Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | SUBSTITUIÇÃO ACTO ADMINISTRATIVO ATO ADMINISTRATIVO REGULAMENTO JUIZ PRESIDENTE JUIZ DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO REJEIÇÃO DO RECURSO HOMOLOGAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/23/2016 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO DE CONTENCIOSO | ||
Decisão: | PROCEDENTE O RECURSO, ANULADA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA | ||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - REGULAMENTO ADMINISTRATIVO - ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ) - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - TRIBUNAIS JUDICIAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE COMARCA / ACTOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS PELO PRESIDENTE ( ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS PELO PRESIDENTE ) / RECURSO PARA O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. | ||
Doutrina: | - Afonso Rodrigues Queiró, Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1976, 101, 414. - Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa, 1989, 13, 14. - Luís Cabral de Moncada, “Código do Procedimento Administrativo” Anotado, Coimbra Editora, Novembro de 2015, 527. - Marcelo Rebelo de Sousa e outro, Direito Administrativo Geral, III, 2.ª ed., Lisboa: D. Quixote, 2006, 76. - Mário Aroso de Almeida, In «O novo regime do processo nos tribunais administrativos», 2004, Almedina, 5, 79, 100, 159. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 148.º. LEI N.º 62/2013, DE 26-08: - ARTIGOS 36.º, N.ºS 1 E 2, AL. B), 94.º, N.º 3, 98.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: -DE 22-04-2004, PROC. N.º 0933/02, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 31/3/2016, NO ÂMBITO DOS PROCESSOS N.º 127/15.2YFLSB, N.º 128/15.2YFLSB E N.º 149/15.5YFLSB, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . | ||
Sumário : | I - O acto administrativo (art. 120.º do CPA pré-vigente e art. 148.º do actual CPA) é definível como um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros. O acto destina-se a regular um caso ou situação concreta através da aplicação do ordenamento jurídico. II - Ao invés de um regulamento administrativo – que tem uma dimensão normativa, geral e abstracta -, o acto administrativo é uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o carácter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular. III - Existem, contudo, actos administrativos colectivos, plurais e gerais, caracterizando-se os primeiros por terem como destinatários um conjunto unificado de pessoas, os segundos por a decisão da administração ser igualmente aplicável a várias pessoas diferentes (actos plurais) e os terceiros por se aplicarem de imediato a um grupo inorgânico de pessoas, todas elas determinadas ou determináveis, razão pela qual a delimitação entre o individual e o geral não se faz a partir de um critério numérico. IV – Os «Critérios de substituição de juízes, nas suas faltas e impedimentos» constituem uma imposição legal, visando assegurar o serviço que deva ser executado em tais circunstâncias, ou seja, têm em vista a escolha e a designação dos juízes do tribunal que asseguram o serviço que deva ser executado naqueles referidos períodos. A referida escolha e designação compete, nas comarcas, ao Juiz Presidente, sendo submetida à aprovação do CSM (art. 36.º, n.ºs 1 e 2 e al. b) do n.º 3 do art. 94.º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26-08). V - Tal decisão do Juiz Presidente tem duração limitada a um ano; ou seja, dirige-se a um grupo de pessoas especificamente identificadas (os juízes em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Central – 1ª Secção Criminal), tendo em vista a definição de uma determinada e concreta situação. VI - O acto decisório referido em V. deve, pelos motivos aí mencionados, ser tido como um acto administrativo e não como um regulamento, não podendo, assim, o CSM rejeitar o conhecimento da respectiva impugnação (art. 98.º da Lei n.º 62/2013) com base nessa errónea caracterização. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM e NN, Juízes de direito, a exercerem funções no Tribunal Judicial da Comarca de ...– Instância ... – ... Secção ..., Interpuseram recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça, da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 29 de Setembro de 2015, na qual se decidiu rejeitar o recurso hierárquico apresentado pelos AA. e bem assim da douta deliberação do Conselho Plenário do R., também de 29 de Setembro de 2015, que decidiu rejeitar a reclamação apresentada pelos AA. relativamente à decisão de homologação do despacho da Exma. Senhora Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... e que motivou a decisão de rejeição de recurso hierárquico que nesta sede se coloca em crise, e que estabeleceu os critérios para a “substituição de juízes nas suas faltas e impedimentos”. 2. Alegaram os Recorrentes, no articulado apresentado, que: “I – Objeto do recurso 1º O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de ... de 2015, que decidiu “que o objeto de impugnado pelos Recorrente não é, afinal, um acto administrativo, mas antes um regulamento e, por decorrência, de considerar que o mesmo não é susceptível de recurso hierárquico, o que constitui, nos termos do disposto no art. 173º, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo causa de rejeição do recurso (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos). 2º Os AA. são diretamente visados e lesados pela douta deliberação impugnada, pelo que têm legitimidade. 3º Os AA. encontram-se a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de ... — Instância ... – ... Secção ..., tendo sido notificados do ato impugnado em 7 de outubro de 2015, pelo que está em tempo — cf. artigo 169º, nº 1, do EMJ. 4º O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, do EMJ. II — Da factualidade subjacente à douta deliberação impugnada 5º Em 5 de Agosto de 2014 foi notificado aos AA. o despacho proferido pela Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ..., através do qual, e entre o demais, se fixou os critérios de substituição de juízes, nas suas faltas e impedimentos, no Tribunal Judicial da Comarca de ... (cf. doc. 2 que se junta). 6º Dentro do prazo legal para o efeito, os AA. apresentaram junto do CSM, recurso do despacho acima identificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) — cf. doc. 3 que se junta. 7º Por deliberação datada de 29 de setembro de 2015, veio o R. deliberar pela rejeição do recurso interposto (cf. doc. 1 já junto), sufragando, para tanto e em síntese, que o objeto de impugnação não era um ato administrativo, mas antes um regulamento (cf. doc. 1 já junto), alegando, para tanto, que:“O presente recurso hierárquico busca arrimo legal no artigo 98º da LOSJ. (…) Assim, para que um qualquer comando emitido pelo juiz presidente do tribunal seja recorrível para o Conselho Superior de Magistratura é pressuposto que ele, ademais do conteúdo decisório, tenha uma natureza individual, isto é, que se reporte a uma pessoa ou algumas pessoas especificamente identificadas, e concreta, isto é, que vise regular uma certa situação bem caracterizada. (…) [P}arece-nos indicutível que o acto concreto com destinatários determináveis não possui conteúdo normativo e, portanto, não deve ser assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo. Contudo, não deixa de existir generalidade num acto jurídico pelo facto de os respetivos destinatários serem determináveis à face dele (…). Por outro lado, (…) a generalidade não deve bastar para que se admita a existência de uma norma: exige-se que a ela se associe a abstracção, de modo a que o comando não diga exclusivamente respeito á produção de um único efeito jurídico, no qual se esgote, mas seja passível de aplicação ao longo do tempo. (…) Prosseguindo, cumpre agora notar o comando da Exma. Sra. Juíza Presidente aqui colocado em causa – que é apenas o relativo aos critérios de elaboração dos mapas de turno - não identifica os seus destinatários de forma nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária que é o Tribunal Judicial da Comarca de .... Por outras palavras, não diz que o juiz A. faz turno no período de um período concreto de tempo, mas apenas os critérios que devem ser atendidos na elaboração dos mapas de turnos. Não tendo o comando um termo, podemos afirmar que esses critérios valem também para os anos judiciais futuros, pelo que os respetivos destinatários são os juízes que, no presente, estão em exercício nas secções identificadas e ainda aqueles que nelas venham a ser colocados no futuro, assumindo, por isso, uma natureza geral. Por outro lado, como nos parece inequívoco, esse comando vale para todos os turnos que, durante a respectiva vigência, tenham de ser assegurados e não apenas para um concreto turno, o que nos permite afirmar que, para além de geral, o comando é abstracto e tem uma vigência sucessiva”. 8º Salvo o devido respeito, cremos que o douto Acórdão do Conselho Plenário do R. enferma do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, pelo que o mesmo deve ser anulado e substituído por outro que, admitindo o recurso, aprecie a questão de mérito colocada à consideração e julgamento do R..Senão vejamos. III – Do erro de Julgamento i) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo 9º Na aferição do manifesto erro de erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.Vejamos: 10º Por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76). 11º Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66). 12º Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550). 