Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3848/18.6T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
DESPACHO SANEADOR
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CADUCIDADE
CONHECIMENTO NO SANEADOR
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
SERVIDÃO LEGAL
PRÉDIO CONFINANTE
REQUISITOS
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
PODERES DA RELAÇÃO
RECONVENÇÃO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I – Havendo o Tribunal de 1ª instância, quando do despacho saneador, decidido que não se verificava a excepção da caducidade do direito do A. e não tendo sido  interposto recurso daquela decisão no prazo previsto na lei, a mesma transitou em julgado, encontrando-se definitivamente decidida no processo.

II – A expressão “preço devido” corresponde ao valor, em dinheiro, a pagar pelo A., preferente, como contrapartida da aquisição do imóvel, sem que sejam incluídas despesas de escrituras e de impostos.

III – Conferindo o nº 1 do art. 1555 do CC ao proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem o direito de preferência no caso de venda do prédio dominante, o A., proprietário do prédio serviente, gozava de direito de preferência quando da venda do prédio (dominante) que foi concretizada entre os RR.; efectivamente, existia um encargo (a referida servidão legal) que recaía sobre o prédio do A. em benefício daquele outro prédio, restringindo o gozo efectivo do mesmo pelo A. – embora, paralelamente, existissem outros encargos que recaíam sobre o mesmo prédio do A. em benefício de outros quatro prédios.

IV - O encargo sobre o prédio onerado é imposto em proveito de outro prédio, (o que dá relevo á inerência da servidão aos prédios a que activa ou passivamente ela respeita); o prédio do A. encontra-se onerado com diversas servidões, cada uma delas imposta em proveito de cada um dos prédios dominantes – sendo proprietário do prédio onerado com qualquer daquelas servidões o A. tem direito de preferência no caso de venda de qualquer um dos prédios dominantes, em face da previsão do nº 1 do art. 1555.

V - Por via desta norma, face à venda concretizada entre os RR., assiste ao A. uma forma de desoneração do seu direito de propriedade, obtendo alguma compensação através da supressão dessa oneração e pondo-se fim aos eventuais conflitos advenientes daquela concreta servidão.

VI – Dos factos apurados não resulta que o A. actuou com abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

VII - Resulta do nº 2 do art. 665 do CPC que poderá haver supressão de um grau de jurisdição relativamente a questão de que o tribunal recorrido não tenha conhecido por estar prejudicada pela solução por ele dada a outra questão; reconhecendo o Tribunal da Relação dispor da matéria de facto (já julgada) relativa ao pedido reconvencional, pedido esse que apenas não fora conhecido pelo Tribunal de 1ª instância porque considerado prejudicado, deveria o Tribunal da Relação aplicar o Direito aos factos apurados, no que concerne à reconvenção deduzida pela R..

Decisão Texto Integral:


Proc. 3838-18.6T8SNT.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

*

I – Em 23-2-2018 AA intentou a presente acção declarativa com processo comum (acção de preferência) contra BB e mulher, CC, bem como contra DD.

Alegou o A., em resumo:

No dia 31 de Janeiro de 2018 foi celebrado, por escritura pública, contrato de compra e venda em que os RR. BB e CC, na qualidade de proprietários, venderam à R. EE, na qualidade de compradora, o prédio composto de casa de rés-do-chão para habitação e sótão, com 67 metros quadrados, sito em ..., concelho ..., pelo preço de 86.000,00 €.

Ao A. não foi dado conhecimento, pelos RR. BB e CC, da sua intenção de vender o prédio, nem das condições da venda, havendo o A. tido conhecimento de tal quando deparou com as mudanças a decorrer no prédio.

Em 1996 o A. adquirira o seu prédio, casa de habitação com respectivo logradouro, onde vive; porém, por força de decisão judicial, não pode usufruir do seu direito de propriedade na plenitude por sobre o mesmo recair servidão de passagem e de estacionamento dos prédios dominantes, seus vizinhos, sendo um dos prédios dominantes o prédio supra referido.

Tanto vendedores como compradora sabiam da existência da servidão por haver referência à mesma na escritura.

Concluiu o A. que, na sua qualidade de proprietário com prédio onerado com servidão de passagem e estacionamento, tem direito de preferência na venda daquele prédio  dominante, assistindo-lhe o direito de o haver para si pelo preço de 86 000,00 €.

Formulou o seguinte pedido:

- que se reconheça que o A. é dono e possuidor do prédio descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o n.° ...23;

- que se declare que tal prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem e estacionamento a favor do prédio dos RR. no seu pátio/logradouro;

- que se declare o direito de preferência do A. na aquisição do prédio vendido pelos 1.°s RR. à 3.ª Ré, tendo direito a havê-lo para si pelo preço da venda, ou quando se entenda que as despesas integram o preço da venda, mas que não estão provadas ou indicadas;

- que se ordene o cancelamento do registo de aquisição do prédio pela 2ª R. ou de qualquer outro registo que a ela respeite.

Na sequência, comprovou o A. o depósito dos 86.000,00 € correspondentes ao preço da venda.

Citados os 1.° e 2.° RR., por cartas registadas com a/r recepcionadas em 1-3-2018, apresentaram contestação em que se defenderam por excepção e impugnação.

Assim, invocaram a caducidade do direito de preferência, dizendo que ao contrário do referido na escritura de compra e venda o preço do imóvel foi de 125.000,00 € e não de 86.000,00 €, tendo posteriormente os RR. rectificado o valor da escritura para o valor real. Deste modo, a existir o direito de preferência, o mesmo seria pelo valor real da venda e não pelo valor inicialmente declarado; não tendo o A. depositado o valor real da compra e venda, o montante depositado é insuficiente, razão pela qual se deve declarar extinto, por caducidade, o direito de preferência.

Alegaram que o prédio do A. se encontra onerado com uma servidão de passagem e de estacionamento do seu pátio/logradouro a favor não só do prédio vendido pelos 1.°s RR. à 2.ª Ré, mas também dos prédios descritos sob os n.°s ...78, ...22, ...52 e ...90 e que, tendo o direito de preferência por fundamento o proprietário do prédio serviente terminar com o encargo que incide sob o seu prédio, tal não se verificaria caso o A. exercesse o direito de preferência no caso dos autos, uma vez que o seu prédio continuaria onerado com a servidão de passagem a favor dos outros prédios dominantes.

Concluíram pela procedência das excepções peremptórias e, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção, em qualquer caso com a sua absolvição dos pedidos.

Citada a R. DD, por intermédio de solicitador da execução, em 18-4-2018, igualmente apresentou contestação excepcionando – em termos similares aos dos co-RR. – e impugnando mas, também, deduzindo pedido reconvencional. No que concerne à reconvenção, referiu, em resumo,  que o imóvel se encontrava extremamente degradado, tornando-se necessário a realização de obras de restauro e melhoramento, tendo sido executados para o efeito os trabalhos que discrimina e em que gastou 30.197,00 €, acrescidos de IVA e tendo despendido em materiais de construção o montante global de 4.262,98 €.

Terminou pugnando pela procedência das excepções peremptórias deduzidas, com absolvição dos RR. dos pedidos e, caso assim não suceda, pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos; bem como, ainda, pedindo a condenação do A. no «pagamento da quantia ora reconvencionada de 34.459,98 EUR (trinta e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), devida a título de benfeitorias realizadas no imóvel (mão de obra e materiais de construção), aplicados nas obras de restauro e melhoramento do supra identificado prédio urbano», acrescendo a condenação do A. no pagamento juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

 O A. apresentou réplica, pronunciando-se sobre a matéria de excepção e da reconvenção. Designadamente, impugnou o valor do preço da venda, referiu que o aditamento à escritura de compra e venda (escritura rectificativa) foi feito em 26-3-2018, depois da citação dos dois primeiros RR., e pôs em causa factualidade referente à reconvenção.

O processo prosseguiu.

No saneador foi admitida a reconvenção deduzida e julgada improcedente a excepção da caducidade invocada pelos RR..

No que respeita à excepção da caducidade foi, então, consignado:

«Na acção de preferência, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: por um lado tem de interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e, por outro lado, tem de depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

É um facto que o prazo de 15 dias para depósito do preço é um prazo de caducidade e também um prazo de natureza substantiva, ao qual se aplicam as regras de contagem dos prazos previstas nos artigos 279º e 296º, ambos do Código Civil.

Dizem os Réus que o Autor não procedeu ao depósito correcto do preço porque o preço real foi de € 125 000 e não de € 86 000.

Não obstante não pode proceder este argumento dos Réus, desde logo pela questão óbvia de que à data da propositura da acção os Réus não haviam ainda rectificado o valor constante da escritura. Posto isto, ou o Autor tinha dons de fazer “futurologia” sobre o que se iria passar quase um mês depois…ou não lhe restava outra alternativa que não depositar o valor declarado na escritura pública de compra e venda.

Não se quer com isto dizer que se a acção for procedente não recai sobre o Autor a obrigação de proceder ao depósito do valor real da venda que se venha a apurar – pois não podemos esquecer que este valor rectificado foi impugnado pelo Autor – , mas tão somente que à data em que o mesmo interpôs a acção nada mais lhe era exigível que o depósito do preço declarado na escritura.

Em face do exposto, julgo improcedente a excepção de caducidade invocada pelos Réus».

Após julgamento foi proferida sentença que decidiu:

 «I - Julgar a presente acção não procedente, por não provada, e em consequência absolvo os Réus dos pedidos contra eles formulados nas als. c) a d) da petição inicial;

II- Julgar prejudicada, pela improcedência da acção, a apreciação do pedido reconvencional».

O A. interpôs recurso de apelação.

Pela Relatora, no Tribunal Relação de Lisboa foi proferido despacho do qual consta:  «… estamos perante uma ação de preferência em que o valor do depósito por parte de quem exerce a preferência deve corresponder ao valor da compra e venda do bem em apreciação.

Constando da primeira escritura de compra e venda junta aos autos o valor de venda do imóvel como sendo de € 86.000,00 temos que o A. procedeu atempadamente ao seu depósito na ação.

Encontrando-se junta aos autos uma nova escritura de compra e venda deste mesmo imóvel, retificada, em que consta como valor deste negócio a quantia de € 125.000,00 o A./Apelante foi convidado para esclarecer se, caso venha a ser considerado como o valor real da venda este último montante, continuava interessado em exercer a preferência. Por requerimento de 04 de Fevereiro de 2019 o A. respondeu afirmativamente a esta questão – fls. 194/196 dos autos.

Porém, e contrariamente ao que entendemos, não foi o mesmo notificado para, em prazo a fixar, proceder ao depósito da diferença existente entre estes valores sendo que o mesmo não pode ser penalizado por acto/convite que não foi praticado pelo Tribunal.

Assim sendo, e independentemente da apreciação da questão de fundo e das ilações a retirar da mesma, por força a dar correto cumprimento ao artigo 1410.º , n.º 1 do Código Civil, notifique-se o A./Apelante para, no prazo de quinze dias, proceder ao depósito da diferença entre os montantes acima referidos, correspondentes ao valor de venda do imóvel, sob pena de o recurso não poder ser apreciado».

O A. deu cumprimento ao determinado pela Relatora, procedendo ao correspondente depósito.

Na sequência veio o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10-5-2022, a proferir a seguinte decisão:

«… julga-se parcialmente procedente a Apelação e revoga-se a decisão proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, nos seguintes termos:

a) Reconhecer o A./Apelante como proprietário do prédio inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600;

b) Reconhecer que o A./Apelante tem direito de preferência na venda que os 1.º e 2.º RR. fizeram à 3.ª Ré, respeitante ao prédio urbano composto de rés-do-chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., sobre o qual está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600] e, em consequência, que tem o direito de para si o haver, pelo preço de € 125.000,00, em substituição da 3.ª Ré compradora, assim se declarando transmitido para o A./Apelante, por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio;

c) Determinar o cancelamento de todos os registos de aquisição deste imóvel a favor da 3.ª Ré;

d) Determinar a entrega do valor de € 125.000,00 depositados nestes autos à 3.ª Ré, correspondente ao valor do preço do imóvel;

e) Determinar o envio do processo para o Tribunal de 1.ª Instância onde deverá ser proferida decisão quanto às questões que foram julgadas prejudicadas com a decisão então proferida, que será complementar desta que acima se deixa expressa».

Foi, então, formulada declaração de voto, considerando: «…julgada em suficiência a matéria de facto concernente, observado o contraditório, face ao disposto no artigo 665º do CPC, a situação ajuizada reclama o imediato conhecimento de mérito da reconvenção jacente por este tribunal de recurso, obviando à baixa dos autos à primeira instância para tal finalidade.(…) Nessa conformidade, s.d.r., após auscultação das partes sobre a matéria, evitando decisão surpresa, propugnaria pelo conhecimento do mérito da reconvenção por esta instância de recurso».

Do acórdão interpuseram os vários RR. recurso de revista.

Apresentou a R. DD alegações de recurso que finalizou com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls.. que julgou parcialmente procedente a Apelação e revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, tendo reconhecido que o A./Apelante tem direito de preferência na venda que os 1º e 2ºRéus fizeram à 2ª Ré do prédio urbano, determinando o cancelamento de todos os registos de aquisição deste imóvel a favor da 3ªRé, bem como determinar o envio do processo para o Tribunal de 1ª Instância onde deverá ser proferida decisão quanto às questões que foram julgadas prejudicadas com a decisão proferida, que será complementar desta que acima se deixa expressa.

2. O acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei, dado ter existido uma inadequada apreciação do aspeto jurídico da causa relativamente à sua interpretação e âmbito de aplicação, colocando-se à apreciação de Vossas Excelências, as quatro questões jurídicas centrais que são:

a) A questão da caducidade do exercício do direito preferência, porquanto o depósito da totalidade de preço pelo A./Apelante só ter ocorrido em 22 de Abril de 2022;

b)-A questão inerente ao depósito do “preço devido”, na ação de preferência em cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil;

c)- A questão relativa aos pressupostos (e requisitos) para o exercício do direito legal de preferência nos termos do disposto no artigo 1555º do Código Civil;

d)- Apreciação do pedido reconvencional formulado pela 3ª Ré relativamente às benfeitorias realizadas no imóvel;

3. “a) A questão da caducidade do exercício do direito preferência, porquanto o depósito da totalidade de preço pelo A./Apelante só ter ocorrido em 22 de Abril de 2022;”

Na parte que concerne à questão de se ter operado a caducidade do exercício do direito preferência, em virtude do depósito do preço  do contrato de compra e venda do imóvel transmitido no montante de 125.000,00 euros, devido pelo A./Apelante nos termos do artigo 1410º, nº1 do Código Civil, só ter sido concretizado em 22 de Abril de 2022, não obstante a presente ação direito preferência ter sido intentada em 28/02/2018, havendo sido depositado inicialmente o  preço de 86.000,00 euros, que constava da 1ª escritura celebrada em 31 de Janeiro de 2018, no Cartório Notarial Dra. FF.

