Processo n.º 11/20.0YFLSB
Acordam, em conferência, na secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. AA., escrivã auxiliar no Núcleo .......... do Tribunal Judicial da Comarca .........., discordando do acórdão do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de ……. de 2020, que confirmou a aplicação da pena disciplinar de que foi alvo, de 45 dias de suspensão e transferência de tribunal, por sua vez aplicada por acórdão do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de …..2019, intentou contra esse Órgão (CSM) acção administrativa de impugnação de acto administrativo, a final pedindo seja (i) reduzida a pena disciplinar para multa, analisando-se a possibilidade da sua suspensão, (ii) subsidiariamente, seja reduzida a medida da pena de suspensão para o mínimo legal de 20 dias, suspendendo-se a sua execução pelo período de um ano.
Alegou, fundamentalmente, que a pena disciplinar que lhe foi aplicada e mantida pelo demandado é excessiva e violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, desde logo porque violou o dever de correcção mas por provocação da magistrada judicial participante e porque o episódio que está na sua base foi um acto isolado, vivendo-se hoje no tribunal um bom ambiente de trabalho, onde essa magistrada já nele não está colocada, sendo que o cumprimento da pena acarretará para a autora elevados custos desde logo económicos, o que é agravado pela sua condição de pessoa doente.
2. Citado, contestou o demandado CSM, fundamentalmente alegando que de nenhum vício padece a deliberação impugnada e que a pena disciplinar de suspensão aplicada aproxima-se mais do mínimo que do máximo da moldura abstracta de 20 a 90 dias, pelo que não é nem desadequada, nem desproporcional, a final pugnando pela improcedência da acção.
3. Findos os articulados foi proferido despacho a dispensar a realização de audiência prévia, ao abrigo do disposto no art.º 87.º-B, n.º 2, do CPTA, dado o processo conter todos os elementos para se conhecer de imediato e de forma integral do mérito da causa, assegurada que se mostra ter sido, de forma plena, a discussão de facto e de direito entre as partes.
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II. Saneamento
Após vistos simultâneos e sendo o tribunal o competente, o processo o próprio e válido e dispondo as partes de capacidade e personalidade judiciária, sendo legítimas e estando devidamente representadas, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas, que são as seguintes:
1.ª - Vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto;
2.ª - Vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito (artigos 185.º, 189.º, 190.º, n.º 2, alíneas a) e d), e n.º 3 da LGTFP);
3.ª - Violação do princípio da proporcionalidade sobre a medida concreta da pena e eventual substituição por pena de suspensão da respectiva execução.
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III. Fundamentação
1. Factos Provados
Tendo em atenção a posição das partes expressas nos articulados e o acervo documental junto aos autos, está provada, com relevância para a decisão de acordo com as várias soluções plausíveis da questão de direito, a seguinte matéria de facto;
1. A autora é escrivã auxiliar, exercendo funções no Tribunal Judicial .........., Núcleo .........., desde …2017 (facto não impugnado).
2. Na sequência de comunicação expedida por correspondência electrónica, a ……2018, pelo Sr. Escrivão de Direito do Núcleo .......... BB., no qual descrevia os factos ocorridos naquele Núcleo nesse mesmo dia envolvendo a autora e a Sra. Juíza de Direito Dra. CC. foi proferido a ……2018 despacho pela Senhora Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), que determinou a instauração de inquérito para esclarecimento dos factos participados e das circunstâncias em que ocorreram, com vista ao apuramento da eventual relevância disciplinar (cf. doc. 5 junto à petição inicial; vide também fls. 1-10 do processo administrativo instrutor).
3. Findo o processo de inquérito, por deliberação do COJ de ……2018, foi deliberada a conversão do procedimento de inquérito em procedimento disciplinar visando a ora autora, determinando-se igualmente que o inquérito constituísse a parte instrutória do processo convertido (cf. fls. 106-107 do processo administrativo instrutor).
4. No âmbito do processo disciplinar instaurado pela deliberação referida em 3), que foi autuado no COJ sob o n.º «……», foi a ……2019 elaborada acusação com o seguinte teor:
ACUSAÇÃO
Nos termos dos n.os2 e 3 do artigo 213.° da Lei 35/2014, de 20 de Julho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, "ex vi" do artigo 89.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado pelo Dec. Lei n° 343/99, de 26 de Agosto, na qualidade de Inspector do Conselho dos Oficiais de Justiça e instrutor do Processo Disciplinar mandado instaurar pelo COJ na sua sessão de 20 de Dezembro de 2018 contra AA., tendo igualmente deliberado que o inquérito convertido constituísse a parte instrutória do processo de acordo com o preceituado no artigo 231.° n° 4 da LTFP.
DEDUZO ACUSAÇÃO CONTRA:
AA., Escrivã Auxiliar com o número mecanográfico ……, a exercer funções no Núcleo .......... do Tribunal Judicial da Comarca .........., porquanto dos autos se mostram indiciados os seguintes factos:
1.°
A Sra. AA. é Oficial de Justiça, com a categoria de Escrivã Auxiliar e número mecanográfico …...
2.°
Por ter sido solicitada a não renovação do destacamento no Núcleo …… do Tribunal Judicial da Comarca ……. e por não dispor de lugar de origem, a mesma Oficial de Justiça passou à situação de disponibilidade, prevista no art.º 51.° do Estatuto Funcionários Judiciais (EFJ), do Decreto-Lei n.° 343/99, de 26 de Agosto.
3.°
Vindo a ser afecta ao Núcleo .........., do Tribunal Judicial da Comarca .........., por despacho da Exma. Senhora Subdirectora-Geral da Direcção-Geral da Administração da Justiça de ……2017, onde actualmente se encontra colocada.
4.°
A senhora Dra. CC. é Juiz de Direito, encontrando-se colocada no Juízo de Competência Genérica do Núcleo .......... - Tribunal Judicial da Comarca .........., desde o mês …… de 2015 - cfr. fls. 42.
5.º
No dia …… 2018, passavam poucos minutos das 13:00 horas, por se ter apercebido do cheiro a tabaco ou cigarro electrónico junto à Secretaria, a Sra. Juíza CC. transmitiu à Sra. Escrivã Adjunta DD. que não queria que fumassem junto aquele local, bem como junto do gabinete do Sr. Secretário de Justiça.
6.°
Tendo solicitado à mesma Oficial de Justiça que transmitisse tal facto à AA.
7.°
Dado que o Sr. Escrivão de Direito não se encontrava no Núcleo .......... naquele momento, a Escrivã Adjunta DD. questionou a Sra. Juíza se teria que agir naquele dia, ao que a mesma respondeu afirmativamente.
8.°
Em cumprimento do que lhe foi determinado, a Escrivã Adjunta DD. dirigiu-se ao posto de trabalho da AA. tendo transmitido a esta o que Sra. Juíza lhe encarregou de dizer.
9.°
Tendo-se apercebido que a Escrivã Auxiliar AA. ficou exaltada e nervosa com o que lhe foi dito.
10.°
Nesse momento, a Sra. Juíza Dra. CC. encontrava-se acompanhada da Escrivã Auxiliar EE. e do Escrivão Auxiliar FF., junto ao patamar das escadas de acesso ao primeiro piso do Tribunal, onde se localiza a sala de audiências e os gabinetes dos Srs. Magistrados.
11.º
Mantendo com os mesmos uma conversa e transmitindo orientações de serviço.
12.º
Breves instantes após a AA. dirigiu-se à Sra. Juíza, perguntando-lhe “onde é que você me viu fumar? Diga, diga, onde é que você me viu fumar...”.
13.º
Fê-lo com um tom de voz elevado, com uma postura corporal de agressividade, de modo exaltado e desrespeitoso.
14.°
A Sra. Dra. CC .respondeu à Sra. Escrivã Auxiliar AA. que não queria qualquer tipo de conversa com a mesma, tendo-lhe ainda comunicado que estava no seu horário trabalho e que deveria deslocar-se para o seu posto de trabalho.
15.º
Ordem que a Sra. AA. se recusou a acatar, redarguindo “vocês não mandam em mim, não obedeço a ordens de Juízas e Procuradoras, sou Oficial de Justiça, quem manda em mim é o Sr. Secretário, o Sr BB.”
16.º
Por um número indeterminado de vezes (três ou quatro) a Sra. Juíza reiterou a ordem dada à Sra. AA. para que a mesma regressasse ao seu local de trabalho e que falasse baixo, o que a mesma se recusou a fazer.
17.°
A dada altura, a Sra. AA. desafiou a Sra. Juíza a escrever, ao que esta respondeu que se calhar já não era a primeira vez que tal ocorria.
18.º
Retorquindo a Sra. AA., com ar de gozo, “O que é que adiantou, diga lá…”
19.°
Nesse momento a Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. GG., que se encontrava no seu gabinete com a porta fechada, alertada pelo tom elevado de uma voz feminina, abeirou- se do local onde decorria o diálogo, encontrando-se ali a Sra. Juíza, a D. AA. e o Sr. FF., tendo presenciado os factos que então decorriam.
20.°
Escutou a Sra. Juíza, por várias vezes, a ordenar à AA. que fosse para o seu local de trabalho, respondendo aquela “você não manda em mim, quem manda em mim é o Sr. BB.”, “chega de mentiras, se alguém cumpre a lei, sou eu.” e ainda “Nenhuma Juíza ou Procuradora manda em mim, pois sou Oficial de Justiça...”
21.º
Apercebendo-se da gravidade dos factos, o Escrivão Auxiliar FF. dirigiu-se à sua colega AA. a aconselhando-a a ausentar-se do local onde se encontrava, ao que a mesma respondeu “FF. não te metas, vocês já se meteram demais ao andarem a dizer que fumo aqui dentro”, recusando-se a acatar a sugestão do mesmo.
22.º
Entretanto, a Sra. Juíza reiterou as ordens dadas anteriormente à D. AA. para que esta regressasse ao seu posto do trabalho, pois estava a incomodá-la, respondendo a mesma, mais uma vez, que não recebe ordens suas, mas do Sr. Secretário, tratando a Sra. Juíza por “você”, incitando-a a mesma a bater-lhe, afirmando “bata-me, bata-me”.
23.º
Dada a ausência do Sr. Escrivão de Direito do serviço, por força de reunião no Conselho Consultivo que decorreu no Palácio de Justiça .......... em que esteve presente, e face à intransigência da Sra. AA. em abandonar o local onde se encontrava, a Sra. Juíza mandou chamar a Sra. Escrivã-Adjunta DD., Oficial de Justiça que substitui informalmente o Sr. Escrivão de Direito na ausência deste.
24.°
Ali chegada, a Sra. DD. dirigiu-se à sua colega AA. instando a mesma a regressar ao seu posto de trabalho, ao que a mesma renitentemente anuiu mas apenas à segunda ou terceira insistência, não sem antes ter dito que a DD. também não mandava em si, ao que esta, de modo calmo, esclareceu a AA. que na ausência do Sr. BB., era ela própria quem mandava.
24.°
Os factos foram presenciados por uma Senhora Advogada, Dra. HH., com escritório em……, que se encontrava no balcão de atendimento dos Serviços do Ministério Público e que comentou com o Técnico de Justiça Adjunto II. “há pessoas que não sabem o lugar que ocupam...” reportando-se à D. AA...