13º Em suma, e conforme nos explicitam os autores identificados supra (cf. ob. cit., pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:a) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária; b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa; c) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares; d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e e) Incidir numa situação individual e concreta. 14º Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. 15º Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss). 16º Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79). 17º Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. 18º Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. 19º Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos. 20º Ora, a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta. 21º No concerne à distinção entre o que se considera ser geral e abstrato e o que se considera ser individual e concreto, a doutrina (vide, entre outros, Rogério Soares, ob. cit., p. 79 e ss., e Freitas do Amaral, Curso de Direito Admnistrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pp. 226 e ss) vem clarificando que os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, 22º enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento). 23º Aqui chegados, vejamos se no caso em apreço o objeto do recurso assume a forma de ato ou de regulamento administrativo.b) Do objeto do recurso hierárquico 24º Sublinha o R., na douta deliberação impugnada que o recurso instituído no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de recurso hierárquico, cujos trâmites vêm definidos no CPA, porquanto, do referido preceito resulta que apenas os atos administrativos dos presidentes das Comarcas são suscetíveis de recurso. 25º Nessa senda, conclui que o despacho recorrido não constitui qualquer ato administrativo (mas antes um regulamento), na medida em que tem uma natureza geral e abstrata, pelo que do mesmo não é admissível recurso hierárquico para o CSM. 26º Salvo o devido respeito, face ao enquadramento que deixamos exposto no ponto anterior, cremos que a douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos, efetivamente, in casu, na presença de um ato administrativo, ao contrário do propugnado pela deliberação impugnada. 27º Na verdade, e como será bom de ver, resulta, desde logo, do conteúdo do despacho da Exma. Senhora Presidente da Comarca de Lisboa e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na dos juízes daquela comarca em caso de impedimento ou falta. 28º Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes, e para o que aqui interessa, da ... Secção ... da Instância ... daquela comarca no que à matéria de substituição em falta ou impedimento diz respeito.29º Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos juízes da ... Secção ... da Instância ... da comarca que Exma. Senhora Juíza Presidente encabeça.30º Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções na ... Secção ... da Instância ... do tribunal judicial da comarca de ....31º Ou seja, destinatários da decisão são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que viesse a ser colocado naquela comarca, instância e secção e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando são também os juízes que venham a integrar tais lugares no futuro.32º Tal conclusão resulta, aliás, do facto de o despacho recorrido ter sido sucessivamente alterado quando foi dada oportunidade aos Senhores Juízes que naquela data integravam as secções/instâncias da comarca em questão de se pronunciarem sobre tais critérios. 33º Ou seja, não se pode afirmar que o despacho recorrido valerá para juízes que venham a integrar a secção no futuro (e que, portanto, tem um carácter geral), porquanto o mesmo foi produzido tendo por base os contributos e os interesses (mal ou bem ponderados) dos juízes que à data da sua prolação integravam a comarca e não os interesses ou as pronúncias dos futuros mas indetermináveis juízes que possam vir a integrar, especificamente, a ... Secção ... da Instância ... do Tribunal Judicial da Comarca de ....34º Por fim, também, pelo menos no entendimento dos AA., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com os critérios dos juízes na comarca de Lisboa.35º Isto é, cremos que sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios de substituição em caso de falta ou impedimento) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca no que a essa matéria diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias.36º Assim, e quanto a nós, o despacho objeto de recurso só evidenciaria uma natureza abstrata se tivesse determinado, sem qualquer pronúncia dos senhores juízes que integrassem as várias secções/instâncias da comarca, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, as substituições dos juízes seriam sempre fixadas de determinada forma e pelo presidente da Comarca.37º Salvo melhor opinião, só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstração da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem saber, no entanto, onde, quando e por quem).38º De resto, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirma na douta deliberação impugnada, o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção” (cf. doc. 1 já junto).39º Mas mais: a natureza de acto administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação, a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente do regime de substituição dos juízes na comarca de ... na sequência de orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado nos considerandos 1 e 5 do despacho recorrido. 40º É, por isso, manifesto que o despacho objeto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de ato administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada, enquanto comando que define uma situação individual e concreta.41º Entendimento contrário é, aliás, inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).42º À luz do que vai dito, ao decidir em sentido diverso, a douta deliberação impugnada padece do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, em clara violação, aliás, do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.IV — Do Pedido Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta deliberação impugnada anulada e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca, tudo com as devidas e legais consequências”. 3. Seguidamente vieram ainda os AA., a fls. 104 dos autos, requerer a modificação objectiva da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi do artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), com os seguintes fundamentos: 1. Constitui objeto dos presentes autos a anulação da douta deliberação do Conselho Plenário do R., proferida em 29 de setembro de 2015 e que rejeitou a apreciação do recurso interposto pelos AA, por considerar que o despacho da Exma. Senhora Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ..., de 5 de agosto de 2014, relativo aos critérios de substituição dos juízes daquela comarca nas suas faltas e impedimentos, sob escrutínio não era passível de recurso hierárquico; 2. O despacho acima referido, foi homologado pelo Exmo. Vogal do Conselho Superior de Magistratura, Senhor Desembargador ..., em regime de delegação de poderes, em 13 de outubro de 2014 (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se tem por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos), homologação essa notificada aos AA. em 8 de janeiro de 2015; 3. Os AA. porque não se conformaram com a referida decisão de homologação, dela apresentaram reclamação para o Conselho Plenário do R. em ...de 2015 (cf. doc. 2 que se junta); 4. Em 29 de setembro de 2015, o R. deliberou pela “rejeição da presente reclamação” (cf. doc. 3 que se junta), invocando, em síntese, que: “[A]s regras de substituição questionadas pelos Reclamantes foram estabelecidas não pelo despacho reclamado, mas pelo despacho da Exma. Senhora Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... que o teve como objecto. Aquele limitou-se a integrar a eficácia deste. Assim sendo, em rigor, o despacho reclamado, enquanto praticado no âmbito de poderes de superintendência, que devem ser exercidos relativamente a outro órgão (…), comporta uma aprovação e não uma homologação. (…) Como consequência do que antecede, é manifesta a improcedência da presente reclamação pela singela razão de os Reclamantes não terem imputado qualquer vício ao acto de aprovação. (…) O que expusemos torna-se ainda mais nítido se atentarmos também na natureza do acto aprovado. (…) Ora, se admitíssemos a impugnação do acto de aprovação – que aqui nos surge, nos termos sobreditos, como um acto integrativo de eficácia do regulamento e não como o momento em que se perfecciona a fattispecie (formal) que o regulamento administrativo consubstancia – com fundamento nos vício do acto aprovado, estaríamos a abrir o caminho para que ficasse suprimida in totum a eficácia de um acto normativo que se encontra inquinado em apenas uma das suas normas – precisamente aquela contra a qual se insurgem os Reclamantes - , o que seria conceptualmente errado”. 