Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR FURTADO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM FURTO FURTO QUALIFICADO CONCURSO DE INFRAÇÕES MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CONFISSÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
Data do Acordão: | 04/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE. | ||
Sumário : | I - Perante uma prática criminal reiterada como aquela que ficou provada, com a acumulação de 12 crimes de furto, num período muito curto de 15 dias (o que mostra a reiteração de tal tipo de criminalidade, praticamente, todos os dias), a aplicação da pena de prisão está plenamente justificada. II - As exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude do facto (médio), o modo de execução dos crimes, a gravidade das suas consequências e a culpa do arguido, estabelecem um limite mínimo – o mínimo que a comunidade aceita para proteger os bens jurídicos – e um máximo da pena, onde se deve encontrar a pena concreta tendo em conta as exigências de prevenção especial. III - A confissão dos factos sem reservas implica que o arguido aceitou a sua responsabilidade penal pelos factos que praticou, sem que isso signifique vontade em mudar o seu comportamento criminal. IV - As exigências de prevenção especial relevam, particularmente, para o juízo de prognose de que, no futuro, o arguido não voltará a praticar factos da mesma natureza, visto que tem 41 anos de idade, três filhos e ainda não interiorizou as suas responsabilidades como adulto, pai e companheiro, não se interessando pelo destino dos seus filhos, nem buscando meios de sustentação dos mesmos, antes continuando a viver às expensas dos pais e companheira, não mantendo hábitos de trabalho, revelando falta de assiduidade e de compromisso, mas continuando com os hábitos de consumo de estupefacientes e álcool. V - No juízo de prognose a fazer pelo tribunal não há razões para se aplicar a pena de substituição da pena de prisão, suspendendo a sua execução, atenta as carências de ressocialização em liberdade do arguido e considerando o efeito previsível da pena aplicada sobre o seu comportamento futuro. | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso Penal Processo: 23/22.9GBPVL.S1 5ª Secção Criminal
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO 1. AA, neste processo comum (tribunal coletivo), Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão de 21/12/2022, foi condenado, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática em co-autoria material de crimes de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, als. a), c), d) e e), e de crimes de furto simples p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, als. c) a e) e n.º4, todos do Código Penal, nos termos seguintes: “I) Condenar o arguido AA, pela prática, em concurso efectivo e real, de: a) um crime de furto qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 23/22....), na pena de 2 anos de prisão; b) um crime de furto (simples), em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e nº4, e 202.º, als. c) e d), do Código Penal (NUIPC 33/22....), na pena de 9 meses de prisão; c) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 22.º, nº1 e nº2, als. a) e c), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 37/22....), na pena de 1 ano de prisão; d) um crime de furto (simples), em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e nº4, e 202.º, als. c) a e), do Código Penal (NUIPC 39/22....), na pena de 8 meses de prisão; e) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 22.º, nº1 e nº 2, als. a) e c), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. e), do Código Penal (NUIPC 42/22....), na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; f) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. c), do Código Penal (NUIPC 18/22....), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; g) um crime de furto (simples), em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e nº4, e 202.º, als. c) e e), do Código Penal (NUIPC 19/22....), na pena de 4 meses de prisão; h) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 56/22....), na pena de 2 anos de prisão; i) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. e), do Código Penal (NUIPC 59/22....), na pena de 2 anos de prisão; j) um crime de furto qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 23/22....), na pena de 2 anos de prisão; k) um crime de furto qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 26.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 24/22....), na pena de 2 anos de prisão; l) um crime de furto qualificado, em autoria material e na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, nº1, 22.º, nº1 e nº2, als. a) e c), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, 203.º, nº1, 204.º, nº2, al. e), e 202.º, al. d), do Código Penal (NUIPC 9/22....), na pena de 1 ano e 1 mês de prisão; e m) em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nº1, e 77.º do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis)meses de prisão.”
2. Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, sendo certo que, por despacho judicial de 20/02/2023 e nos termos dos art.ºs 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, e 414.º, n.º 8, ambos do CPP, foi ordenada a subida a este STJ. Para o efeito, apresentou as seguintes conclusões: “C – CONCLUSÕES: I. Vem o presente recurso interposto do acórdão exarado a fls. ____ dos autos, que condenou “o arguido AA, pela prática, em concurso efectivo e real, de”: seis crimes de furto qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, três crimes de furto qualificado, em co-autoria material e na forma tentada e três crimes de furto (simples), em autoria material e na forma consumada, “em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão”; II. No dia 02/FEV/2022, o recorrente foi detido em flagrante delito pelos militares da GNR, aos quais consentiu a realização de busca domiciliária “onde no decorrer desta, também por indicação do arguido, foram detetadas e apreendidas duas garrafas de bebidas espirituosas, que também foram furtadas nos presentes autos” (cfr. al. m) do ponto 2 do Auto de Interrogatório de Arguido); III. No dia 03/FEV/2022, presente a Juiz de Instrução para 1.º Interrogatório Judicial, o ora recorrente para além de ter confessado integralmente e sem reservas todos os factos que então lhe foram comunicados, implicou em alguns desses factos os co-arguidos BB e CC, enquanto comparticipantes dos mesmos, IV. Afirmando sentir-se envergonhado e profundamente arrependido com a sua conduta (cfr. declarações prestadas na sessão de 1.º Interrogatório Judicial do dia 03.02.2022, gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Média Studio”, com início às 11:13 horas e termo às 11:21 horas); V. Desde então, com base nos perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, o recorrente encontra-se sujeito à medida de coação mais gravosa, a prisão preventiva; VI. Chegados à audiência de julgamento, o recorrente prestou declarações mais detalhadas sobre todos os factos de que vinha acusado, fazendo algumas ressalvas; VII. Por desconhecer, o recorrente não confessou o valor dos danos causados indicados na acusação, valor que veio a ser determinado através do depoimento dos ofendidos; VIII. Da análise do acórdão resulta inequívoco que o tribunal a quo formou a sua convicção condenatória nas declarações do recorrente e demais arguidos, ao dar como provados pouco mais que somente os factos confessados; IX. Consideradas pelo tribunal a quo meios de prova válidos, foram as referidas declarações do recorrente que permitiram ultrapassar acentuadas dúvidas e ter como assentes factos para os quais não existia outra prova; X. Vejamos que para além dos factos descritos na acusação, por referência ao N... 9/22.... em que o recorrente foi detido em flagrante delito, XI. Somente quanto aos factos descritos na acusação, por referência ao N... 42/22...., NUIPC 19/22.... e NUIPC56/22.... é que se estabeleceu identidade entre vestígios digitais colhidos no local e as impressões digitais do arguido AA, aqui recorrente; XII. Ou seja, não fosse a confissão, num universo de 12 (doze) crimes, haveria prova, circunstancial ou indiciária, apenas relativamente aos 4 (quatro) crimes anteriormente mencionados; XIII. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque “de um modo genérico, toda a colaboração prática com as autoridades na descoberta da verdade deve ser creditada a favor do agente no balanço das necessidades preventivas do caso. Por isso, os tribunais se inclinam frequentemente a recompensar com a clemência o autor confesso”; XIV. Existe um relativo consenso no seio da doutrina e da jurisprudência de que quanto maior for essa utilidade, maior será, também, o seu peso a favor do arguido; XV. Refere o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 05-06-2015 que: “I - A confissão integral e sem reserva do arguido dos factos de que é acusado tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade. II - Essa confissão fundamenta uma atenuação especial da pena se se traduzir numa verdadeira e imprescindível colaboração para a descoberta da verdade, sem a qual não se sustentaria a condenação e constituir uma inequívoca manifestação de culpabilidade” (in www.dgsi.pt, sendo nossos os sublinhados e relevos); XVI. Nesta senda, é certo que a confissão do recorrente feita em 1.º Interrogatório Judicial e no início da audiência de julgamento, isto é, antes de produzida a prova, XVII. Não constituiu “mera estratégia de defesa”, mas verdadeira e imprescindível colaboração na descoberta da verdade, sem a qual seria certamente absolvido, em obediência ao princípio in dubio pro reo da generalidade dos crimes (cfr. já referido em 17 a 20 supra); 45. Aliás, houvesse estratégia de defesa e o recorrente não teria confessado, fê-lo, porém, de um sentido e sincero arrependimento, declarando ter sido “um mau momento da sua vida”; XVIII. A este propósito ensina Eduardo Correia que “as consequências da confissão ou negação do facto de que alguém é acusado têm, por outro lado, que se conexionar sempre com a possibilidade de serem referidas à personalidade do criminoso e com a natureza do próprio processo penal. Assim, a confissão corresponde muitas vezes a um arrependimento que mostra o caráter estranho do facto relativamente à personalidade. “ XIX. Por sua vez, Reinhart Maurach anota que “a investigação da personalidade do agente representa a base decisiva para a «efetividade penal», não apenas ao nível dos fins preventivos, como também ao nível do fim retributivo da pena.” Concretizando, refere que “a maior ou menor «sensibilidade penal» do autor é um fator que pode influir também ao nível da medida da compensação justa; «ceteris paribus», uma menor pena produzirá o mesmo efeito retributivo num autor impressionável e sensível à punição do que uma pena muito mais grave num sujeito menos acessível.”; XX. Com efeito, ao confessar factos que não se mostravam evidentes, o recorrente, transmitiu, assim, indicações positivas relativamente à sua atitude e personalidade, XXI. Tornando evidente que interiorizou um imediato juízo crítico de censura relativamente à sua conduta e aos crimes praticados; XXII. De modo que, à confissão e ao arrependimento do recorrente deve ser atribuído especial valor atenuativo, que deverá influir directamente na determinação da medida concreta da pena e relevar indirectamente ao nível da valoração das exigências de prevenção especial. XXIII. Assim sendo, atentos os antecedentes criminais do recorrido pela prática de crimes de outra natureza - com última condenação no ano de 2017 -, é de aceitar a justificação do tribunal a quo quando refere que “Relativamente aos crimes de furto simples praticados pelo arguido AA, embora admitam a aplicação da multa como pena principal e em alternativa à pena de prisão, entendemos que o facto de o mesmo ter praticado estes crimes depois de já ter sido condenado em quatro penas de multa, embora por crimes de natureza diversa (cf. factos provados sob o nº98, als. a) a d)), afasta a possibilidade de as finalidades preventivas da punição virem a ser alcançadas, de forma adequada e suficiente, através de uma pena de natureza pecuniária e que estão consagradas no artigo 40.