26.°
A Sra. Procuradora-Adjunta referiu à Sra. Juíza que era melhor ausentar-se do local onde estava, tendo pegado no braço da mesma e conduzido aquela à Secretaria, onde veio a efectuar um telefonema para a ........ da Comarca dando conta do que se passara.
27.°
Em momento simultâneo, a Escrivã Auxiliar AA. regressou ao seu posto de trabalho.
28.°
No mesmo dia em que os factos ocorreram, cerca das 14:45 horas, a mesma Oficial de Justiça foi à Secção de processos, encontrando-se ali presentes os seus colegas DD., EE., FF. e JJ., tendo dito que “queria avisar os colegas que quem andasse a meter veneno sobre ela, que iria jogar com as mesmas armas e que inclusivamente já tinha começado...”.
29.º
A Sra. Juíza de Direito (participante) e a Sra. Procuradora-Adjunta, com data …………. de 2017, endereçaram ao Órgão ………. de Comarca .........., com conhecimento ao Sr. Juiz Presidente, Sr. Magistrado Coordenador do Ministério Público e Sr. Administrador Judiciário, exposições manifestando a sua discordância pelo facto de a Escrivã Auxiliar AA. ter sido colocada no Núcleo .........., passando a integrar o quadro de funcionário daquele Juízo, solicitando os seus bons préstimos em ordem a que tal se não concretizasse - cfr. fls. 48 a 51 e 67 a 71.
30.º
Alicerçando tal posição, em síntese, nos factos ocorridos no âmbito da audiência de julgamento do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º …...., no dia …..2016, em que a mesma Oficial de Justiça assumiu comportamentos não coadunáveis com essa condição; com a desnecessidade da sua colocação no Núcleo .........., face à baixa pendência processual que então se fazia sentir e suficiência do quadro de funcionários; bem como no facto de a Oficial de Justiça em causa ter já trabalhado naquele Tribunal, sendo causadora de animosidades, quezílias e litígios entre os funcionários que ali trabalhavam (por via do não cumprimento dos horários de trabalho, questionar e confrontar as ordens dos seus superiores hierárquicos, informar as pessoas externas aos serviços sobre o estado dos processos, entre outras situações), fazendo com que a relação entre os funcionários do Tribunal e a mencionada Oficial de Justiça não fosse amistosa.
31.º
Acrescentaram ainda, que era do conhecimento público (Tribunal, sociedade civil da.......... e demais organismos), que a relação entre a funcionária em causa e a própria instituição da GNR, não era a mais favorável, fruto de acontecimentos que ocorreram e que motivaram o processo-crime retro mencionado.
32.º
Na sequência das exposições apresentadas, no dia ……. de 2017, o Conselho de ........ da Comarca .........., reunido em sessão extraordinária - Acta n.º … deliberou:
1) Considerar que a afectação da Exma. Sra. AA. ao Juízo de Competência Genérica .......... não encontra justificação em quaisquer necessidades objectivas de serviço, porquanto os funcionários em efectividade de funções à data são mais do que suficientes;
2) Considerar que os factos relatados pela Exma. Sra. Juíza de Direito e pela Sra. Procuradora-Adjunta são suficientes e adequados a concluir no sentido de que a Exma. Sra. Escrivã Auxiliar não terá perfil adequado para exercer funções no referido Juízo, desde logo por não ser merecedora de suficiente grau de confiança profissional por parte das referidas Magistradas e até da comunidade Judiciária local;
3) Considerar que a DGAJ deverá rever os pressupostos que determinaram a afectação em questão, levando em consideração a factualidade exposta pelas Sra. Magistradas, revogando a final a decisão;
4) Atribuir, entretanto, à Exma. Sra. Escrivã Auxiliar AA., concretas tarefas que impliquem o menor contacto possível com as referidas Senhoras Magistradas e com os utentes do Tribunal, em termos a definir entre o Exmo. Senhor Administrador Judiciário da Comarca e o Exmo. Sr. Escrivão de Direito;
5) Dar conhecimento da mesma deliberação, com cópia da acta: Ao Exmo. Senhor Director-Geral da DGAJ; à Exma. Senhora Juíza de Direito e à Exma. Senhora Procuradora-Adjunta do Juízo de Competência Genérica ..........; ao Exmo. Sr. Escrivão de Direito do referido Juízo.
33.º
Na sequência da deliberação do Conselho de Comarca, o Sr. Escrivão de Direito do Juízo de Competência Genérica do Núcleo .........., no dia ……2017 endereçou ao Sr. Administrador Judiciário ofício descrevendo as tarefas que, em sua perspectiva, deveriam ser desempenhadas pela Escrivã Auxiliar AA. - cfr. f Is. 38.
34.º
Tarefas que a mesma Oficial de Justiça se recusou a efectuar, afirmando que os boletins do Ministério da Justiça “têm ácaros”, afirmando que só o fazia após despacho nesse sentido - cfr. fIs. 40.
35.º
No dia ……2018, o Sr. Administrador Judiciário proferiu a Ordem de Serviço n.º …/2018, atribuindo à Escrivã Auxiliar AA. as tarefas de tramitação dos processos Executivos do Juízo Local Cível .........., a serem executadas com o auxílio do Sr. Escrivão de Direito do Núcleo .........., o qual supriria as eventuais dúvidas que existissem e prestaria os esclarecimentos que se revelassem necessários - cfr. fls. 33 e 41.
36.º
Ocorre que, também nestas tarefas, a Escrivã Auxiliar AA. revela deficiências e lacunas graves que não lhe permitem, mesmo com a supervisão do Sr. Escrivão, cumprir o que é ordenado.
37.º
À data da inquirição do Sr. Escrivão de Direito, este desconhecia que tipo de tarefas havia de atribuir à AA., facto que transmitiu ao Sr. Administrador Judiciário da Comarca ...........
38.°
Do Certificado do Registo Disciplinar (CRD) da Oficial de Justiça AA., junto a fls. 6, constam as classificações infra indicadas, todas obtidas na categoria de Escrivã Auxiliar que detém:
CLASSIFICAÇÕES DE SERVIÇO:
1) Em ……2003 - BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ……2002 a ………2002;
2) Em ……2007 (……) - BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ……2002 a ……2005;
3) Em ……2010 (………) - BOM COM DISTINÇÃO, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ………2006 a ……2009;
4) Em ……2015 (……) - MUITO BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar-…… , no período de ……2011 a ……2015.
AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:
1) 20-12-2018 - Por deliberação do COJ foi instaurado o presente processo - ……
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Os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres gerais dos trabalhadores em exercício de funções públicas de acordo com a previsão do n.º 1 do artigo 66.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado peio Dec. Lei n.º 343/99 de 26/08, e ainda aos deveres especiais estabelecidos naquele diploma nos artigos 64.° a 66.°.
São disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral do trabalho em funções públicas e dos artigos 89.° e seguintes do E.F.J.
A infracção disciplinar está prevista no artigo 90.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei 343/99 de 26/08, definida como “factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.
Em matéria disciplinar, aplicam-se aos funcionários de justiça, subsidiariamente, as normas do Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06.
Os deveres gerais encontram-se previstos e estão definidos no art.º 73.° da LTFP, deles fazendo parte, entre outros, os deveres gerais de prossecução do interesse público, que “consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e de correcção, que “consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos”, ambos do citado preceito legal.
No caso concreto, a trabalhadora abordando a Sr.° Juíza Dra. CC. de forma destemperada, desrespeitosa e desafiadora, num tom de voz elevado e agressivo, incitando-a a que lhe batesse e, mantendo um comportamento susceptível de vexame e humilhação da Sr.° Juíza, dessa forma perturbando o normal funcionamento dos serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos serviços, cometeu infracção disciplinar dado que adoptou um comportamento voluntário, livre e esclarecido.
Tal comportamento é censurável, porque a trabalhadora podia e devia ter adoptado um comportamento diferente, tendo com o seu comportamento, violado os deveres supra referidos e causado prejuízo, quer aos serviços e à sua imagem, quer a terceiros.
Assim, verifica-se que:
A trabalhadora AA., Escrivã Auxiliar com o número mecanográfico ……, a exercer funções no Núcleo .........., com a prática dos factos e nas circunstâncias supra descritas, mais concretamente os descritos nos n.os 12.º a 27.º cometeu infracção disciplinar prevista no art.º 90.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei 343/99 de 26/08, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art. 73.º, n.º 2, alíneas a) e h) e n.os 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art. 180.º, n.º 1, alínea c), 181.º, n.º 3, e 186.º, todos da LTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.º e 89.º e seguintes do EFJ, cabendo ao caso, dado que actuou de forma dolosa, a sanção de SUSPENSÃO.
***
Agravantes e atenuantes:
A favor da trabalhadora não se verifica qualquer circunstância atenuante especial.
Contra a trabalhadora verifica-se a agravante especial, prevista no art. 191.º, n.° 1, alínea b), que consiste “na produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”,
PROVA:
A dos autos.
Fixo à trabalhadora o prazo de 20 (vinte) dias para a defeso, a contar da notificação, durante o qual o processo poderá ser examinado no Núcleo .......... do Tribunal Judicial da Comarca .......... durante as horas de expediente, pelo trabalhador ou por advogado, nos termos dos artigos 216.º e 217.° do aludido LTFP aprovado pela Lei n.º 35/2014 de 20/06, e para, querendo, apresentar defesa escrita, indicar testemunhas e os factos a que as mesmas depõem, em número não superior a três por cada facto, juntar documentos ou requerer diligências.
Deverá ser advertida de que a falta de resposta, dentro do prazo fixado, vale como efectiva audiência para todos os efeitos legais, de harmonia com o disposto no artigo 216.° n.° 7 do LPFT acima citado (Lei 35/2014 de 20/06).
Qualquer correspondência que entenda útil remeter-nos, tal como a defesa, poderá ser enviada, em meu nome pessoal, para a morada que será indicada na nota de notificação. Efectuado o expediente, proceda-se à entrega da notificação a trabalhadora ficando os autos entregues ao Sr. Secretário de Justiça, ou quem o substitua, para os efeitos supra referidos, com ofício explicativo.
….….. de 2019
O Inspector/Instrutor,
[assinatura aposta sob a forma autógrafa, ilegível]
(LL.)
(cf. doc. 1 junto à petição inicial)
5. A autora foi pessoalmente notificada da acusação referida em 4) a ……2019 (idem).
6. A ……2019 a Sra. Mandatária da autora subscreveu e expediu por correspondência electrónica endereçada ao Sr. Inspector subscritor da acusação referida em 5) defesa da sua constituinte, arguida no processo referido em 3) e ora demandante, com o seguinte teor:
Exmo. Senhor Dr.
LL. Inspector COJ
Processo disciplinar n.º …….
AA., escrivã auxiliar com o número mecanográfico ......., a exercer funções em……, Tribunal Judicial .........., tendo sido notificada da acusação contra si deduzida, apresenta a sua defesa, o que faz nos seguintes termos e fundamentos:
1.
A aqui Arguida vem acusada de vários factos que, na versão da acusação, integram a violação dos deveres de prossecução do interesse público e de correcção para com a Dra. Juíza MM., perturbando o normal funcionamento dos serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos serviços,
2.
