Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
900/13.8TBSLV.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
FUNDO GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PAGAMENTO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO / PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE REGRESSO DOS RESPONSÁVEIS / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- ADRIANO G. SOARES e MARIA JOSÉ RANGEL DE LIMA, Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2008, 239.
- DÁRIO M. DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, 1980, 277.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 498.º, N.º 2, 762.º, N.º 1, 763.º, N.º 1.
D.L. N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO: - ARTIGO 54.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010 (PROCESSO N.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1), 7 DE ABRIL DE 2011 (PROCESSO N.º 329/06.4TBAGN.C1.S1), 12 DE ABRIL DE 2016 (PROCESSO N.º 299/12.0TBEVR.E1.S1), 19 DE MAIO DE 2016 (PROCESSO N.º 645/12.6TVLSB.L1.S1) E DE 14 DE JULHO DE 2016 (PROCESSO N.º 1305/12.3TBABT.E1.S1, ESTANDO OS DOIS PRIMEIROS E OS DOIS ÚLTIMOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O prazo da prescrição, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnização.

II - Estando a prescrição reportada ao cumprimento da obrigação de indemnizar, por efeito do mesmo evento, é indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I – RELATÓRIO

O Fundo de Garantia Automóvel (FGA) instaurou, em 25 de julho de 2013, no então 2.º Juízo da Comarca de S… (Juízos Centrais Cíveis de Portimão, Comarca de Faro) contra AA - Companhia de Seguros, S.A., (que, entretanto, passou a denominar-se BB - Companhia de Seguros, S.A.), e, subsidiariamente, contra Banco CC, S.A., (CC), ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 202 902,38, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal, bem como as despesas de liquidação e cobrança que se vierem a liquidar.

Para tanto, alegou, em síntese, que em resultado do acidente de viação, ocorrido em 12 de junho de 2005, ao km 731,900 do IC1, no concelho de S…, em que intervieram os veículos de matrícula 58-05-… e …-84-93, despendeu, a título de indemnizações, a quantia de € 199 513,39; o acidente deveu-se a culpa do condutor do primeiro veículo, que, além do mais, seguia com uma taxa de alcoolémia de 1,09 g/l; por isso, tem direito ao reembolso, nos termos do art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro, na redação do DL n.º 122-A/86, de 30 de maio; a ser inválido o contrato de seguro à data do acidente, a obrigação recai então sobre o R., enquanto sucessor do DD - Banco de Crédito, S.A., proprietário do primeiro veículo.

O R. contestou, alegando a existência do contrato de seguro quanto ao veículo de matrícula 58-05-… e concluindo pela improcedência da ação.

Contestou também a R., por exceção, arguindo a prescrição, pelo decurso do prazo de três anos, e por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Replicou o A., respondendo, designadamente, que o último pagamento ocorreu em 22 de janeiro de 2013 e concluindo pela improcedência da matéria de exceção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 12 de junho de 2015, a sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 202 902,38, acrescida de juros, à taxa legal, sobre a quantia € 199 513,39, desde 26 de julho de 2013 até integral pagamento, bem como as despesas de liquidação e cobrança deste montante que vierem a ser liquidadas em “execução de sentença”.

Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 26 de janeiro de 2017, dando parcial procedência ao recurso, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 99 513,39, acrescida dos juros legais sobre esta importância, mantendo a parte restante da sentença.

Inconformado, o Autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) O limite de capital do seguro de responsabilidade civil titulado na apólice n.º 00454…. era de € 50 000 000,00.

b) Só na data do último pagamento se pode considerar que o FGA cumpriu a sua obrigação, sendo desde essa data que se inicia a contagem do prazo da prescrição de três anos.

c) Tendo o último pagamento sido efetuado em 2013, ano da instauração da ação, não se encontra prescrito o direito do FGA.

d) O acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do art. 25.º do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro.