º, nº1, do Código Penal: a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade. A pena de prisão é, pois, a única que poderá prevenir o cometimento do mesmo ilícito penal por este arguido.” (cfr. ponto II.5.1. do acórdão recorrido); XXIV. Porém, não se pode aceitar que atenta a situação concreta - em que a descoberta da verdade material se deveu à colaboração do recorrente -, se decrete em cúmulo jurídico uma pena de prisão efectiva, sem que, alguma vez, lhe tenha sido dada a possibilidade de suspensão da execução; XXV. Tanto mais que essa confissão, portanto, esse arrependimento, remonta à data da sua detenção, data desde a qual o recorrente se encontra em prisão preventiva, o que certamente terá feito eco na sua consciência e lhe terá permitido agudizar a consciência da gravidade dos seus comportamentos e das consequências dos mesmos; XXVI. Também é certo que, embora o arguido estivesse desempregado à data dos factos, resulta do seu depoimento em audiência de julgamento que o mesmo terá emprego logo que saia em liberdade, XXVII. Resultando do relatório social que se encontra laboralmente activo no estabelecimento prisional; XXVIII. Acresce que o arguido tem retaguarda familiar que o visitam regularmente no estabelecimento prisional e o acolherão quando sair em liberdade; no meio onde reside, o recorrente é considerado pessoa de trato educado (cfr. ponto 67 do acórdão recorrido); 46. De facto, os fundamentos em que assentou a determinação da medida da pena não valoraram convenientemente a confissão do recorrente, pois: não tiveram em atenção a sua imprescindibilidade para a descoberta da verdade material e, por isso, não fizeram corresponder esse peso a favor do recorrente, bem como, apesar da assunção dos factos, não realizaram qualquer prognóstico favorável relativamente ao futuro do agente; 47. Por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam a medida aplicada; 48. Pelas razões exaustivamente expostas, e sem quebra do devido respeito, a medida da pena deve ser reduzida para a pena única máxima de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do disposto no artigo 50º nºs 1 e 5 do Código Penal, com sujeição ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou com sujeição ao regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, nos termos do disposto nos art.ºs. 50.º, nºs. 2 a 4 e 51.º a 54.º do Código Penal, 49. Pois somos a concluir que, no caso concreto do recorrente, a simples censura do facto e a possibilidade de voltar estar em contacto com o meio prisional realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição, , pelo que, o tribunal deve dar preferência a esta solução. Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs. doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por consequência: a)A medida da pena ser reduzida ao limite máximo de 5 anos de pena de prisão e b)Admitir-se a suspensão na sua execução, por igual período, nos termos do disposto no artigo 50º nºs 1 e 5 do Código Penal, com sujeição ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou com sujeição ao regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, nos termos do disposto nos artºs. 50.º, nºs. 2 a 4 e 51.º a 54.º do Código Penal. Assim decidindo, far-se-á a esperada JUSTIÇA”. “(…), atentas as penas parcelares em concurso e o disposto no art. 77º, n.º2 e 3, e 78º, n.º1, do CP, tendo presente a moldura sancionatória a ponderar – mínimo de 2 anos e 6 meses e limite máximo de 18 anos de prisão, - a gravidade e natureza dos ilícitos praticados, o tribunal aplicou uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão correspondendo ao acréscimo de apenas 1/6 da soma das penas parcelares à pena mais elevada, que a nosso ver não é de modo algum excessiva, inexistindo fundamento para que fique aquém da aplicada no Acórdão.
A ilicitude e a culpa são elevadas e fortes as exigências de prevenção especial e as exigências de prevenção geral que, no caso em apreço, demandam resposta firme e inequívoca perante a comunidade no sentido da reprovação das condutas praticadas. (…) Não obstante a inserção social e familiar do arguido à data da prática dos factos tais circunstâncias não atenuam as prementes exigências de prevenção que se fazem sentir atento o elevado grau de ilicitude e o dolo direto. De igual modo os objetivos de integração positiva e de socialização não sobrelevam de modo a que se imponha que as penas parcelares e a pena única devam ser reduzidas. (…)Por tudo o referido, entendemos dever ser considerada improcedente a crítica do arguido sobre o quantum da pena única fixada. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas. Por tudo o referido, entendemos dever ser considerada improcedente a crítica do arguido sobre o quantum da pena única fixada. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas.”. “(…) o fato de o Recorrente ter antecedentes criminais – última condenação registada a 2/10/2018, por factos cometidos em setembro de 2017 e subsumíveis ao crime de desobediência – e, sobretudo, o facto de ter sido condenado nos presentes autos pela prática de 12 (doze) crimes no período de 15 dias, sendo que esse percurso criminal foi interrompido na sequência de detenção em flagrante delito. E a esse percurso não é certamente estranho o facto de ter sido dado como provado que o arguido é consumidor de drogas leves - tendo-se esse consumo acentuado nos últimos anos -, bem como que, embora careça de uma intervenção orientada para a resolução dessa problemática aditiva, não aceita as orientações dos seus familiares no sentido de se sujeitar a essa intervenção, desvalorizando a necessidade de acompanhamento terapêutico (cfr. pontos 62, 65 e 70 da matéria de facto dada como provada). Ainda a este propósito note-se a circunstância de ter sido dado como provado que, “66. À data dos factos, o arguido não apresentava rotinas estruturadas no quotidiano, sendo que, apesar da oportunidade de emprego que teve numa empresa de serralharia, na sua zona de residência, revelou falta de assiduidade e de compromisso.” Ou seja, e como bem referem os Mmºs Juízes a quo, milita fortemente contra o arguido a “falta de investimento, no tempo mais recente, num projecto de vida estável, minimamente consolidado, direcionado para o trabalho e livre do consumo habitual/aditivo de drogas”. A terminar este parecer e porque nos parece ser essa a principal motivação do presente recurso, permita-se-nos acrescentar, sem conceder, que, ainda que a pena unitária não fosse superior a 5 anos de prisão, jamais tal pena poderia ser suspensa na sua execução. Com efeito, quer a personalidade desvelada pelo arguido, quer as condições da sua vida, quer a conduta anterior e posterior aos crimes e as condições em que os mesmos foram praticados não permitem, de forma alguma, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão seriam suficientes para realizarem adequadamente as finalidades da punição”.
II. FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto fixada pelo tribunal da 1.ª instância: 1. Entre as 18h00 do dia 14 de Janeiro e as 08h30 do dia 17 de Janeiro de 2022, os arguidos AA e BB deslocaram-se ao bar da praia ..., explorado por DD e situado na Rua ... – ..., em ..., na ..., com o propósito de se apoderarem de bens que aí encontrassem. 10. Entre as 19h00 do dia 22 de Janeiro e as 10h00 do dia 23 de Janeiro de 2022, o arguido AA deslocou-se ao recinto desportivo “Sport Clube ...”, situado na Rua ..., ..., na ..., 24. O ofendido pagou, pela reparação da mencionada janela, a quantia de cerca de €200,00 (duzentos euros). 26. O arguido AA partiu o vidro da porta do aludido estabelecimento para, assim, aceder ao seu interior, de onde retirou e levou consigo: uma gaveta de caixa registadora, com valor aproximado de €100,00 (cem euros); e a quantia monetária de €30,00 (trinta euros). 46. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) a 3), os arguidos AA e BB actuaram concertadamente e com o propósito, concretizado, de fazerem seus os objectos indicados em 2), sabendo que estes não lhes pertenciam e que, para o efeito, se introduziam no aludido bar do modo descrito em 2), mais sabendo que actuavam contra a vontade dos respectivos legítimos proprietários. 47. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 31), 32), 34) e 35), os três arguidos actuaram concertadamente e com o propósito, concretizado, de fazerem seus os objectos indicados em 32) e 35), sabendo que estes não lhes pertenciam e que, para o efeito, se introduziam nas correspondentes instalações do modo descrito em 32) e 35), mais sabendo que actuavam contra a vontade dos respectivos legítimos proprietários. 48. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4), 5), 10), 11), 19), 20), 22), 23), 25), 26), 28) e 29), o arguido AA actuou com o propósito, concretizado, de fazer seus os objectos aí indicados, sabendo que estes não lhes pertenciam e que, para o efeito, se introduzia nas respectivas instalações do modo ali descrito, mais sabendo que actuava contra a vontade dos respectivos legítimos proprietários. 49. O arguido AA procurou entrar nos dois estabelecimentos indicados em 7) e 13) e nas instalações identificadas em 36) para, do modo descrito em 8), 14) e 38), fazer seus bens que aí encontrasse, só não o tendo conseguido por motivos alheios à sua vontade. 50. O arguido AA actuou sempre com a intenção, concretizada, de provocar estragos em bens, sabendo que estes não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos respectivos donos. 51. Todos os arguidos agiram sempre voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei. b) Da contestação do arguido AA: 52. O arguido AA confessou os factos descritos em 1) a 3), 4), 5), 7), 8), 10), 11), 13) a 15), 19), 20), 22), 23), 25), 26), 28) e 29),31), 32 (1ª parte), 34), 35 (1ª parte), 36) a 42) e 46) a 51).
