por crédito na referida conta de depósito a ordem, por uma ou mais vezes, na sequência de vistorias a efetuar por parte da CAIXA e em função do grau de realização do investimento financiado, apurado em tais vistorias e segundo o critério da mesma CAIXA. c) Todavia, a importância correspondente aos últimos cinco por cento da quantia emprestada não será entregue sem que a parte devedora faca prova de haver sido feito o averbamento da construção no registo. 2. Outra condição necessária para a utilização dos fundos: Estar assegurado o pagamento do imposto selo correspondente. (...) Cláusula 6.ª (Pagamento dos juros e do capital) ----- 1. Antes do prazo de amortização, os juros serão calculados dia a dia sobre o capital em cada momento em dívida e liquidados e pagos, postecipada e sucessivamente, no termo de cada período de contagem de juros. Durante o prazo de amortização, os juros, calculados e liquidados nos mesmos termos, serão pagos em conjunto com as prestações adiante referidas. 2. Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre, iniciando-se o primeiro período na data deste contrato. 3. O capital será reembolsado em prestações trimestrais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no trimestre seguinte ao do final do prazo de utilização no dia correspondente ao da realização deste contrato e as restantes em igual dia dos trimestres seguintes. ( ... ) Cláusula 11.ª (Capitalização de juros) ----- A CAIXA terá a faculdade de, a todo o tempo, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida e passando aqueles a seguir todo o regime deste. (...) Cláusula 17ª (Meios de prova) ----- 1. Fica convencionado que o extrato de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CAIXA relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judicial dos créditos que deles resultarem em qualquer processo. 2. As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meio de prova das operações ou movimentos efetuados (...)». 5. Por escritos remetidos pela CAIXA aos executados, datados de 2012/02/04, sob o assunto: "Situação de incumprimento" Empréstimo n." PT ……93; PT …….91; PT ……...93; PT ……91, com relevo, consta o seguinte: «(...) Informamos que os processos relativos às responsabilidades em assunto, face aos atrasos verificados, foram afetos à Direção de Recuperação de Crédito. (...) Caso não se mostre liquidada a situação de atraso a breve prazo e não se perspetive uma solução com vista à sua total regularização, ver-nos-emos forçados ao envio dos processos para cobrança coerciva. ( ... )». 6. Por escritos remetidos pela Direção de Recuperação de Crédito aos executados, datados de 2013/01/21, sob o assunto: "Cobrança de Créditos por Via Judicial" Empréstimo n." PT …….93 - Dívida 1.256,17 euros, em 21-01¬2013; PT …….91 - Dívida 194.323,29 euros, em 21-02-2013; PT ……93 Dívida 1.347,19 euros, em 21-01-2013; PT …….91 - Dívida 249.939,58 euros, em 21-01-2013, com relevo, consta o seguinte: «( ... ) Atendendo a que todas as ações anteriormente desenvolvidas, no sentido de se recuperar a dívida extra judicialmente se mostraram infrutíferas, informamos V. Ex.ªs de que a Caixa Geral de Depósitos irá proceder à cobrança, através de ação judicial, das importâncias que lhe são devidas ( ... )». 7. Por escrito datado de 01/02/2013, a sociedade executada remeteu missiva à CAIXA, na qual constam os seguintes dizeres: «(...) Em resposta à vossa carta de 21/01/2013, vimos pela presente lamentar a nossa incapacidade para fazer face aos pagamentos que exigem. Em alternativa, vimos propor a V. Exªs que possam aceitar ativos desta sociedade que se encontram hipotecados à Caixa Geral de Depósitos, como forma de cumprir com as exigências e valores em causa. ( ... )». 8. Por escrito datado de 2013/02/05, a CAIXA remeteu escrito à sociedade executada sob o assunto: "V/Carta de 01-02-2013 Dação em Pagamento", na qual consta o seguinte: «(...) No seguimento da nossa reunião de 16-11-2012, bem como do teor da nº/carta c/ Ref. …../8, de 21-01-2013, informamos V. Ex.as que a Caixa não aceita a dação em pagamento dos bens hipotecados à CGD, pelo que reiteramos o teor da carta acima referida. ( ... )».