No entanto, os factos além de terem de ser contextualizados, não se passaram exactamente da forma descrita e devem ser considerados justificados.
3.
Além de que há factos constantes na acusação que estão prescritos, outros não se mostram provados e outros são meras conclusões.
Assim, vejamos,
A. Da contextualização
4.
A Arguida é natural .........., onde nasceu, cresceu e tem família.
5.
De ……2005 a ……2009, a Arguida exerceu funções no Tribunal……, primeiro por destacamento e depois por requisição, conforme consta de fls. 109 verso e 110 dos autos.
6.
No período compreendido entre ……2006 e ……2009 obteve a classificação de Bom com Distinção - fls. 108 dos autos.
7.
Além de que não resulta do seu certificado de registo disciplinar que lhe tenha sido instaurado qualquer processo disciplinar, à excepção do presente.
8.
Anota-se ainda que um amigo de infância da aqui Arguida, de……, foi agredido juntamente com outros, por elementos da GNR não fardados, à saída de um café em ……. em 2012.
9.
A aqui Arguida, como cidadã e sendo nativa daquela terra, partilhou uma notícia do …. sobre o incidente, no ........., lamentando o sucedido e trocou algumas mensagens com amigos e conhecidos da “terra” sobre o assunto.
10.
E não como oficial de justiça, além de que nem exercia funções no Tribunal .......... na altura.
11.
Anota-se ainda que era deputada municipal do PS na altura.
12.
Acrescenta-se que nunca foi apresentada qualquer queixa criminal contra a mesma por nenhum militar da GNR, nem por qualquer outra pessoa.
13.
Acresce que o seu amigo de infância, um dos agredidos, pediu à Arguida que fosse sua testemunha abonatória, no processo-crime que entretanto tinha sido instaurado (processo n.º …… que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca .......... -………, Instância Local……), ao que a mesma acedeu. Anota-se que quer os GNR quer os agredidos (de entre eles o amigo da Arguida) apresentaram queixas mútuas. Quanto aos GNR houve desistência de queixas (à excepção de 1) e o amigo da Arguida foi condenado por injúrias e não por agressão.
14.
Assim, no dia ……. de 2016, a Arguida deslocou-se ao Tribunal .........., ao início da tarde, as portas da sala de audiência estavam abertas, a diligência ainda não tinha começado, estava muita gente no tribunal e muita confusão.
15.
O seu amigo estava lá, como arguido no processo, estando também o seu advogado.
16.
A Arguida pretendia dar algum apoio moral ao seu amigo, o que lhe tinha sido pedido pela mulher do arguido.
17.
Perante tal confusão, e dado ser deputada municipal e oficial de justiça, a Arguida falou com o advogado do seu amigo pedindo que o mesmo prescindisse do depoimento dela e do seu pai, até porque de pouco adiantaria os seus depoimentos, dado que não tinham presenciado os factos.
18.
Ao que o mesmo acedeu, dizendo que prescindiria deles (o que veio a ocorrer- fls. 52 dos autos antes da palavra ser concedida à Dra. NN.).
19.
Pelo que em face disso, e uma vez que se encontrava no tribunal, a Arguida sentou-se nos bancos definidos para o público.
20.
A Arguida era conhecida no tribunal, quer por ser da terra, quer por já ter desempenhado funções naquele tribunal como oficial de justiça.
21.
E, talvez por isso, a Mma. Juíza tenha sido alertada por alguém, dado que quando entrou na sala de audiências, dirigiu-se de imediato à aqui Arguida, perguntando-lhe qual a sua relação com o Arguido, qual o seu interesse nessa causa, se a Arguida desconhecia a lei, se já tinha trabalhado em ……...
22.
A Arguida foi respondendo, mas a dado momento, pediu licença e ausentou-se da sala, não voltando a entrar...
23.
E acabou por não ser ouvida nesse mesmo julgamento face ao facto de o advogado do seu amigo ter prescindido do seu depoimento.
24.
Pelo que foi isto que ocorreu...
25.
A Arguida nunca mais viu ou teve contacto com tal Magistrada.
26.
Entretanto, a Arguida teve vários problemas de saúde, nomeadamente do foro ... (tendo feito dois ...) e de psiquiatria.
27.º
Tendo ficado com diversas mazelas, conforme documento n.º 1 que junta - declaração de médica do IPO ……. - “Trata-se de uma doente oncológica transplantada (...) Desde o início do processo ... e dos tratamentos, descreve alterações de memória e capacidades executivas, com lapsos e bloqueios do fio condutor do pensamento. Muitos sintomas físicos de ansiedade e impulsividade, com dificuldade de autocontrolo em situações de stress elevado, cansaço e irritabilidade, mas acentuadas desde QT, com alterações de sono de tipo insónia inicial e intermédia.
Faz medicação (...)
Por persistência das queixas mnésicas, realizou avaliação neuropsicológica em ……2015, que evidenciou “alterações cognitivas de predomínio anterior, nomeadamente domínios de atenção, memória e funções executivas, provavelmente em associação com tratamentos realizados e sintomas ansiodepressivos residuais”, integralmente em correlação com a clínica. Avaliação: Défice cognitivo, em provável contexto de chemobrain, persistente, em doente com história de perturbação ansiodepressiva”
28.
De acordo com pesquisa efectuada na internet, na página https://www.news- medical.net/news/2008/03/19/33/Portuguese.aspx consta o seguinte a propósito de chemobrain:
“Abraham e sua equipa de investigação conduziram um dos primeiros estudos do chemobrain de seu tipo. O estudo documentou a extensão das mudanças à matéria branca do cérebro nas mulheres que receberam a quimioterapia para o cancro da mama.
O estudo preliminar envolveu dez pacientes de cancro da mama que tinham recebido a quimioterapia e se tinham queixado de mudanças cognitivas. Um grupo de controle de nove mulheres saudáveis da idade, da educação e do Q.I. similares, que nunca receberam a quimioterapia, foi estudado igualmente.
Todos os participantes foram seleccionados para as circunstâncias médicas, neurológicas e psiquiátricas que poderiam afectar a estrutura ou a função do cérebro. Os Participantes foram testados para a velocidade da depressão, da ansiedade e de processamento.
Cada participante igualmente participou em uma varredura da imagem lactente MRI (DTI) do tensor da difusão. O DTI foi usado para avaliar mudanças na matéria branca do cérebro.
“As imagens indicaram diferenças na matéria branca na parte dianteira do cérebro nas mulheres que tinham recebido a quimioterapia,” disseram Marc Haut, Ph.D., dos departamentos de WVU da Medicina e Psiquiatria Comportável, Neurologia e Radiologia.
“Esta diferença na matéria branca correlacionou com como rapidamente os pacientes de cancro da mama poderiam processara informação.”
As “Mulheres que receberam a quimioterapia executaram significativamente mais ruim na velocidade do processamento do que suas contrapartes no grupo de controle,” disse Abraham. “Nossos resultados preliminares sugerem que a quimioterapia possa mudar o cérebro e aquelas mudanças afectem as habilidades cognitivas do paciente.”
29.
E, devido a isso, e por estar longe da família, solicitou à DGAJ que a recolocasse no Tribunal Judicial .........., o que veio a acontecer por despacho de ………2017 em que se determinou a sua afectação a esse mesmo Tribunal, conforme documento n.º 2 que junta.
30.
Tendo tomado posse em ……. de 2017, conforme fls. 109 dos autos.
31.
Nesse mesmo dia não foi apresentada (nem em qualquer outro) a qualquer Magistrado.
32.
E nessa mesma altura, o senhor escrivão de direito do Tribunal, que acumula funções de secretário de justiça, colocou-a a trabalhar nos serviços do Ministério Público.
33.
Mas no dia seguinte, a Arguida teve de arrumar todas as suas coisas, por ordem do senhor secretário de justiça, e foi colocada numa sala isolada destinada à guarda de materiais e onde se faziam as videoconferências do tribunal, dizendo- lhe que esse passaria a ser o seu local de trabalho - e não na secretaria do Tribunal.
34.
Inicialmente, não lhe foi dado nada para fazer, ficando a Arguida isolada de todos e fechada o dia todo nessa mesma sala.
35.
Foi-lhe dito que a Magistrada não queria trabalhar consigo, e que nem deveria subir as escadas do tribunal.
36.
Os colegas do Tribunal não a cumprimentavam nem lhe dirigiam a palavra, à excepção do escrivão de direito/secretário de justiça, da adjunta DD. e do escrivão auxiliar OO….
37.
Presumindo a Arguida que tal se devia ao facto de a Magistrada não pretender que eles contactassem com ela.
38.
A Arguida fez uma exposição ao senhor administrador da comarca expondo a situação e pedindo que lhe fosse dado trabalho por gostar de trabalhar.
39.
Entretanto, foi dada uma ordem de serviço de acordo com a qual iria emitir certificados de registo criminais, ia tratar do correio, do arquivo e dar entrada dos papéis do MP.
40.
O que a Arguida cumpriu.
41.
No tocante aos CRC, um colega da secção recolhia os dados e vinha à sala onde a Arguida se encontrava dar-lhos para que a mesma os passasse, e depois a Arguida vinha à secretaria, ao balcão entregar à pessoa que o tivesse solicitado.
42.
Quanto à parte do arquivo, a Arguida referiu ao senhor escrivão de direito/secretário que era doente oncológica, que tinha sido alvo de 2 transplantes de medula e que tinha o sistema imunitário muito fragilizado, pelo que não deveria contactar com ácaros - mas ainda efectuou várias tarefas, levando para o tribunal uma máscara e luvas, tentando cumpri-lo.
43.
Mais tarde, passou a tratar à distância dos processos executivos .......... dos …. Juízos - conforme consta de fls. 41.
44.
Trabalha assim em proximidade com o escrivão de direito .......... - Sr. PP.
45.
E nenhum reparo é feito ao seu trabalho, colaborando em tudo o necessário.
46.
Anota-se que desde a entrada até agora, a Arguida apenas teve acesso ao citius da secção central do MP ........... e tem acesso ao citius .......... dos …. Juízo de Execução.
47.
É frequente, na hora de saída da Arguida, a Mma. Juíza estar na secretaria, em posição que a impede de sair, tendo a Arguida sempre de lhe solicitar que lhe dê licença.
48.
São organizadas festas por elementos do Tribunal, e a Arguida nunca é convidada, nem sequer para os jantares de Natal.
49.º
A Arguida não bebe café no Tribunal, como acontece com os restantes colegas, dado que a máquina lá existente foi comprada pela Magistrada e esta não autoriza que a funcionária a use.
50.
No entanto, a Arguida nunca trabalhou com a Magistrada Judicial nem com a Magistrada do Ministério Público em exercício de funções naquele tribunal.
51.
E por isso muito se estranha a participação feita pela Magistrada (fls. 47 e ss.) e pela Magistrada do MP juntas aos presentes autos, em momento anterior à tomada de posse da Arguida naquele tribunal e visando impedir essa mesma tomada de posse.
52.