c) Mais se provou que: 53. O arguido BB confessou os factos descritos em 1) a 3), 31), 32 (1ª parte), 34), 35 (1ª parte), 46), 47) e 51). 54. O arguido CC confessou os factos descritos em 31), 32 (1ª parte), 34) e 35 (1ª parte), 47) e 51). 55. A bateria indicada em 2) foi restituída ao ofendido DD. 56. O telemóvel identificado em 29) foi restituído ao respectivo dono. 57. O processo de socialização do arguido AA decorreu no seio do seu agregado de origem, composto pelos seus pais, uma irmã biológica e dois irmãos em situação de acolhimento familiar, sendo um deles o arguido BB. 58. O arguido frequentou a escola até à conclusão do 6º ano, com registos de retenções, quando decidiu não prosseguir os estudos. 59. Este arguido iniciou a sua actividade laboral durante a adolescência, tendo trabalhado nos ramos da serralharia, tinturaria e construção civil (colocação de caleiras e rufos). 60. O arguido casou-se com 23 anos de idade e, após o nascimento da primeira filha, o casal emigrou para a ...; decorridos 12 anos, o casal separou-se e o arguido regressou a Portugal. 62. O arguido é consumidor de drogas leves, tendo este consumo se acentuado ao longo dos últimos dois anos, em contexto de convívio de pares; consome bebidas alcoólicas em contextos recreativos. 65. O arguido não aceitava as orientações dos seus familiares no sentido de se sujeitar a tratamento na área das dependências, desvalorizando a necessidade de qualquer acompanhamento terapêutico. 72. Desde então, o arguido BB não mais estabeleceu contacto com o outro irmão e viveu com a sua família de acolhimento segundo uma dinâmica estável e estruturada. 75. Depois de deixar de frequentar a escola, o arguido, então com 18 anos de idade, começou a trabalhar na área da construção civil, a que se seguiu actividade laboral na área da colocação de fibra óptica, tendo regressado ao ramo da construção civil, no qual se mantém. 78. O arguido tem colocação em emprego, na área da construção civil, na ..., onde iniciará a sua actividade profissional a partir de meados de Janeiro de 2023. 83. O arguido CC cresceu inserido no agregado familiar de origem, constituído pelos progenitores e uma irmã mais velha; a família era sustentada pelos proventos auferidos pelos pais nas respectivas actividades profissionais, sendo o pai trabalhador da construção civil e a mãe operária no sector do calçado. 92. Em 2021, o arguido iniciou um relacionamento afectivo com a irmã do arguido AA, através da qual conheceu os dois co-arguidos neste processo. 96. No meio onde reside, o arguido beneficia de uma imagem social discreta, sem indicadores de conflitualidade na interacção social. b) no Processo nº565/05...., do Tribunal Judicial ..., pela prática, em 16.12.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. nº2/98, de 3.01, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 4 €, por sentença de 16.03.2007, transitada em julgado em 16.03.2007; 99. O arguido BB foi condenado, no Processo nº350/19...., do Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pela prática, em 15.10.2019, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, substituída pela pena de 210 dias de multa, à razão diária de 7 €, por sentença de 28.05.2020, transitada em julgado em 2.07.2020. 2.1. A matéria de facto assim fixada não padece de quaisquer vícios que este Supremo Tribunal pode conhecer tal como prevê o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, nem estes foram arguidos, não se vislumbrando quaisquer nulidades e por isso está definitivamente fixada, pelo que, com base nela, se passam a decidir as questões de direito suscitadas.
2.2. A única questão a resolver respeita à apreciação da dosimetria da pena única aplicada, conforme conclusão XXIV, do requerimento de recurso apresentado pelo arguido ora recorrente.
De referir, previamente ao conhecimento do objeto do recurso, uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que o arguido dirigiu o seu requerimento de recurso ao Tribunal da Relação de Guimarães, mas a Exma. Juiz de Direito do Tribunal de 1ª instância, por despacho de 20/02/2023, determinou a sua subida e a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, este Supremo Tribunal é o competente para apreciar o recurso ora interposto, conforme o disposto no art.º 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CPP, sendo que, em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP se impõe a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito, abrangendo nessa competência o que respeite às penas parcelares ainda que inferiores a 5 anos de prisão, conforme Acórdão Uniformização de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 23/06/2017, Proc. n.º 41/13.8GGVNG-B.S1, em www.dgsi.pt.
No caso, a discordância do recorrente cingiu-se questão da medida concreta da pena única resultante do concurso de crimes, concretizada na pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, sem que, no seu entendimento, o tribunal tivesse efectuado a devida valoração da confissão efectuada espontaneamente pelo arguido, que assim contribuiu para a descoberta da verdade e, desse modo não fez reflectir na medida da pena o efeito “atenuativo” dessa sua confissão – conclusões XX a XXII, do recurso.
Para tanto sustenta que o tribunal “a quo” “(…),não se pode aceitar que atenta a situação concreta - em que a descoberta da verdade material se deveu à colaboração do recorrente -, se decrete em cúmulo jurídico uma pena de prisão efectiva, sem que, alguma vez, lhe tenha sido dada a possibilidade de suspensão da execução;”, entendendo “(…) a medida da pena deve ser reduzida para a pena única máxima de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do disposto no artigo 50º nºs 1 e 5 do Código Penal, com sujeição ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou com sujeição ao regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, nos termos do disposto nos art.ºs. 50.º, nºs. 2 a 4 e 51.º a 54.º do Código Penal, (…) Pois, (…) no caso concreto do recorrente, a simples censura do facto e a possibilidade de voltar estar em contacto com o meio prisional realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição, pelo que, o tribunal deve dar preferência a esta solução.” – conclusões 48 e 49, do recurso, sendo que não se atentou na numeração romana com que se havia iniciado a enumeração das conclusões.
A questão que se discute consiste, pois, na apreciação dos critérios utilizados no acórdão recorrido para a escolha e medida concreta da pena única aplicada, conforme o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do Código Penal.
Assim precisada a intervenção deste tribunal superior, no presente recurso, importa apreciar os seus termos.