5. Ora, a deliberação do Conselho Plenário do R. foi notificada aos AA. em ... de 2015; 6. Acontece, porém, que a deliberação acima mencionada, ao rejeitar a reclamação apresentada pelos AA. conformou a validade do despacho de homologação (e não de aprovação, porquanto o despacho identificado em 2., absorveu os fundamentos do ato sujeito a homologação) e, por inerência, o despacho proferido pela Exma. Senhora Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ...; 7. Os AA., no entanto, ainda não se conformaram com o referido despacho proferido pela Exma. Senhora Presidente da Comarca, tendo, no âmbito de apreciação do mesmo, apresentado o recurso contencioso que corre sob os presentes autos; 8. Ora, nos termos do artigo 63º, nº 1, do CPTA, “[q]uando por não ter sido decretada, a título cautelar, a suspensão do procedimento em que se insere o acto impugnado, este tenha seguido na pendência do processo, pode o objecto ser ampliado à impugnação de novos actos que venham a ser praticados no âmbito desse procedimento, bem como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas”, sendo que o nº 2 do mesmo artigo esclarece que “o disposto no número anterior é extensivo (…) às situações em que sobrevenham actos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo”; 9. Nesse sentido, requer-se, para além do pedido formulado no recurso contencioso, a anulação da deliberação do CSM, de 29.09.2015, melhor identificado no ponto 4., porquanto a mesma opõe-se, diremos de forma manifesta, à utilidade pretendida nos presentes autos. 4. O Conselho Superior da Magistratura, na qualidade de Recorrido, apresentou a seguinte resposta: 1. Está em causa, no presente processo, a impugnação contenciosa da deliberação, tomada na Sessão Plenária de ... de 2015, do Conselho Superior da Magistratura, no sentido de rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso hierárquico, interposto pelos Autores, do despacho (rectius, do regulamento) adotado pela Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... a definir os critérios de substituição de juízes (doravante identificado como Regulamento dos Critérios de Substituição de Juízes nas suas Faltas e Impedimentos). 2. Segundo foi entendido naquela deliberação, não tendo o comando contido nesse despacho a natureza de ato administrativo, mas de regulamento, não pode ser objeto do recurso hierárquico previsto no art. 168 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 63/2013, de 26.08. 3. Já na tese dos Autores, estamos perante um verdadeiro ato administrativo, como tal suscetível de recurso hierárquico para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura. 4. Com base nisto, podemos balizar a questão decidenda: saber se o despacho em causa é ou não um ato administrativo. 5. De fora dos poderes de cognição está a questão de saber se há mecanismo para impugnar graciosamente os regulamentos emanados dos juízes presidentes das comarcas. 6. Isto tem uma consequência importante: se se concluir que o comando da Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... a definir os critérios de substituição de juízes não deve ser qualificado como um ato administrativo, por ter uma dimensão regulamentar, o recurso terá de ser improcedente. 7. Dito isto, vejamos então as razões pelas quais entendemos que não assiste qualquer razão aos Autores, tentando demonstrar, como arrimo na deliberação impugnada, que estamos, sem dúvida alguma, perante um comando que assume dimensão regulamentar. 8. O art. 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11, vigente aquando a prolação do Regulamento dos Critérios de Substituição de Juízes nas suas Faltas e Impedimentos, definia os atos administrativos como “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação concreta.” 9. Assim, para que um qualquer comando emitido pelo juiz presidente do tribunal revista a natureza de ato administrativo é pressuposto que, ademais do conteúdo decisório, tenha uma natureza individual, isto é, que se reporte a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e concreta, isto é, que vise regular uma certa situação bem caracterizada. 10. Se, pelo contrário, esse comando revestir os caracteres da generalidade, por ter destinatários indeterminados, e da abstracção, por ser aplicável a situações indeterminadas, e for susceptível de execução permanente (vigência sucessiva), assumindo então natureza normativa, não poderá ser qualificado como um acto administrativo, mas eventualmente como um regulamento. 11. Isto é assim no plano dos conceitos – ou dos tipos ideais, na terminologia de Max Weber. Mas nem sempre se afigura fácil delimitar os conceitos de acto administrativo e de regulamento: alguns comandos apresentam-se como individuais, mas abstractos; outros, por não identificarem ou individualizarem os respectivos destinatários, não parecem dever ser qualificados como individuais, mas como gerais, faltando-lhes, todavia, pelo seu carácter concreto, a abstracção. 12. Mário Aroso de Almeida (“Regulamentos”, Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares, Coimbra: Almedina, 2012, ps. 80 – 81) dá nota de que, tradicionalmente, as referidas situações, consideradas como híbridas, eram assimiladas à figura cujo regime jurídico se considerava mais adequado, que tendia a ser a do acto administrativo, sobretudo por razões de ordem processual, relacionadas com o facto de ser mais amplo o acesso dos interessados à impugnação de actos administrativos que de regulamentos. 13. Na doutrina mais recente, tem-se afirmado a tendência para considerar como critério decisivo o da determinabilidade ou indeterminabilidade dos destinatários do comando, reconduzindo-se à figura do acto administrativo os comandos cujos destinatários sejam determinados ou determináveis e à figura do regulamento os comandos cujos destinatários não sejam determinados nem determináveis. 14. No mesmo sentido, prossegue o citado Autor, concorre, entretanto, a tendência para se reconduzirem à figura do regulamento certos comandos que, embora destinados a ser objecto de aplicação concreta, têm, à partida, por destinatários uma pluralidade indeterminável de indivíduos. 15. Já no que diz respeito aos comandos de aplicação concreta, mas que têm por destinatários um grupo circunscrito de pessoas, que, embora não sejam por eles individualizadas, são determinadas ou determináveis, perfilam-se dois entendimentos diferentes na doutrina. 16. Para um desses entendimentos, expresso por Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, II, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 198), a generalidade decorre do facto de os destinatários não serem individualizados, mas apenas surgirem definidos por referência a conceitos ou categorias universais. 17. Assim, como os actos administrativos são, não apenas concretos, mas também individuais, este tipo de comandos deve ser reconduzido à figura do regulamento, e não do acto administrativo. 18. Para o outro entendimento, expresso por Marcelo Rebelo de Sousa / Salgado de Matos (Direito Administrativo Geral, III, 2.ª ed., Lisboa: D. Quixote, 2006, p. 82), a generalidade das normas não decorre apenas do facto de os seus destinatários não serem por elas individualizados, mas também do facto de eles não serem determináveis à face do que nelas se dispõe. 19. Portanto, os comandos que, embora não individualizem os seus destinatários, permitam que se proceda à respectiva determinação devem ser reconduzidos à figura do acto administrativo e não à do regulamento. 20. Em face destes dois entendimentos – e seguindo sempre Mário Aroso de Almeida (loc. cit., ps. 83 – 84) – parece-nos indiscutível que o acto concreto com destinatários determináveis não possui conteúdo normativo e, portanto, não deve ser assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo. 21. Contudo, não deixa de existir generalidade num acto jurídico pelo facto de os respectivos destinatários serem determináveis à face dele: “para que exista generalidade, basta, a nosso ver, que os destinatários não sejam concretamente identificados pelo acto, mas nele apenas surjam definidos por referência a conceitos ou categorias universais.” 22. Por outro lado, ao contrário do que sustenta o primeiro dos entendimentos expostos, a generalidade não deve bastar para que se admita a existência de uma norma: exige-se que a ela se associe a abstracção, de modo a que o comando não diga exclusivamente respeito à produção de um único efeito jurídico, no qual se esgote, mas seja passível de aplicação ao longo do tempo. 23. Partindo daqui, Mário Aroso de Almeida (ibidem) conclui que o comando que, sendo embora geral, por não individualizar os seus destinatários, não seja abstracto, não deve ser qualificado como regulamento, independentemente da questão de saber se os seus destinatários são ou não determináveis à face do acto. 24. Como não se trata de um comando individual, mas geral, cumpre reconhecer que ele não corresponde ao conceito de acto administrativo do art. 120º do CPA. 25. A admitir-se, porém, que essa circunstância constitua um obstáculo à qualificação destes comandos como actos administrativos, eles não deverão deixar, em todo o caso, de ser equiparados a actos administrativos, para o efeito de serem submetidos à aplicação do correspondente regime legal. 26. Como facilmente se conclui, subjacente à posição do Autor está o entendimento de que a contraposição entre regulamento e acto administrativo não deve partir do conceito de acto administrativo, mas do conceito de regulamento, entendido como acto normativo, integrado por disposições gerais e abstractas; e, por conseguinte, de que não devem ser assimilados à figura do regulamento, mas do acto administrativo, os comandos cujas determinações não reúnam, cumulativamente, as características da generalidade e da abstracção. 27. Prosseguindo, cumpre agora notar que o comando da Exma. Sra. Juíza Presidente aqui colocado em causa não identifica os seus destinatários de forma nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária que é o Tribunal Judicial da Comarca de .... 28. Por outras palavras, não diz que o juiz A. é substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo juiz B., mas que o juiz que ocupa o lugar de juiz 1 de uma qualquer das secções em que se desdobra o Tribunal é substituído pelo juiz que ocupa o lugar de juiz 2 da mesma secção. 29. Não tendo o comando um termo, podemos afirmar que, na sua vigência, os lugares tanto podem ser ocupados pelos juízes que, no Movimento Judicial de 2014, neles foram colocados, como por outros que neles venham a ser colocados em movimentos judiciais futuros. 