De acordo com tais requerimentos a Arguida tem mau relacionamento com colegas, advogados e polícias, a Magistrada Judicial confirma que apenas contactou uma vez com a Arguida (que tinha sido indicada como testemunha num processo crime) e que sobressaiu uma postura não coadunável com a de uma agente da justiça (por ter entrado para a sala de audiências quando decorria a produção de prova, quando a mesma era testemunha e depois de advertida de que deveria aguardar na sala de testemunhas) por deter um tom altivo, prepotente e desafiador, falta de humildade e urbanidade, desrespeitadora de um órgão de justiça. E que face a isso a Magistrada aquilatou da personalidade da funcionária, invocando que não estão reunidas as condições de confiança para que a mesma possa trabalhar directamente na secção de processos, assim como com a Magistrada, coadjuvando nas diligências aprazadas. Acrescentou ainda tal Magistrada que a relação com sociedade civil, tribunal e demais organismos é hostil dado que nas redes sociais incendiou a população civil contra o corpo militar .......... a propósito da agressão que deu origem ao processo-crime n.º ……. Adiantou ainda que a postura da Arguida é provocatória e violadora dos mais elementares deveres de um oficial de justiça que se deve pautar pela descrição, urbanidade, respeito e elevação, não fazendo declarações ou comentários sobre processos. Acrescentou ainda que a funcionária já tinha exercido funções no Tribunal .......... e que tinha criado litígios com os demais colegas pelo não cumprimento de horário de trabalho, questionar e confrontar as ordens dos seus superiores hierárquicos, informar pessoas externas ao serviço sobre o estado dos processos, entre outras.
53.
A exposição da Exma. Magistrada do Ministério Público é de igual teor - fls. 67 e seguintes dos autos.
54.
A questão que se coloca em primeira linha é porque não participou a Magistrada Judicial (e do Ministério Público) da funcionária quando tomou conhecimento em ……2016 de todos estes factos que relatou em ……de 2017, como sendo muito graves?
55.
A segunda questão que se coloca é porque é que nenhum superior hierárquico da Arguida participou da mesma por questionar e confrontar as ordens?
56.
Outra das questões que se coloca é porque é que nenhum colega da Arguida participou da sua conduta?
57.
E por fim, porque é que nenhum GNR participou da Arguida pelos comentários tecidos no .........?
58.
Certamente porque, a terem-se passado as coisas descritas, não foram tão graves nem ofensivas como foram relatadas em ………de 2017.
59.º
Até porque, anota-se desde já, que a Arguida quando trabalhou no Tribunal .......... de ……2005 a ……20109 obteve a classificação de Bom com Distinção.
60.
Sempre foi respeitada e respeitadora de todos, apresentou muito boa qualidade de serviço e em grande quantidade, era muito briosa, demonstrava muito boa preparação técnica e intelectual, era pontual e assídua (justificando sempre as suas faltas), utilizava todos os meios informáticos ao seu dispor, era colaborante com Magistrados e colegas nem colocava em causa as ordens de serviço.
60A.
Além de que tinha um bom relacionamento com todos os funcionários do tribunal, cumpria horários, nunca divulgou dados de processos, além de que nunca colocou em causa ordens de serviço.
61.
Além de que no dia da tal audiência, as coisas não se passaram exactamente da forma descrita, dado que foi a Magistrada a questionar a Arguida em alto e bom som (uma vez que a Arguida se encontrava no banco destinado ao público) e perante inúmeras pessoas que assistiam ao julgamento e que faziam parte dele, perguntando-lhe qual a sua relação com o Arguido, qual o seu interesse nessa causa, se a Arguida desconhecia a lei, se já tinha trabalhado em ………...
62.
Quando a Arguida era testemunha meramente abonatória que apenas seria ouvida no dia seguinte.
63.
Além de que já tinha sido decidido, com o advogado do Arguido, prescindir do depoimento da aqui Arguida.
64.
Anota-se ainda que a Arguida tem um tom de voz forte.
65.
E a Magistrada não a conhecia (apenas iniciou funções em ……2015), o que pode ser entendido como desrespeitoso, mas não era.
66.
Assim, contextualizando desta forma os factos, percebe-se que a Arguida se sentisse diariamente isolada, muito stressada, ignorada, em estado de nervosismo, de irritabilidade fácil, hipersensível perante injustiças e discriminada no seu local de trabalho.
67.
O que se repercute na sua saúde mental da trabalhadora.
68.
Estando novamente depressiva, medicada, e por isso com atestado médico há alguns meses.
B. Quanto aos factos do dia ……2018
69.
A Arguida fuma tabaco aquecido há pelo menos 1 ano.
70.
De acordo com pesquisa efectuada em https://sol.sapo.pt/artiqo/602146/iaos- fumar-ou-nao-fumar-eis-a-questao- o tabaco aquecido apresenta várias vantagens:
“Sem cheiro, sem fumo e sem cinza O aparelho electrónico tem uma bateria e uma caneta, onde são colocados os heatsticks (produto de tabaco) que são fumados. Neste dispositivo, o tabaco não arde, é apenas aquecido “a cerca de 350 graus” - temperatura que nos cigarros normais pode chegar aos 900 -, o que evita a produção da maior parte dos fumos tóxicos que se encontram nos cigarros normais.
“Não ocorrendo combustão, não existem nem cinza nem fumo, que é a principal fonte da nocividade do consumo de cigarros. O aerossol gerado pelo IQOS contém, em média, menos 90 a 95% de constituintes nocivos e potencialmente nocivos quando comparamos com o fumo dos cigarros e permite, por isso, uma redução de exposição a tóxicos dos seus consumidores”, explica o responsável da PMI.
De acordo com vários cientistas que trabalham na divisão de I&D da PMI na Suíça, país onde foi criado o IQOS, tem sido desenvolvida uma investigação em busca da “redução da nocividade nos produtos de tabaco” com base nos padrões que são internacionalmente aceites pela ciência, principalmente pela indústria farmacêutica. Até à data foram feitas cerca de 200 publicações em revistas científicas.”
71.
Ou seja, é um cigarro que não emite fumo, cheiro ou cinza.
72.
No entanto, e sabendo que não se pode fumar no interior do tribunal, a Arguida desloca-se à porta de entrada do tribunal para o fazer.
73.
Ou seja, nunca fumou na sala onde exerce funções.
74.
Quando termina, deita o “heatstick” usado no caixote do lixo existente na sua sala, porque não existe caixote do lixo à entrada do tribunal.
75.
Pelo que não corresponde à verdade que a Arguida tivesse fumado junto à secretaria nem junto ao gabinete do senhor secretário de justiça, conforme consta do art.º 5.º da acusação.
76.
Ou seja, o que a Exma. Magistrada disse à escrivã adjunta DD. - para dar o recado à Arguida de que não poderia fumar naquele local - não fazia sentido, dado que a Arguida nunca fumou dentro do Tribunal.
77.
Por outro lado, desconhece-se porque não foi a própria Magistrada adverti-la disso, ou porque não aguardou a chegada do senhor escrivão de direito/secretário de justiça para fazer, directamente, essa chamada de atenção à Arguida ou para a questionar.
78.
Tendo sido uma escrivã adjunta a transmitir o reparo à Arguida, o que mais uma vez constituía uma humilhação para a Arguida e ainda para mais uma injustiça, porque não correspondia à verdade.
79.
Ora, mercê dos problemas de saúde de que a Arguida padece e já evidenciados no ponto 27 da presente defesa, que a alteram em termos comportamentais, quer devido aos factos elencados na contextualização desta situação que retratam o tratamento que lhe era dado no Tribunal (estar numa sala isolada sozinha, sem contacto com colegas ou público, estando a cumprir serviço de outro tribunal, saber que o Magistrado não quer trabalhar consigo, que deu ordens para que a mesma não suba as escadas do tribunal, que não use a sua máquina do café...) e face à acusação que lhe era feita sem sentido, a Arguida ficou efectivamente muito nervosa e exaltada - art.º 9.° da acusação.
80.
E saiu da sua sala, com o intuito de falar com a Magistrada Judicial, explicando-lhe que não fumava dentro do Tribunal.
81.
Encontrou a Magistrada junto da saída da porta do balcão para o átrio, juntamente com a EE. (escrivã auxiliar) e o FF. (escrivã auxiliar).
82.
E, do lado oposto estava o colega II. debruçado para fora, para ver o que ia suceder, estando do lado do público a Dra. KK., advogada.
83.
E recorda-se de lhe ter dito “Sra. Dra. eu não fumo dentro do Tribunal” questionando-a sobre o motivo da chamada de atenção.
A Arguida tem um tom de voz elevado.
85.
E, nunca a Magistrada lhe disse que lhe cheirava a tabaco, onde, que suspeitava ser a Arguida ou quem lhe teria dito...
86.
Apenas lhe dizia que devia ir para o seu posto de trabalho, repetidamente.
87.
O que a foi tirando do sério.
88.
E por a Magistrada não lhe responder, e estar sempre a mandá-la para o seu local de trabalho, a aqui Arguida admite ter-lhe dito que quem mandava em si era o escrivão de direito/secretário de justiça...
89.
Até porque de acordo com os requerimentos juntos aos autos e as ordens de serviço, verifica-se que efectivamente a Magistrada recusava-se a trabalhar com a Arguida, pelo que em termos de trabalho não existia hierarquia entre elas nem dever de obediência, dado que não trabalhavam juntas.
90.
Parecendo à Arguida que o recado que foi ordenado transmitir-lhe, seria para a instigar a reagir, o que de facto aconteceu.
91.
Até porque anota-se que todas as pessoas que estavam próximas fisicamente da Magistrada, naquele momento, são pessoas com quem a mesma tem óptima relação dentro e fora do tribunal.
92.
De resto, a testemunha DD. (que estava ali ao lado) não ouviu o que a Arguida disse à Magistrada, só se apercebeu de um burburinho posterior, mas a Magistrada do Ministério Público Dra. GG. que estava no seu gabinete com porta fechada, no 1.° andar, no local oposto ao que aquela conversa ocorria, ouviu e desceu as escadas para ver o que se passava...
93.
Nenhuma testemunha corroborou o que consta do art.º 14.° “tendo-lhe comunicado que estava no seu horário de trabalho”, nem o que consta do art.º 16.° “e que falasse mais baixo"... - pelo que deve ser retirado da acusação
94.
Além de que a Arguida não recorda com exactidão o que disse, mas não se recorda de se ter dirigido á Magistrada por “você”...
95.
Anota-se ainda que de entre as expressões constantes na acusação consta “chega de mentiras, se alguém cumpre a lei, sou eu...”, que é o que alguém diz quando está revoltada e se sente discriminada com algo ou por alguém.
96.
Por outro lado, e dado que a colega adjunta era a funcionária que substituía o escrivão de direito/secretário de justiça, a Magistrada mandou-a chamar e a colega deu a ordem à Arguida de ir para o seu local de trabalho, ao que a mesma acedeu.
97.
No ponto 29.° da acusação é feita referência á participação da Exma. Magistrada Judicial datada de …. de 2017 - fls. 47 e ss.
98.
Anota-se que a Arguida iniciou funções a ……de 2017, conforme consta de fls. 109 dos autos.
99.
Ora, na exposição apresentada ao Órgão …… de Comarca .........., a Exma. Magistrada referiu o comportamento da Arguida no dia ……2016 em sede de julgamento, concluindo daí que o seu comportamento não é coadunável com o cargo de oficial de justiça, assim como por ter causado animosidade, quezílias e litígios entre os funcionários do tribunal.
100.