Contra-alegou a Ré, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está somente em discussão a prescrição do direito de crédito emergente da satisfação da indemnização por acidente de viação pelo Fundo de Garantia Automóvel.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Pela Relação, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

1. No âmbito do processo n.º 1061/08.0 TBSLV, que correu termos no então 2.º Juízo do Tribunal Judicial de S…, em que foram Autores EE, FF, menor, representado pelo anterior demandante, e GG e Réus o Fundo de Garantia Automóvel, AA - Companhia de Seguros, S.A., Banco CC, S.A., HH e II (chamados a intervir como associados dos Réus), o FGA e os AA. efetuaram uma transação, pelo valor global de € 100 000,00, cabendo ao A. EE o montante de € 40 000,00 e ao A. FF a importância de € 60 000,00.

2. Essa transação foi homologada, por sentença de 15 de novembro de 2012, com a correção de 10 de janeiro de 2013, já transitada em julgado.

3. A advogada JJ, que havia representado os AA. nessa ação, propôs contra estes (EE e FF) e o FGA um procedimento cautelar de arresto, por honorários devidos, tendo o arresto sido decretado e o FGA notificado para depositar à ordem desses autos o montante de € 30 000,00, quantia que, previsivelmente, cobriria os honorários devidos, tendo o FGA depositado tal importância.

4. O FGA pagou, em cumprimento da sentença homologatória da transação, em 22 de janeiro de 2013, a EE, em representação do filho, FF, o valor de € 45 000,00, por parte dos danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo que a parte restante foi depositada em consequência do decretamento do arresto), decorrentes do acidente de viação.

5. E pagou, no mesmo dia, a EE, o valor de € 25 000,00, por parte dos seus danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do mesmo acidente de viação, sendo que a parte restante foi depositada à ordem dos autos de arresto.

6. O FGA não entregou a totalidade dos € 100 000,00 aos lesados, mas depositou-a à ordem dos autos de arresto e, caso se considere que o valor relativo a honorários devidos à advogada JJ alcança € 30 000,00, tal valor ser-lhe-á entregue para pagamento dos honorários, caso o montante arrestado exceda o valor devido a título de honorários, o montante restante será entregue aos lesados, não voltando à esfera patrimonial do FGA.

7. O FGA pagou, em 22 de maio de 2009, à Clinica Dentária KK, Lda, pelo tratamento efetuado a FF, o montante de € 130,00.

8. O FGA pagou, em 25 de julho de 2009, à Clinica Dentária KK, Lda, pelo tratamento efetuado a FF, o montante de € 245,00.

9. O FGA pagou, em 26 de fevereiro e 7 de março de 2008, ao centro Hospitalar do Barlavento …, o montante de € 2 303,05, pela assistência hospitalar prestada a EE, em consequência do acidente de viação.

10. Pagou ainda, em 27 de agosto e 28 de dezembro de 2007, à Clínica Dentaria KK, Lda, pelo tratamento efetuado a FF, o montante de € 1 040,00.

11. Pagou, também, em 5 de julho de 2007, a EE, a título de transportes e despesas médicas e medicamentosas, o montante de € 73,44.

12. O FGA pagou, em 24 de abril e 27 de junho de 2007, à Clinica Dentária KK, Lda, pelos tratamentos efetuados a FF e EE, o montante de € 16 075,00.

13. O FGA pagou, em 12 de março de 2007, a LL, a indemnização, por morte de MM, no montante de € 50 000,00, em consequência do acidente de viação.

14. O FGA pagou, em 26 de novembro de 2006, a EE, a título de transportes e despesas médicas e medicamentosas, o montante de € 209,10.

15. O FGA pagou, em 12 de dezembro de 2006, a R.A. Radiologia de A…, por serviços de saúde prestados a EE, o montante de € 175,00.

16. O FGA pagou, em 23 de novembro de 2006, à Clinica Dentária KK, Lda, pelos tratamentos prestados a FF, o montante de € 545,00.

17. Pagou ainda, em 30 de outubro de 2006, ao Hospital Distrital de F…, E.P.E., o montante de € 5 544,73, relativo aos serviços de saúde prestados a FF.

18. E pagou, em 29 de novembro de 2006, ao Hospital de S… M…, E.P.E., o montante de € 5 444,73, relativo aos serviços de saúde prestados a FF.

19. Pagou, também, em 31 de agosto e 26 de outubro de 2006, ao Centro Hospitalar de Lisboa - Zona Central, por serviços de saúde prestados a EE, o montante de € 13 584,98.