4.Todavia, no dia 26 de Março de 2018, os Réus procederam à retificação da escritura de compra e venda, ficando da mesma a constar o preço de 125.000,00 euros, valor que correspondia inclusivamente ao valor constante do contrato promessa de compra e venda celebrado em 16-12-2017 entre os Réus, cujo negócio foi mediado por uma imobiliária, a qual também redigiu o contrato promessa e interveio na escritura de compra e venda.

5 Citados todos os Réus, aqueles vieram apresentar as suas contestações, tendo sido feita a junção aos autos da 2ª escritura de compra e venda celebrada em 26 de Março de 2018, com preço retificado de 125.000,00 euros pela alienação do prédio urbano, e das quais o ora A./Apelante tomou conhecimento direto via Citius, respetivamente em 17/05/2018 (Referência ...67) e 21/05/2018 (Referência ...03).

6.Começaremos por destacar e salientar, que pelos Réus aquando da apresentação da sua contestação, desde logo a título de exceção, questionaram que o valor depositado pelo A./Apelante, não foi o valor real da compra no montante de 125.000,00 euros, e o montante depositado por aquele de 86.000,00 euros, ser considerado manifestamente insuficiente, e tendo aquele A. persistido em não depositar o diferencial do preço no montante de 309.000 euros, entendemos existir fundamentação legal para ser declarado extinto por caducidade, o direito de preferência.

7. Deveremos salientar, e destacar que em 31 de Janeiro de 2019, foi proferido um despacho judicial com a Referência ...87, tendo então o A./Apelante sido convidado pela Meritíssima Doutora Juiz no Tribunal 1ª Instância, para que que esclarecesse , se no caso de vir a ser considerado como o valor real da venda este último montante 125.000,00 euros, continuaria interessada em exercer a preferência.

8. Sendo que, o A./Apelante por requerimento datado de 4 de Fevereiro de 2019 (Referência ...73) respondeu afirmativamente a essa questão -fls. 194/196 dos autos, contudo persistiu em não concretizar o depósito do diferencial do preço até 22 de Abril de 2022.

9. Donde que, se nos afigurar, que em virtude da posição manifestada em 04 de Fevereiro de 2019 pelo A./Apelante , de estar disponível para poder vir a exercer o direito de preferência pelo valor de 125.000,00 euros, então estaria aquele obrigado a ter procedido ao depósito do diferencial preço 39.000,00 euros, no prazo de 15 dias, para dar cumprimento ao disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil, sob pena de operar por caducidade a extinção do direito de preferência.

10. Assim sendo, perfilhamos o entendimento de que o A./Apelante deverá ser penalizado por não ter concretizado o sobredito depósito do diferencial do preço de 39.000 euros, no prazo de 15 dias, após ter tomado conhecimento do preço retificado da venda do imóvel, no estreito cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil.

11. Quanto à questão de saber se é permitido ao preferente depositar um preço inferior ao contratado entre o vinculado à preferência e terceiro, com fundamento numa eventual simulação de preço, encontramos a seguinte resposta :

4 - O titular do direito de preferência só cumpre o ónus de depositar o preço devido se depositar a totalidade do preço real, mesmo que uma parte dele (ou todo) não seja ainda exigível.

5- A realização do depósito da totalidade do preço do terreno a preferir, constitui um ónus que, a não ser observado pelo preferente, determinará a extinção do seu direito por caducidade.” (sublinhado nosso).

-vidé Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/11/2008,Relator Graça Santos Silva, Processo 557/2001.C1.

12.Nos casos em que o preferente suspeite de uma eventual simulação de preço e, terá de ponderar se está interessado em preferir mesmo pelo preço simulado, ou se, só lhe interessa preferir por aquele que inicialmente depositou. Nesta última hipótese arrisca-se a perder o seu direito, pela insuficiência do depósito efetuado; querendo afastar esta possibilidade, e estando interessado em preferir mesmo pelo preço simulado, o preferente deverá depositar o preço declarado pelos contraentes. .-vidé Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/11/2008, Relator Graça Santos Silva, Processo 557/2001.C1, publicado em www.dgsi.pt-

13.Esta solução corresponde àquilo que Doutrina e Jurisprudência de uma forma geral vêm defendendo, sobre a consequência da não realização do depósito do preço devido nos termos acima descritos, dentro do prazo fixado no artº 1410.º, n.º 1, do Código Civil, ou quanto muito daquele constante do nº 1, al. b) do artº 1037º do CPC.: essa consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir.

14. A realização do depósito da totalidade do preço do terreno a preferir, constitui um ónus que, a não ser observado pelo preferente, determinará a extinção do seu direito por caducidade. (Neste sentido, ainda, Antunes Varela Exercício do Direito de Preferência cit., pág. 226, VAZ SERRA, Anot. ao Acórdão do STJ de 3/5/79 na RLJ, 112º- 365; Batista Lopes em “Do Contrato de Compra e Venda no Direito Civil, Comercial e Fiscal”, Coimbra, 1971, pág. 350, e ss; Oliveira Ascensão em “O Depósito do Preço na acção de Preferência” 168 e 195 e ss, em R.T., 93º, pág. 3 e ss; Ac. do STJ em BMJ 299º - 331 e ss.) -vidé Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/11/2008, Relator Graça Santos Silva, Processo 557/2001.C1, publicado em www.dgsi.pt-

15. Todavia poderemos constatar que da parte do A./Apelante, ao longo de toda a tramitação processual no Tribunal de 1ª Instância, até à data em que foi proferida a sentença judicial, e aquele foi notificado via Citius, em 30 de Novembro de 2021, com a Referência ...97, persistiu em não ter procedido ao depósito do diferencial do preço de 39.000,00 euros, para perfazer o preço de 125.000,00 euros constante da escritura de retificação do contrato de compra e venda.

16. O A./Apelante, não se conformou com o teor da sentença judicial, e em 23 de Dezembro de 2021, com a Referência ...21, veio a interpor o competente Recurso de Apelação, continuando a persistir em não fazer o depósito do diferencial do preço, mantendo-se insuficiente o depósito do preço por si realizado no montante de 86.000,00 euros.

17 Tendo o A./Apelante tomado conhecimento do valor do preço de 125.000,00 euros, do contrato de compra e venda, aquando da apresentação das contestações da 1ª e 2ª Ré, em 17 de Maio de 2018(Referência ...67), e da 3ª Ré, em 21 de Maio de 2018 (Referência ...03), persistiu em não dar cumprimento ao depósito da totalidade do preço que constava da 2ª escritura de compra e venda, em clara violação do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil.

18. Para poder vir a exercer o direito de preferência nos presentes autos o A./Apelante estaria obrigado, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (17 de Maio de 2018, data notificação da contestação dos 1º e 2º Réus, Referência ...67), a depositar o diferencial do preço devido no montante de 39.000,00 euros, nos 15 dias seguintes, o que não veio a suceder, não cumprindo o disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil.

19. Desse modo, entendemos que andou mal o Tribunal da 1ª Instância em ter aceite e admitido em 21 de Fevereiro de 2022 (Referência ...93), o Recurso de Apelação formulado pelo A./Apelante, porquanto não se encontrar depositada a totalidade do preço 125.000,00 euros, que constava da 2ª escritura de compra e venda.

20. O Tribunal de 1ª Instância, deveria ter recusado a admissão do recurso de apelação, dado não se encontrar depositada a totalidade do preço do contrato de compra e venda, o que era do seu conhecimento, violando o disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil, o que impedia o exercício do direito de preferência.

21. De igual modo, o Tribunal da Relação de Lisboa, em 31 de Março de 2022, ao receber o Recurso de Apelação, também estaria obrigado a observar o não cumprimento da lei pelo A./Apelante, e consequentemente ter recusado a admissão do Recurso de Apelação, porquanto não se encontrar ainda depositada a totalidade do preço do contrato de compra e venda, em violação do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil, o que configurava a caducidade do direito de preferência.

22. Todavia ocorreu que, em 21 de Abril de 2022, com a Referência: ...69 foi proferido um douto despacho pela, Juiz Desembargador Relator, ordenando a notificação do A./Apelante para, no prazo de quinze dias, proceder ao depósito da diferença entre os montantes acima referidos, correspondentes ao valor de venda do imóvel, sob pena de o recurso não poder ser apreciado.

23. No nosso modesto entendimento, e salvo melhor opinião e entendimento, o despacho judicial proferido em 21 de Abril de 2022, com a Referência: ...69, está ferido de nulidade, pelo que deverá ser revogado, porquanto carecer de fundamentação legal.

24. Posteriormente em 22 de Abril de 2022, veio o A./Apelante apresentar um requerimento com a Referência ...86 , após haver sido notificado do sobredito despacho judicial com a Referência: ...69,dando cumprimento ao mesmo, requerendo a junção aos autos de comprovativo do depósito autónomo no valor de 39.000 euros, correspondente ao diferencial do preço de 125.000,00 euros relativo ao contrato de compra e venda do imóvel.

25. Tendo- se operado a caducidade do direito de preferência, não se entende, nem aceita que tenha o Tribunal da Relação de Lisboa, endereçado um convite ao A./Apelante para, querendo, proceder ao depósito da quantia correspondente à diferença entre os valores declarados na 1ª e 2ª escrituras, em relação ao prédio aqui em apreciação, sob pena de não se conhecer do objeto do recurso.

26. Andou mal, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao ter notificado o A./Apelante, para querendo, proceder ao depósito da quantia correspondente à diferença entre os valores declarados na 1ª e 2ª escrituras, em relação ao prédio aqui em apreciação, quando antes deveria ter declarado não poder conhecer do objeto do recurso, em virtude de não se encontrar depositado nos autos, a totalidade do valor da compra e venda, inerente ação de preferência, violando o disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil.

27. Tendo- se operado a caducidade do direito de preferência, não se entende, nem aceita que tenha o Tribunal da Relação de Lisboa, endereçado um convite ao A./Apelante para, querendo, proceder ao depósito da quantia correspondente à diferença entre os valores declarados na 1ª e 2ª escrituras, em relação ao prédio aqui em apreciação, sob pena de não se conhecer do objeto do recurso.

28. Face ao incumprimento por parte do A./Apelante, do ónus de concretizar o depósito da totalidade do preço de 125.000,00 euros, pago pela 3ªRé , conforme consta da 2ª escritura de compra e venda retificada, datada de 26 de Março de 2018, até à data de 22 de Abril de 2022, e não obstante estarem todos os demais pressupostos verificados nos autos, não restaria ao Tribunal da Reação de Lisboa, senão julgar improcedente a Apelação, e confirmar, por outros motivos a sentença recorrida.

29. “b)-A questão inerente ao depósito do “preço devido”, na ação de preferência em cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil;”

Relativamente à questão inerente ao depósito do preço devido, na ação de preferência em cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil, o A./Apelante inicialmente havia depositado nos presentes autos o valor de 86.000,00 euros, relativo à 1ª escritura, e posteriormente veio a depositar em 22 de Abril de 2022, o diferencial do preço de 39.000,00 euros, para perfazer o valor integral do preço de 125.000,00 euros relativo à 2ª escritura.

30. Porém salvo melhor opinião e entendimento, o Recorrente realizou depósito insuficiente, porquanto não ter depositado as despesas de celebração do negócio, além do preço, que lhe foram pedidas em reconvenção, que ele como comprador as teria de pagar (despesas emolumentos da escritura notarial, pagamento do IMT e Imposto Selo, despesas registo predial), no valor de 2.382,30 euros, perfazendo o valor global de 127.382,30 euros.

31. «Preço», para efeitos do artigo 1410º, nº1 , é todo o sacrifício patrimonial que o adquirente suportou como consequência necessária da aquisição feita e que aproveita ao preferente o preço em sentido técnico e restrito, no caso de compra e venda, o valor do crédito extinto, no caso de dação em cumprimento; e ainda numa hipótese e noutra, a sisa paga, as despesas da escritura e as de registo quando obrigatórias ( Galvão Telles, C.J.1984,1º-5 e ss; também B. Lopes, Compra e Venda, 367)- Vidé Código Civil Anotado,15ª edição Revista e Atualizada, Abril 2006,Abílio Neto, anotação 57, página 1169-

32. O «preço devido» a que se refere o 1410º, do Código Civil abrange não só a contraprestação paga pelo adquirente ao alienante mas também a sisa e as despesas da escritura e do registo, quando obrigatório.

33. O depósito a efetuar pelo autor da ação de preferência deve incluir, para além da contraprestação paga pelo adquirente ao alienante, as quantias correspondentes à sisa e as despesas da escritura (RC,31-10-1989;BMJ,390º-470)-

34.O preferente deve as despesas de celebração do negócio, além do preço, se lhe forem pedidas em reconvenção e se ele, como comprador, as tivesse de pagar (RL,15-12-1993:CJ,1993,5º-161) -

35. Tome-se em linha de conta o entendimento do Supremo Tribunal Justiça acerca desta matéria, que abaixo se reproduz:

III- É dominante, no STJ, a jurisprudência no sentido de que «o preço devido» a que se refere o artigo 1410º, nº1 do CC diz respeito apenas à contraprestação que deve ser paga ao vendedor.

IV- O que não significa que não devam ser pagas, também, as outras despesas nomeadamente sisa, registo e escritura, desde que pedidas em reconvenção Vidé-(STJ,22-2-2005: CJ/STJ,2005,2º-11)-

36. Ora sucedeu, que no caso vertente, que a 3ª Ré, em 21 de Maio de 2018,aquando da apresentação da sua contestação com a Referência ...03,veio a formular pedido Reconvencional, no qual veio a reclamar o valor do preço liquidado a favor dos 1ºs RR: no montante de 125.000,00 euros, bem como o total das despesas com emolumentos notariais, registos prediais, imposto de selo e IMT, no valor de 2.382,30 euros, perfazendo o valor global de 127.382,30 euros.

37. Face ao disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil é de julgar procedente a exceção de caducidade, por falta depósito integral do preço devido da venda, que além da contrapartida paga pelo comprador ao vendedor pela transmissão do imóvel, os impostos pagos pelo adquirente, de que o preferente beneficia, bem como as despesas com a escritura e o registo de aquisição.