B – O Direito 1. Importa determinar, no caso vertente, se o contrato de abertura de crédito e o documento complementar junto ao requerimento executivo permitem afirmar que estamos perante um título executivo. A CGD deu à execução um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, exarado em 29/11/2006, pelo seu notariado privativo (artigo 3º, nº 1, al. b) do Código do Notariado aprovado pelo Dec.-Lei nº 207/95, de 14 de agosto) e documento complementar, nos termos da qual concedeu um empréstimo à embargante Quinta do Solar sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 1.850.000,00, importância de que esta se confessou devedora, de cujo pagamento os agora recorrentes, pessoas singulares, se constituíram fiadores solidários e principais pagadores, com juros indexados à taxa correspondente à Euribor a três meses, acrescida de um “spread” de 1,625%, ao ano, com o prazo de utilização de quarenta e oito meses a contar de 29/11/2006, durante o qual os fundos colocados à disposição do devedor venciam juros e outros encargos e com um prazo de amortização de doze meses a contar do prazo de utilização, durante o qual haveria lugar à cobrança de prestações de capital e juros e outros encargos, entregando à parte devedora, na data do contrato, através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem a quantia de € 185.000,00 e clausulando, em caso de mora, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza (…) acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano e a título de cláusula penal (pontos 3 e 4 dos factos provados e cláusulas 4ª e 13ª do documento complementar) e, fundada no incumprimento das “amortizações”, liquidou assim a quantia exequenda: “Capital: € 218.119,66; Juros de 20/3/2012 a 21/4/2016: € 120.507,33; Comissões: € 440,00; Soma: 339.066,99; a partir de 21/4/2016 exclusive, a dívida será agravada diariamente de € 68,65, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 11,316%.” A Caixa, convidada para proceder ao aperfeiçoamento do título, sem juntar aos autos qualquer documento adicional, veio justificar o pedido executivo, argumentando, que, para além da quantia de € 185.000,00, não entregou à mutuária qualquer outra quantia em capital e que de acordo com a cláusula 11ª do documento complementar procedeu à capitalização das prestações vencidas nºs 14 (junho/2010), 15 (setembro/2010), 16 (dezembro/2010), 17 (março/2011), 19 (20/6/2011), 20 (20/9/2011) e 21 (20/12/2011), no valor global de € 33.119,66, o qual adicionado à quantia de € 185.000,00 perfaz a quantia de € 218.119,66 peticionada a título de capital no requerimento executivo. O tribunal de 1.ª instância, depois de considerar insuficientes os elementos “trazidos aos autos para configurar a quantia em dívida de € 339.066,99 imediatamente exigível através da ação executiva”, decidiu não “estarem reunidos todos os requisitos do título compósito dado à execução”, concluindo pela inexequibilidade do título, determinando, em consequência, a extinção da execução, com os seguintes fundamentos: «Destarte, se é certo que na escritura pública fez-se constar a cedência, desde logo, pela exequente à sociedade executada do capital de € 185.000,00, considerando a posterior discriminação feita pela exequente/embargada das prestações vencidas e não pagas pela sociedade executada (prestações 14, 15, 16, 17, 19, 20 e 21), resulta que outras terão sido pagas. Ora, incumbia à exequente, para efeito de constituição válida, completa do título (complexo) em que se funda a execução, a junção do extracto da conta da sociedade executada, de onde se pudessem extrair os movimentos a débito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, vencidas e não pagas, e os movimentos a crédito, com indicação dos valores e datas das prestações acordadas, vencidas e pagas, por forma a extrair-se o valor vencido e não pago pela mutuária, ficando, então, o apuramento da exigibilidade dos demais valores reclamados apenas dependente de simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do contrato». Já o acórdão recorrido, em sentido diverso, entendeu que o presente contrato de abertura de crédito acompanhado do documento complementar, que certifica a entrega pela CGD da quantia de € 185.000,00, através de crédito lançado na conta de depósito a ordem da embargante Quinta do Solar, constitui título executivo suficiente, em relação à quantia que foi efetivamente entregue à devedora, Quinta do Solar, com os seguintes fundamentos: «(…) a Apelante obrigou-se, é certo, a colocar à disposição da Apelada Quinta do Solar a quantia de € 1.850.000,00 sob a forma de abertura de crédito (ponto 3 dos factos provados) mas entregou-lhe, na data do contrato, a quantia de € 185.000,00 (ponto 4 dos factos provados) e a pretensão executiva reporta-se a esta quantia entregue à Apelada sociedade no ato da celebração do contrato de abertura de crédito, ou seja, a obrigação exequenda, na parte em que visa o cumprimento coercivo da quantia de € 185.000,00, a título de capital, mostra-se constituída no título executivo e, como tal, este é exequível [artº 703º, nº 1, al. b), do CPC], quanto a ela, independentemente da prova documental adminicular exigida para as obrigações futuras de capital previstas no contrato dado à execução não expressas na pretensão executiva. Obrigação qualitativa e quantitativamente determinada, com prazo certo (sessenta meses a contar de 29/11/2006 – pontos 3 e 4 dos factos provados) e sobre a qual não se configura qualquer facto modificativo ou extintivo posterior à constituição do título (os Apelados impugnaram “o valor peticionado como constante do requerimento executivo e considerado na obrigação exequenda” – artº 13º da petição de embargos – mas não invocaram qualquer pagamento e, ademais, notificados do incumprimento do contrato e do montante em dívida, em 21/3/2013, a Apelada sociedade veio “lamentar a (…) incapacidade para fazer face aos pagamentos” e propor ativos da sociedade como forma de pagamento – pontos 5 a 7 dos factos provados). Mostrando-se a obrigação de reembolso da quantia de € 185.000,00 certa líquida e exigível pode executar-se imediatamente (artº 716º, nº 8, do CPC)».