20. E pagou a EE, a título de despesas de transporte e medicamentos e perda total do veículo, após deduzida a franquia legal, no valor de € 299,28, o montante de € 1 169,44.

21. O acidente de viação ocorreu, ao Km. 731,900, do IC1, concelho de S…, às 5:45 horas, do dia 12 de junho de 2005.

22. Foram intervenientes os veículos ligeiro de passageiros, matrícula 58-05-…, propriedade do R., conduzido por NN, e o ligeiro de mercadorias, matrícula …-84-93, propriedade de EE e por si conduzido.

23. No dia e hora indicados, o veículo de matrícula 58-05-… circulava, no IC1, no sentido Lisboa-Albufeira.

24. O veículo de matrícula …-84-93 circulava na mesma estrada, no sentido Albufeira-Lisboa.

25. Ao chegar ao Km. 731,900, o condutor do veículo de matrícula 58-05-…, que circulava apresentando uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,09 g/l, não logrou controlar o veículo dentro da sua hemifaixa de rodagem.

26. E repentina e inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem destinada ao trânsito dos veículos em sentido contrário, por onde circulava o outro veículo.

27. O condutor deste, face ao inesperado da manobra, ainda tentou travar e desviar o veículo, mas não conseguiu evitar o acidente, tendo ocorrido o embate frontal entre os dois veículos.

28. Do acidente, resultou a morte de NN e de MM, passageiro do veículo de matrícula …-84-93, e lesões corporais em EE e FF, bem com danos materiais em ambos os veículos intervenientes.

29. EE sofreu, em consequência do acidente, traumatismo de crânio, com fratura e afundamento da mandíbula, traumatismo torácico, lombar e da bacia, com fratura de C5 e L5, e da asa ilíaca direita.

30. FF, ocupante do veículo de matrícula …-84-93, sofreu, em consequência do acidente, traumatismo crânio e facial, fratura do maxilar superior até ao palato, traumatismo da bacia, com fratura do acetábulo.

31. Como ocupante do veículo de matrícula …-84-93, seguia MM, que, em consequência do acidente, sofreu várias lesões, designadamente, rutura da aorta torácica, lesões que lhe causaram a morte.

32. MM deixou como único e universal herdeiro o filho, LL, que sofreu, profundamente, na morte do pai, sentindo-se desesperado e infeliz.

33. O FGA despendeu, a título de indemnizações, o valor global de € 196 539,71 e, a título de despesas de gestão e de instrução do processo, o valor de € 2 973,71.

34. Na data do acidente, relativamente ao veículo de matrícula 58-05-…, existia uma apólice de responsabilidade civil automóvel, contratada com a R., a qual tinha o n.º 10-045-00000-97… e o valor de € 50 000 000,00.

35. Deste contrato consta que “existem direitos ressalvados a favor do DD Banco de Crédito, S.A., pelo que o presente contrato não pode ser anulado, nem alterado, sem prévio conhecimento do interessado”.

36. Entre a DD-Banco de Crédito, S.A., incorporada no R., na qualidade de locador, e NN, na qualidade de locatário, havia sido celebrado, em 1 de maio de 2004, um contrato de aluguer, com o n.º 10…, tendo por objeto o veículo de matrícula 58-05-…, com um prazo de duração de 48 meses.

37. A presente ação foi interposta, em 25 de julho de 2013.

38. O processo n.º 1061/08.0 TBSLV foi instaurado no dia 22 de dezembro de 2008.

39. Nesse processo, a R. defendeu a posição de não ser responsável, além do mais, por inexistência de seguro.

40. O A., no mesmo processo, defendeu a responsabilidade da R.


***

2.2. Delimitada a matéria de facto relevante, retificada materialmente (34.), pois é manifesto que o Tribunal da Relação não alterou a matéria de facto e o mesmo foi dado como provado na sentença (n.º 110), assim como expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da prescrição do direito de crédito, declarada pela Relação.

O Recorrente alega, relativamente ao crédito de € 50 000,00, por si pago em março de 2007, pela morte de MM, e declarado prescrito pelo acórdão recorrido, que não se encontra prescrito em face do disposto no art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro, dado o último pagamento, no âmbito do mesmo sinistro, ter sido efetuado em 2013.