38. Acerca da devolução do valor das despesas tidas com a escritura, existe entendimento na doutrina e jurisprudência, de opiniões e decisões, em que a expressão "preço devido", ínsita no artigo 1410º, n.º1 do Código Civil, compreende não apenas o preço do contrato prometido, como também as despesas com a escritura e registos, e os impostos (IMT e Imposto Selo) integram o preço, e devem ser suportados pelo preferente.

39. Entendemos pois, que a 3ªRé tem direito a ser reembolsada pelas despesas que realizou com a escritura de compra e venda, preço pago no montante de 125.000,00 euros, bem como o total das despesas com emolumentos notariais, registos prediais, imposto de selo e IMT, no valor de 2.382,30 euros, perfazendo o valor global de 127.382,30 euros, comprovados nos autos, e cujo pagamento pediu no âmbito do pedido reconvencional que deduziu.

40. Mas, tendo o A./Apelante apenas depositado o preço declarado na escritura – o preço da alienação em sentido estrito ou técnico – e deixando de fora o correspondente às despesas notariais e de registo, bem como os impostos (Imposto Selo e IMT), é de concluir que não efetuou o depósito da totalidade do preço devido, não se verificando, pois, um dos pressupostos do direito em causa, um dos elementos constitutivos do direito de preferência, pelo que a ação deverá improceder.-vidé artigo 1410º, nº1 do Código Civil-

41. “c)- A questão relativa aos pressupostos (e requisitos) para o exercício do direito legal de preferência nos termos do disposto no artigo 1555º do Código Civil;”

Quanto à questão relativa aos pressupostos (e requisitos) para o exercício do direito legal de preferência nos termos do disposto no artigo 1555º do Código Civil, temos que o A./Apelante intentou na 1ª Instância a presente ação pedindo que se declare o seu direito de preferência na aquisição do prédio dos 1º e 2ºs Réus, e que aqueles venderam à 3ª Ré, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., no dia 31 de Janeiro de 2018.

42. Foi entendimento da 1ª Instância, de que existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição suscetível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem entenderem.

43.Na sua douta sentença, em face do exposto, e por toda a fundamentação, foi decidido pela 1ª Instância julgar a ação não procedente, por não provada, e em consequência absolvidos os Réus dos pedidos contra eles formulados nas als. c), a d), da petição inicial.

44.O A./Apelante inconformado com a douta sentença judicial, interpôs recurso de Apelação, sustentando a revogação da sentença proferida pela 1ª Instância por errada interpretação e aplicação do artigo 1555º do Código Civil.

45.No seu douto acórdão veio o Tribunal da Relação de Lisboa, a julgar parcialmente procedente a Apelação e revogou a decisão proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, nos seguintes termos:

a) Reconhecer o A./Apelante como proprietário do prédio inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600;

b) Reconhecer que o A./Apelante tem direito de preferência na venda que os 1.º e 2.º RR. fizeram à 3.ª Ré, respeitante ao prédio urbano composto de rés-do-chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., sobre o qual está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600] e, em consequência, que tem o direito de para si o haver, pelo preço de € 125.000,00, em substituição da 3.ª Ré compradora, assim se declarando transmitido para o A./Apelante, por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio;

c)Determinar o cancelamento de todos os registos de aquisição deste imóvel a favor da 3.ª Ré;

46. A ora Recorrente discorda do douto acórdão, na parte em que decidiu ter o A./Apelante o direito de preferência na venda que os 1.º e 2.º RR. fizeram à 3.ª Ré, respeitante ao prédio urbano.

47. Perfilhamos, e aderimos integralmente ao entendimento da decisão proferida pela 1ª instância, por se considerar não ser de aplicar ao caso concreto o direito de preferência, porquanto existirem vários prédios dominantes e não resultar do direito de preferência no caso sub judice a extinção da servidão.

48. O douto acórdão recorrido, salvo melhor opinião e entendimento incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei aos factos.

49. Tal como foi enunciado pelo Tribunal de 1ª Instância, a questão primordial aqui em discussão é a de saber se existindo cinco prédios dominantes e estando em causa apenas a venda de um deles, ainda assim se pode falar da existência de um direito de preferência do prédio serviente.

50. O prédio do A./Apelante encontra-se onerado com uma servidão de passagem e de estacionamento do seu pátio/logradouro a favor não só do prédio vendido pelos 1.ºs e 2ºs RR. à 3.ª R., mas também dos prédios descritos sob os n.ºs ...78, ...22, ...52 e ...90;

51.O direito de preferência tem por fundamento o proprietário do prédio serviente terminar com o encargo que incide sob o seu prédio, o que não se verificaria caso o A./Apelante exercesse o direito de preferência, uma vez que continuaria o mesmo onerado com a servidão de passagem a favor dos outros quatro prédios dominantes.

52. Considera o ora Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, não merece qualquer reparo, tendo a Mm.ª Juiz a quo feito uma correta e livre apreciação das provas levadas a juízo, como lhe compete, nos termos do n.º 5 do art.º 607.º do Código

de Processo Civil, fazendo uma correta valoração da prova produzida nos autos e correta interpretação e aplicação do Direito.

53.Conforme consta da fundamentação de Direito da douta sentença do Tribunal 1ª Instância, “a questão que se coloca nos presentes autos não é tanto a de saber se o prédio serviente tem, em tese, direito de preferência da alienação do prédio dominante, mas sim a de saber se sendo vários os prédios dominantes, e estando apenas em causa a venda de um deles, ainda assim se pode falar da existência de um direito de preferência do prédio serviente”.

54. Pois, “na realidade, a reconhecer-se o direito de preferência do A./Apelante, nem por isso cessa o seu encargo; o mesmo pode ver-se quantitativamente restringido, mas não qualitativamente”.

55. Assim sucedendo, terá sentido nesta situação, reconhecer ainda assim a existência de um direito de preferência?

56. Na nossa perspetiva, a resposta a esta questão, passará pela análise e interpretação do escopo/ratio do direito de preferência.

57. Na realidade, o escopo da preferência legal é “pôr cobro a situações em que se possa recorrer a meios de soberania para constituir servidões ou em que a ameaça a esse recurso conduza, ou possa conduzir, a uma «contratação» não inteiramente livre” (MENEZES CORDEIRO, “Servidões legais e direito de preferência”, CJ XVII-I-77).

58. De igual modo, tal como se refere num Ac. STJ, relatado pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza, o que releva é a situação de encrave a justificar em primeira linha a concessão ao proprietário do prédio encravado o direito de constituir uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos e, depois, no caso de se constituir a servidão, a possibilidade do proprietário do prédio onerado poder fazer cessar tal ónus concedendo-lhe a faculdade de preferir na venda do prédio dominante (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2010, Processo n.º 2370/04.2.TNVFR.S1, disponível em www.dgsi.pt).

59. Afigura-se ser entendimento uniforme, a ratio legis da instituição deste direito de preferência é naturalmente a de extinguir tal encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado; será ainda de acrescentar que a atribuição de tal direito de preferência representa também uma compensação pelo encargo a que está sujeito o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem (o que justificará também que o direito de preferência não seja concedido aos proprietários dos prédios encravados na alienação dos prédios onerados, solução que esteve consagrada na Lei n.º 1 621, de 09 de julho de 1924 e veio a ser abandonada com o CC; v. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., Volume III, página 645).

60. Acresce significar que, o direito legal de preferência, ao retirar ao proprietário o direito de poder escolher o outro contraente, afeta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade – neste sentido ver recentíssimo Ac. Relação Guimarães de 16-09-2021, 315/19.4T8BGC.G1, Relatora RAQUEL BAPTISTA TAVARES in www.dgsi.pt/jtrg.nsf.

61. Tal como se faz alusão no supra citado acórdão, “A sua consagração deve nortear-se, por isso, por razões de interesse público que justifiquem restringir essa liberdade de escolha do proprietário; veja-se aliás, no que toca ao direito de preferência previsto no citado artigo 1555º, que o mesmo é reservado apenas para as servidões legais de passagem, ou seja, as que são suscetíveis de se impor coativamente, ainda que constituídas por qualquer título, e não para todas as servidões de passagem.”

62. O sobredito acórdão convoca ainda para a sua fundamentação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020 de 16 de junho de 2020 (Diário da República n.º 183/2020, Série I de 18/09/2020) no qual se afirma que “o direito de preferência constitui limite à liberdade contratual do indivíduo a ela vinculado, mais precisamente à liberdade de escolher a parte com quem pretende contratar. Embora o proprietário possa sempre entabular negociações com quem lhe aprouver, encontra-se, após notificar o preferente e enquanto a preferência puder legalmente ser exercida, num estado de sujeição relativamente a este último. Cabe ao preferente, com inteira autonomia, decidir se pretende ou não ocupar a posição do comprador no contrato de compra e venda que o obrigado pretende celebrar, e precisamente nos termos em que este o pretende celebrar (…) E mais: sendo o direito de preferência exercido, não pode o obrigado desistir do negócio, sendo-lhe imposto o preferente como contraparte contratual”.

63. Tais razões de interesse público, que coartam notoriamente o princípio da liberdade contratual, visam, essencialmente assegurar, a proteção da mesma plenitude do direito de propriedade.

64. Sendo que o objetivo do direito de preferência conferido ao dono do prédio onerado com a servidão legal de passagem é, por isso, “o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam divididas entre diversos titulares: entre o proprietário e o titular do direito real menor (…)”

(neste sentido ver Acórdão da Relação de Guimarães de 02/03/2010, Processo n.º 185-D/2002.G1).

65. Preconizamos poder ser esta a ratio do direito de preferência, subjacente à consagração legal deste concreto direito de preferência: o seu exercício permitir pôr termo ao encargo que onera a propriedade, pois só nesses casos tem fundamento o limite à liberdade contratual que o direito de preferência sempre pressupõe; o objetivo do direito de preferência em causa é sem dúvida o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.

66. Se na realidade for esta a razão de ser do direito de preferência, a questão com que nos confrontamos nos presentes autos, será certamente, se o exercício da preferência nos presentes autos irá alcançar esse escopo, ou seja, se extingue o encargo e restaura a propriedade perfeito do prédio onerado/serviente, no caso o prédio do A./Apelante.

67. Relativamente aos presentes autos , afigura-se-nos que estando a servidão constituída a favor de 5 (cinco) prédios e estando em causa a venda de apenas um deles, jamais o objetivo do direito de preferência será passível de ser alcançado com um eventual reconhecimento desse direito numa situação como a dos presentes autos.

68.Dado que ainda assim subsistirá sobre o mesmo logradouro a servidão exercida pelos restantes prédios dominantes, sendo que não só o direito de servidão de passagem constituído por sentença não se extingue, nem o prédio onerado recupera, com um eventual reconhecimento do direito de preferência, a “propriedade perfeita”.

69.As razões de interesse público subjacentes ao reconhecimento do direito de preferência sobre prédio encravado acabam, por isso mesmo e em regra, por se reconduzir à proteção da mesma plenitude do direito de propriedade, considerada, agora, do ponto de vista da situação resultante do ato de alienação.

70. Desse modo, tanto nos casos da preferência conferida ao proprietário do prédio onerado com uma servidão de passagem (artigo 1555º do Código Civil), com o direito de superfície (artigo 1535º do Código Civil) ou com um arrendamento (…) o objetivo será sempre o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas entre diversos titulares.

71. Tal como já referimos anteriormente, o objetivo da atribuição do direito de preferência em causa é o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.

72. Em face do exposto, somos do entendimento que, existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição suscetível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem bem entenderem.

73. Atendendo ao exposto, e por toda a fundamentação supra, preconizamos que deverá improceder o pedido do reconhecimento do direito de preferência formulado pelo A./Apelante nos presentes autos, posição aliás douta assumida pela 1ª Instância.

74. Acresce que temos como duvidoso, que neste concreto circunstancialismo a Relação não tenha tomado o devido respeito pelas premissas e tenha tomado uma decisão exatamente em sentido oposto aquela que foi adotada na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

75. Verificamos que uma questão de primordial importância objeto da presente revista, é a que se traduz em – por interpretação da norma constante do nº1 do artigo 1555º do Código Civil, apurar quais são exatamente os pressupostos do direito legal de preferência concedidos ao proprietário do prédio serviente, onerado com servidão legal de passagem e estacionamento.

76.Como poderemos verificar, transcreve o Senhor Juiz Desembargador no acórdão sob recurso que:

Se é incontornável que o prédio do A./Apelante está onerado com uma servidão a favor de cinco prédios, a possibilidade de poder exercer o seu direito de preferência em relação à venda de um deles sempre resultará na diminuição de tal servidão que passará a abranger apenas quatro prédios extinguindo-se assim, um daqueles encargos. E a extinção de tal encargo sempre teria de ser considerada como significativa uma vez que estamos perante uma servidão que engloba quer o direito de estacionamento, quer o de passagem, com todas as indicações que tal encargo acarreta e que são do conhecimento de qualquer cidadão.

77. Afigura-se-nos não ser esta a ratio do direito de preferência, subjacente à consagração legal deste direito de preferência, pois jamais o objetivo do direito de preferência será passível de ser alcançado com um eventual reconhecimento desse direito numa situação como a dos presentes autos.

78.Porquanto ainda assim subsistirá sobre o mesmo logradouro a servidão exercida pelos restantes prédios dominantes, sendo que não só o direito de servidão de passagem constituído por sentença não se extingue, nem o prédio onerado recupera, com um eventual reconhecimento do direito de preferência, a “propriedade perfeita”.

79.Por outro lado, as razões de interesse público subjacentes ao reconhecimento do direito de preferência sobre prédio encravado acabam, por isso mesmo e em regra, por se reconduzir à proteção da mesma plenitude do direito de propriedade, considerada, agora, do ponto de vista da situação resultante do ato de alienação.

80. Entendemos que a acórdão objeto do recurso de revista não foi assente em critérios funcionais ou teleológicos, decorrentes da adequada ponderação dos interesses e valores jurídicos determinantes da concessão do direito legal de preferência.

81. Reiteramos que somos do entendimento que, existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição suscetível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica só por si, impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem bem entenderem.

82. Entende a ora Recorrente que o Tribunal de 1ª Instância, além de ter feito uma corretíssima apreciação da matéria de facto dada como provada, fez ainda, uma subsunção das normas aos factos que não merecem qualquer reparo, designadamente não merecem os reparos que lhe são feitos no acórdão recorrido, além de também ter promovido aquilo que também se espera dos tribunais, que é a “justiça do caso concreto”.