No entanto, e mesmo admitindo que os factos pudessem ser verdadeiros, a verdade é que nunca poderiam ser usados agora, dado que estão todos prescritos (foram do conhecimento da Magistrada Judicial e Magistrada do Ministério Público, assim como certamente do secretário de justiça do Tribunal, e nenhum deles participou, como lhe competia - art. 178.° n.º 2 da LGTFP; além de que decorreu mais de 1 ano da prática dos mesmos - art. 178.° n.° 1 LGTFP) e a Arguida nunca foi sancionada pelos mesmos.
101.
Nem os “supostos ilícitos’’ a podem perseguir toda a vida...
102.
Além de que a Arguida teve Bom com Distinção na altura em que exerceu funções nesse tribunal e nada foi reportado à data.
103.
No art.º 31.° da acusação consta que era do conhecimento público que a relação entre a Arguida e a GNR não era a mais favorável devido aos acontecimentos que ocorreram e que motivaram o processo crime.
104.
Ora, não vêm concretizados factos que atestem essa mesmo situação.
105.
Além de que nunca teve processo-crime nem processo disciplinar devido a isso.
106.
Acresce que se dá bem e tem uma boa relação com vários agentes da GNR.
107.
Consta no art.º 32.° da acusação que o Conselho de ........ da Comarca .......... deliberou que a Arguida não tem perfil adequado para exercer funções naquele Juízo do Tribunal por não deter grau de confiança profissional por parte das Magistradas e da comunidade judiciária local - sem que tenha existido qualquer decisão transitada em julgada sobre a actuação da mesma, parecendo ter sido julgada à sua revelia...
108.
Ora, dada a falta de concretização de factos concretos com datas, locais, horas, e intervenientes, é impossível a Arguida apresentar defesa dos mesmos, nem tais considerandos podem servir para a condenação da mesma num qualquer processo disciplinar.
109.
Além de que foi determinado que a Arguida deveria ter o menor contacto possível com as Magistradas e utentes do Tribunal, nos termos a definir pelo administrador judiciário e escrivão de direito/secretário de justiça.
110.
É ainda referido no art.º 33.° que o senhor escrivão de direito/secretário de justiça do núcleo .......... no dia ……2017 definiu as tarefas a desempenhar pela Arguida - introdução em sistema informático e catalogação do que existe na biblioteca - e que não tenha acesso ao habilus ou a qualquer sistema informático (fls. 38).
111.
Portanto do dia ……até ao dia ……, a Arguida ficou isolada na sala onde desempenhou e desempenha funções, sem nada para fazer, conforme já antes tinha sido dito.
112.º
Só no dia ……. foi-lhe dada ordem para efectuar as tarefas referidas no penúltimo ponto.
113.
No ponto 34.° da acusação é referido que a Arguida se recusou a efectuá-las, afirmando que os boletins do Ministério da Justiça “têm ácaros” afirmando que só o fazia depois de ser dado despacho nesse sentido.
114.
Ora, anota-se que a Arguida não tinha apenas essas funções, mas também tratava do correio, da emissão de CRC e dava entrada aos papéis do MP.
115.
No tocante à parte do arquivo, convém referir que a Arguida é doente oncológica, ainda é acompanhada no IPO e fez 2 ..., tendo o seu sistema imunitário mais fragilizado, estando por isso mais sujeita a doenças, que podem ser potenciadas pelo pó, ácaros...
116.
Tendo explicado isso ao senhor secretário de justiça.
117.
Chegou a ir trabalhar de máscara e luvas para poder cumprir as tarefas relacionadas com arquivo. Junta documentos de pastas de recepção do arquivo em que a Arguida interveio - documentos n.º 3 a 10.
118.
Pelo que não se tratou de recusar o cumprimento, mas de explicar que, em termos de saúde isso poderia ter repercussões muito negativas, atendendo aos seus problemas, e que por isso não os poderia realizar durante muito tempo.
119.º
No art.º 35.° da acusação consta ainda que no dia ……. de 2018, o senhor administrador judiciário proferiu uma ordem de serviço determinando que a Arguida passaria a tramitar processos executivos do Juízo Local Cível ...........
120.
Ora, a Arguida está a cumprir tais funções, fazendo-o de forma competente e dedicada.
121.
No tocante ao art.º 36.° não são concretizadas deficiências nem lacunas por forma a permitir a Arguida defender-se.
122.
No entanto, anota que trata directamente com o escrivão .......... o recebimento de serviço e a realização do mesmo - conforme documentos n.º 11 e 12 - juntando a título de exemplo listagens de processos pendentes em ……. para verificar o estado dos mesmos - conforme documentos n.º 13 a 28.
123.
E nunca teve qualquer problema ou foi chamada à atenção.
124.
Pelo que isso não pode incluir negativamente nos presentes autos.
125.
No tocante ao art.º 37.° da acusação - em que se reporta à elaboração das folhas de expedição do correio (tarefa nem sequer mencionada nas ordens de serviço juntas aos autos) anota-se que dado que nenhum lapso concreto é indicado - em que processo, notificação, dirigida a quem, em que dia - nem nenhuma prova disso mesmo aparece nos presentes autos, tal não pode relevar para condenação da Arguida nos presentes autos nem pode influir negativamente nos presentes autos.
126.º
Por outro lado, estranha-se que o escrivão de direito/secretário de justiça diga que desconhece que tipo de tarefas deve atribuir à Arguida dado que a mesma trata das execuções .......... á distância, a partir .........., sem qualquer problema...
127.
Pelo que se desconhece o motivo pelo qual o mesmo incluiu isso nas suas declarações e isso foi levado à acusação, dado que também não pode relevar para condenação da Arguida nos presentes autos nem pode influir negativamente nos presentes autos.
128.
Assim, estes últimos artigos por não retratarem factos concretos, impossibilitam uma correta e integral defesa por parte da Arguida, constituindo por isso nessa parte nulidade por falta de audiência da mesma.
129.
De resto, e depois de ter saído do Tribunal .........., passou pelo Tribunal da ……, onde exerceu funções de forma irrepreensível, apresentando serviço de elevada qualidade, em grande quantidade, detinha elevada preparação técnica e intelectual, era muito briosa, respeitada e respeitadora, colaborante com todos, cumpridora de horário, conforme o atesta a classificação lá detida - Muito Bom (fls. 108)
130.
Além de que nunca causou ou teve problemas com colegas ou superiores hierárquicos.
131.
Assim, face a tudo o exposto, pela contextualização dos factos, e pela forma como os mesmos ocorreram, pela prestação profissional da Arguida sempre exemplar, deve considerar-se justificada a conduta da Arguida, absolvendo-a do presente processo.
Junta: Procuração
28 documentos
Protesta juntar: documento médico que ateste que é doente oncológica e que fez 2 transplantes de medula, tendo sistema imunitário mais frágil
Requer que seja requerido ao processo-crime n.º ……. que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca .......... - ..........., Instância Local, Secção de Competência Genérica …… o seguinte (a título confidencial):
- cópia das queixas crime existentes nos autos
- cópia do despacho de arquivamento/não pronuncia ou a mera desistência de queixa dos ofendidos
- sentença proferida em primeira instância
- cópia dos relatórios do IML sobre as agressões levadas a cabo no dia da queixa (em 2012)
- cópia das gravações transcritas do julgamento do dia ……2016
- cópia da contestação do arguido com o rol de testemunhas de QQ...
Requer a inquirição das seguintes testemunhas (todas em Tribunal diferente ..........):
- Dra. SS. - médica no Centro de Saúde ..........., ……. á matéria dos artigos 26, 27, 42, 66, 67, 68, 69, 71, 84 (incluindo ataques de pânico de que é alvo recorrentemente);
- Dra. TT., Magistrada Judicial no Palácio de Justiça …… á matéria dos art.º 5.° e 60.° - trabalhou com Arguida em ........... em período anterior;
- Dra. UU., Magistrada Judicial no Tribunal Judicial ……, à matéria dos artigos 5.° e 60 ° trabalhou com a Arguida em ........... em período anterior;
- Dra. VV., Magistrada Judicial no Tribunal Judicial ……, à matéria dos artigos 5.°, 60.°, 64.° e 102.º trabalhou com Arguida em ........... em período anterior;
- XX., escrivão adjunto no Tribunal Judicial ……, à matéria dos art.º 5.°, 60A.72 (se alguma vez fumou dentro do tribunal) e 102;
- ZZ. secretário de justiça reformado, protestando juntar a morada, podendo no entanto ser contactado por ……, ouvido à matéria dos art.ºs 5.°, 60A,e102;
- Dr. BBB., advogado com domicílio profissional na……, á matéria dos artigos 14,15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 61, 62, 63 e 91.
- Dra. CCC., Magistrada do Ministério Público no Tribunal ……, á matéria dos artigos 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 61, 62, 63.
- DDD., Vereador na Camara Municipal ..........., residente na……, à matéria dos art.ºs 64.º, 84.º,91.º e abonatória;
- EEE., residente em ……. como abonatória;
- Magistrado Judicial Dr. FFF., a exercer funções no JIC ……, á matéria dos artigos 64,129 e 130;
- PP., escrivão de direito no …. Cível .........., à matéria dos art.º 44, 45, 120,122,123;
- Sargento GNR……, R. do……, à matéria dos art.ºs 106.° e que ateste o relacionamento que existia entre os GNR e a Arguida.
A Advogada (cf. doc. 4 junto à petição inicial).
7. No âmbito do processo disciplinar referido em 3), foi a 08-10-2019 elaborado instrumento escrito em papel timbrado do COJ com o seguinte teor:
RELATÓRIO FINAL
Trabalhadora visada: AA., Escrivã Auxiliar com o número mecanográfico ……, a exercer funções no Núcleo .......... do Tribunal Judicial da Comarca ..........,
I - RAZÕES 00 PROCEDIMENTO
Por despacho do Exma. Senhora Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de ……2018, foi determinada a instauração de inquérito “para esclarecimento dos factos participados e das circunstâncias em que ocorreram, com vista ao apuramento da eventual relevância disciplinar”. O processo teve origem em expediente remetido ao COJ, através de correio electrónico, pelo Sr. Escrivão de Direito do Núcleo .......... BB., no qual descreve os factos ocorridos naquele Núcleo no dia ……2018, tendo como intervenientes a Sra. Escrivã Auxiliar AA. e a Sra. Juíza de Direito, Dra. CC...
Em aditamento, no dia ……. de 2018 o Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca .........., Dr. GGG., remeteu ao Conselho dos Oficiais de Justiça duas comunicações subscritas pelo Sr. Escrivão de Direito e pela Sra. Juíza de Direito do Núcleo .........., relatando factos cuja autoria imputavam à senhora Oficial de Justiça acima indicada, hipoteticamente adequados a integrar a prática de infracção disciplinar, por violação dos seus deveres funcionais.
Na mesma comunicação, por considerar que os factos relatados eram suscetíveis de configurar infracção disciplinar de acentuada gravidade, compatível com pena de gravidade não inferior à de multa, ao abrigo do disposto na 2.ª parte da alínea c), do n.° 3 do art. 94.° da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, foi solicitado ao Conselho dos Oficiais de Justiça a instauração do competente processo disciplinar - Cf r. Fls. 12.