“(…) No sistema penal português, consagra-se a preferência pela pena não privativa da liberdade, desde que a mesma realize cabalmente os fins da punição (cf. artigo 70.º do Código Penal). Relativamente aos crimes de furto simples praticados pelo arguido AA, embora admitam a aplicação da multa como pena principal e em alternativa à pena de prisão, entendemos que o facto de o mesmo ter praticado estes crimes depois de já ter sido condenado em quatro penas de multa, embora por crimes de natureza diversa (cf. factos provados sob o nº98, als. a) a d)), afasta a possibilidade de as finalidades preventivas da punição virem a ser alcançadas, de forma adequada e suficiente, através de uma pena de natureza pecuniária e que estão consagradas no artigo 40.º, nº1, do Código Penal: a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade. A pena de prisão é, pois, a única que poderá prevenir o cometimento do mesmo ilícito penal por este arguido. Aplicando os critérios fixados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, nº1, do Código Penal, as penas de prisão concretas serão determinadas de modo a promover a tutela dos bens jurídicos violados, em ordem à estabilização da expectativa comunitária na validade das normas violadas (prevenção geral positiva ou de integração), sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa de cada um dos arguidos, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (artigos 40.º, nº2, e 29.º do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Serão igualmente ponderadas, neste arco delimitado, na base, pela prevenção geral positiva e, no topo, pela culpa do agente, as exigências de prevenção especial positiva que no caso se façam sentir. A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso não sobrelevam aquelas que se observam na generalidade deste tipo de furtos. Tais situações não deixam, porém, de constituir uma importante fonte de alarme social, porquanto lhes está associado um sentimento generalizado de insegurança no que toca à preservação do património privado perante o ataque de terceiros. As exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização mostram-se atenuadas em relação ao arguido CC em virtude de o mesmo não ter quaisquer antecedentes criminais, apresentando-se mais elevadas em relação aos arguidos AA e BB, pois aquele praticou os 12 crimes pelos quais vai agora sancionado no curto período de 15 dias (entre 14 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2022) e este último já havia sido condenado, por decisão transitada em julgado em 2.07.2020, pela prática, em 15.10.2019, de um crime de furto – cf. factos provados sob os nºs 99 e 100. É necessário ponderar, em consonância com o disposto no artigo 71.º, nº2, do Código Penal, as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos legais de crime em apreço, depõem a favor ou contra os arguidos. Assim, depõem contra todos os arguidos: o dolo intenso com que agiram, pois actuaram sempre com dolo directo – cf. artigos 71.º, nº2, al. b), e 14.º, nº1, do Código Penal); e, quanto ao arguido AA, a falta de investimento, no tempo mais recente, num projecto de vida estável, minimamente consolidado, direcionado para o trabalho e livre do consumo habitual/aditivo de drogas (cf. factos provados sob os nºs 62, 64 a 66 e 70) – cf. artigo 71.º, nº2, al. d), do Código Penal. Contra o arguido AA pondera-se, ainda, o concreto prejuízo patrimonial causado à ofendida II, no valor de cerca de 1.970 € (cf. facto provado sob o nº18) – artigo 71.º, nº2, al. a), do Código Penal. A favor de todos os arguidos relevamos: a reduzida expressão patrimonial dos danos causados, com as respectivas condutas, aos ofendidos, sendo que foram recuperados e restituídos aos respectivos donos determinados bens furtados (factos provados sob os nºs 6 9, 12,14, 21, 24, 27, 30, 33, 43, 44, 45, 55 e 56) – cf. artigo 71.º, nº2, al. a), do Código Penal; e a confissão da generalidade dos factos pelos quais vão condenados, tendo assim todos contribuído para a descoberta da verdade material (cf. factos provados sob os nºs 52 a 54) – artigo 71.º, nº2, al. e), do Código Penal. (…) Tudo ponderado, julgamos justo, adequado, proporcional e necessário aplicar ao arguido AA: a) ao crime de furto qualificado - NUIPC 23/22....: a pena de 2 anos de prisão; b) ao crime de furto – NUIPC 33/22....: a pena de 9 meses de prisão; c) ao crime de furto qualificado tentado – NUIPC 37/22....: a pena de 1 ano de prisão; d) ao crime de furto – NUIPC 39/22....: a pena de 8 meses de prisão; e) ao crime de furto qualificado tentado – NUIPC 42/22....: a pena de 1 ano e 8 meses de prisão; f) ao crime de furto qualificado – NUIPC 18/22....: a pena de 2 anos e 6 meses de prisão; g) ao crime de furto – NUIPC 19/22....: a pena de 4 meses de prisão; h) ao crime de furto qualificado – NUIPC 56/22....: a pena de 2 anos de prisão; i) ao crime de furto qualificado – NUIPC 59/22....: a pena de 2 anos de prisão; j) ao crime de furto qualificado – NUIPC 23/22....: a pena de 2 anos de prisão; k) ao crime de furto qualificado – NUIPC 24/22....: a pena de 2 anos de prisão; e l) ao crime de furto qualificado tentado – NUIPC 9/22....: a pena de 1 ano e 1 mês de prisão.” – sublinhado nosso.
E, efectuando o cúmulo dessas penas, refere-se no acórdão recorrido “Aplicando o critério legal para a determinação da pena única de prisão, verifica-se que a moldura se define: - quanto ao arguido AA: no limite mínimo, em 2 anos e 6 meses e, no limite máximo, em 18 anos;”. Recorde-se que o arguido cometeu 12 crimes contra o património, num período de 15 dias, sendo certo que, não fora a sua detenção, eventualmente teria continuado a sua actividade ilícita. Os crimes de furto qualificado, a que corresponde uma moldura legal abstracta de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias, foram punidos com penas parcelares que variam entre um mínimo de um ano (no caso do furto qualificado na forma tentada) e o máximo de dois anos de prisão. Os crimes de furto simples, a que corresponde a moldura abstracta de prisão até 3 anos ou multa, foram punidos com penas parcelares que oscilam entre os quatro meses e os nove meses de prisão.