83. Ao contrário do que sucedeu, entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao conceder no caso em apreço, e reconhecer o direito de preferência formulado pelo A./Apelante nos presentes autos, o qual pelos termos e fundamentos acima apontados deverá ser revogado, na parte respeitante ao reconhecimento do direito de preferência invocado.

84. Conforme consta, no mesmo sentido, do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/01/1986, publicado em www.dgsi.pt, a propósito do exercício do direito de preferência para extinção de servidão legal de passagem: “I - O direito de preferência atribuído ao proprietário do prédio onerado com servidão legal de passagem e relativo ao prédio dominante, em caso de venda, dação em pagamento ou aforamento deste (artigo 1555, n. 1, do Código Civil), só se justifica na medida em que pelo seu exercício se põe termo ao encargo excecional que recai sobre a propriedade do prédio serviente.

85. “ d)- Apreciação do pedido reconvencional formulado pela 3ªRé relativamente às benfeitorias realizadas no imóvel;”

Por último, na parte que reporta à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3ª Ré no prédio urbano e peticionadas no seu pedido reconvencional, veio o Tribunal de 1ª Instância, a julgar prejudicada pela improcedência da ação a apreciação do pedido reconvencional formulado pela Ré no que concerne às benfeitorias por si realizadas no prédio urbano.

86. Por seu turno, no que reporta à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3ª Ré no prédio em apreciação nos presentes autos e quanto ao seu possível reembolso por parte do A./Apelante, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a declarar não dever socorrer-se do artigo 655º do Código Processo Civil, em ordem a poder proferir nesta matéria, decisão em substituição do Senhor Juiz do Tribunal de 1ª Instância.

87. Considerando que o Tribunal da Relação de Lisboa, procedeu à revogação da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, preconizamos que se deveria ter tomado em consideração, o disposto no artigo 655º, nº2, do Código Processo Civil, o que não veio a acontecer.

88. Dado a Relação ter entendido que a apelação procede, então nada obsta à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3ªRé no prédio urbano, pelo que delas poderia e deveria ter conhecido no mesmo acórdão em que foi revogada a decisão recorrida, atendendo a que disponha dos elementos necessários.

89. Aliás, nos presentes autos conforme reconhecido pela própria Relação, existe inclusivamente matéria de facto, já julgada e fixada quanto ao pedido reconvencional deduzido pela 3ª Ré no que concerne às benfeitorias por si realizadas no imóvel.

90. Na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, quanto à matéria de facto, com relevância para a decisão da causa no que respeita às benfeitorias realizadas no imóvel, destacamos os factos números 23,24, 25, que foram dados como provados, e que tratam das benfeitorias realizadas pela 3ªRé.

91. Pela nossa parte, enquanto Recorrentes, perfilhamos o douto entendimento da Doutora Juiz Desembargadora Isabel Salgado, que apresentou Declaração de Voto, no douto acórdão da Relação.

92. Face ao exposto, somos pois do entendimento que o Tribunal da Relação de Lisboa, deveria ter obviado à baixa do processo à primeira instância, e após auscultação das partes sobre a matéria, conforme estatuído no nº3 do artigo 655º do CPC, evitando decisão surpresa, propugnaria pelo conhecimento do mérito da reconvenção quanto à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3ª Ré no prédio urbano, porquanto já existir matéria julgada e fixada pelo Tribunal 1ª Instância.

93. Ao Tribunal da Relação de Lisboa, foram conferidos poderes para poder conhecer de imediato do mérito da reconvenção da 3ª Ré, por razões de economia e eficácia, pelo que deverá ser revogada a decisão de baixar o processo ao Tribunal de 1ª Instância para poder conhecer do mérito da reconvenção relativa às benfeitorias realizadas no prédio urbano.

Sendo as seguintes as conclusões com que terminaram as suas alegações de recurso os RR. BB e CC:

A. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e considerou parcialmente procedente a Apelação do A., julgando improcedente a impugnação da matéria de facto suscitada pelo A./Apelante, julgando também improcedente a excepção peremptória invocada pelos RR./Recorridos.

B. Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revogado a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e reconhecido o A./Apelante como proprietário do prédio inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600; reconhecido que o A./Apelante tem direito de preferência na venda que os 1.º e 2.º RR. fizeram à 3.ª Ré, respeitante ao prédio urbano composto de rés-do-chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., sobre o qual está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600] e, em consequência, que tem o direito de para si o haver, pelo preço de € 125.000,00, em substituição da 3.ª Ré compradora, assim se declarando transmitido para o A./Apelante, por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio; determinado o cancelamento de todos os registos de aquisição deste imóvel a favor da 3.ª Ré; determinado a entrega do valor de € 125.000,00 depositados nestes autos à 3.ª Ré, correspondente ao valor do preço do imóvel; determinado o envio do processo para o Tribunal de 1.ª Instância onde deverá ser proferida decisão quanto às questões que foram julgadas prejudicadas com a decisão então proferida, que será complementar desta que acima se deixa expressa.

C. Os 1.ºs RR., ora Recorrentes, não se conseguem conformar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por entenderem, de forma distinta daquela que foi considerada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e conforme decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição susceptível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem bem entenderem.

D. Com relevância para a boa decisão da causa, e no que concerne ao presente recurso, ficaram provados, entre outros os seguintes factos:

1 - No dia 31 de Janeiro de 2018, no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., perante FF, oficial público e respectiva notária em substituição, foi celebrado por escritura pública contrato de compra e venda entre os Réus BB e mulher CC, na qualidade de proprietários, e DD, como compradora, tendo por objecto o prédio urbano composto de rés do chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., com aquisição inscrita a seu favor pela apresentação 56 de 11-01-2002.

2. Por estes Réus foi dito que sobre o prédio está registada uma hipoteca voluntária, pela apresentação 57 de 11-01-2002, cujo cancelamento se encontra assegurado.

3. E que sobre o prédio está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da freguesia ... ( ..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600.

4. Mais foi referido que por aquela escritura vendem à segunda outorgante o identificado imóvel livre de ónus ou encargos, à excepção da mencionada servidão, pelo preço de oitenta e seis mil euros, que declararam ter recebido e do qual deram respectiva quitação, tendo referido que o preço foi pago da seguinte forma: - 5000€ em 16-12-2017 por transferência bancária do IBAN  ...65 para o IBAN  ...23; - 81000€ na data da escritura através de cheque n.º ...13, do BPI.

5. Pela segunda outorgante foi ainda dito que aceitava a venda nos termos exarados e que destinava o imóvel exclusivamente para sua habitação própria e permanente e que naquela data recebeu a licença de utilização .../2003 de 18-08-2003 e o certificado energético SCE ...33, válido até 03-06-2026, tendo ainda declarado que na transação realizada houve intervenção da entidade de mediação imobiliária denominada A... Unipessoal Lda, titular da AMI ...8.

6. A escritura encontra-se assinada pelos outorgantes e pela Notária, dando-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto da mesma consta.

7. Ao Autor não foi dado conhecimento pelos Réus BB e mulher da sua intenção de vender o prédio referido em 1, nem das condições a que ficaria sujeita a venda.

8. Tanto os Réus vendedores como a Ré compradora tinham conhecimento da existência da servidão.

9. A referida servidão foi constituída por decisão judicial.

10. O Autor adquiriu o seu imóvel no ano de 1966 a GG e mulher HH.

11. o prédio do Autor tem a área coberta de 44 m2 e logradouro com a área de 178,433 m2.

12. Sobre o referido prédio do Autor descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20, encontra-se inscrito pela Ap. ...33 o seguinte encargo, abrangendo 6 prédios: servidão de uso para estacionamento e de passagem no pátio/logradouro do prédio ...20, constando como prédios dominantes os prédios ...78, ...22, ...52, ...90 e ...77, todos da freguesia ....

13. A presente acção foi intentada em 23-02-2018.

14. O preço real da venda referida em 1. foi de € 125 000.

15. No dia 26 de Março de 2018 os Réus procederam à rectificação da escritura de compra e venda, ficando da mesma a constar que o preço referido em 14. foi pago da seguinte forma: - 5000€ em 16-12-2017 por transferência bancaria,  da conta e para a conta referidas em 4.; - 81 000,00 em 31-01-2018 através do cheque do BPI referido em 4.; - e ainda 39 000,00 através do cheque n.º ...07, da Caixa Geral de Depósitos.

16. O valor referido em 14. correspondia ao valor constante do contrato promessa de compra e venda celebrado a 16-12-2017 entre os Réus BB e II como promitentes vendedores e DD, como promitente compradora.

17. Este negócio foi mediado pela empresa A... Unipessoal Lda, a qual redigiu o contrato promessa e interveio na escritura de compra e venda.

18. Foram a 2.ª Ré quem contactou a imobiliária Rooftop no sentido desta promover a venda do imóvel pelo preço de 160 000,00, tendo celebrado o contrato de mediação imobiliária a 23 de Julho de 2015 e um aditamento ao mesmo em 1 de Setembro de 2016«No mesmo dia 4 de Dezembro de 2018, em virtude de alteração da denominação social e licença AMI.

19. Atendendo ao decurso do tempo sem se conseguir efectuar a venda, não obstante a redução do preço inicial para €147 500,00, e porque a 3.ª Ré efectuou uma proposta de compra sem necessidade de recorrer a financiamento bancário, os Réus aceitaram proceder à venda pelo valor de €125 000.

20. Tendo em atenção a redução do preço anunciado para a venda e a circunstância de a 3.ª Ré não necessitar de financiamento bancário, os Réus acordaram em declarar na escritura um preço inferior ao preço efectivo da venda.

21. Não obstante a servidão de passagem e estacionamento que recai a favor dos prédios dominantes, entre os quais o adquirido pela 3.ª Ré e mais 4, o Autor parqueia veículos nesse espaço bloqueando saídas, tendo inclusivamente estacionado na mesma uma caravana que já foi condenado a retirar por sentença judicial, assim como no pagamento de uma indemnização, tudo nos termos da sentença constante de fls. 43 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

22. A 3.ª Ré, juntamente com JJ, KK, intentaram, na qualidade de exequentes, execução contra AA com vista ao cumprimento na sentença referida em 21.

E. O A. pela presente acção de preferência pretende que se declare que tem direito de preferência na aquisição do prédio vendido pelos 1.ºs RR. à 3.ª R., uma vez que, o prédio de que é proprietário se encontra onerado com servidão de passagem e estacionamento a favor de cinco prédios dominantes, seus vizinhos, incluindo o prédio vendido

F. Tendo os 1.ºs RR., e a 3.ª R., deduzido excepção peremptória da inexistência do direito de preferência previsto no art.º 1555.º do Código Civil, a qual sendo considerada procedente, impede o efeito jurídico dos factos articulados pelo A., e o conhecimento do mérito da acção e importa a absolvição do pedido, atento o disposto no art.º 576.º do Código de Processo Civil, considerando os 1.ºs RR. que o A. não tem direito de preferência na aquisição do prédio objecto dos autos, pelos mesmos vendido à 3.ª R., atendendo a que, apesar de o prédio propriedade do A. se encontrar onerado com uma servidão de passagem e de estacionamento no seu pátio/logradouro, tal servidão ou encargo, serve seis prédios, ou seja, mais cinco prédios, para além do objecto dos autos, conforme ponto 12. dos factos provados.

G. Sendo o entendimento dos 1.º RR. que, o direito de preferência a favor do proprietário do prédio serviente, na venda do prédio dominante, tem por fundamento a possibilidade de, com o seu exercício, o proprietário do prédio serviente terminar com o encargo que incide sob o seu prédio, o que, conforme referido, não se verifica no caso sub judice, pois caso o A. exercesse o direito de preferência, adquirindo o prédio vendido pelos 1.ºs RR. à 3.ª R., não extinguiria a servidão, isto é, o prédio de que é proprietário continuaria onerado com servidão de passagem e estacionamento, continuaria como prédio serviente, a favor dos prédios dominantes, descritos na ... Conservatória do Registo Predial ... sob os n.ºs ...78, ...22, ...52 e ...90 da freguesia ....

H. Pelo que, o exercício do eventual direito de preferência, previsto no art.º 1555.º do Código Civil, nunca conduziria ao fim legal subjacente a este instituto, ditando o termo do encargo ou ónus que excepcionalmente recai sobre a propriedade do prédio serviente.

I. Tendo o Tribunal de 1.ª instância decidido que, no caso em apreço, inexiste direito de preferência, considerando que existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, conforme resultou provado no ponto 12. dos factos provados, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição susceptível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem bem entenderem.

J. Vindo o Tribunal da Relação de Lisboa por sua banda considerar que assiste ao A. o direito de preferência na venda realizada entre os 1.º RR. e a 3.ª R., perfilhando o entendimento de que a possibilidade de poder exercer o seu direito de preferência em relação à venda de um deles sempre resultará na diminuição de tal servidão que passará a abranger apenas quatro prédios, extinguindo-se um daqueles encargos.

K. Não podendo os 1.ºs RR. conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, recorrendo da mesma com fundamento na violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação da norma aplicável.

L. Estabelece o artigo 1555.º do Código Civil sob a epígrafe Direito de Preferência na alienação do prédio encravado, que “O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante”.

M.O caso em apreço não corresponde exatamente ao previsto neste artigo, não existindo apenas um prédio dominante, mas encontrando-se a servidão constituída a favor de seis prédios dominantes, incluindo o objecto de venda, pelo que, apenas socorrendo-nos do elemento interpretativo da ratio legis, nos termos do art.º 9.º do Código Civil, se poderá averiguar da aplicação da presente norma ao caso concreto.

N. Sendo o entendimento uniforme da jurisprudência e doutrina que, “a ratio legis da instituição deste direito de preferência é a de extinguir tal encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, e que a atribuição de tal direito de preferência representa também uma compensação pelo encargo a que está sujeito o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem (o que justificará também que o direito de preferência não seja concedido aos proprietários dos prédios encravados na alienação dos prédios onerados, solução que esteve consagrada na Lei n.º 1 621, de 09 de julho de 1924 e veio a ser abandonada com o Código Civil)”.

O. Consideram os 1.ºs RR. ser pouco credível, salvaguardado o respeito que nos merece a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que o A. possa a vir adquirir os demais quatro prédios dominantes, e pôr fim a todas as servidões, recuperando assim a propriedade perfeita, muito duvidando os 1.ºs RR. que o A. tenha sequer disponibilidade financeira para comprar 4 moradias com terreno, situadas em ..., em plena na ..., o que em teoria pode parecer razoável à luz do entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, mas na realidade é notório que nunca acontecerá, sendo quase fantasioso.