Por sua vez, a Recorrida, entendendo que o pagamento de tal indemnização é perfeitamente autónomo dos feitos a outros lesados, advoga a prescrição desse crédito.

Nesta matéria, as instâncias seguiram entendimentos diferenciados. Assim, a 1.ª instância decidiu pela improcedência da prescrição, quer por efeito do último pagamento ter sido efetuado em 2013, quer por o prazo da prescrição ser de dez anos, nos termos do n.º 3 do art. 498.º do Código Civil (CC). Por sua vez, a Relação, perfilhando o entendimento de que o pagamento de tal indemnização era distinto (“autónomo” e “perfeitamente identificado”) dos restantes pagamentos feitos a outros lesados, concluiu pela prescrição, por já ter decorrido o prazo de três anos, contado a partir de 2007.

Feito, nestes termos, o enquadramento da controvérsia jurídica, vejamos então o direito aplicável ao caso sub judice.

Nos termos do art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31 de dezembro, aplicável ao caso, satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e a cobrança.

Não obstante o Fundo de Garantia Automóvel fique sub-rogado nos direitos do lesado, tal direito corresponde melhor à figura do direito de regresso, sendo certo que, nesse sentido, o novo regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, quanto aos direitos do FGA, remete, expressamente, para a aplicação do n.º 2 do art. 498.º do CC (art. 54.º, n.º 6).

Assim, e de harmonia com o disposto nesta última norma legal, prescreve no prazo de três anos, “a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.

Nesta disposição estabelece-se uma prescrição especial de curto prazo, “baseada em razões de interesse social, mas visando sobretudo despertar a diligência e zelo dos interessados” (DARIO M. DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, 1980, pág. 277).

Ainda que o prazo da prescrição constitua questão controversa para as instâncias, a divergência mais relevante, contudo, respeita ao início do curso da prescrição (dies a quo), refletida também na própria jurisprudência.

A controvérsia deve-se, sobretudo, à circunstância do cumprimento da obrigação, donde advém o direito de regresso, se repartir no tempo através da realização de várias prestações.

Como se aludiu, a jurisprudência não resolveu a questão de forma uniforme, embora ultimamente se venha acentuando a tendência da prescrição contar a partir do último pagamento, quando a indemnização é satisfeita de forma parcelar.

Tal tendência, talvez, se deva ao sentido normativo constante do referido n.º 6 do art. 54.º do DL n.º 291/2007, a propósito da sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel.

Neste âmbito, nomeadamente para o disposto no n.º 2 do art. 498.º do CC, considera-se relevante, “em caso de pagamentos fracionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”.

Embora esta norma se refira, especificamente, ao direito de regresso do Fundo de Garantia Automóvel, justifica-se, a sua aplicação, de igual modo, ao exercício do direito de regresso por outros responsáveis, designadamente das seguradoras (ADRIANO G. SOARES e MARIA JOSÉ RANGEL DE LIMA, Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2008, pág. 239).

A norma inscrita no n.º 2 do art. 498.º do CC é suficientemente clara quanto a afirmar que o prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, se conta a partir do cumprimento, diferente da situação prevista no n.º 1 do art. 498.º do CC, para o lesado, cujo prazo começa a correr a partir do conhecimento do direito que lhe compete.

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, podendo realizá-la por partes, conforme convenção, imposição legal ou os usos – arts. 762.º, n.º 1, e 763.º, n.º 1, ambos do CC.

Na obrigação de indemnização, o devedor cumpre a obrigação, quando realiza, integralmente, a prestação a que está vinculado, nomeadamente quando paga a totalidade da indemnização.

Neste contexto, o prazo da prescrição, para o exercício do direito de regresso, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar ou a mais do que um lesado, a partir da última prestação realizada, por correspondência ao momento do cumprimento integral da obrigação de indemnizar.

Para além do sentido literal da norma inculcar tal interpretação, também o exercício unitário do direito de regresso a justifica plenamente. Com efeito, seria pouco, senão mesmo nada, razoável que o exercício do direito de regresso tivesse lugar a cada pagamento parcelar. Sendo vantajoso o exercício do direito de regresso de uma só vez, designadamente por razões de segurança jurídica, será a partir do último pagamento da indemnização, coincidente com o momento do cumprimento da obrigação de indemnizar, que se conta o prazo da prescrição do direito de regresso.