Já relativamente aos juros entendeu o acórdão recorrido que não era possível a sua quantificação, invocando o seguinte fundamento: «(…) quanto aos juros, inclusive os capitalizados, a Apelante não “especificou os valores compreendidos na prestação que considera devida”, como se exige no artº 716º, nº 1, do CPC, concluiu por um pedido líquido, mas não o liquidou, não indicou os passos – o cálculo e os respetivos pressupostos – que justificam a liquidação e os pressupostos desta não decorrem de per si do título executivo. O título dado à execução certifica a obrigação de juros, mas não permite, por simples cálculo aritmético, concluir pela existência da obrigação de juros tal como a Apelante a configura».
2. No campo da formação dos títulos executivos regem os princípios da legalidade e da tipicidade, no sentido em que só podem servir de base a um processo de execução documentos a que seja legalmente atribuída força executiva (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pereira de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 16). Em consequência, quando os particulares pretendam recorrer à exigência coerciva de obrigações, têm de se sujeitar às normas que regem o acesso à ação executiva, só o podendo fazer quando estejam na posse de documento a que a lei reconheça força executiva. Têm força executiva os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades com competências semelhantes, sempre que revelem a constituição ou o reconhecimento de alguma obrigação, como ocorre com a escritura pública de compra e venda de imóvel, ou de mútuo, na qual um dos outorgantes se assuma como devedor de uma determinada quantia (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pereira de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., p. 22). O contrato de abertura de crédito tipificado no artigo 362.º do Código Comercial é o negócio jurídico mediante o qual a instituição bancária se obriga a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro, durante certo período de tempo, obrigando-se este a reembolsar o banco na medida dos montantes de crédito efetivamente colocados à sua disposição – a obrigação de reembolso a cargo do creditado está diretamente ligada ao montante efetivamente disponibilizado, pelo que o banco, dando à execução essa obrigação, terá de demonstrar não só a celebração daquele contrato, mas também a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente, e ainda a utilização efetiva pelo creditado da quantia disponibilizada. Trata-se, como afirma L. Miguel Pestana de Vasconcelos (Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 206-207), (…) “de um contrato nominado, integrado nas operações de banco, em regra, legalmente atípico, mas socialmente típico”, aparecendo esta tipicidade (artigo 362.º do Código Comercial), como diz Menezes Cordeiro (Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2016, p. 697) nos usos e nas cláusulas contratuais gerais. Os contratos de abertura de crédito são aqueles em que o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária, que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado, ficando obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respetivos juros e comissões. A escritura de abertura de crédito não contém senão uma promessa de empréstimo, não constituindo, só por si, título executivo contra o creditado. A obrigação deste só surge mais tarde, no momento em que, por conta do crédito aberto, o creditado faz algum levantamento ou movimenta determinada quantia; é então que surge o empréstimo definitivo e consequentemente nasce a dívida. Por conseguinte, a prova complementar do título faz-se através de documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do negócio jurídico, provando-se, dessa forma, que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída, isto é, que alguma prestação foi, de facto, realizada no desenvolvimento da relação contratual. Daí a necessidade de completar a escritura de abertura de crédito com a prova de que foi efetivamente emprestada alguma quantia ao creditado. Segundo Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2018, Lisboa, p. 188), o contrato de abertura