P. Não concebendo os 1.ºs RR. que se possa fazer tal interpretação a partir do disposto no art.º 1555.º, o qual nada refere quanto à situação da existência de vários prédios dominantes, sendo certo que, como se disse, a razão de se conceder este direito de preferência é existir a oportunidade de se extinguir a servidão de passagem.

Q. Acresce que, conforme alegaram os 1.ºs RR. na Contestação (artigos 32.º e 33.º) e resultou provado nos pontos 21. e 22., não é verdade que o A. não venha usufruindo da sua propriedade plena, pois estaciona veículos a bloquear as saídas do pátio e há largos anos que tem estacionado no mesmo uma caravana, que foi condenado a retirar, conforme sentença junta aos autos a fls. 43 e ss., impedindo o A. desta forma os beneficiários da servidão de usufruir da mesma.

R. Tendo a referida servidão de uso para estacionamento e de passagem no pátio/logradouro do A., sido constituída na sequência de acção declarativa de reconhecimento de propriedade intentada pelo A. contra os 1.ºs RR. e os demais proprietários dos prédios vizinhos, tendo estes em sede de reconvenção alegado aquela “parte comum” existe desde 1922, altura em que o prédio foi fraccionado, sendo que todos usavam esse terreno como se fosse comum, para servidão e estacionamento, vindo a ser declarada a existência de um pátio pertença do A., mas que sobre ele recai uma servidão de uso para estacionamento, e de passagem.

S. Pretendendo o A., através da presente acção, e caso seja considerado que tem direito de preferência na venda de um dos prédios dominantes, tirar benefício da servidão de passagem e estacionamento, quando na verdade, não permite o seu uso, colocando veículos de forma a impedir o estacionamento e a passagem dos proprietários dos prédios dominantes.

T. Tendo o Tribunal de 1.ª Instância considerado que não resultou provado que o Autor resida no imóvel correspondente ao prédio serviente, descrito na CRP ... sob o número ...20.... Martinho, e que o Autor não usufrua do direito de propriedade sobre o seu logradouro.

U. Considerando os 1.ºs RR. que o A. actua de má-fé, na modalidade de venire contra factum proprium, pois, desde que adquiriu a sua propriedade, em 1996, passou a impedir e dificultar o uso e a passagem dos proprietários dos prédios dominantes, que a usavam desde 1922, tendo inclusivamente proposto acção judicial nesse sentido, donde por via da reconvenção deduzida foi declarada a existência de servidão de uso para estacionamento e passagem, conforme sentença junta aos autos a fls. 43 e ss. com a Contestação dos 1.ºs RR., comportamento que mantém até aos dias de hoje, como resultou provado, pretendendo, não obstante, recorrer ao instituto do direito de preferência na alienação do prédio encravado para adquirir para si um dos prédios dominantes.

V. O A., à custa do direito de propriedade dos RR. e restantes proprietários dos prédios dominantes sobre os seus prédios, livrar-se de um ónus que nunca lhe causou transtorno ou prejuízo, tirando benefícios da servidão que foi judicialmente declarada, a qual existia desde 1922 e por todos era usada, apesar de impedir o seu uso e a passagem, não sentindo qualquer encargo, não sofrendo as consequências de alegadamente não ter o direito de propriedade na sua plenitude, o que não resultou provado conforme supra exposto.

W. Ainda que prevalecesse a interpretação defendida pelo A., o que não se concebe, deveria em todo o caso ser julgada improcedente a sua pretensão, com fundamento em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, o que se invoca.

X. Conforme referido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 299/2020, de 16 de junho, o direito de preferência constitui limite à liberdade contratual do indivíduo a ela vinculado, mais precisamente à liberdade de escolher a parte com quem pretende contratar. Embora o proprietário possa sempre entabular negociações com quem lhe aprouver, encontra-se, após notificar o preferente e enquanto a preferência puder legalmente ser exercida, num estado de sujeição relativamente a este último.

Y. Os princípios gerais, tais como o da livre disponibilidade dos bens e o da igualdade, com expressão constitucional nos artigos 13.º e 62.º da CRP, são contrários à proliferação de direitos de preferência legais; as competentes normas devem, assim, ser interpretadas de modo não extensivo, nunca se alargando por analogia.

Z. Não se justificando, neste caso, conceder direito de preferência ao A. na medida em que pelo exercício do mesmo, não se concretizará o fim que se prossegue no direito de preferência concedido em caso de venda de prédio encravado, que é o da extinção do encargo, pois a servidão de uso para estacionamento e passagem subsistirá a favor de mais quatro prédios.

AA. Termos em que, deverão V. Ex.ªs considerar procedente o presente recurso de Revista, revogando o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e repristinando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, o qual considerou inexistir no caso concreto direito de preferência do A. na aquisição do prédio vendido pelos 1.ºs RR. à 3.ª R., atendendo a que o eventual exercício desse direito de preferência não extinguiria o ónus que incide no prédio serviente, considerando ainda os 1.º RR. que o A. actua de má-fé, na medida em que impede o uso da servidão para estacionamento e passagem pelos proprietários dos prédios dominantes, e não reside no prédio serviente, pelo que nenhum incómodo tem com a servidão, pretendendo, não obstante, retirar benefícios da existência da mesma, através da presente acção.

BB. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá, que é inconstitucional, por contrária aos artigos 13.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação extensiva do art.º 1555.º do Código Civil, por forma a abranger situações como a dos presentes autos, em que existem vários prédios dominantes, não se extinguindo a servidão por via do exercício do direito de preferência previsto naquele artigo, limitando-se assim o direito de propriedade, nomeadamente, o poder de livre disposição dos 1.ºs RR., ao retirar aos proprietários o direito de poder escolher o outro contraente na venda.

O A. contra alegou nos termos de fls. 534 e seguintes.

*

II – 1 - As instâncias julgaram provados os seguintes factos, a cuja transcrição se procede:

1. No dia 31 de Janeiro de 2018, no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., perante FF, oficial público e respetiva notária em substituição, foi celebrado por escritura pública contrato de compra e venda entre os Réus BB e mulher CC, na qualidade de proprietários, e DD, como compradora, tendo por objeto o prédio urbano composto de rés-do-chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., com aquisição inscrita a seu favor pela apresentação 56 de 11-01-2002.

2. Por estes Réus foi dito que sobre o prédio está registada uma hipoteca voluntária, pela apresentação 57 de 11-01-2002, cujo cancelamento se encontra assegurado.

3. E que sobre o prédio está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600.

4. Mais foi referido que por aquela escritura vendem à segunda outorgante o identificado imóvel livre de ónus ou encargos, à exceção da mencionada servidão, pelo preço de oitenta e seis mil euros, que declararam ter recebido e do qual deram respetiva quitação, tendo referido que o preço foi pago da seguinte forma: -   5000 €            em 16-12-2017 por transferência bancária    do IBAN  ...65 para  o   IBAN         ...23; - 81 000€ na data da escritura através de cheque n.° ...13, do BPI.

5. Pela segunda outorgante foi ainda dito que aceitava a venda nos termos exarados e que destinava o imóvel exclusivamente para sua habitação própria e permanente e que naquela data recebeu a licença de utilização .../2003 de 1808-2003 e o certificado energético SCE ...33, válido até 03-06-2026, tendo ainda declarado que na transação realizada houve intervenção da entidade de mediação imobiliária denominada A... Unipessoal Lda, titular da AMI ...8.

6. A escritura encontra-se assinada pelos outorgantes e pela Notária, dando-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto da mesma consta.

7. Ao Autor não foi dado conhecimento pelos Réus BB e mulher da sua intenção de vender o prédio referido em 1, nem das condições a que ficaria sujeita a venda.

8. Tanto os Réus vendedores como a Ré compradora tinham conhecimento da existência da servidão.

9. A referida servidão foi constituída por decisão judicial.

10. O Autor adquiriu o seu imóvel no ano de 1966 a GG e mulher HH.

11. O prédio do Autor tem a área coberta de 44 m2 e logradouro com a área de 178,433 m2.

12. Sobre o referido prédio do Autor descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20, encontra-se inscrito pela Ap. ...33 o seguinte encargo, abrangendo 6 prédios: servidão de uso para estacionamento e de passagem no pátio/logradouro do prédio ...20, constando como prédios dominantes os prédios ...78, ...22, ...52, ...90 e ...77, todos da freguesia ....

13. A presente ação foi intentada em 23-02-2018.

14. O preço real da venda referida em 1. foi de € 125 000.

15. No dia 26 de Março de 2018 os Réus procederam à retificação da escritura de compra e venda, ficando da mesma a constar que o preço referido em 14. foi pago da seguinte forma: - 5000€ em 16-12-2017 por transferência bancaria, da conta e para a conta referidas em 4.; - 81 000,00 em 31-01-2018 através do cheque do BPI referido em 4.; - e ainda 39 000,00 através do cheque n.° ...07, da Caixa Geral de Depósitos.

16. O valor referido em 14. correspondia ao valor constante do contrato promessa de compra e venda celebrado a 16-12-2017 entre os Réus BB e II como promitentes vendedores e DD, como promitente compradora.

17. Este negócio foi mediado pela empresa A... Unipessoal Lda, a qual redigiu o contrato promessa e interveio na escritura de compra e venda.

18. Foram a 2.ª Ré quem contactou a imobiliária Rooftop no sentido desta promover a venda do imóvel pelo preço de 160 000,00, tendo celebrado o contrato de mediação imobiliária a 23 de Julho de 2015 e um aditamento ao mesmo em 1 de Setembro de 2016 «No mesmo dia 4 de Dezembro de 2018, em virtude de alteração da denominação social e licença AMI.

19. Atendendo ao decurso do tempo sem se conseguir efetuar a venda, não obstante a redução do preço inicial para €147 500,00, e porque a 3.ª Ré efetuou uma proposta de compra sem necessidade de recorrer a financiamento bancário, os Réus aceitaram proceder à venda pelo valor de €125.000,00.

20. Tendo em atenção a redução do preço anunciado para a venda e a circunstância de a 3.ª Ré não necessitar de financiamento bancário, os Réus acordaram em declarar na escritura um preço inferior ao preço efetivo da venda.

21. Não obstante a servidão de passagem e estacionamento que recai a favor dos prédios dominantes, entre os quais o adquirido pela 3.ª Ré e mais 4, o Autor parqueia veículos nesse espaço bloqueando saídas, tendo inclusivamente estacionado na mesma uma caravana que já foi condenado a retirar por sentença judicial, assim como no pagamento de uma indemnização, tudo nos termos da sentença constante de fls. 43 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

22. A 3.ª Ré, juntamente com JJ, KK, intentaram, na qualidade de exequentes, execução contra AA com vista ao cumprimento na sentença referida em 21.

23. Atento o estado de degradação do imóvel a Autora solicitou um orçamento para obras de restauro e melhoramento do prédio urbano Sito na Rua ..., Quinta ... - ... em ..., tendo-lhe sido apresentado um orçamento para intervenção no r/c, 1.° piso e sótão no montante de € 30 197€.

24. Entre 23-01-2018 e 10-05-2018 a Autora efetuou despesas com materiais de construção para aplicar no imóvel referido em 1. no valor de € 4 262,98.

25. Assim como suportou os custos de outros materiais e mão-de-obra na recuperação da casa (nomeadamente cozinha, salas, casas de banho, Wall, quartos, sótão, canalização e eletricidade) de valor não concretamente apurado mas não inferior a 20.000€.

*

II – 2 - As instâncias não consideraram provados os factos seguidamente transcritos:

a) que o Autor resida no imóvel correspondente ao prédio serviente, descrito na CRP ... sob o número ...20.... Martinho.

b) que a venda celebrada entre os Réus tenha tido o valor real de 86 000,00.

c) Que o Autor não usufrua do direito de propriedade sobre o seu logradouro.

d) Que a 3.ª Ré tenha efetuado todas as obras orçamentadas para o imóvel, no valor de € 30 197,00.

e) Que a 3.ª Ré tendo conhecimento da citação dos 1.° e 2.° Réus, por parte destes, não tenha levantado a carta do Tribunal que a citava.

f) Que a retificação à escritura tenha tido como único objetivo tentar obter do Autor o pagamento da quantia peticionada em sede de reconvenção.

g)         Que o valor real da casa seja o de 86 000,00.

h)         Que em termos físicos o imóvel referido em 1. apenas seja composto de r/c e arrumos.

*

III – São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da revista, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo.

Como vimos, a recorrente DD definiu como questões a considerar as seguintes:

«a) A questão da caducidade do exercício do direito preferência, porquanto o depósito da totalidade de preço pelo A./Apelante só ter ocorrido em 22 de Abril de 2022;

b)-A questão inerente ao depósito do “preço devido”, na ação de preferência em cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil;

c)- A questão relativa aos pressupostos (e requisitos) para o exercício do direito legal de preferência nos termos do disposto no artigo 1555º do Código Civil;

d)- Apreciação do pedido reconvencional formulado pela 3ª Ré relativamente às benfeitorias realizadas no imóvel».

Sucede que, na verdade, pelas razões que aduziremos, a questão relativa á caducidade do direito não carece de apreciação, não devendo, mesmo, ser considerada.

Temos, pois, como questões relevantes a da definição da expressão “preço devido”, a referente à verificação dos pressupostos previstos no nº 1 do art. 1555 do CC e a da apreciação do pedido reconvencional pelo Tribunal da Relação.

Já das conclusões da alegação de recurso dos recorrentes BB e CC emerge como questão essencial, reconduzindo-se à enunciada pela recorrente DD sob a alínea c) acima transcrita, a inexistência do direito de preferência previsto no art. 1555 do CC, atendendo a que o prédio do A. se encontra onerado com outras servidões de passagem e estacionamento para além daquela a que se reportam os autos – a que acrescem, acessoriamente as questões  referentes ao abuso de direito por parte do A. e à inconstitucionalidade da interpretação que os recorrentes qualificam de “extensiva” do art. 1555 do CC, por forma a abranger situações como a dos autos.

*


IV – 1 - Dispondo o nº 1 do art. 627 do CPC que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, daí decorre que este tribunal – tribunal de recurso - não deverá, em princípio, conhecer de questões novas que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido.