Por despacho da Senhora Vice-Presidente do COJ de ……… de 2018, foi mandado anexar ao inquérito o expediente de fls. 12 e seguintes, remetido pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ...........
No âmbito do inquérito foi elaborado relatório final a fls. 92 a 104, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
Por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de ……. de 2018, foi deliberada a conversão do procedimento de inquérito em procedimento disciplinar visando senhora Escrivã Auxiliar AA., melhor identificada acima, determinando-se igualmente que o inquérito constituísse a parte instrutória do processo convertido, de acordo com a faculdade prevista no n.º 4 do art.º 231.° da LTFP, designando o signatário como instrutor. - cfr. Fls. 106 a 107.
A) INSTRUÇÃO
I. DILIGÊNCIAS EFECTUADAS
a) Foram inquiridas as pessoas a seguir indicadas:
BB., Escrivão de Direito - cfr. Fls. 32 a 34;
Dra. CC., Juíza de Direito - cfr. Fls. 42;
Dra. GG., Procuradora-Adjunta - cfr. Fls. 79 e 80;
FF., Escrivão Auxiliar - cfr. Fls. 81 e 82;
AA., Escrivã Auxiliar - cfr. Fls. 83;
DD., Escrivã Adjunta - cfr. Fls. 84 e 85;
EE., Escrivã Auxiliar - cfr. Fls. 86 e 87;
JJ., Escrivã Auxiliar - cfr. Fls. 88 e 89;
II., Técnico de Justiça Adjunto - cfr. Fls. 90 e 91.
SERVIÇOS DE INSPEÇÃO
b) Foram juntos aos autos os seguintes documentos:
Acta n.º …/2017 do Conselho de ........ da Comarca .......... - cfr. Fls. 35 e 36. Correspondência remetida ao Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... - cfr. Fls. 38 a 40;
Ordem de Serviço n.º …/2018 proferida pelo Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... - cfr. Fls. 41;
- Expediente diverso apresentado pela Exma. Senhora Juíza, Dra. MM. - cfr. Fls. 43 a 78.
II – DEFESA
Nos termos dos n.os 2 e 3 do art.º 213.° da Lei n° 35/2014 de 20/06, foi deduzida acusação contra a senhora Escrivã Auxiliar, nos termos constantes de fls. 115 a 125 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, imputando-lhe a prática de factos consubstanciadores de infracção disciplinar, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art.º 73.° n.º 2, alíneas a) e h) e n.º 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art.º 180.° n.º 1 alínea c), 181.° n.º 3 e 186.° todos da LTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.° e 89.° e seguintes do EFJ, cabendo ao caso, dado que actuou de forma dolosa, sanção de SUSPENSÃO, conforme foi anunciada na acusação.
Notificada pessoalmente da acusação, em ……2019, a trabalhadora apresentou a defesa subscrita por advogado, que se encontra junta a fls. 133 a 155, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, alegando que os factos descritos na acusação não se encontram contextualizados, que não se passaram da forma descrita e que devem ser considerados justificados.
- A trabalhadora procedeu à junção de 28 documentos. - Cfr. Fls. 156 a 184.
- Procedeu à junção de procuração. - Cfr. Fls. 185.
- Requereu que fosse solicitado ao processo-crime ……. cópias de alguns documentos, os quais foram solicitados, ficando em suporte digital anexo aos presentes autos, tendo sido entregue cópia em CD à legal representante da trabalhadora a Dra. ZZZ. em ……2019. - Cfr. Fls. 219
Indicou 13 testemunhas e destas 12 foram ouvidas pela ordem seguinte:
1) GGG., Escrivão de Direito, N. Mec…… a exercer funções no na Instância Local Cível .......... -…... - cfr, Fls. 205 e 206;
2) HHH., Escrivão Adjunto, N. Mec……. a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca .......... - Juízo de Competência Genérica…….
- cfr. Fls. 208 e 209;
3) III., sócia gerente da empresa........... - cfr. Fls. 210 e 211;
4) JJJ., comerciante, residente em ............ - cfr. Fls. 212;
5) Dra. MMM., ……. do Centro de Saúde ........... - cfr. Fls. 213 e 214;
6) ZZ., Oficial de Justiça aposentado. - cfr Fls. 215 e 216;
7) Dr. NNN., Advogado, portador da Cédula nº ……, com escritório em ............ - Cfr. Fls. 217 e 218;
8) Dr. OOO., Juiz de Direito, a exercer funções no Núcleo de ……. - JIC.-Cfr.Fls.220;
9) Dra. JJ., Juiz de Direito, a exercer funções no Núcleo de ………Instância Local Cível …... - Cfr. Fls. 221;
10) Dra. PPP., Juiz de Direito, a exercer funções no Núcleo de …… Juízo Central Cível - …... - Cfr. Fls. 222;
11) Dra. QQQ., Juiz de Direito a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ……- Juízo Local Criminal - …… - Cfr. Fls. 223 e 224;
12) Dra. RRR., Procuradora Adjunta a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca …… - Juízo de Competência Genérica ……- Serviços do M.º P.º. Cfr. Fls. 225 e 226;
Não foi possível proceder à audição da testemunha SSS., pois o mesmo, devidamente convocado, não compareceu. Contactada a mandatária da trabalhadora, informando-a da não comparência desta testemunha, a mesma ficou de conseguir o contacto da testemunha, o que não sucedeu. - cfr. Fls, 207.
Em 02-09-2019, a mandatária da trabalhadora remeteu comunicação electrónica a informar que a trabalhadora prescindia da audição da testemunha em falta. cfr. Fls. 227.
Na defesa apresentada, em resumo e no essencial, refere o seguinte:
- A trabalhadora começa a sua defesa por afirmar que os factos constantes da acusação estão descontextualizados, alguns deles encontram-se prescritos, outros não se mostram provados e alguns são meras conclusões.
- A trabalhadora descreve uma situação ocorrida no âmbito do processo criminal em que a mesma era testemunha……;
- Descreve de forma detalhada os problemas de saúde que padeceu, que ainda se mantêm e que determinaram o seu pedido de colocação naquele Núcleo que efectuou à DGAJ;
Refere que foi colocada na sala das videoconferências em vez de ficar na secretaria, isolada dos demais colegas, queixando-se do serviço que lhe foi atribuído e da postura dos colegas;
- Descreve as funções que executa, trabalhando à distância com o Juízo de Execução ..........
- A trabalhadora descreve o trabalho desempenhado anteriormente no Tribunal ..........., descrevendo-se como uma funcionária “respeitada e respeitadora de todos, apresentou muito boa qualidade de serviço e em grande quantidade, era muito briosa, demonstrava muito boa preparação técnica e intelectual, era pontual e assídua (justificando sempre as suas faltas), utilizava todos os meios informáticos ao seu dispor, era colaborante com Magistrados e colegas nem colocava em causa as ordens de serviço.” Que mantinha “bom relacionamento com todos os funcionários do tribunal, cumpria horários, nunca divulgou dados de processos, além de que nunca colocou em causa ordens de serviço."
- A visada descreve, na sua versão, os factos ocorridos na audiência de discussão e julgamento do processo ……. em ……2016, versão essa diferente da exposta pelas M. Juiz de Direito e pela Sra. Procuradora Adjunta nas exposições referidas na acusação e constantes dos autos;
- Refere sentir-se isolada, muito stressada, ignorada, em estado de nervosismo, de irritabilidade fácil e hipersensível, perante injustiças ocorridas no seu local de trabalho, referindo estar em estado depressivo, encontrando-se medicada; fumar.
- Declara que não fumou junto à secretaria nem junto ao gabinete do Sr. Secretário, motivo pelo qual a afirmação da M. Juiz não fazia sentido;
A trabalhadora questiona o facto de não ter sido a M. Juiz a adverti-la ou, porque não aguardou a chegada do Sr. Escrivão de Direito/Secretário de Justiça, a que acresce o facto de ter sido uma escrivã adjunta a transmitir o recado constituía uma humilhação da trabalhadora e mais uma injustiça;
Descreve uma versão diferente do sucedido no dia ……2018 e da conversa mantida com a M.ª Juiz de Direito e os colegas, admitindo que se a conversa “a foi tirando do sério” e de ter dito à Sra. Juiz que quem mandava em si era o Escrivão de direito/secretário de justiça. A trabalhadora refere ainda que nenhuma testemunha corroborou o art.º 14 da acusação “tendo- lhe comunicado que estava no seu horário de trabalho" nem o que consta do art.º 16.° “e que falasse mais baixo” devendo tais expressões ser retiradas da acusação referindo igualmente não se recordar de ter tratado à M.ª Juiz por “você” atribuindo a expressão “chega de mentiras, se alguém cumpre a lei, sou eu...” ao facto de se sentir revoltada e discriminada.
Refere que os factos ocorridos em 2016 e constantes da participação referida no ponto 29.° da acusação se encontram prescritos, existindo falta de concretização dos mesmos, não podendo ser utilizados para uma condenação disciplinar.
A trabalhadora alega ainda factos justificativos da não efectivação da tarefa de arrumação dos Boletins do Ministério da Justiça, declarando que os factos descritos no ponto 36.° da acusação não se encontram suficientemente descritos, impedindo a defesa da trabalhadora, referindo que nunca foi chamada a atenção constituindo nessa parte nulidade.
A trabalhadora refere o seu exercício de funções no Tribunal ...…… descrevendo a sua actuação naquele local como “irrepreensível, apresentando serviço de elevada qualidade, em grande quantidade, detinha elevada preparação técnica e intelectual, era muito briosa, respeitada e respeitadora, colaborante com todos, cumpridora de horário, conforme o atesta a classificação lá detida — Muito Bom"
Conclui a defesa que a atenta a contextualização agora referida, a actuação/conduta da trabalhadora deverá ser considerada justificada absolvendo-se a trabalhadora.
A trabalhadora alega na sua defesa (100 e 127) que os factos ocorridos no dia ……2016 não podem ser utilizados na acusação, nem influenciar a mesma, pois já se encontram prescritos nos termos do art.º 178.° n.º 1 da LTFP, bem como não se encontram suficientemente contextualizadas nas declarações do Sr. Escrivão de Direito e na acusação a existência de lapsos concretos atribuídos à trabalhadora.
Os factos constantes da acusação nos n.os29, 30, 31, e nos n.os 32 a 37, nos quais são feitas referências ao sucedido não foram considerados, em concreto na acusação, que apenas respeita ao incidente ocorrido no dia 18-09-2018. (n.os 12 a 27), pelo que vamos retirar os mesmos do relatório final, procedendo-se igualmente à retirada dos n.os 32 a 37 porque são irrelevantes para os factos a apreciar e a decisão a proferir.
Não havendo questões prévias a apreciar, passamos:
III — FACTOS PROVADOS
Tendo em conta a prova produzida nos autos, documental e testemunhal, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Da acusação
1.°
A Sra. AA. é Oficial de Justiça, com a categoria de Escrivã Auxiliar e número mecanográfico ……...
2.°
Por ter sido solicitada a não renovação do destacamento no Núcleo da …… do Tribunal Judicial da Comarca ……… e por não dispor de lugar de origem, a mesma Oficial de Justiça passou à situação de disponibilidade, prevista no art.° 51.° do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), do Decreto- Lei n.° 343/99, de 26 de agosto.