30. Podem ainda ser ocupados, de forma transitória, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que sejam destacados para substituir os titulares que, por qualquer razão (v.g. comissão de serviço), não se encontrem no exercício efectivo de funções. 31. Assim sendo, na medida em que é susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de ...., o comando da Exma. Sra. Juíza Presidente é geral. 32. Por outro lado, como nos parece inequívoco, esse comando vale para todos as situações que, durante a respectiva vigência, venham a ocorrer e que importem que um juiz, por faltar ou estar impedido para a prática de um acto, tenha de ser substituído por outro. 33. Não se esgota numa substituição concreta, o que nos permite dizer que, para além de geral, o comando é abstracto e tem vigência sucessiva. 34. Perante o que antecede, afigura-se apodítico que a argumentação dos Autores é falaciosa e carecida de razão. 35. Vejamos mais em pormenor. 36. Quanto ao argumento expresso no art. 27 da petição, o mesmo mais não faz que confirmar a natureza abstrata do comando: se, conforme ali se afirma, estão em causa critérios a seguir nas situações futuras em que se torne necessário providenciar pela substituição de um juiz, então o comando assume a natureza de uma regra – e de uma regra cuja aplicação não se exaure numa concreta substituição, mas que vale para todas as situações de falta e impedimento de juízes que ocorram na respectiva vigência. 37. Quanto ao argumento do art. 28 da petição, é inequívoco que o comando foi exarado no exercício dos poderes funcionais conferidos pela Lei de Organização do Sistema Judiciários aos juízes presidentes dos tribunais de comarca. 38. Isso mesmo vem afirmado na deliberação impugnada, pelo que seria fastidioso estar a repeti-lo. 39. Simplesmente, ao contrário do que parece estar subentendido na argumentação, os instrumentos de que os juízes presidentes dispõem para desenvolver esses seus poderes funcionais não se esgotam na prática de atos administrativos. 40. Incluem também outras formas da atividade administrativa, com especial destaque para a regulamentar. 41. Salvo o devido respeito, que é muito, é um absurdo pretender-se que um ato seja qualificado tendo em conta, apenas, o órgão administrativo que o emitiu. 42. A qualificação do ato tem de resultar, necessariamente, da respetiva natureza. 43. Quanto ao argumento do art. 29, não se vislumbra que tenha qualquer conteúdo útil: tanto o regulamento como o ato administrativo, produtos da atividade administrativa, têm como destinatários aqueles que mantêm, com o órgão que os emite, uma relação jurídico-administrativa. 44. A diferença, é que no caso do regulamento os destinatários são indeterminados, o que confere ao comando a característica da generalidade, e, no caso do ato administrativo, são determinados. 45. Note-se, a este propósito, que o facto de o comando ter como destinatários os juízes – os presentes e os futuros – em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca de ... não lhe retira a caraterística da generalidade. 46. Apenas faz com que deva ser qualificado, complementarmente, como um regulamento interno, destinado a disciplinar a organização e funcionamento daquele Tribunal. 47. Quanto ao argumento dos artigos 30 a 33, parte o mesmo de uma patente petição de princípio: a de que o comando da Exma. Sra. Juíza Presidente apenas vale para os juízes que no momento da sua elaboração estavam em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca de .... Errado! 48. A tese dos Autores conduziria ao resultado, absolutamente indesejável, de tornar necessária uma renovação do comando sempre que ocorresse uma alteração dos concretos juízes que compõem o quadro de magistrados, fosse em consequência de uma transferência, por ocasião de movimento judicial, do destacamento de um juiz auxiliar ou da simples afetação de um juiz do Quadro Complementar. 49. E não é isso que se pretende. 50. Pelo contrário, o que se pretende é uma norma, tendencialmente estável, que regule todas as situações em que, perante a falta ou impedimento de um juiz, seja necessário providenciar pela respectiva substituição. 51. E a vigência (sucessiva) dessa norma não é afetada pelas alterações que, ulteriormente à sua elaboração, sejam introduzidas no quadro de magistrados. 52. Os magistrados judiciais que, no entretanto, iniciarem funções no Tribunal Judicial da Comarca de ... serão abrangidos por ela – sem prejuízo, obviamente, das modificações de que ela possa ser objeto. 53. A prová-lo está o singelo facto de no último Movimento Judicial – o de 2015 – terem ocorrido alterações na composição do quadro de juízes e, não obstante isso, a norma ter continuado a vigorar, sem necessidade de qualquer ato que a reafirmasse. 54. E esta conclusão não é minimamente alterada pelo facto de os magistrados judiciais em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca de ... terem sido convidados a contribuir para a formação da norma, no decurso do procedimento respetivo. 55. Tal não é mais que uma manifestação do direito de participação dos administrados que, numa organização que não se pretende autocrática, se faz sentir também ao nível da atividade regulamentar. 56. Corolário disto era o direito de petição, consagrado no art. 115/1 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11, ao tempo em vigor. 57. Quanto ao argumento dos artigos 33 a 40, estamos, também aqui, perante uma patente falácia. 58. Com efeito, as substituições – todas as substituições – que venham a ser necessárias no Tribunal Judicial da Comarca de ..., assim consideradas, em abstrato, não são situações concretas, mas situações abstratas, incertas na e quando. 59. Cada uma delas, uma vez verificada, será, ela sim, uma situação concreta, a resolver de acordo com a aplicação da norma adrede gizada. 60. Finalmente, é de dizer que a afirmação contida no art. 41 é equívoca. 61. Em primeiro lugar porque não está em causa qualquer impossibilidade de impugnação, seja pela via graciosa ou pela via contenciosa, do comando em causa. 62. Como se escreveu na deliberação impugnada, os Autores não estão impedidos de fazer valer, pela via graciosa, o seu desacordo quanto às medidas normativas adoptadas pela Exma. Sra. Juíza Presidente. 63. Podem fazê-lo ou de forma difusa e concreta, através da impugnação hierárquica, para o Conselho Superior da Magistratura, de quaisquer actos administrativos que apliquem uma norma regulamentar; ou de forma concentrada e abstracta, através da apresentação de uma petição, dirigida a mesmo órgão, que está na cúpula da hierarquia dos que exercem as competências administrativas de gestão dos Tribunais Judiciais, no sentido da revogação de qualquer uma das medidas e da adopção de outra em sua substituição, cf. art. 115 do Código do Procedimento Administrativo. 64. O recurso a qualquer uma dessas formas de reacção graciosa colocaria o Conselho Superior da Magistratura perante o dever de decidir, através da prática de um verdadeiro acto administrativo, susceptível de impugnação para a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art. 168 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 65. Entendimento contrário valeria para todo e qualquer regulamento, o que levaria, pura e simplesmente, à eliminação desta forma de atuação administrativa, que se encontra prevista na Constituição da República. 66. Perante o exposto, é de concluir que a deliberação impugnada não enferma do vício que lhe foi imputado pelos Autores, o que deve ter como consequência a improcedência do presente recurso. 5. Seguidamente, o Conselho Superior da Magistratura, em resposta ao requerimento de ampliação do objecto do processo apresentado pelos AA., a fls. 104, veio dizer o seguinte: 1. Numa postura de colaboração, o CSM. não se opõe à pretensão dos Autores. 2. Sem prejuízo, acrescenta que não vem alegado, no requerimento, qualquer vício suscetível de inquinar a referida deliberação tomada na Sessão Plenária de 29 de setembro de 2015, cuja sindicância, por esta via contenciosa, agora se pretende. 3. Acrescenta ainda que, ao contrário do referido pelos Autores, a subsistência da deliberação de 29 de setembro de 2015 não implica qualquer inutilidade dos presentes autos, tal como inicialmente conformados na petição inicial. 4. É que, conforme foi escrito da fundamentação da mesma, de aqui nos valemos, há que definir a natureza do despacho objeto da reclamação apreciada na dita deliberação (adiante identificado como despacho reclamado), atento o facto de os Autores não terem estribado a pretensão adrede deduzida num vício próprio deste, mas em vícios do despacho da Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de... que o teve por objeto. 5. Estavam em causa, no procedimento em que tal despacho foi proferido, as regras de substituições de juízes de direito no Tribunal Judicial da Comarca de .... 6. Ora, segundo decorre do art. 86/1 da LOSJ, os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas ou impedimentos, por juiz ou juízes de direito da mesma comarca, por determinação do presidente do tribunal de comarca, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura. 7.A lei estabelece, assim, de forma clara, que a competência para estabelecer as referidas regras de substituição dos juízes de direito é do juiz presidente do respetivo tribunal judicial de comarca e não do Conselho Superior da Magistratura. 8. A este órgão apenas cabe a competência para definir orientações genéricas nessa matéria. 9. Isto configura um verdadeiro poder de superintendência sobre os atos praticados pelos juízes presidentes dos tribunais de comarca, no exercício de uma competência própria. 