É certo que sendo embora os recursos meios de acautelar a reforma de decisões recorridas e não vias jurisdicionais para alcançar decisões sobre matéria nova, tal não acontece quando as questões suscitadas são de conhecimento oficioso. Assim, é jurisprudência pacífica que o tribunal de recurso deve conhecer das questões novas, isto é, não levantadas no tribunal recorrido, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso.

Mencionando Abrantes Geraldes ([1]): «Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do Tribunal Superior está, em regra, circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, v.g. a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes».

Por outro lado, haverá que ter em consideração as decisões anteriormente proferidas e já transitadas em julgado, as quais têm força obrigatória dentro do processo, não podendo ser impugnadas quando da reacção a decisão ulterior. As questões já tratadas, nos termos em que o foram, encontram-se precludidas, não podendo ser reponderadas.

Reportando-se ao que denomina como a «questão da caducidade do exercício do direito preferência, porquanto o depósito da totalidade de preço pelo A./Apelante só ter ocorrido em 22 de Abril de 2022», destaca a recorrente DD:

- Pelos «Réus aquando da apresentação da sua contestação, desde logo a título de exceção, questionaram que o valor depositado pelo A./Apelante, não foi o valor real da compra no montante de 125.000,00 euros, e o montante depositado por aquele de 86.000,00 euros, ser considerado manifestamente insuficiente, e tendo aquele A. persistido em não depositar o diferencial do preço no montante de 309.000 euros, entendemos existir fundamentação legal para ser declarado extinto por caducidade, o direito de preferência»;

- «Em 31 de Janeiro de 2019, foi proferido um despacho judicial com a Referência ...87, tendo então o A./Apelante sido convidado pela Meritíssima Doutora Juiz no Tribunal 1ª Instância, para que que esclarecesse , se no caso de vir a ser considerado como o valor real da venda este último montante 125.000,00 euros, continuaria interessada em exercer a preferência», ao que o A. respondeu afirmativamente mas sem que concretizasse o depósito do remanescente;

- Em 21 de Abril de 2022 foi proferido um despacho pelo Juiz Desembargador Relator, «ordenando a notificação do A./Apelante para, no prazo de quinze dias, proceder ao depósito da diferença entre os montantes acima referidos, correspondentes ao valor de venda do imóvel, sob pena de o recurso não poder ser apreciado», despacho esse que «está ferido de nulidade, pelo que deverá ser revogado, porquanto carecer de fundamentação legal», vindo então o A., em cumprimento do mesmo, requerer a junção aos autos de comprovativo do depósito autónomo no valor de 39.000 euros, correspondente ao diferencial do preço de 125.000,00 €.

Consoante resulta do relatado em I):

- Os RR., nas respectivas contestações, deduziram a excepção da caducidade do direito: disseram que ao contrário do referido na escritura de compra e venda o preço do imóvel foi de 125.000,00 € e não de 86.000,00 €, tendo os RR. rectificado o valor da escritura para o valor real e que não tendo  o A. depositado o valor real da compra e venda, o montante depositado (86.000,00 €) é insuficiente, razão pela qual se deve declarar extinto, por caducidade, o direito de preferência;

- No saneador foi esta excepção julgada improcedente: foi entendido que, sem prejuízo de o prazo de 15 dias para depósito do preço ser um prazo de caducidade, à  data da propositura da acção os RR. não haviam ainda rectificado o valor constante da escritura, não restando ao A. outra alternativa que não depositar o valor declarado na escritura pública de compra e venda. Esclarecendo-se, então: «Não se quer com isto dizer que se a acção for procedente não recai sobre o Autor a obrigação de proceder ao depósito do valor real da venda que se venha a apurar – pois não podemos esquecer que este valor rectificado foi impugnado pelo Autor – , mas tão somente que à data em que o mesmo interpôs a acção nada mais lhe era exigível que o depósito do preço declarado na escritura».

- A acção foi julgada improcedente pelo Tribunal de 1ª instância e, tendo subido em recurso, no Tribunal da Relação, anteriormente a ser julgado o recurso (com conclusão pela parcial procedência da acção e reconhecimento do direito de preferência do A.) a Relatora proferiu decisão da qual consta:

«… estamos perante uma ação de preferência em que o valor do depósito por parte de quem exerce a preferência deve corresponder ao valor da compra e venda do bem em apreciação.

Constando da primeira escritura de compra e venda junta aos autos o valor de venda do imóvel como sendo de € 86.000,00 temos que o A. procedeu atempadamente ao seu depósito na ação.

Encontrando-se junta aos autos uma nova escritura de compra e venda deste mesmo imóvel, retificada, em que consta como valor deste negócio a quantia de € 125.000,00 o A./Apelante foi convidado para esclarecer se, caso venha a ser considerado como o valor real da venda este último montante, continuava interessado em exercer a preferência. Por requerimento de 04 de Fevereiro de 2019 o A. respondeu afirmativamente a esta questão – fls. 194/196 dos autos.

Porém, e contrariamente ao que entendemos, não foi o mesmo notificado para, em prazo a fixar, proceder ao depósito da diferença existente entre estes valores sendo que o mesmo não pode ser penalizado por acto/convite que não foi praticado pelo Tribunal.

Assim sendo, e independentemente da apreciação da questão de fundo e das ilações a retirar da mesma, por força a dar correto cumprimento ao artigo 1410.º , n.º 1 do Código Civil, notifique-se o A./Apelante para, no prazo de quinze dias, proceder ao depósito da diferença entre os montantes acima referidos, correspondentes ao valor de venda do imóvel, sob pena de o recurso não poder ser apreciado».

- O A., em conformidade com o determinado naquele despacho, procedeu ao depósito ali referido.

Não se discute que, face ao disposto na parte final do nº 1 do art. 1410 do CC, o titular do direito de preferência (aqui o  A., dono do prédio serviente) ao pretender exercer aquele direito, deverá proceder ao depósito da totalidade do preço da venda do imóvel objecto da preferência, sob pena de caducidade.

Sucede que decidiu o Tribunal de 1ª instância no despacho saneador (proferido em 29-10-2019) que a invocada excepção não se verificava, uma vez que o A. depositara o valor constante da escritura de compra e venda. Da decisão, no saneador, da invocada excepção da caducidade caberia apelação autónoma, nos termos do nº 1-b) do art. 644 do CPC, porque decidiu do “mérito da causa”, embora não haja posto fim ao processo ([2]). Dessa decisão não foi interposto recurso no prazo previsto na lei, pelo que transitou em julgado (art. 628 do CPC), tendo força obrigatória no processo (ver o art. 619 do CPC).

Neste contexto, o despacho proferido anteriormente ao saneador, em 31-1-2019 e a que a recorrente DD se refere, determinando a notificação do A. «para esclarecer se, ainda que o valor seja aquele que consta da rectificação, pretende exercer a preferência, ou se apenas o pretende fazer pelo valor inicialmente declarado», despacho a que o A. respondeu afirmativamente, não tem qualquer relevância.

É certo que veio a ser demonstrado que o preço da venda fora de 125.000,00 €, conforme rectificação da escritura de compra e venda que teve lugar em data ulterior à da propositura da acção (a acção fora intentada em 23-02-2018 e a rectificação da escritura é de 26-3-2018) – pontos 14) e 15) dos factos provados.

Daí o despacho da Relatora, no Tribunal da Relação, datado de 21-4-2022, salvaguardando o depósito integral do preço e, logo, traduzindo uma  garantia para os RR. ([3]).

Não tendo havido, todavia e até então, qualquer “persistência” do A. (como é qualificada pela recorrente a atitude deste) em não depositar os 39.000,00 € do remanescente do preço – o Tribunal de 1ª instância havia decidido a excepção no saneador, nos termos supra aludidos e somente na sentença vieram a ser fixados os referidos factos 14) e 15).

Tendo o A., na sequência daquele despacho da Relatora, depositado o diferencial do preço.

Aquele despacho da Relatora proferido em 21-4-2022 foi notificado às partes e relativamente ao mesmo não se verificou qualquer reacção destas. Vem agora dizer a recorrente que no seu entendimento o aludido despacho «está ferido de nulidade, pelo que deverá ser revogado, porquanto carecer de fundamentação legal». Trata-se de uma reacção intempestiva e inadequada, tendo em conta que daquele despacho da Relatora não foi oportunamente apresentada reclamação para a conferência (nº 3 do art. 652 do CPC).

Finaliza a recorrente as suas conclusões da alegação de recurso respeitantes a esta questão sustentando:

«27. Tendo- se operado a caducidade do direito de preferência, não se entende, nem aceita que tenha o Tribunal da Relação de Lisboa, endereçado um convite ao A./Apelante para, querendo, proceder ao depósito da quantia correspondente à diferença entre os valores declarados na 1ª e 2ª escrituras, em relação ao prédio aqui em apreciação, sob pena de não se conhecer do objeto do recurso.

28. Face ao incumprimento por parte do A./Apelante, do ónus de concretizar o depósito da totalidade do preço de 125.000,00 euros, pago pela 3ªRé , conforme consta da 2ª escritura de compra e venda retificada, datada de 26 de Março de 2018, até à data de 22 de Abril de 2022, e não obstante estarem todos os demais pressupostos verificados nos autos, não restaria ao Tribunal da Reação de Lisboa, senão julgar improcedente a Apelação, e confirmar, por outros motivos a sentença recorrida».

A recorrente faz por ignorar a decisão sobre a improcedência da excepção da caducidade do direito que foi proferida no saneador, olvidando que a questão tal como fora suscitada nos articulados estava definitivamente decidida no processo, e adita-lhe circunstâncias entretanto sucedidas, no seguimento do processo, colocando-a a este Tribunal com uma aparência de questão nova, não tratada anteriormente. Sendo certo que o tribunal de recurso não deverá conhecer de questões novas, a não ser nas situações supra aludidas que não correspondem à dos autos ([4]).

Deste modo, não nos cumpre pronunciarmo-nos sobre a questão da caducidade do exercício do direito de preferência colocada pela apelante DD.

*

IV – 2 - Na sua contestação (artigo 14º) alegara a R. DD que não tendo o A. efectuado o depósito do preço de 125.000,00 € deveria o valor depositado ser considerado insuficiente e, em consequência, ser declarada a extinção do direito de preferência por caducidade - caducidade do direito a que nos referimos supra.

Alegara, também (artigo 12º), que a ser reconhecido que o A. houvesse o direito legal de preferência tê-lo-ia de exercer mediante o preço real da venda de 125.000,00 €, bem como de todas as despesas conexionadas com a escritura de compra e venda e posterior rectificação, despesas essas que discrimina  e em que inclui o imposto de selo e o IMT.

Já no artigo 25º daquela peça processual a R. afirmara que caso seja reconhecido que o A. é titular do direito de preferência deveria depositar o preço efectivamente pago, ou seja, 125.000,00 €, acrescido das restantes despesas com escritura e impostos, sob pena de caducidade do direito.

Como vimos, a R. DD deduziu pedido reconvencional, reportando-se às obras efectuadas e inerentes custos, pedindo a condenação do A. na quantia de 34.459,98 €, «devida a título de benfeitorias realizadas no imóvel», mas não incluindo no pedido reconvencional formulado as despesas com escrituras e impostos.

Deste modo, ao contrário do que é afirmado pela recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (designadamente na conclusão 36ª, quando diz que «a 3ª Ré, em 21 de Maio de 2018, aquando da apresentação da sua contestação com a Referência ...03,veio a formular pedido Reconvencional, no qual veio a reclamar o valor do preço liquidado a favor dos 1ºs RR: no montante de 125.000,00 euros, bem como o total das despesas com emolumentos notariais, registos prediais, imposto de selo e IMT, no valor de 2.382,30 euros, perfazendo o valor global de 127.382,30 euros», reafirmando-o na conclusão 39ª) não foi deduzido pedido reconvencional abrangendo tais despesas.

Prosseguindo, na conclusão 37ª a recorrente desenvolve outra perspectiva, apontando, novamente, para a excepção da caducidade, mas em termos mais amplos dos anteriormente sustentados: «Face ao disposto no artigo 1410º, nº1 do Código Civil é de julgar procedente a exceção de caducidade, por falta depósito integral do preço devido da venda, que além da contrapartida paga pelo comprador ao vendedor pela transmissão do imóvel, os impostos pagos pelo adquirente, de que o preferente beneficia, bem como as despesas com a escritura e o registo de aquisição».

Por fim, pretende a recorrente que tendo o A. «apenas depositado o preço declarado na escritura – o preço da alienação em sentido estrito ou técnico – e deixando de fora o correspondente às despesas notariais e de registo, bem como os impostos (Imposto Selo e IMT), é de concluir que não efetuou o depósito da totalidade do preço devido, não se verificando, pois, um dos pressupostos do direito em causa, um dos elementos constitutivos do direito de preferência, pelo que a ação deverá improceder» (conclusão 40ª).

Temos, pois, que a recorrente vai dando um tratamento diversificado às despesas em causa.

O nº 2 do art. 1555 do CC diz ser aplicável ao direito de preferência na alienação de prédio encravado o disposto no art. 1410 do CC.

Consta do nº 1 deste artigo: «O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção».

A expressão “deposite o preço devido”, no que respeita ao significado da palavra “preço”, não tem um entendimento unânime.

Pires de Lima e Antunes Varela ([5]) consideravam que o preferente «deve depositar não apenas o montante da contraprestação paga ao alienante pelo adquirente, mas ainda a quantia correspondente a todas as despesas inerentes à aquisição» e que «falando em preço o legislador quer referir-se, com uma palavra só, a todas as despesas feitas pelo adquirente para adquirir a coisa».

Em sentido divergente entendia Menezes Cordeiro ([6]) que o “preço” referido no nº 1 do art.  1410 é, apenas, o preço “proprio sensu” e não, também, a sisa, por exemplo. Igualmente, Oliveira Ascensão ([7])  comentava que o preço é o equivalente pecuniário do preço de compra e venda ou do direito sacrificado na dação em cumprimento, não abrangendo a sisa nem as demais despesas. E Cardoso Guedes ([8]) esclarece que o termo “preço” é usado em sentido técnico, para designar o valor correspondente ao benefício económico ajustado entre sujeito passivo e adquirente como contrapartida da alienação do bem, valor esse a pagar pelo preferente pela aquisição do bem sujeito à preferência. Especificando que no caso de uma compra e venda será o preço ajustado entre sujeito passivo e adquirente, no caso de dação em cumprimento será o valor do crédito pecuniário extinto, no caso de troca por um crédito pecuniário será o valor nominal desse crédito, etc.

Esta última posição corresponde ao entendimento dominante na jurisprudência.