3.º
Vindo a ser afecta ao Núcleo .........., do Tribunal Judicial da Comarca .........., por despacho da Exma. ………. da Direcção-Geral da Administração da Justiça de ……2017, onde actualmente se encontra colocada.
4.º
A senhora Dra. CC. é Juiz de Direito, encontrando-se colocada no Juízo de Competência Genérica do Núcleo .......... - Tribunal Judicial da Comarca .........., desde ……de 2015 - Cfr. Fls. 42.
5.°
No dia 18-09-2018, passavam poucos minutos das 13:00 horas, por se ter apercebido do cheiro a tabaco ou cigarro electrónico junto à Secretaria, a Sra. Juíza CC .transmitiu à Sra. Escrivã Adjunta DD. que não queria que fumassem junto aquele local, bem como junto do gabinete do Sr. Secretário de Justiça.
6.°
Tendo solicitado à mesma Oficial de Justiça que transmitisse tal facto à AA...
7.°
Dado que o Sr. Escrivão de Direito não se encontrava no Núcleo .......... naquele momento, a Escrivã Adjunta DD. questionou a Sra. Juíza se teria que agir naquele dia, ao que a mesma respondeu afirmativamente.
8.°
Em cumprimento do que lhe foi determinado, a Escrivã Adjunta DD. dirigiu-se ao posto de trabalho da AA., tendo transmitido a esta o que Sra. Juíza lhe
9.°
Tendo-se apercebido que a Escrivã Auxiliar AA. ficou exaltada e nervosa com o que lhe foi dito.
10.°
Nesse momento, a Sra. Juíza Dra. CC. encontrava-se acompanhada da Escrivã Auxiliar EE. e do Escrivão Auxiliar FF., junto ao patamar das escadas de acesso ao primeiro piso do Tribunal, onde se localiza a sala de audiências e os gabinetes dos Srs. Magistrados.
11.º
Mantendo com os mesmos uma conversa e transmitindo orientações de serviço.
12.°
Breves instantes após a AA. dirigiu-se à Sra. Juíza, perguntando-lhe “onde que você me viu fumar? diga, diga, onde é que você me viu fumar...”.
13.°
Fê-lo com um tom de voz elevado, com uma postura corporal de agressividade, de modo exaltado e desrespeitoso.
14.°
A Sra. Dra. CC. respondeu à Sra. Escrivã Auxiliar AA. que não queria qualquer tipo de conversa com a mesma, tendo-lhe ainda comunicado que estava no seu horário de trabalho e que deveria deslocar-se para o seu posto de trabalho.
15.°
Ordem que a Sra. AA. se recusou a acatar, redarguindo “não mandam em mim, não obedeço a ordens de Juízas e Procuradoras, sou Oficial de Justiça, quem manda em mim é o Sr. Secretário, o Sr. BB.”
16.°
Por um número indeterminado de vezes (três ou quatro), a Sra. Juíza reiterou a ordem dada à Sra. AA. para que a mesma regressasse ao seu local de trabalho e falasse baixo, o que a mesma se recusou a fazer.
17.°
A dada altura, a Sra. AA. desafiou a Sra. Juíza a escrever, ao que esta respondeu que se calhar já não era a primeira vez que tal ocorria.
18.°
Retorquindo a Sra. AA., com ar de gozo, “o que é que adiantou, diga lá...”.
19.°
Nesse momento, a Sra. Procuradora-Adjunta Ora. GG., que se encontrava no seu gabinete com a porta fechada, alertada pelo tom elevado de uma voz feminina, abeirou-se do local onde decorria o diálogo, encontrando-se ali a Sra. Juíza, a D. AA. e o Sr. FF., tendo presenciado os factos que então decorriam.
20.º
Escutou a Sra. Juíza, por várias vezes, a ordenar à AA. que fosse para o seu local de trabalho, respondendo aquela “você não manda em mim, quem manda em mim é o Sr. BB”, “chega de mentiras, se alguém cumpre a lei, sou eu...” e ainda “Nenhuma Juíza ou Procuradora manda em mim, pois sou Oficial de Justiça...”.
21.°
Apercebendo-se da gravidade dos factos, o Escrivão Auxiliar FF. dirigiu-se à sua colega AA., aconselhando-a a ausentar-se do local onde se encontrava, ao que a mesma respondeu “não te metas, vocês já se meteram demais ao andarem a dizer que eu fumo aqui dentro”, recusando-se a acatar a sugestão do mesmo.
22.°
Entretanto, a Sra. Juíza reiterou as ordens dadas anteriormente à D. AA. para que esta regressasse ao seu posto do trabalho, pois estava a incomodá-la, respondendo a mesma, mais uma vez, que não recebe ordens suas, mas do Sr. Secretário, tratando a Sra. Juíza por “você”, incitando-a a mesma a bater-lhe, afirmando “bata-me, bata-me”.
23.°
Dada a ausência do Sr. Escrivão de Direito do serviço, por força de reunião no Conselho Consultivo que decorreu no Palácio de Justiça .......... em que esteve presente, e face à intransigência da Sra. AA. em abandonar o local onde se encontrava, a Sra. Juíza mandou chamar a Sra. Escrivã- Adjunta DD., Oficial de Justiça que substitui informalmente o Sr. Escrivão de Direito na ausência deste.
24.º
Ali chegada, a Sra. DD. dirigiu-se à sua colega AA. instando a mesma a regressar ao seu posto de trabalho, ao que a mesma renitentemente anuiu, mas apenas à segunda ou terceira insistência, não sem antes ter dito que a DD. também não mandava em si, ao que esta, de modo calmo, esclareceu a AA. que na ausência do Sr. BB., era ela própria quem mandava.
25.º
Os factos foram presenciados por uma Senhora Advogada, Dra. HH., com escritório em………, que se encontrava no balcão de atendimento dos Serviços do Ministério Público e que comentou com o Técnico de Justiça Adjunto II. “há pessoas que não sabem o lugar que ocupam...” reportando-se à D. AA...
26.°
A Sra. Procuradora-Adjunta referiu à Sra. Juíza que era melhor ausentar-se do local onde estava, tendo pegado no braço da mesma e conduzido aquela à Secretaria, onde veio a efectuar um telefonema para a Gestão da ……, dando conta do que se passara.
27.°
Em momento simultâneo, a Escrivã Auxiliar AA. regressou ao seu posto de trabalho.
28.º
No mesmo dia em que os factos ocorreram, cerca das 14:45 horas, a mesma Oficial de Justiça foi à Secção de processos, encontrando-se ali presentes os seus colegas DD., EE., FF. e JJ., tendo dito que “queria avisar os colegas que quem andasse a meter veneno sobre ela, que iria Jogar com as mesmas armas e que inclusivamente já tinha começado...”
29.°
Do Certificado do Registo Disciplinar (CRD) da Oficial de Justiça AA., junto a fIs. 6, constam as classificações infra indicadas, todas obtidas na categoria de Escrivã Auxiliar que detém:
1) Em ……2003 - BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ……2002 a ……2002;
2) Em ……2007 (……) - BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ……2002 a ……2005;
3) Em ……2010 (……) - BOM COM DISTINÇÃO, na categoria de Escrivão Auxiliar - ..........., no período de ……2006 a ……2009;
4) Em ……2015 (………) - MUITO BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de …………2011 a ………2015.
AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:
1) ……2018 - Por deliberação do COJ foi instaurado o presente processo - …….
B) Da defesa:
30.° (5 do defesa)
De ……2005 a ……...2009, a Arguida exerceu funções no Tribunal ..........., primeiro por destacamento e depois por requisição. - cfr. Fls. 109 verso e 110.
31.º (6 e 102 do defesa)
No período compreendido entre ……2006 e ……2009 obteve a classificação de Bom com Distinção. - cfr. Fls. 108.
32.° (7 da defesa)
Não resulta do seu certificado de registo disciplinar que lhe tenha sido instaurado qualquer processo disciplinar, à excepção do presente. - cfr. Fls. 108.
33.º
A visada teve vários problemas de saúde, nomeadamente do foro ... (tendo feito dois ...) e de psiquiatria. - cfr. Fls. 156,157.
34.° (27 da defesa parcialmente provado)
Em 2015, segundo o relatório clínico elaborado pela médica …… Dra. ……. do IPO ……, a trabalhadora apresentava “Trata-se de uma doente oncológica transplantada (...). Desde o início do processo ... e dos tratamentos, descreve alterações de memória e capacidades executivas com lapsos e bloqueios do fio condutor do pensamento. Muitos sintomas físicos de ansiedade e impulsividade, com dificuldade de autocontrolo em situações de stress elevado, cansaço e irritabilidade, mas acentuadas desde QT, com alterações de sono de tipo insónia inicial e intermédia.
Faz medicação (...)
Por persistência das queixas mnésicas, realizou avaliação neuropsicológica em ……2015, que evidenciou “alterações cognitivas de predomínio anterior, nomeadamente domínios de atenção, memória e funções executivas, provavelmente em associação com tratamentos realizados e sintomas ansiodepressivos residuais”, integralmente em correlação com a clínica. Avaliação: Défice. cognitivo, em provável contexto de chemobrain, persistente, em doente com história de perturbação ansiodepressiva". - cfr. Fls. 156 e 157.
Relatório que não é acompanhado, no que respeita às dificuldades cognitivas, pela médica de família que acompanho a visada há cerca de vinte anos. - cfr. Fls. 213 e 214.
35.º (44 da defesa)
A visada trabalhava à distância com o Juízo de Execuções .........., chefiado pelo com o escrivão de direito Sr. PP.… cfr- Fls. 205 e 206.
36.º (45 e 123 da defesa)
Apesar do Sr. Escrivão PP. nunca ter feito reparos ao seu trabalho, entende que o atribuído à visada era em quantidade reduzida e de execução simples, sendo o mesmo cumprido com atrasos, em virtude das suas ausências, das quais em regra não dava conhecimento, motivo pelo qual não lhe foram atribuídas mais tarefas. - Cfr. Fls. 205 e 206.
37.º (64 e 84 da defesa)
A trabalhadora tem um tom de voz forte e elevado - cfr. Fls. 210, 211 e 221
38.º (60 e 130 da defesa)
Os magistrados que trabalharam com a visada no extinto Tribunal .......... entre 2005 e 2009, descrevem-na como uma funcionária colaborante, respeitadora e educada e disponível, leal, resiliente (atendendo à doença que à data a vitimava) preocupada com o serviço, com total disponibilidade para o serviço, mesmo fora do horário normal de funcionamento do tribunal. - cfr. Fls. 217 a 224
Apreciação da matéria de facto:
Factos provados da acusação:
Consideram-se provados todos os factos constantes da acusação dos números 1 a 27, com especial relevo para os n.os 12 a 27, os quais se fundamentam nas participações efectuadas pela M. Juiz de Direito e pelo Sr. Escrivão de Direito, as quais foram confirmadas pela prova testemunhal produzida em sede de instrução.
A contrario do alegado pela trabalhadora no n.° 93, que nenhuma testemunha corroborou os pontos 14 e 16 da acusação, (que a M. Juiz tivesse referido que a visada estava no seu horário de trabalho e que falasse mais baixo), entendemos que a descrição efectuada na participação da M. Juiz de Direito é suficientemente detalhada, descrevendo de forma rigorosa o sucedido e a frase “que falasse mais baixo” e que “estava no seu horário de trabalho” parecem-nos frases que segundo as regras da experiência, são proferidas quando se tenta acalmar uma pessoa e/ou pôr um ponto final no estado de exaltação, sendo coerente que a ordem para voltar ao seu posto de trabalho fosse antecedida pela referência ao horário de trabalho, referência, desnecessária, pois a visada sabia.