de crédito subdivide-se em dois momentos. No primeiro momento, verifica-se uma eficácia preparatória: produz-se um acordo de concessão de crédito que “visa a disponibilidade futura do dinheiro, eventualmente em conta-corrente, ficando perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária”. Este acordo é intrinsecamente preparatório, funcionando como um contrato promessa de empréstimo. Num segundo momento surge uma eficácia final, ou seja, levantada a quantia concreta constitui-se o mútuo, dada a natureza real quoad constitutionem. Ora, se é certo que o mútuo em si mesmo pode ser título executivo da obrigação de restituição da quantia mutuada, desde que celebrado na forma legalmente exigida, o mesmo não se passa com o mútuo prometido em concessão de crédito. Aqui, o mútuo não apresenta autonomia formal. O único documento que o credor tem é o da abertura de crédito; tudo o mais são atos materiais de entrega e de restituição de quantias. Daí que se compreenda que, para fins executivos, essa falta de documento de mútuo autónomo seja colmatada por meio do artigo 707.º, desde que o exequente prove que entregou efetivamente o montante a recuperar. Em regra, como tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão de 08-03-2005, proc. n.º 04A4359), «II - Num contrato de abertura de crédito, o Banco apenas se vincula a realizar no futuro as prestações que o cliente venha a exigir nos termos contratados, consistindo a prestação imediata do Banco apenas na manifestação de vontade de vir a tornar-se credor. III - O cliente não fica desde logo titular efectivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a disponibilidade de a ele vir a recorrer (que pode ou não vir a utilizar), dependendo a disposição dos fundos da sua manifestação de vontade. IV - A mera junção do contrato de abertura de crédito, como título executivo, não demonstra a efectiva concessão de crédito ao cliente, o aproveitamento, por este, de qualquer parcela de capital, tornando-se necessária a junção de documentação complementar bastante para que haja título executivo e assim a dívida exequenda possa ser executada». No mesmo sentido, em relação a um contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito com plafond acordado (e constituição de hipoteca), o Supremo, em Acórdão de 17-04-2007 (Revista n.º 1481/06) entendeu que «(…) o banco apenas se vincula a realizar no futuro as prestações que o cliente vier a exigir nos termos contratados; ou seja, o cliente não fica, desde logo, titular efectivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a possibilidade e a disponibilidade de a ele vir a recorrer. Logo, a mera junção do contrato de abertura de crédito, como título executivo, não demonstra a efectiva concessão de crédito ao cliente, o aproveitamento por este de qualquer parcela de capital, sendo ainda necessária a junção de documentação complementar bastante para que haja título executivo e, assim, a dívida exequenda possa ser executada». Mais tarde, em 2013, o Supremo mantém esta orientação, afirmando que «Na abertura de crédito e no contrato de fornecimento, em que a obrigação do devedor se constitui, posteriormente (com o levantamento das importâncias em dinheiro ou o recebimento dos bens a fornecer) à celebração da escritura que os formaliza, impõe-se, em sede executiva, prova adicional consistente no documento previsto, na escritura, para o efeito, ou, sendo a escritura, correspondentemente, omissa, (consistente) em documento revestido de força executiva bastante, com referencia ao disposto nos arts. 46.º a 51.º do CPC» (Acórdão de 19-02-2013, Revista n.º 874/08.7TBVVD-A.G1.S1). A jurisprudência mais recente tem entendido, do mesmo modo, que «O contrato de abertura de crédito é aquele através do qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado. O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco». O contrato de abertura de crédito «(…) importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente». Todavia, «Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes» (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-04-2018, proc. n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2).