Assim, no acórdão do STJ de 10-1-2008 ([9]) consignou-se: «O Supremo tem, desde há muito, uma posição segura e firme na matéria: como se escreve no Acórdão de 22.02.2005 Col. Jur. – Acs. do STJ, ano XIII, tomo I/2005, pág. 92. – um dos mais recentes na abordagem da questão – “o «preço devido», a que se refere o art. 1410º do CC diz apenas respeito à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo quaisquer outras despesas deste (ou, acrescentamos nós, do adquirente), nomeadamente a sisa, despesas de registo ou de escritura.”

Tal entendimento, que aqui e agora se reafirma, tem sido assim justificado:

O depósito do preço visa apenas garantir o vendedor contra o perigo de, finda a acção, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar, perdendo aquele também o contrato com o primeiro comprador. Para remover tal perigo, é bastante o depósito da mencionada contraprestação.

Isso não significa que o preferente, no caso de procedência da acção, não tenha de satisfazer essas despesas acessórias: o que se afirma é apenas que, para prevenir aquele aludido perigo, basta o depósito da indicada contraprestação.

Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 874º e 878º do CC que, no contrato de compra e venda, são realidades diversas o preço e “as despesas do contrato e outras acessórias”; e, noutras disposições do CPC – maxime, nos arts. 909º/2 e 1465º/1.b) – relativas à acção de preferência ou ao direito de preferência, faz-se clara distinção entre o preço, a sisa e as despesas da compra.

Ademais, é o sentido estrito – de contraprestação a pagar ao vendedor – aquele que corresponde ao significado que a palavra preço tem na linguagem vulgar, corrente».

No acórdão do STJ de 19-2-2013 ([10]) reafirmou-se que «a doutrina e a jurisprudência mais recentes sustentam que o ónus de depósito do preço incide apenas sobre a contrapartida ajustada entre o alienante e o adquirente para alienação do bem sobre o qual incide a preferência».

Entendimento que se manteve em acórdãos posteriores, o que se exemplifica com as menções constantes dos acórdãos do STJ de 8-9-2016 ([11])  e de 21-06-2018 ([12]).

No acórdão do STJ de 22-2-2005 ([13]) consignara-se ser opinião largamente dominante no STJ que o preço devido a que se refere o art. 1410 «diz apenas respeito à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo quaisquer outras despesas deste, nomeadamente a sisa, despesas de registo ou de escritura». Acrescentando-se que tal não significa que essas despesas não devam ser pagas ao vendedor, desde que pedidas em reconvenção – o que, como verificámos supra, não sucedeu no caso dos autos.

Concluindo, consideramos que a expressão “preço devido” corresponde ao valor, em dinheiro, a pagar pelo A., preferente, como contrapartida da aquisição do imóvel, sem que sejam incluídas despesas de escrituras e de impostos.

Nestes termos, o depósito do preço não incluindo as despesas em referência, não tem as consequências pretendidas pela recorrente, de forma alguma, se podendo concluir que, no caso concreto, faltava “um dos pressupostos do direito de preferência”, como por ela pretendido.

*

IV – 3 - Consoante foi referido, o nº 1 do art. 1555 do CC confere ao proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem o direito de preferência no caso de venda do prédio dominante.

O art. 1543 do CC define a servidão predial como um encargo imposto num prédio (que é o prédio serviente) em benefício exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (que é o prédio dominante).  

Oliveira Ascensão ([14]) dá-nos a seguinte acepção de servidão (salvaguardando que dela não resulta uma disparidade essencial com a definição legal): «é o direito real que permite aumentar as utilidades que um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona, mediante uma restrição correlativa de um direito de gozo sobre um imóvel vizinho».

Conforme salientam Pires de Lima e Antunes Varela ([15]) trata-se de um encargo que recai sobre o prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio.

O capítulo do Código Civil dedicado às servidões legais, começa por se referir, na sua I secção, às servidões legais de passagem.

Sendo nesse contexto que nos encontramos – quer as partes, quer o tribunal de 1ª instância quer a Relação, situam-se no âmbito da servidão legal de passagem e no direito de preferência conferido ao proprietário do prédio onerado com tal servidão.

Oliveira Ascensão ([16]) refere que a expressão “servidões legais” é utilizada para designar certas categorias de servidão que podem ser coactivamente impostas (como é o caso das servidões de trânsito ou passagem) acrescentando que as servidões são legais porque, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos » (nº 2 do art. 1547).

A constituição das servidões legais de passagem tem como razão justificativa a circunstância de o encrave absoluto ou relativo frustrar o aproveitamento prático do prédio e tem subjacente um juízo de proporcionalidade entre as vantagens advenientes da constituição da servidão para o titular do prédio encravado e o sacrifício imposto ao titular do prédio afectado com a servidão ([17]).

Sabemos que sobre o prédio do A. e em benefício do prédio vendido à R. DD pelos demais RR. recai uma servidão legal de passagem e uma servidão de estacionamento.

Como se provou, sobre o prédio do A. (prédio ...20) «encontra-se inscrito pela Ap. ...33 o seguinte encargo, abrangendo 6 prédios: servidão de uso para estacionamento e de passagem no pátio/logradouro do prédio ...20, constando como prédios dominantes os prédios ...78, ...22, ...52, ...90 e ...77, todos da freguesia ...»; entre os prédios dominantes encontra-se o prédio vendido à  R. DD.

Consoante afirmado na sentença de 1ª instância a «questão que se coloca nos presentes autos não é tanto a de saber se o prédio serviente tem, em tese, direito de preferência da alienação do prédio dominante, mas sim a de saber se sendo vários os prédios dominantes, e estando apenas em causa a venda de um deles, ainda assim se pode falar da existência de um direito de preferência do prédio serviente».

Concordando, a Relação aditou: «Sendo certo que não está em discussão a existência do direito de preferência do prédio serviente perante a alienação do prédio dominante – consagrada na lei -, em discussão está sim o saber-se se, havendo vários prédios dominantes em face de um mesmo prédio serviente, e ocorrendo a venda apenas de um dos prédios dominantes, o aqui A./Apelante, enquanto proprietário do prédio serviente, mantém o seu direito de preferência nessa alienação».

Ora, enquanto na sentença se concluiu que «existindo vários prédios dominantes com uma servidão a onerar o prédio serviente, inexiste direito de preferência na aquisição de apenas um deles, na medida em que não sendo essa aquisição susceptível de restaurar a propriedade plena e perfeita do prédio serviente, não se justifica impor aos proprietários transmissores uma limitação à sua liberdade contratual e à possibilidade de disporem do bem a favor de quem bem entenderem».

A Relação extraiu a conclusão oposta, referindo que sendo «incontornável que se a lei concede ao proprietário de um prédio encravado o direito de exercer preferência perante o proprietário do prédio dominante, entendemos que concede também ao mesmo tal direito de preferência no caso de estar onerado com uma servidão de estacionamento e passagem perante os proprietários dos vários prédios dominantes, situação que é muito mais restritiva e lesiva do seu direito de propriedade e que, como tal, por maioria de razão, sempre teria de se integrar como um meio de defesa e de restauro da sua propriedade plena».

Todos os RR./recorrentes pugnam pela correcção da sentença de 1ª instância cuja argumentação secundam nas suas alegações de recurso.

Facultando o nº 1 do art. 1555 ao proprietário do prédio serviente direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento do prédio dominante, dizem-nos a propósito Rui Pinto e Clara Trindade ([18]) que a finalidade desta norma é conceder a quem foi obrigado à constituição da servidão uma forma de desoneração do seu direito, ressalvando simultaneamente a utilidade prática do prédio encravado. Acrescentado ser esta «a interpretação consentânea com o art.º 1551º que concede ao proprietário que possa vir a ter o seu direito onerado com uma servidão legal de passagem que não deseja, a possibilidade de evitar essa oneração, precisamente através da aquisição do prédio encravado. Trata-se de uma norma que tem como finalidade proteger a posição jurídica do proprietário».

Escrevendo-se no acórdão do STJ de 24-6-2010 ([19]) que no caso de um prédio encravado é a «sua situação de encrave que justifica, primeiro, que se conceda ao seu proprietário o direito de constituir uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos e, depois, caso a servidão se constitua, que se compense os proprietários dos prédios onerados com a possibilidade de provocarem a extinção dessa oneração preferindo na venda do prédio dominante (mas já não na hipótese inversa)».

Menezes Cordeiro ([20]) declara que, como ficou claro depois dos estudos de Oliveira Ascensão, «na matéria de servidões joga-se um problema de conflitos de vizinhança entre direitos reais: a lei visa por cobro a tais conflitos facilitando a reunião, na mesma esfera jurídica, das coisas ou direitos que gerem os conflitos em causa», concluindo, seguidamente, que o legislador visou, apenas, pôr cobro às servidões legais de passagem.

Asseverando-se no acórdão do STJ de 2-5-2012 ([21]) que o objectivo do direito de preferência conferido pelo art. 1555 do CC ao dono do prédio onerado com a servidão é “o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas”.

Na sequência do que vimos expondo, não temos dúvida em que a perspectiva correcta foi a assumida no acórdão da Relação de Lisboa.

Efectivamente, como mencionámos, o nº 1 do art. 1555 do CC confere ao proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem o direito de preferência no caso de venda do prédio dominante.

Face àquela disposição legal o A., proprietário do prédio serviente, gozava de direito de preferência no caso de venda do prédio dominante – e o prédio vendido pelos RR. BB e CC à R. DD era um dos prédios dominantes.

A situação dos autos insere-se sem qualquer esforço nos termos da previsão legal.

Sem dúvida que existe um encargo (a referida servidão legal) que recai sobre o prédio do A. em benefício daquele outro prédio, restringindo o gozo efectivo do mesmo pelo A. – tal como, paralelamente, existem outros encargos que recaem sobre o mesmo prédio do A. em benefício de outros quatro prédios.

Em rigor não existe uma servidão constituída a favor de cinco prédios dominantes (o que inculcaria que sobre o prédio serviente recairia uma só servidão, na proporção de 1/5 a favor de cada um daqueles outros) mas diversas servidões que recaem sobre o prédio do A. (diferentemente do pressuposto pelos recorrentes BB e CC - conclusão M da sua alegação de recurso).

O encargo sobre o prédio onerado é imposto em proveito de outro prédio, o que dá relevo á inerência da servidão aos prédios a que activa ou passivamente ela respeita. ([22]). O prédio do A. encontra-se onerado com diversas servidões, cada uma delas imposta em proveito de cada um dos prédios dominantes – sendo proprietário do prédio onerado com qualquer daquelas servidões o A. tem direito de preferência no caso de venda de qualquer um dos prédios dominantes, em face da previsão do nº 1 do art. 1555.

Não se vê razão para proceder a uma interpretação restritiva do preceito, de modo a serem excluídos da sua previsão os casos em que o prédio serviente seja onerado com duas ou mais servidões, ainda que do mesmo tipo.

 Efectivamente, não se perspectiva que a letra da lei vá além do seu espírito, que a letra da lei expresse “demais”, que seja necessária uma leitura da norma que reequilibre uma imperfeita expressão literal, adequando-a ao seu espírito.

O A. tem, deste modo, por via desta norma que protege a sua posição jurídica, uma forma de desoneração do seu direito de propriedade, obtendo alguma compensação através da supressão dessa oneração e pondo-se fim aos eventuais conflitos advenientes daquela concreta servidão – obviamente que, apenas, no que respeita ao prédio que foi vendido.

O exercício da preferência extingue o encargo que recai sobre o prédio do A. em proveito do prédio cuja venda teve lugarrestaurando-se, no que a tal respeita, a  propriedade plena.

Restarão, pelo menos por ora, os restantes encargos, a favor de cada um dos outros quatro prédios. Mas, nem por isso, a cessação da oneração relativamente ao prédio objecto da venda deixa de ter relevância, desde logo em termos de perturbação relativamente ao prédio serviente, a qual diminuirá, e de conflito cujas hipóteses se reduzirão.

Não sendo de obliterar a possibilidade de, no futuro, o A. ou quem venha a ser proprietário do prédio serviente vir a exercer a preferência na venda dos restantes prédios dominantes.

Pelo que se entende que assiste ao A. o direito de preferência que ele pretendeu exercer na presente acção, encontrando-se verificados os pressupostos para o efeito previstos na lei.

*

IV – 4 - Os RR. BB e CC sustentam ser inconstitucional, por contrária aos arts. 13 e 62 da Constituição, a interpretação extensiva do art. 1555 do CC, por forma a abranger situações como a dos presentes autos, em que existem vários prédios dominantes.

Desde logo, pelas razões apontadas, entendemos que não se trata de uma interpretação extensiva do art. 1555 do CC.

Admite-se que o direito legal de preferência, ao retirar ao proprietário do prédio dominante o direito de poder escolher o outro contraente no caso de venda ou dação em cumprimento, possa beliscar o poder de disposição que integra o direito de propriedade.

Sendo certo que o art. 1305 do CC, consagrando embora esses poderes, salvaguarda as restrições impostas na lei  - e que o art. 1555 do mesmo Código prevê o direito de preferência para casos como o destes autos.

Olhando agora para o diploma fundamental, verificamos que o nº 1 do art. 62 da Constituição estabelece que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

Citando o acórdão do Tribunal Constitucional  nº 225/00 ([23]) diremos:

«Em anotação ao artigo 62º da Constituição referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 334) "Teoricamente, o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: a) o direito a adquirir; b) o direito a usar e fruir dos bens de que se é proprietário; c) o direito de a transmitir; d) o direito de não ser privado dela". Mais à frente (p. 335) e especificamente sobre o direito de transmissão da propriedade (dimensão que agora poderia estar em causa) referem aqueles autores: "Um dos aspectos explicitamente garantidos é a liberdade de transmissão, inter vivos ou mortis causa (nº 1, in fine), não podendo haver bens vinculados ou sujeitos a interdição de alienação. Este direito deve ser entendido no sentido restrito de direito de não ser impedido de a transmitir, mas não no sentido genérico de liberdade de transmissão, a qual pode ser mais ou menos profundamente limitada por via legal, quer quanto à transmissão inter vivos (obrigações de venda, direito de preferência, etc.) quer quanto à transmissão mortis causa...".

Do que antecede resulta que o estabelecimento na lei de direitos de preferência não afecta, só por si, o conteúdo constitucionalmente reconhecido ao direito de propriedade em qualquer das suas dimensões. Designadamente o direito a transmitir a propriedade não se vê afectado no seu conteúdo essencial. É que o estabelecimento de um direito de preferência no caso de alienação do prédio não obriga o proprietário a vender, nem o impede de vender, mas apenas o obriga a, caso decida vender, atribuir preferência nessa alienação, em igualdade de circunstâncias, no caso ao arrendatário do prédio.