Poderá admitir-se, todavia, a multiplicação de pagamentos parcelares ou a mais lesados em tempos diferenciados, com o objetivo exclusivo de prolongar, artificialmente, o prazo curto da prescrição do direito de regresso. Esta situação, porém, podendo constituir uma clara e notória desconformidade legal, poderá ser acautelada, designadamente, por efeito da aplicação do instituto do abuso do direito (art. 334.º do CC).

No essencial, é, neste sentido, que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo, mais recentemente, a pronunciar-se, como sucede, nomeadamente, nos acórdãos de 4 de novembro de 2010 (processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1), 7 de abril de 2011 (processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1), 12 de abril de 2016 (processo n.º 299/12.0TBEVR.E1.S1), 19 de maio de 2016 (processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1) e de 14 de julho de 2016 (processo n.º 1305/12.3TBABT.E1.S1), de que foi relator o atual e onde também foi parte a ora Recorrida (embora numa posição contrária à que defende nestes autos), estando os dois primeiros e os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt.

No caso vertente, o Recorrente pagou a indemnização de € 50 000,00, por morte de um lesado, em 12 de março de 2007, sendo certo que, em 22 de janeiro de 2013, na sequência de transação judicial, pagou ainda, referente ao mesmo acidente de viação, as indemnizações de € 45 000,00 e € 25 000,00 a mais outros dois lesados.

A ação, para o reembolso das indemnizações satisfeitas, foi proposta em 25 de julho de 2013.

Nestas circunstâncias, levando em consideração a data de 22 de janeiro de 2013, correspondente ao último pagamento realizado pelo responsável do acidente de viação, é manifesto que não se mostra transcorrido o prazo de três anos da prescrição, relativamente ao direito de crédito sobre a quantia de € 50 000,00.

Na verdade, como se antes se afirmou, sendo relevante o momento do cumprimento (integral) da obrigação, decorrente da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, o prazo da prescrição, para efeitos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, conta-se a partir do último pagamento realizado, seja no caso da indemnização ser paga por parcelas a um lesado, seja a diversos lesados em ocasiões diferentes. Estando, pois, a prescrição reportada ao cumprimento da obrigação de indemnização, por efeito do mesmo evento, é indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização.

Assim, reiterando, conclui-se que o Recorrente exerceu, tempestivamente, na ação, o direito de reembolso relativo às indemnizações satisfeitas por efeito da assunção da responsabilidade civil, resultante do acidente de viação ocorrido em 12 de junho de 2005, no qual interveio, culposamente, o condutor do veículo de matrícula 58-05-XI, com contrato de seguro celebrado com a Recorrida, quanto ao pagamento da indemnização de € 50 000,00, realizado em 12 de março de 2007.

Deste modo, não pode deixar de se infirmar o entendimento sufragado no acórdão recorrido, que não levou em consideração a jurisprudência mais recente do Supremo, para além de ter desprezado, em absoluto, o outro argumento expresso pela 1.ª instância para afirmar ainda a tempestividade do exercício do direito na ação.

Por isso, o direito de crédito sobre a referida quantia de € 50 000,00 não se encontra prescrito, continuando a existir e podendo ser validamente reclamado em juízo pelo credor.

Nestes termos, concedendo a revista, é de revogar o acórdão recorrido, na parte em que absolveu a Recorrida do pagamento do crédito de € 50 000,00, correspondente à indemnização satisfeita em 12 de março de 2007.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. O prazo da prescrição, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do Código Civil, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnização.

II. Estando a prescrição reportada ao cumprimento da obrigação de indemnizar, por efeito do mesmo evento, é indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização.

2.4. A Recorrida, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, nas instâncias de recurso, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder a revista, revogando a decisão recorrida e, em consequência, condenar ainda a R. BB - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros).

2) Condenar a Recorrida (Ré) no pagamento das custas, em ambas as instâncias de recurso.

Lisboa, 21 de setembro de 2017

Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Sousa Lameira