Efectivamente, a aplicação da pena de prisão está plenamente justificada. Perante uma prática criminal reiterada como aquela que ficou provada, com a acumulação de 12 crimes de furto, num período muito curto de 15 dias (o que mostra a reiteração de tal tipo de criminalidade, praticamente, todos os dias). Aliás, o arguido não invoca a violação do art.º 70.º do CP e não questiona a aplicação de pena de prisão, insurgindo-se somente contra a medida concreta da pena única.
Mas, no capítulo da determinação da medida das penas parcelares, nem o recorrente questiona verdadeiramente, nem se vê razão para censurar os critérios fundamentais enunciados pelo tribunal recorrido, nem se vislumbra erro ou insuficiência na escolha dos factores determinantes da pena, face ao disposto pelo art.º 71.º do Código Penal. Apenas se insurge quanto ao facto de o tribunal não ter relevado a confissão dos factos para efeitos da redução da pena única aplicada.
Do que o arguido diverge é da sua tradução num quantum de tempo de prisão que considera excessivo. A confissão provada do arguido – facto 52 da matéria de facto provada – foi relevada pelo tribunal recorrido na medida em que a considerou como meio de prova válido e a apreciou nos termos do princípio da livre apreciação da prova. Estes factos, e os fundamentos em que o tribunal da 1ª instância se baseou para os considerar provados, permitem considerar que aquele tribunal valorou as exigências da prevenção geral sem atender ao grau de ilicitude nos crimes em concreto, designadamente o reduzido valor patrimonial de que o arguido se apropriou. Não obstante, na apreciação da conduta do arguido foram ponderadas as circunstâncias do caso concreto que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente designadamente as suas condições de vida, social, laboral e familiar – conforme art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º, n.º 2, todos do Código Penal – sendo certo que, as circunstâncias apontadas quanto às exigências de prevenção especial relevam, com apreensão, para o juízo de prognose de que, no futuro, não voltará a praticar factos da mesma natureza.
Tendo presentes as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude do facto (médio), o modo de execução dos crimes e a gravidade das suas consequências e a culpa do arguido, impõe-se concluir que a pena concretamente aplicada de 5 (cinco anos) anos e 6 (seis) meses é, excessiva e não teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos e as consequências efectivas resultantes da sua actividade criminosa:
Com efeito, apesar do pouco elevado valor apropriado, a intensidade do dolo e o modo de violação do bem jurídico protegido, em que além do desrespeito pela propriedade alheia se atenta contra a segurança do património, o que constitui, (tal como se valorou no acórdão recorrido) motivo de alarme social, elevam as exigências de prevenção geral. Porém, estas juntamente com a culpa do arguido estabelecem um limite mínimo – o mínimo que a comunidade aceita para proteger estes bens jurídicos – e um máximo da pena, onde se deve encontrar a pena concreta tendo em conta as exigências de prevenção especial. A falta de vontade em alterar as condições que o inclinam para esse tipo de actividade delituosa justificam, plenamente, as penas parcelares aplicadas, que se situam muito próximo do mínimo legal nos furtos simples e em cerca de um quarto do máximo legal nos furtos qualificados.
A confissão dos factos sem reservas implica que o arguido aceitou a sua responsabilidade penal pelos factos que praticou, sem que isso signifique vontade em mudar o seu comportamento criminal. Os crimes por que o arguido foi condenado estão em concurso e a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas singulares aplicadas aos vários crimes e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas, conforme dispõe o art.º 77.º, n.º 2, do CP. No caso concreto, tal como julgado pelo Tribunal Colectivo, a pena do concurso aplicável no seu limite mínimo é de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 18 (dezoito) anos de prisão no seu limite máximo.
Assim sendo, a determinação da medida da pena terá de ser fixada dentro dos limites desta moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal. Tal como se disse no Ac. do STJ de 29/09/2022, Proc. n.º 6359/22.1T8PRT.S1, em www.dgsi.pt, “É dentro desta moldura, a moldura do concurso, que deve ser encontrada a pena única a aplicar, atendendo aos critérios gerais da culpa e prevenção (art. 71.º e 40.º, CP), e à regra específica da punição do concurso que manda atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido art. 77.º/1, CP). É ao conjunto dos factos que nos devemos ater para aquilatar da gravidade do comportamento ilícito do arguido. Impõe-se, agora, ao tribunal uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto e não como mera soma de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente (ac. STJ 16.05.2019, disponível em www.dgsi.pt).”.
Nos termos do art.º 71.º, n.º 1 do CP, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que, nos termos do art.º 77.º n.º 1, do CP, se impõe que, “(…) alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.”, e que, “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”, sendo certo que, em regra, as razões de prevenção especial podem determinar a não aplicação da prisão, vista a necessidade de garantir melhor reinserção social do arguido e, geralmente, por motivos de prevenção geral, se afasta a aplicação de uma pena de substituição, não detentiva.