10. Ao afirmar isto temos presente a lição de Vital Moreira (Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra: Coimbra Editora, 1997, ps.. 206 e ss.) que esquematiza a figura da superintendência como situada nas relações intersubjetivas (entre dois entes), com fundamento jurídico na lei e destinada a orientar e controlar, podendo o superintendente emanar diretivas, recomendações, proceder a autorizações e a aprovações. 11. Na superintendência não existe a emanação de ordens, mas de simples diretivas e recomendações, através das quais se fixam os objetivos, deixando liberdade de escolha de meios. Trata-se do poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência; tem a natureza de um poder de orientação que se consubstancia na emanação de diretivas, isto é, orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos, e na emanação de recomendações, que são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento. 12. Partindo daqui, podemos afirmar que, no caso, as regras de substituição questionadas pelos foram estabelecidas não pelo despacho reclamado, mas pelo despacho da Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... que o teve como objeto. 13. Aquele limitou-se a integrar a eficácia deste. 14. Em bom rigor, até nem seria necessário emitir o despacho reclamado. 15. Assim sendo, o despacho reclamado, enquanto praticado no âmbito de poderes de superintendência que devem ser exercidos relativamente a um outro órgão – o juiz presidente do tribunal de comarca –, comporta uma aprovação e não uma homologação. É que ele recaiu sobre um ato anterior já praticado pelo órgão competente, ainda que eventualmente ineficaz, por carecido de aprovação – que, de acordo com Didier Batselé / Tony Mortier / Martine Scarcez (Manuel de Droit Administratif, Bruxelles: Bruylant, 2010, p. 229), funciona como uma condição suspensiva de um ato definitivo –, e não sobre uma mera proposta cujos fundamentos e conclusões absorveu. A propósito, vide Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, II, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, ps. 296 – 297) que distingue a aprovação da homologação: aquela é o “ato pelo qual um órgão da administração exprime a sua concordância com um ato anterior existente, já praticado por outro órgão administrativo, e lhe confere eficácia”; esta é o “ato administrativo que absorve os fundamentos e conclusões de uma proposta ou de um parecer apresentados por outro órgão.” No mesmo sentido, Marcello Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos (Direito Administrativo Geral – Atividade Administrativa, III, 2.ª ed., Lisboa: D. Quixote, 2009, p. 110) que definem a homologação como o “ato administrativo que incorpora o sentido e os fundamentos de um ato opiniativo anterior” e a aprovação como o “ato administrativo que exprime a concordância com um ato administrativo anterior, conferindo-lhe a eficácia de que ele carecia.” 16. A aprovação é, de resto, um dos meios pelos quais se exprime o referido poder de superintendência, como nota Philippe Bouvier (Éléments de droit administratif, Bruxelles: De Boeck, 2002, p. 249). 17. Como consequência do que antecede, é manifesta a falta de sentido da reclamação pela singela razão de os Reclamantes não terem imputado qualquer vício ao ato de aprovação. 18.De facto, uma vez que o ato aprovado e o ato de aprovação são dois atos sucessivos diferentes, designadamente no que tange aos respetivos objetos e fins, não há qualquer permeabilidade entre eles – ao contrário do que sucede entre o parecer homologado e o ato homologatório –, pelo que importa sempre distinguir entre as ilegalidades de que padece o primeiro e as de que padece o segundo. 19. E só estas podem fundamentar a impugnação do ato de aprovação, cuja procedência não implicará a revogação do ato aprovado, mas a mera perda da sua eficácia. 20. Em conformidade com o que antecede, o Conselho Superior da Magistratura reitera: nada ter a opor à ampliação do objeto do processo, nos termos requeridos; entende que, nesta parte, como na inicial, a pretensão contenciosa dos Autores não merece provimento e que, assim decidindo, V. Exas. farão uma correta aplicação da Lei e do Direito. 6. Em cumprimento do disposto no art. 176º do EMJ, os AA. Recorrentes apresentaram as alegações seguintes: “I — Intróito I. Constitui objeto do presente recurso contencioso a anulação a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de ... de 2015, que decidiu rejeitar o recurso hierárquico apresentado pelos AA. e bem assim da douta deliberação do Conselho Plenário do R. também de ... de 2015 que decidiu rejeitar a reclamação apresentada pelos AA. relativamente à decisão de homologação do despacho da Exma. Senhora Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de... e que motivou a decisão de rejeição de recurso hierárquico que nesta sede de coloca em crise. Pensa-se que o presente recurso merece provimento, conforme passaremos a demonstrar. Para tanto, fazem-se (II) breves considerações de direito, (III) terminando-se com as nossas conclusões. II — Breves Considerações de direito ii) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo I. Na aferição do manifesto erro de erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo. Assim, por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76). Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66). Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550). Em suma, e conforme nos explicitam os autores identificados supra (cf. ob. cit., pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por: a) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária; b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa; c) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares; d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e e) Incidir numa situação individual e concreta. Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. II. Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss). Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79). Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. III. Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos. Ora, a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta. No concerne à distinção entre o que se considera ser geral e abstrato e o que se considera ser individual e concreto, a doutrina (vide, entre outros, Rogério Soares, ob. cit., p. 79 e ss., e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pp. 226 e ss) vem clarificando que os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento). Aqui chegados, vejamos se no caso em apreço o objeto do recurso assume a forma de ato ou de regulamento administrativo. b) Do objeto do recurso hierárquico I. Sublinha o R., na douta deliberação impugnada que o recurso instituído no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de recurso hierárquico, cujos trâmites vêm definidos no CPA, porquanto, do referido preceito resulta que apenas os atos administrativos dos presidentes das Comarcas são suscetíveis de recurso. Nessa senda, conclui que o despacho recorrido não constitui qualquer ato administrativo (mas antes um regulamento), na medida em que tem uma natureza geral e abstrata, pelo que do mesmo não é admissível recurso hierárquico para o CSM. Salvo o devido respeito, face ao enquadramento que deixamos exposto no ponto anterior, cremos que a douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos, efetivamente, in casu, na presença de um ato administrativo, ao contrário do propugnado pela deliberação impugnada. II. Na verdade, e como será bom de ver, resulta, desde logo, do conteúdo do despacho da Exma. Senhora Presidente da Comarca de ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na substituição dos juízes daquela comarca no caso de falta ou impedimentos. Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca no que à matéria de substituição em caso de faltas ou impedimentos diz respeito. Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos senhores juízes da comarca que Exma. Senhora Juíza Presidente encabeça. III. Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de .... Ou seja, destinatários da decisão são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que aí viesse a ser colocado e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando são também os juízes que venham a integrar tais lugares no futuro. Tal conclusão resulta, aliás, do facto de o despacho recorrido ter sido sucessivamente alterado quando foi dada oportunidade aos Senhores Juízes que naquela data integravam as secções/instâncias da comarca em questão de se pronunciarem sobre tais critérios. Ou seja, não se pode afirmar que o despacho recorrido valerá para juízes que venham a integrar a comarca no futuro (e que, portanto, tem um carácter geral), porquanto o mesmo foi produzido tendo por base os contributos e os interesses (mal ou bem ponderados) dos juízes que à data da sua prolação e sucessivas alterações de conteúdo integravam a comarca e não os interesses ou as pronúncias dos futuros mas indetermináveis juízes que possam vir a integrar. IV. Por fim, também, pelo menos no entendimento dos AA., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com os critérios de substituição dos juízes daquela comarca em específico (e não a substituição dos juízes de uma qualquer comarca). Isto é, cremos que sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação do regime de substituição) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes visados por tal decisão no que a essa matéria diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados. Assim, e quanto a nós, o despacho objeto de recurso só evidenciaria uma natureza abstrata se tivesse determinado, sem qualquer pronúncia dos senhores juízes que integrassem as várias secções/instâncias da