Em causa não está a liberdade de alienação, mas apenas a liberdade de escolha da outra parte no negócio, que pode efectivamente ver-se limitada pela lei ordinária, através da atribuição de um direito de preferência, em atenção à necessidade de protecção de outro tipo de interesses, sem que com isso se viole o disposto no artigo 62º da Constituição» (o itálico é nosso).

Não se perspectiva, em termos idênticos aos que acabámos de transcrever, a violação do disposto no art. 62 da Constituição. Nem que a interpretação adoptada contenda com o princípio da igualdade, consagrado no art. 13 da Constituição («Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei»).

Saliente-se que, tal como enunciámos supra, consideramos que esta interpretação  não contraria os objectivos do direito de preferência - designadamente no que concerne à extinção do encargo e a ser restaurada a propriedade perfeita do prédio onerado (no que respeita ao prédio dominante), tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens e compensando o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito.

Pelo que não se vislumbra qualquer interpretação da norma em referência contrária à Constituição.

*

IV – 5 - Concluem os RR. BB e CC (ponto U) das conclusões da alegação de recurso) que o A. actua de má fé, na modalidade de venire contra factum proprium, porque «desde que adquiriu a sua propriedade, em 1996, passou a impedir e dificultar o uso e a passagem dos proprietários dos prédios dominantes, que a usavam desde 1922, tendo inclusivamente proposto acção judicial nesse sentido, donde por via da reconvenção deduzida foi declarada a existência de servidão de uso para estacionamento e passagem, conforme sentença junta aos autos a fls. 43 e ss. com a Contestação dos 1.ºs RR., comportamento que mantém até aos dias de hoje, como resultou provado, pretendendo, não obstante, recorrer ao instituto do direito de preferência na alienação do prédio encravado para adquirir para si um dos prédios dominantes».

Provou-se que não obstante a servidão de passagem e estacionamento que recai a favor dos prédios dominantes, entre os quais o adquirido pela 3.ª R. e mais 4, o A. parqueia veículos nesse espaço bloqueando saídas, tendo inclusivamente estacionado na mesma uma caravana que já foi condenado a retirar por sentença judicial, assim como no pagamento de uma indemnização, tudo nos termos da sentença constante de fls. 43 e seguintes.

Dispõe o art. 334 do CC que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Trata-se de uma figura correspondente a uma válvula de segurança para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido pela lei; é genericamente entendido que existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.

A proibição de «venire contra factum proprium», impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior, cairá no âmbito do abuso de direito ao corresponder ao exercício de um direito excedendo o titular, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé – tendo em vista a boa fé objectiva. Pressupõem-se aqui duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo em que a primeira, ou seja, o factum proprium é contrariada pela segunda.

Se a base legal do “venire contra factum proprium” reside no art. 334 e na boa fé objectiva, a sua aplicação passa pela confiança ([24]).

Aquela actuação do A. (parqueando veículos no espaço e bloqueando saídas, dificultando/impedindo a passagem) não veio a ser contrariada pelo exercício do seu direito através da presente acção. Aliás, não se divisa que a dita actuação do A. seja susceptível de justificar a confiança dos RR. BB e CC no sentido de que o direito de preferência que assistia ao A. não viesse a ser exercido.

Pelo que entendemos não se verificar o invocado abuso de direito.

*

IV – 6 – Decidiu o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido: «Determinar o envio do processo para o Tribunal de 1.ª Instância onde deverá ser proferida decisão quanto às questões que foram julgadas prejudicadas com a decisão então proferida, que será complementar desta que acima se deixa expressa».

Consignando, a propósito:

«…no que se reporta à segunda questão acima enunciada, reportada à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3.ª Ré no prédio em apreciação e ao seu possível reembolso por parte do aqui A./Apelante, entende-se que este Tribunal de recurso não deve socorrer-se do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil Revisto proferindo, nesta matéria, decisão em substituição do Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância».

Aduzindo, para o efeito:

-  «…muito embora o processo contenha matéria de facto já julgada e fixada quanto ao pedido reconvencional deduzido pela 3.ª Ré, não foi proferida qualquer decisão de Direito quanto ao mesmo, que ficou prejudicada, em face da decisão proferida quanto ao pedido principal. A prolação de uma decisão neste momento relativamente a esta matéria reconvencional colocaria a 3.ª Ré numa situação de perda de um grau de jurisdição caso não se conformasse com a decisão que fosse agora proferida. Por outro lado, impediria que suscitasse a impugnação da própria matéria de facto fixada quanto a este ponto da decisão – direito que lhe assiste perante uma concreta decisão - e que, em face da primeira decisão proferida e aqui em recurso, não se lhe impunha impugnar».

- «… a interpretação a realizar ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC Revisto também não pode dar cobertura a outra interpretação, desde logo, porque a expressão que ali é utilizada quanto à possibilidade dessa ampliação situa-se na expressão “Pode” o que desde logo implicaria o entendimento de que se trata de uma faculdade e não de uma imposição».

- «…quanto a esta matéria da reconvenção, o processo deverá prosseguir os seus termos com a prolação de decisão pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que, em face da matéria de facto dada como Provada e Não Provada nos autos, aplicará o Direito que sobre a mesma incidir, proferindo uma decisão única e que será complementar desta que aqui foi já conhecida e decidida, respeitante ao direito de preferência».

Houve, todavia, uma declaração de voto, da qual consta:

«No tocante à reconvenção, a sentença entendeu prejudicada a sua apreciação face à improcedência da pretensão do Autor.

Assim sendo, julgada em suficiência a matéria de facto concernente, observado o contraditório, face ao disposto no artigo 665º do CPC, a situação ajuizada reclama o imediato conhecimento de mérito da reconvenção jacente por este tribunal de recurso, obviando à baixa dos autos à primeira instância para tal finalidade.

Essa parece-nos, s.d.r., traduzir a melhor interpretação daquele preceito em alinhamento com a teologia da regra da substituição, contraposta à regra cassatória, assegurado previamente o contraditório das partes por via do estatuído no nº3 do artigo 655º do CPC».

Para concluir:

«Nessa conformidade, s.d.r., após auscultação das partes sobre a matéria, evitando decisão surpresa, propugnaria pelo conhecimento do mérito da reconvenção por esta instância de recurso».

No recurso por si interposto, a R. DD, secundando o que consta da declaração de voto, defendeu que deveria ser tomado em consideração o disposto no nº 2 do art. 665 do CPC, nada obstando à apreciação pela Relação das benfeitorias realizadas pela recorrente, dispondo para o efeito aquele Tribunal dos elementos necessários.

Dispõem, respectivamente, os nºs 2 e 3 do art. 665 do CPC:

«2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

 3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias».

Referem, a propósito, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre ([25]) que aquele nº 2 torna claro que pode haver supressão de um grau de jurisdição relativamente a questão de que o tribunal recorrido não tenha conhecido por estar prejudicada pela solução por ele dada a outra questão. Salientando que aquela supressão de um grau de jurisdição «só pode ocorrer no pressuposto de que do processo constam todos os elementos de prova necessários à nova decisão» - quando tal não aconteça, a Relação não pode substituir-se ao tribunal recorrido.

Abrantes Geraldes ([26]) dá como exemplo de uma situação abrangida pelo nº 2 do art. 665, o juiz não ter conhecido do pedido reconvencional que considerou prejudicado pelo resultado declarado quanto ao pedido do autor; ainda que o reconvinte não tenha interposto recurso (uma vez que não podia considerar-se vencido), se a Relação revogar a sentença, com a procedência do pedido do autor, não poderá deixar de apreciar o pedido reconvencional «desde que toda a matéria de facto pertinente tenha sido apurada ou possa considerar-se apurada pelo confronto que se estabeleça entre as posições das partes ou os documentos apresentados».

A Relação considerou que o processo continha matéria de facto já julgada e fixada quanto ao pedido reconvencional deduzido pela R. DD, do que esta, recorrente, nas alegações do recurso interposto, não discorda, antes afirmando que a Relação dispunha para o efeito  dos elementos necessários.

A Relação não se substituiu ao Tribunal de 1ª instância, quanto ao conhecimento do pedido reconvencional julgado prejudicado por este Tribunal, porque entendeu que tal colocaria a R. DD numa situação de perda de um grau de jurisdição, caso não se conformasse com a decisão que fosse proferida. Todavia, o nº 2 do art. 665 pressupõe, exactamente, a supressão de um grau de jurisdição e, estando tal previsto na lei, não nos parece que possa, sem mais, ser afastado.

O nº 2 do art. 636.º do CPC, também aludido no acórdão recorrido, é consentâneo com esta solução, permitindo que o recorrido (aqui a R. DD) quando do recurso de apelação, a título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo apelante, tivesse impugnado a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.

Para evitar decisões surpresa, impõe a lei, no nº 3 do art. 665, que antes de ser proferida decisão as partes sejam ouvidas.

Temos, pois, que deveria ter sido a Relação a aplicar o Direito aos factos apurados, no que concerne à reconvenção deduzida pela R. DD, ao invés de, como sucedeu, determinar que a 1ª instância proferisse uma decisão complementar no que respeita ao pedido reconvencional.

Antes de tal,  há lugar à audição das partes, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 665 do CPC.

*

V – Face ao exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista, determinando que a Relação conheça do pedido reconvencional deduzido, com prévia audição das partes, nos termos do nº 3 do art. 665 do CPC, no mais, se mantendo o decidido no acórdão recorrido.

As custas da acção são a cargo dos RR.; no que respeita à reconvenção a responsabilidade pelas custas será decidida quando da decisão sobre a reconvenção.

A responsabilidade pelas custas das apelações será decidida pela Relação quando se pronunciar sobre o pedido reconvencional.

Quanto à responsabilidade pelas custas do presente recurso de revista é dividida pelos recorrentes e pelo recorrido, na proporção de 4/5 para 1/5.

*

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2023


Maria José Mouro (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

__________________________________________________


[1]              Em «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 7ª edição, pág.. 30.
[2]              A caducidade corresponde a uma excepção peremptória. Como conclui Abrantes Geraldes, na obra citada, pág.. 245, conhece do mérito da causa o despacho saneador que (mesmo sem pôr termo ao processo) julga procedente ou improcedente alguma excepção peremptória, como a caducidade ou a prescrição.
[3]              Ver Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. III, Coimbra Editora, 2ª edição, págs.. 373 a 375, referindo que o depósito obrigatório do preço imposto ao preferente, atento o momento em que é imposto, visa garantir o alienante mas, também, reintegrar o preferido na situação em que se encontrava à data do contrato.
Sendo considerado no acórdão do STJ de 1-04-2014, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 854/07.0TBLMG.P1.S1: «Destinando-se a exigência do depósito preliminar do preço a garantir, na medida do possível, a utilidade real da acção de preferência, “pondo o alienante a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente, por este se desinteressar entretanto da sua realização ou não dispor dos meios necessários para a aquisição que pretende realizar” tem, ainda, por fim assegurar, desde logo, ao preferido a reintegração na situação em que se encontrava, à data do contrato, dispensando-o do procedimento executivo contra o preferente e libertando-o do risco da insolvência deste e, também, eventualmente, assegurar ao alienante a seriedade e a efectividade do exercício do direito pelo preferente, garantindo, ao mesmo tempo, que o tribunal não será chamado a pronunciar-se em vão».
[4]              Esclarece-se que se tem entendido: que a «caducidade do direito de preferência não pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal» ( acórdão do STJ de 23-11-1982, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 070192); que a razão de interesse público que justifica o conhecimento oficioso da caducidade só real e efectivamente o determina quando o direito em que a acção se funda for um direito indisponível e, sendo a relação jurídica material controvertida nos autos uma relação de preferência (legal)  não se trata de uma relação jurídica indisponível, sendo sem cabimento, neste caso, o pretendido conhecimento oficioso da caducidade, já só arguida em sede de recurso (acórdão do STJ de 16-05-2002, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 02B1129).
[5]              No «Código Civil Anotado», vol. III, Coimbra Editora, 2ª edição, pág.. 374.
[6]              Em «Direitos Reais», III vol., edição da AAFDL, 1978, pág.. 503, nota 1. Posteriormente reafirmou este entendimento no «Tratado de Direito Civil Português – Direito das Obrigações», tomo II, Almedina, 2010,  págs.. 518-519.
[7]              Em «Direito Civil – Reais», Coimbra Editora, 5ª edição, pág. 578.
[8]              Em «O Exercício do Direito de Preferência», Universidade Católica, 2006, pág. 658 e nota 176.
[9]              A que se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 07B3588.
[10]            A que se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 246/05.5TBMNC.G1.S1.
[11]            A que se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1022/12.4TBCNT.C1.S1.
[12]            A que se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 9570/16.0TBPRT.P1.S2.
[13]            Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano XIII, tomo I, pág.. 92.
[14]            Em «Direito Civil – Reais», Coimbra Editora, 4ª edição, pág.. 433.
[15]            Obra citada, pág.. 614.
[16]            «Direito Civil – Reais», Coimbra Editora, 4ª edição, pág.. 251.
[17]            Assim, Rui Pinto e Cláudia Trindade, em «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, vol. II, 2017, Almedina, pág.. 419.
[18]            No já citado «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, agora na pág.. 426.
[19]            Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 2370/04.2.TNVFR.S1
[20]            Em «Servidão legal de passagem e direito de preferência», Revista da Ordem dos Advogados, 50º, 1990, III, pág.. 572-573, a que se pode aceder em https://portal.oa.pt.; também na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, tomo I, págs.. 63 e segs., sob o título «Servidões legais e direito de preferência».
[21]            Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1241/07.5TBFIG.C1.S1.
[22]            Ver Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág.. 615.
[23]            Acórdão de 5 de Abril de 2000, proc. nº 43/98, 3ª Secção, Relator: Cons. Sousa e Brito, acessível no site do Tribunal Constitucional.
[24]            Seguindo a exposição de Menezes Cordeiro -   «Tratado de Direito Civil Português», Almedina, I, Parte Geral, tomo IV, págs. 292-294 - na concretização da confiança haverá que considerar, articulando-se entre si nos termos de um sistema móvel:
- Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
- Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível;
- Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
- A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante.
[25]            No «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, Almedina, 3ª edição, pág.. 185.
[26]            Na obra citada, pág.. 389.