No caso, o conjunto global dos factos e da personalidade do arguido permite considerar que são fortes as exigências de prevenção geral e que se reforcem as exigências de prevenção especial, impondo ao arguido o reconhecimento de que a sua conduta é reprovável junto da comunidade em que se insere e de que necessita de adequar o seu comportamento aos valores sociais vigentes, moldando a sua personalidade de forma a corresponder às expectativas comunitárias de uma vida organizada com respeito pelo bens jurídicos penalmente protegidos.
Como se afirmou no Ac. do STJ, de 06/10/2021, Proc. 323/21.5T8PTG.S1, em www.dgsi.pt, “ (…) a sociedade tem todo o interesse em que o seu aparelho de Justiça contribua para a ressocialização daqueles de entre os seus membros que, tendo delinquido, se mostrem dispostos a passar a assumir um comportamento normativo, conforme com o Direito. Pelo que as penas devem ser equilibradas e suficientes face aos objetivos que se propõem.”.
Assim, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa, da prevenção, dos factos e da personalidade do arguido neles manifestada, nomeadamente, a interconexão, a concentração espácio-temporal dos factos e tendo presente a moldura penal, situada entre o limite mínimo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e o limite máximo de 18 (dezoito) anos de prisão, entende-se como adequado e justo condená-lo na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
Nesta parte procedem as alegações do recorrente. Como se deixou dito, as circunstâncias apontadas no ponto 2.5., quanto às exigências de prevenção especial relevam, com apreensão, para o juízo de prognose de que, no futuro, não voltará a praticar factos da mesma natureza. Recorde-se que o arguido tem 41 anos de idade, três filhos e ainda não interiorizou as suas responsabilidades como adulto, pai e companheiro, não se interessando pelo destino dos seus filhos, nem buscando meios de sustentação dos mesmos, antes continuando a viver às expensas dos pais e companheira, não mantendo hábitos de trabalho, revelando falta de assiduidade e de compromisso, mas continuando com os hábitos de consumo de estupefacientes e álcool – factos provados sob os pontos 60 a 66 e 70, da matéria provada.
Nos termos do art.º 50.º n.º1, do CP, determinante da suspensão da execução da pena de prisão, para além da pena de prisão não ser superior a cinco anos, é que a simples censura do facto, e a ameaça da prisão, sejam adequadas e suficientes para se assegurar as finalidades da punição. Ou seja, a assegurar as exigências de prevenção geral e especial que o caso coloque.
O que se visa é um equilíbrio entre a protecção da sociedade e das vítimas dos crimes perpetrados pelo arguido, bem como, atendendo às suas condições de idade, sociais e económicas, a sua regeneração, reeducação e, em particular, a sua reinserção social. Esta será alcançada, caso se possa começar pelo apoio à recuperação da sua situação de dependência de estupefacientes, à sua inserção laboral, com a obrigação de frequência de programas de formação profissional, preconizando-se que o mesmo interiorize o desvalor das suas condutas. Tais condições são de molde a obrigar as entidades responsáveis pela reinserção social a impor um plano de conduta e de recuperação pessoal e social, particularmente exigente e minucioso e a uma monitorização severa e apertada do seu cumprimento.
Ora, resulta demonstrado que o arguido AA não aceita as orientações que a sua família lhe tem dado sobre a necessidade de se sujeitar a tratamento na área das dependências, desvalorizando a necessidade de qualquer acompanhamento terapêutico, sendo certo que necessita de uma intervenção orientada para a resolução das suas problemáticas aditivas – factos provados sob os pontos 65 e 67, da matéria provada.
Neste conspecto, a valoração conjunta de todas as circunstâncias que determinaram a sua condenação, no sentido de que entenderá a condenação como um sério aviso de que se deve manter afastado das actividades delitivas a que se vem dedicando e a sentir essa condenação como um sinal de forte restrição ao uso e consumo de estupefacientes e álcool, bem como o afastamento de hábitos de trabalho com a consequente quebra de compromisso, horários e actualização formativa, não permitem efectuar um juízo de prognose favorável à socialização em liberdade e a que se considere que essa condenação, com a ínsita ameaça da prisão, seja suficiente e adequada a evitar que o mesmo cometa novos crimes.
Considerando o facto de o sistema prisional proporcionar condições de reintegração social, assim o queira o arguido, este bem pode aproveitar o tempo de cumprimento de pena, não só para se sujeitar a tratamento da sua toxicodependência, como a frequentar programas de formação profissional de modo a encontrar meios de, uma vez em, liberdade, encontrar trabalho e emprego que lhe permitam sustentar-se a si e à sua família, mantendo-se afastado de pares e ambientes ligados ao consumo de estupefacientes.
No juízo de prognose a fazer pelo tribunal não se vê que haja razões para se aplicar a pena de substituição da pena de prisão, suspendendo a sua execução, atenta as suas carências de ressocialização em liberdade e considerando o efeito previsível da pena aplicada sobre o seu comportamento futuro, sendo certo que a mesma não é impeditiva da sua ressocialização, sendo conveniente e útil que vá interiorizando o desvalor da sua conduta e que adopte uma postura socialmente aceite, a começar por cumprir as regras do estabelecimento prisional e a aproveitar as oportunidades de reinserção social que ali lhe são proporcionadas. III - DECISÃO Termos em que, acordando, se decide:
Lisboa, 27 de Abril de 2023 (processado e revisto pelo relator)
Leonor Furtado (Relator) Agostinho Torres (Adjunta) António João Latas (Adjunto)
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