comarca, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, as substituições seriam sempre fixadas de determinada forma e pelo presidente da Comarca. Salvo melhor opinião, só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstração da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem saber, no entanto, onde, quando e por quem). De resto, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirmou em recentes deliberações do R. (também proferidas no sai 29 de setembro de 2015), o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção” (cf. deliberação do CSM, de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU). VI. Mas mais: a natureza de ato administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no despacho recorrido. É, por isso, manifesto que o despacho objeto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de ato administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada, enquanto comando que define uma situação individual e concreta. Entendimento contrário é, aliás, inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). À luz do que vai dito, ao decidir em sentido diverso, a douta deliberação impugnada padece do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, em clara violação, aliás, do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca. De resto, ao suportar o mesmo entendimento, também a deliberação do CSM, de 29.09.2015, relativa à rejeição da reclamação apresentada pelos AA. é ilegal, porquanto a mesma opõe-se, diremos de forma manifesta, à utilidade pretendida nos presentes autos. Por conseguinte, formulam-se as seguintes III — Conclusões: (i) A qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta, ou seja, reconduz-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento); (ii) Resulta do conteúdo do despacho da Exma. Senhora Presidente da Comarca de ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar no regime de substituição dos juízes daquela comarca em caso de falta ou impedimento, decisão essa que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca. (iii) De resto, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantêm uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos juízes da Comarca que Exma. Senhora Juíza Presidente encabeça; (iv) Por outro lado, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação e sucessivas alterações de conteúdo a exercer funções no tribunal da comarca de ... (e que sobre o despacho reclamado se pronunciaram) e não qualquer magistrado que aí viesse a ser colocado e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca; (v) Por fim, sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios a ter presentes no regime de substituição) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos limita/restringe, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca no que em matéria de substituições diz respeito; (vi) Aliás, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirma na douta deliberação R. de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU, o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção”; (vii) Na verdade, a natureza de ato administrativo é ainda mais evidente se se verificar que o comando normativo proferido pela Exma. Senhora Presidente da Comarca de ... traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no despacho recorrido; (viii) A douta deliberação impugnada padece, por isso, de manifesto erro de julgamento, em clara violação do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca, sendo entendimento contrário inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). (ix) Ao suportar o mesmo entendimento, também a deliberação do CSM, de ....2015, relativa à rejeição da reclamação apresentada pelos AA. é ilegal, porquanto a mesma opõe-se, de forma manifesta, à utilidade pretendida nos presentes autos (x) Termos em que o Recurso deve ser julgado procedente, com as legais consequências. 7. Por sua vez, o Conselho Superior da Magistratura, na qualidade de Recorrido, veio apresentar as suas alegações com os seguintes fundamentos: - Custas pelo Conselho Superior da Magistratura, com taxa de justiça de 6 UC (art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi art. 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e art. 7º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, e respectiva Tabela I-A anexa). - Valor da causa: € 30.000,01 (art. 34º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Vencido *Em 5 de Agosto de 2014 foi notificado aos recorrentes. o despacho proferido pela Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, através do qual, e entre o demais, se fixou os critérios de substituição de juízes, nas suas faltas e impedimentos, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa O recorrido considera que o recurso hierárquico interposto pelos recorrentes é inadmissível, por aquele configurar um regulamento e não um acto administrativo. Os recorrentes defendem que o despacho proferido configura um acto administrativo e como tal susceptível de recurso nos termos do art. 98.º do LOSJ. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem-se pronunciado sobre esta problemática, perfilhando o entendimento professado pelos primeiros Autores acima citados. Vejamos, a título de exemplo, alguma desta jurisprudência: Acórdão do STA de 24-01-2012, proferido no Proc n.º 0851/11[1], onde se lê “ (…) pois como resulta do preceituado no art. 120.º do CPA, «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta». No caso, para além do decidido quanto ao beneficiário A.., o despacho referido nada pretendeu decidir relativamente à situação concreta de qualquer outro beneficiário, mas apenas visou, como decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito dos seus poderes de cognição, «definir procedimentos de actuação e de interpretação a serem de futuro seguidos pelos serviços em relação aos pedidos de actualização de pensão formulados». Assim, não sendo o despacho referido um acto administrativo quanto ao decidido para além do que respeita àquele beneficiário identificado, por não ter visado configurar, só por si, qualquer outra situação individual e concreta, está afastada a possibilidade de se estar, na parte que não se refere àquele beneficiário, perante um acto administrativo constitutivo de direitos para efeitos das restrições à revogabilidade de actos deste tipo, previstas no art. 140.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPA.”
Acórdão do STA de 12-01-2012, Proc. n.º 0714/10[2], em que se escreveu que: “O facto do acto administrativo ter um destinatário concreto, perfeitamente identificado, cuja situação individual visa regular é, assim, um dos seus elementos essenciais, característica que o distingue dos actos normativos já que estes se destinam a regulamentar a situação de um universo geral e abstracto de destinatários. A generalidade e abstracção dos seus destinatários funciona, assim, como elemento distintivo do acto normativo, essencial na construção deste conceito, e, se assim é, podemos afirmar que se a imposição se dirige a um grupo genérico e indeterminado de pessoas, ainda que determináveis, mas sem definição das suas situações individuais, ter-se-á de concluir que a mesma tem características de acto normativo e não de acto administrativo (Neste sentido vd. Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, pp. 170 e segs.) e, entre muitos outros Acórdãos deste STA de 3/11/2004 (rec. n.º 678/04), de 29/03/2006 (rec. 1105/05) e diversa jurisprudência nele citada.)”. Acórdão do STA de 19-05-2011, Proc n.º 0113/10[3], em que se decidiu que “Assim, para efeitos de sujeição à jurisdição administrativa, o que efectivamente releva hoje é que o acto seja praticado no exercício da função administrativa e ao abrigo de normas de direito administrativo, visando a definição de uma situação concreta, independentemente do seu autor. Com efeito, segundo a doutrina e a jurisprudência maioritárias, o acto administrativo visa sempre a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, exigindo, portanto, a identificação ou individualização do(s) seu(s) destinatário(s), assim se distinguindo do acto normativo, que se caracteriza pela generalidade e abstracção, pelo que os seus destinatários integram-se em conceitos ou categorias abstractas e, portanto, sem individualização de pessoas (Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, III, p.36 e segs., Rogério Soares, Direito Administrativo, 81, Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, e o mesmo autor e outros, CPTA anotado, p.550, e, entre outros, os acs. STA de 25.06.98, rec.43.023, de 03.11.04, rec. 678/04, de 07.06.06 (Pleno), rec. 1257/05, de 26.10.2006, rec. 255/06 e de 08.07.2009, rec. 687/07) . Referindo-se ao conceito de acto administrativo contido no artº120º do CPT, diz-nos o Prof. Freitas do Amaral e outros que « A ideia do legislador foi a de encontrar um conceito operativo para delimitação do âmbito material de aplicação do CPA, conceito esse que erigiu a individualidade, isto é, a aplicação a sujeito(s) determinado(s) como elemento chave da noção e, do mesmo passo, como critério para distinguir entre acto administrativo e acto normativo, de molde que sempre que haja generalidade, isto é, aplicação a um grupo indeterminado de cidadãos, ainda que determináveis, mas, portanto, sem definição de situações individuais, o comando deve considerar-se como acto normativo e não como acto administrativo» (Cf. in Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 1ª Edição, p.188) . E como já decidiu este STA, em casos de actos mistos de difícil qualificação (actos gerais e concretos), a dúvida deve ser resolvida a favor da normatividade. (Cf. os já citados acórdãos do Pleno de 07.06.2006, 1257/05 e da 1ª Secção do STA de 03.11.2004, rec. 678/04)”.