3. Nos termos do contrato, a CGD obrigou-se a colocar à disposição da embargante, Quinta do Solar, a quantia de € 1.850.000,00 sob a forma de abertura de crédito (ponto 3 dos factos provados). Em relação a este valor, a escritura pública de abertura de crédito contém apenas uma promessa de empréstimo, não constituindo, só por si, título executivo contra o creditado. O caso vertente apresenta, contudo, uma especificidade. É que no próprio ato de celebração do contrato, conforme comprovado no facto n.º 4, foi disponibilizada, na conta da devedora, a quantia de 185.000,00 euros, para que aquela a utilizasse. Tendo a exequente entregue à executada, no ato da celebração do contrato de abertura de crédito, a quantia de € 185.000,00 (ponto 4 dos factos provados) e reportando-se a pretensão executiva a esta quantia, a obrigação exequenda, na parte em que visa o cumprimento coercivo da quantia de € 185.000,00, a título de capital, mostra-se constituída no título executivo, e, como tal, este é exequível, nos termos do artigo 703.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil. O título executivo tem, portanto, uma natureza compósita ou complexa, constituído pela escritura pública de abertura de crédito e pelo documento complementar em que se estipulou a entrega imediata na conta da devedora de uma quantia de 185.000,00 euros. Com efeito, na Cláusula 3.ª (Utilização de fundos), ponto 1., do documento complementar, que faz parte integrante da escritura pública, afirma-se que, a) Nesta data foi entregue à parte devedora a quantia de cento e oitenta e cinco mil euros, através de crédito lançado na conta de depósito a ordem adiante indicada para o serviço da operação. Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer outra obrigação são títulos executivos (artigo 703º, nº 1, al. b), do CPC). Por outro lado, nos termos do artigo 707.º do CPC, admite-se, dentro de certo condicionalismo, a existência de títulos executivos quanto a obrigações futuras, desde que a instauração da execução seja acompanhada da prova da realização de alguma prestação para conclusão do negócio ou da constituição de alguma obrigação decorrente da anterior previsão. Os documentos apresentados pela exequente CGD são, tal como os títulos de crédito, títulos extrajudiciais, visto não se produzirem em juízo, e títulos negociais, porque emergentes dum negócio jurídico celebrado extrajudicialmente. Estes documentos (escritura de abertura de crédito juntamente com o documento complementar) são títulos executivos porque importam a constituição ou contêm o reconhecimento de uma obrigação. O facto de não ter sido entregue, pela CGD, a conta-corrente com os levantamentos efetivamente feitos pela creditada impede apenas a quantificação dos juros, em relação aos quais a escritura e o documento complementar não constituem título executivo. Mas, tendo sido entregue a quantia de 185.000,00 euros à devedora, é possível o cálculo aritmético da obrigação de reembolso, que coincide com o valor do capital efetivamente disponibilizado na conta da devedora. A obrigação está, assim, como entendeu o acórdão recorrido, qualitativa e quantitativamente determinada, com prazo certo (sessenta meses a contar de 29/11/2006 – pontos 3 e 4 dos factos provados) e sobre ela não se verificou qualquer facto modificativo ou extintivo posterior à constituição do título, nem tal foi alegado pelos executados. A sociedade executada, notificada do incumprimento do contrato e do montante em dívida, em 21/3/2013, veio “lamentar a (…) incapacidade para fazer face aos pagamentos” e propor ativos da sociedade como forma de pagamento – pontos 5 a 7 dos factos provados. Pelo que, dada a disponibilização efetiva e imediata do dinheiro (185.000,00) no ato de celebração do contrato, não estamos perante um contrato meramente preparatório ou um contrato promessa de contratos reais, tratando-se antes de um mútuo outorgado pela escritura pública em conjugação com o documento complementar. Nestes termos, a obrigação de reembolso da quantia de € 185.000,00 mostra-se certa, líquida e exigível, podendo executar-se imediatamente (artigo 716º, nº 8, do CPC).
4. Assim sendo, confirma-se o acórdão recorrido e determina-se o prosseguimento da execução, relativamente à quantia efetivamente entregue no momento da celebração do contrato, no valor de 185.000,00 euros.
Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
I - Os contratos de abertura de crédito são aqueles em que o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária, que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado, ficando obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respetivos juros e comissões. II – Nos termos do contrato, a CGD obrigou-se a colocar à disposição da embargante, Quinta do Solar, a quantia de € 1.850.000,00 sob a forma de abertura de crédito (ponto 3 dos factos provados). Em relação a este valor, a escritura pública de abertura de crédito contém apenas uma promessa de empréstimo, não constituindo, só por si, título executivo contra o creditado. III – Todavia, tendo a exequente entregue à executada, no ato da celebração do contrato de abertura de crédito, a quantia de € 185.000,00 (ponto 4 dos factos provados) e reportando-se a pretensão executiva a esta quantia, a obrigação exequenda, na parte em que visa o cumprimento coercivo da quantia de € 185.000,00, a título de capital, mostra-se constituída no título executivo e, como tal, este é exequível, nos termos do artigo 703.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil.
III – Decisão Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes. Supremo Tribunal de Justiça, 8 de junho de 2021 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Alexandre Reis (1.º Adjunto) Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto) Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto). (Maria Clara Sottomayor – Relatora) |