Acórdão do STA de 21-05-2008, Proc n.º 0162/07[4], no qual se decidiu que: “A jurisprudência deste STA, em harmonia com a doutrina, tem vindo a entender, desde há muito, que a distinção entre acto administrativo e normativo deve fazer-se através da apreciação das características da generalidade e abstracção (v. entre muitos outros, acordãoss do Pleno de 7.5.96, proc. 26.010, de 15.01.97, proc. 32.091, de 10.2.99. proc. 30.672, de 14.10.99. proc. 30.543, in Ap. ao D.R. de 10.08.98, pág. 348 e segs, de 28.5.99, pág. 85 e segs, de 4.05.2001, pág. 257 e segs, de 21.06.2001, pág. 1071 e segs). A generalidade da norma reporta-se à definição dos seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas; a abstracção significa, no caso, a definição das situações da vida a que se aplica a norma também por meio de conceitos ou categorias. O acto administrativo, ao invés, é individual, isto é, “ reporta-se a uma pessoa ou algumas pessoas especificamente identificadas; e é concreto, isto é, visa regular uma certa situação bem caracterizada” (Freitas do Amaral, Direito Administrativo III vol. pág. 36). No caso em apreço, o acto publicitado no edital dirige-se aos moradores do Bairro do …, não contendo qualquer individualização concreta dos respectivos destinatários. Estes são definidos através de uma categoria abstracta. Por outro lado, as estatuições contidas no referido Edital, e, concretamente, as julgadas ilegais pela sentença recorrida, reportam-se a situações da vida definidas, também, através de conceitos ou categorias. Estamos, pois, perante um regulamento e não perante um acto administrativo, ao contrário do sustentado pelo Recorrente.”
Na nossa opinião, é de perfilhar o entendimento que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência do STA (que, a título de exemplo, acima se enunciou), e, entre outros, pelos Profs. Freitas de Amaral e Mário Aroso de Almeida, quanto ao conceito de generalidade. Com efeito, a generalidade do comando desponta da circunstância de os seus destinatários não serem individualizados e apenas surgirem definidos por referência a conceitos ou categorias genéricas/universais, nomeadamente a uma categoria de pessoas, ainda que seja, objectivamente, possível determiná-los. Em face da definição legal constante do art. 120° do CPA, propendemos a considerar que a individualização do destinatário passou a ser tida como um elemento essencial do acto administrativo, não podendo considerar-se como tal um acto que não contenha, em si mesmo, a individualização do seu destinatário.
É certo que o Prof. defende que, por os destinatários serem determináveis, os actos gerais são também actos individuais. Na esteira do defendido por Mário Aroso de Almeida, consideramos que este entendimento se afigura ambíguo sobre o que é geral e o que é individual, porque é pacífica na doutrina a qualificação como actos administrativos gerais – tratam-se de comandos de aplicação concreta que têm como destinatários um grupo circunscrito de pessoas não concretamente individualizados, mas determinável – sendo que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa os qualifica como actos gerais. Contudo defende que também são actos individuais. Nesta perspectiva, afigura-se-nos confusa e duvidosa a posição de Marcelo Rebelo de Sousa ao sustentar que o acto (administrativo) geral possui a característica da “individualidade”. Tanto se trata de um entendimento de Marcelo Rebelo de Sousa que se presta a ambiguidades, que Luis Cabral de Moncada[6] - utilizando o mesmo exemplo citado por Marcelo Rebelo de Sousa[7] - quanto ao conceito de acto administrativo geral (produtores de leite de uma ilha) - conclui que aquele comando não pode ser visto como acto administrativo porque apesar de tratar uma situação concreta não tem a característica da individualidade.
Nesta senda, partilhamos da posição preconizada por Mário Aroso de Almeida segundo a qual o acto administrativo geral – que, por estar necessariamente referido a uma situação concreta permite a identificação dos destinatários (que serão sempre determináveis, face a essa situação concreta) – “mesmo quando é geral, o acto concreto dirige-se, por definição, a um universo delimitado de destinários”[8], sendo que, contudo, tal elemento não lhe retira a característica da generalidade.
Por tudo o que atrás expusemos, consideramos que o traço distintivo do acto normativo e do acto administrativo está nas características de “generalidade” e de “abstracção” de que o primeiro se reveste e que, respectivamente, consistem na: - indeterminação dos seus destinatários e a sua definição por intermédio de conceitos ou categorias universais sem individualização de pessoas, ainda que determináveis à face dele - característica da generalidade. - previsão hipotética de uma situação objectiva, que não se esgota numa única aplicação isto é, a susceptibilidade de aplicação da hipótese a um número inconcreto de casos - característica da abstracção.
A abstracção da norma caracteriza-se pela susceptibilidade de aplicação das formulações abstractamente aí contidas a um número indeterminado de casos. A abstracção significa que se disciplina não um caso ou hipótese determinada, mas um número indeterminado de casos, uma pluralidade de hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro. Ao invés, o acto administrativo é sempre uma decisão individual (individualização do(s) destinatário(s)) e concreta (a decisão esgota os seus efeitos com uma única aplicação, carecendo de qualquer razão de ser como previsão hipotética de situações futuras)[9].
Tendo por referência os conceitos atrás referidos de regulamento e acto administrativo e os binómios generalidade/abstracção e individual/concreto, regressemos ao caso concreto, sendo que a análise da qualificação jurídica dos comandos é sempre feita casuisticamente. O despacho ora em causa relativo às substituições dos juízes, em caso de impedimentos ou falta dos mesmos, não identifica os seus destinatários de forma nominativa ou individualizada, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária que é o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Por outras palavras, o regime de substituições, por faltas e impedimentos, não se faz por referência nominativa e individual aos juízes de direito que são o Juiz 1 e o Juiz 2 mas sim por referência ao lugar que ocupam (no lugar do Juiz 1, do Juiz 2 de cada secção (cível, criminal, etc.)) no Tribunal. Conforme refere o recorrido, os comandos não determinam que o juiz A. seja substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo juiz B., mas antes que o juiz que ocupa o lugar de juiz 1 de uma das secções em que se desdobra o Tribunal seja substituído pelo juiz que ocupa o lugar de juiz 2 da mesma secção. Ou seja, o despacho em causa não foi formulado com base na consideração individualizada dos respectivos juízes titulares ... e/ou ..., e/ou juízes colocados como auxiliares ... e ... e/ou Juízes do quadro complementar ... ou .... Por isso e bom rigor, este despacho aplica-se não só aos juízes que à data da sua entrada em vigor estavam a ocupar os lugares de cada secção, mas também a todos aqueles que os venham a ocupar, por força de posteriores movimentos judiciais Ora, tendo em conta que os destinatários do comando são indeterminados (não individualizados), sendo, por isso, susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o comando do Exm. Sr. Juiz Presidente é geral, isto é, possui a característica da generalidade e não da individualidade.
Vejamos se aquele comando possui igualmente a característica da abstracção. No despacho em causa, disciplinou-se um regime de substituições, para situações de faltas ou impedimentos de juízes. Recorreu-se a um conceito genérico de faltas ou impedimentos, não se definindo concretamente que tipo de faltas ou tipos de impedimento estão em causa. O regime de substituições opera para situações de faltas ou impedimentos de juízes, sempre que estas se verificarem, isto é, não se esgota no momento em que entra em vigor. O regime de substituições aplicar-se-á sempre que ocorra uma falta ou impedimento de um Juiz (portanto, a uma pluralidade de situações), ou seja, sempre que se venha a verificar, no futuro, uma falta ou um impedimento de um Juiz, opera o regime de substituições (definido no despacho), independentemente das causas da falta ou do impedimento. Conforme defende o recorrido “o dito comando é válido para todas as situações que, durante a respectiva vigência, venham a ocorrer e que importem que um juiz, por faltar ou estar impedido para a prática de um acto (seja qual for a causa que o determine), tenha de ser substituído por outro, não se esgotando numa substituição concreta, o que permite qualificá-lo como abstracto e de vigência sucessiva.” Ao contrário do defendido pelos recorrente, os destinatários daquele comando são não só os magistrados que à data do despacho estavam colocados no Tribunal da Comarca de Lisboa, mas também todos aqueles que venham a ser colocados naquele Tribunal por força de movimentos judiciais posteriores. Assim o comando não esgota a sua aplicação no momento em que é proferido e notificado aos juízes que estavam colocados naquele Tribunal. Pelo contrário, aqueles comandos têm aplicação para situações futuras, ao longo do tempo, repetindo-se tantas vezes quantas forem necessários para fazer face a faltas ou impedimentos de juízes. A abstracção significa, no caso, a definição de situações de vida por meio de conceitos ou categorias – substituições por faltas ou impedimentos de juiz - que valem para todas as situações de falta ou impedimentos, independentemente da sua causa e qualquer que seja a previsão legal em que tenham acolhimento. O comando, ora em causa, pretende aplicar-se não a uma situação já identificada e particularizada de impedimento ou falta, mas antes em todas as situações em que ocorra falta ou impedimento (seja qual for a sua natureza) de um Juiz, o que evidencia bem a sua natureza abstracta[10]. Cumpre, por seu turno, referir que no caso em apreciação, não estamos perante uma situação enquadrável no conceito de acto administrativo geral, porque desde logo não estamos perante uma situação concreta, mas sim abstracta[11].
Por tudo o que se expôs, concluímos que o despacho contém comandos/normas gerais e abstractas.
Conforme refere Mário Aroso de Almeida[12] “Dá-se o nome de regulamento aos actos normativos, isto é, aos atos jurídicos contendo normas que são emanadas no exercício da função administrativa.” E Freitas do Amaral[13] “os regulamentos administrativos são normas jurídicas emanadas por uma autoridade administrativa, no desempenho do poder administrativo (…)”. Daí que devamos responder à questão a resolver com a afirmação de que o despacho em causa se enquadra na figura do regulamento, e não na figura de acto administrativo, na medida em que contém: - normas jurídicas[14] - regras de conduta gerais e abstractas – sobre substituições dos juízes em caso de impedimento e falta destes. - que foram emanadas no exercício da função administrativa - as normas foram emanadas pela Exm. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca (art. 92.º da LOSJ), no exercício das suas funções administrativa-funcionais[15] - de acordo com o art. 86.º da LOSJ - sendo que inclusive aquelas normas gerais e abstractas, estão em plena sintonia com a orientação genérica do CSM de 27-05-2014, no segmento da salvaguarda do princípio do juiz natural pelo estabelecimento de regras gerais de predeterminação do juiz substituto, prévias à necessidade de a fazer operar quanto a casos concretos. Entendemos que os Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca tem poderes para emitir normas regulamentares relativamente ao regime de substituições em caso de impedimento e faltas de juízes, dispondo de norma habilitante para o efeito - de acordo com o art. 112.º n.º 7 da CRP[16] - nos termos do art. 86.º da LOSJ[17]. É que o art. 86.º, n.º1 da LOSJ dispõe que os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, por determinação do presidente do tribunal de comarca. Pese embora esta expressão «por determinação» possa sugerir a ideia de comando/ordem dirigida em concreto a um juiz e, nesta senda, entender-se que sobre esta matéria, o legislador quis subtrair do Juiz Presidente poderes para emitir comandos gerais e abstractos, somos, todavia, do entendimento que a expressão - «a substituição se efectuará por determinação do Juiz presidente» - utilizada pelo legislador no art. 86.º, n.º 1 da LOSJ tem a amplitude de atribuir o poder (administrativo-funcional) ao Juiz Presidente de elaborar uma determinação geral e abstracta de substituições dos juízes, em caso de impedimento ou falta dos mesmos.
Uma vez que qualificado o despacho em causa, cumpre agora determinar se bem andou o recorrido em recusar o conhecimento da impugnação do dito regulamento.
Dispõe o artigo 98.º da LOSJ sob a epígrafe «recurso» que “Cabe recurso para o Conselho Superior da Magistratura, a interpor no prazo de 20 dias úteis, dos actos administrativos praticados pelo presidente do tribunal.” O despacho redigido pelo Juiz Presidente, conforme acima referimos, não se integra na qualificação de acto administrativo, pelo que não é susceptível de recurso hierárquico nos termos do art. 98.º da LOSJ. De acordo com o art. 173.º, al. b) do CPA “O recurso deve ser rejeitado nos casos seguintes: quando o acto impugnado não seja susceptível de recurso.” Desta feita, o acto em causa, na medida em que configura um regulamento e não um acto administrativo, não é susceptível de recurso hierárquico para o CSM, nos termos do art. 98.º da LOSJ. Nessa medida, nenhum vício padece a deliberação recorrida por ter rejeitado o recurso interposto pelos recorrentes. João Trindade ------------------------- [9] Veja-se, neste sentido, Acórdão do STA de 22-04-2004, Proc. 0933/02, acessível in www.dgsi.pt: “I - O acto normativo caracteriza-se pela verificação cumulativa dos requisitos da generalidade e da abstracção, enquanto o acto administrativo visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. II - Constitui acto administrativo o Despacho conjunto que estabelece os critérios para a integração nas categorias da função pública dos trabalhadores das extintas casas de cultura e juventude, com a publicação em anexo da lista provisória resultante da aplicação dos aludidos critérios; de facto, os funcionários a quem as determinações do referido despacho se aplicam estão concretamente determinados ab initio, constando de lista normativa publicada e esgotam-se com uma única aplicação, embora com pluralidade de destinatários concretos.” [10] Cf. Afonso Rodrigues Queiró in «Direito Administrativo», Vol. I, Coimbra, 1976, pág. 414 segundo o qual abstracção significa que regulam ou disciplinam não um caso ou hipótese determinada, concreta ou particular, mas um número indeterminado de casos, uma pluralidade de hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro. “(…)Enquanto os regulamentos possuem “uma pretensão imanente de duração” (Forsthoff) e não se consomem na sua primeira aplicação, voltando a aplicar-se de cada vez que a situação abstractamente prevista se verifique”. [16] Nos termos do artigo 115.º, n.º 7, da CRP “os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”. Como refere Mário Aroso de Almeida in ob. cit. pág. 100 “O art. 112.º, n.º 7 da CRP admite a emanação de regulamentos apenas precedidos de uma pura norma de produção normativa, isto é, de uma lei que se limite a atribuir aos órgãos que os emanem (competência subjectiva) a competência para introduzirem disciplina normativa de conteúdo inovador sobre determinada matéria (competência objectiva)”. |