Desta forma, ficamos convictos que os factos ocorridos no dia ……2018 ocorreram da forma descrita na acusação.
Na verdade, de acordo com a factualidade apurada, e agora dada como provada, a trabalhadora, de forma impudente, destemperada, desrespeitosa e desafiadora, abordou a Sra. Juíza, Dra. CC. recorrendo a um tom de voz elevado e agressivo no diálogo que manteve com a mesma Senhora Magistrada, insensível às suas ordens reiteradas da mesma e dos seus próprios colegas, em especial da escrivã adjunta DD., que chefiava os serviços na ausência do Sr. Escrivão BB., para que regressasse ao posto de trabalho, tratado a Sra. Juiz por “você” tendo chegado ao ponto de a incitar a mesma a bater-lhe “bata-me, bata-me”, perturbando os serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos serviços Consideramos parcialmente provado o n.º 27 da defesa, atendendo a que se trata de uma avaliação de 2015. Não nos parecendo que a mesma se mantenha actualmente, sendo o mesmo igualmente refutado pela médica de família Dra. SS., que conhece e acompanha a trabalhadora há cerca de 20 anos, no que respeita às dificuldades cognitivos.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outos factos, designadamente e entre outros os mencionados na defesa nos pontos 32, 33 a 38, 47 a 49.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para os autos, inexistindo factos contraditórios ou que requeiram esclarecimentos adicionais.
*
IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO-DISCIPLINAR
Os funcionários de Justiça estão sujeitos aos deveres gerais dos Funcionários da Administração Pública, de acordo n.º 1 do art.º 66.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99 de 26/08, e ainda aos deveres especiais estabelecidos naquele diploma.
São disciplinarmente responsáveis, nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos 89.° e seguintes do EFJ.
Em matéria disciplinar, aplicam-se aos funcionários de justiça, subsidiariamente, as normas da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada pela Lei n° 35/2014 de 20/06.
Conforme dispõe o artigo 90.° do EFJ, constituem infracção disciplinar “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.
Os deveres gerais encontram-se previstos e estão definidos no artigo 73.° da LTFP, deles fazendo parte, para além de outros, o dever de prossecução do interesse público que “consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente 'protegidos dos cidadãos”, e o dever de correcção, que consiste em “tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos", todos previstos no art.º 73.º, n.º 2, alíneas a), e) e h) e nos n.os. 2, e 7 e 10 da LTFP.
No caso concreto, a oficial de justiça AA. cometeu, com a prática dos factos indicados na acusação e agora provados, infracção disciplinar, comprovando-se que, no dia ……2018, de forma impudente, destemperada, desrespeitosa e desafiadora abordou a M. Juíza Dra. CC., recorrendo a um tom de voz elevado e agressivo no diálogo que manteve com a mesma, insensível às suas ordens reiteradas e dos seus próprios colegas para que regressasse ao posto de trabalho, incitando-a que lhe batesse, perturbando os serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos mesmos. O que configura, em nossa opinião, um género de comportamento que, pela gravidade que encerra, não pode ser admitido nem contemporizado, infringindo os deveres funcionais que lhe competia observar.
Assim não podemos deixar de concluir, pelas razões acima expendidas, que a Sra. escrivã auxiliar podia e deveria ter adoptado comportamento diferente, pois bem sabia que o comportamento adoptado era idóneo a criar na Sra. Juíza (participante) um sentimento de vexame e de humilhação pelo sucedido, acrescido pelo facto de tal decorrido na presença de quase todos os Oficiais de Justiça do Núcleo .......... e de uma senhora Advogada, que por casualidade ali se encontrava e assistiu ao seu desenrolar, tendo a Sra. funcionária persistido nos seus propósitos, indiferente ao desvalor da acção que cometia.
Por isso, o comportamento adoptado pela Sra. funcionária e constante dos factos provados é censurável e violador dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção.
Na defesa apresentada, a visada contextualiza os factos de forma diversa, justificando os acontecimentos com o recurso ao facto de se sentir discriminada por se encontrar a trabalhar numa sala sozinha a tramitar processos executivos pertencentes ao juízo local cível .........., sem contacto com o público ou com os colegas, acrescida da doença que padece e que altera o seu comportamento. Sucede que, (de acordo com relatório médico), entendemos não ter ficado provado que tal alteração de comportamento, por via da doença de que a Sra. escrivã auxiliar padece, se mantenha na actualidade, e mesmo considerando alguma irritabilidade decorrente do seu estado de saúde, tal não justifica nem pode justificar a postura da visada, que afrontou em pleno átrio do tribunal e de viva voz a M. Juiz, bem sabendo que tal conduta a ofenderia. O seu comportamento traduziu-se numa humilhação e vexame, que por força das funções que a mesma exerce, acrescido pelas pequenas dimensões dg meio, é susceptível de afectar a autoridade da Sra. magistrada.
V - DA ESCOLHA E DA MEDIDA CONCRETA DA SANÇÃO DISCIPLINAR:
Na acusação foi anunciada a sanção disciplinar de suspensão, considerando que se tratou de um comportamento doloso.
A nosso ver a sanção proposta mostra-se adequada.
A sanção de suspensão é aplicável aos comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função nos termos do art.º 186.º alínea j) da LTFP “Agridam, injuriem ou desrespeitem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, fora dos locais de serviço, por motivos relacionados com o exercício das funções”.
A sanção de suspensão consiste no afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante o período da sanção, num período que varia entre 20 e 90 dias por cada infracção.
Considerando todo o expendido, atendendo aos critérios enunciados no art. 189.° da LTFP, designadamente à categoria da trabalhadora (escrivã auxiliar), ao grau de culpa que, quanto a nós, não se mostra atenuado apesar da referida doença, e que não se verificam atenuantes ou agravantes especiais, parece-nos adequado fixar o período de suspensão em 45 dias.
O art.º 91.º do EFJ aprovado pelo Dec. Lei 343/99 de 26/08 prevê que a aplicação da pena de suspensão, para além dos efeitos previstos na lei geral, possa implicar a transferência do oficial de justiça quando este não possa manter-se no meio que exercia funções à data da prática da infracção, sem quebra do prestígio que lhe é exigível, o que constará da decisão final.
Ora no caso concreto e, apesar das declarações proferidas pelos Sr. Magistrados que anteriormente exerceram funções no Tribunal .........., que descreveram a visada como uma funcionária leal e com um comportamento irrepreensível, entendemos que, face à gravidade do sucedido, se encontram preenchidos os elementos da previsão legal, pelo que deverá ser aplicada a sanção acessória de transferência.
VI - PENA E RESPECTIVA PROPOSTA:
PROPOSTA:
Propõe-se, pelas razoes acima referidas, que à trabalhadora AA., Escrivã Auxiliar com o número mecanográfico ……, a exercer funções no Núcleo .......... do Tribunal Judicial da Comarca .......... seja:
a) Pela prática dos factos provados e nas circunstâncias supra referidas, mais concretamente os descritos nos n.os 12.º a 27.º, pelos quais cometeu infracção disciplinar, prevista no art.º 90.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei 343/99 de 26/08, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art.º 73.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e h) e n.os 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art.º 180.º, n.° 1, alínea c), 181.°, n.os 3 e 4 e 186.°, todos previstos na LTFP, aplicada a sanção de 45 (quarenta e cinco) dias SUSPENSÃO;
b) Aplicada a sanção acessória de transferência, prevista no art.º 91.º do EFJ, por se considerar que com o seu comportamento a visada abalou o prestígio devido à classe dos oficiais de justiça, devendo ser colocada nem núcleo diverso.
Não se propõe a suspensão da execução da sanção, apesar da trabalhadora não apresentar antecedentes disciplinares, atendendo ao elevado grau de culpa que o seu comportamento evidencia, dos reflexos negativos na imagem dos serviços, pelo que se entende que a simples censura do comportamento e a ameaça da sanção, não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de acordo com o estabelecido no art. 192.º da LTFP.
Contudo,
O Conselho dos Oficiais de Justiça, em seu justo critério, melhor decidirá. Remetam-se os autos ao Conselho de Oficiais de Justiça.
………, ………… de 2019
O Inspector/Instrutor,
[assinatura aposta sob a forma autógrafa, ilegível]
(LL.) (cf. doc. 5 junto à petição inicial)
8. A ……2019, em sessão ordinária, o COJ, reunido em Plenário, consignou na
“Acta n.º …/2019” deliberação com o seguinte teor:
Proc. Nº………
Visada: AA. Pactos ocorridos no Núcleo ...........
Deliberação: Nos termos do disposto no art. 220.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20/06, o Plenário deliberou concordar com os factos, fundamentação e, por maioria, com a medida da sanção proposta, constante do relatório final, elaborado no processo supra referido, relatório esse que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Tendo em vista todos os factos provados, com a prática de tais factos e nas circunstâncias referidas no relatório final, a visada AA. violou o dever geral de prossecução do interesse público e o dever geral de correcção, que estava obrigada a observar. Considerando, ainda, os critérios enunciados no art.º 189.º da LGTFP, o Plenário deliberou sancionar:
AA., escrivã auxiliar, com o número mecanográfico ......., na sanção de 45 dias de suspensão, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 89.° e 90.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ) e art. 73.°, n.os 1,2, als. a) e h), 3 e 10, 180.°, n.° 1, al. c), 181.°, n.os 3 e 4, e 186.° da LGTFP.
No que concerne à execução da sanção, o Plenário, atendendo ao comportamento da Visada caracterizado por um elevado grau de ilicitude e a repercussão do mesmo ao nível da estabilidade do ambiente laboral e da imagem dos serviços, entende que a simples censura dos comportamentos a ameaça da sanção não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo, em consequência, deliberado ser aconselhável não suspender a execução da sanção aplicada.
O Plenário deliberou, ainda, nos termos do disposto no art. 91.°, al. b), do EFJ, determinar a transferência da Visada para outro Núcleo, uma vez que o prestígio que se impõe não se alcança se a mesma se mantiver em exercício de funções no Núcleo .........., onde ocorreu a prática da infracção.
Faz-se constar que o senhor Vogal ……. votou vencido a medida da sanção por considerar que:
“Pese embora entenda que os argumentos apresentados pela visada não constituam causa de exclusão quer da ilicitude quer da culpa, entendo serem causa de atenuação da medida da pena, termos em que entendo ser adequada uma sanção de trinta dias de suspensão.”
Mais deliberou o Plenário que se dê conhecimento da presente deliberação ao Exmo. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca .......... e ao Sr. Administrador Judiciário do mesmo Tribunal.
O Plenário aprovou, depois de lida, a minuta da presente acta. (cf. doc. 5 junto à petição inicial).
9. A autora interpôs recurso (administrativo especial) da deliberação referida em 8) para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), aqui entidade demandada, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (cf. doc. 6 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
10. No âmbito da apreciação do recurso hierárquico referido em 9), autuado nos serviços da entidade demandada sob o n.º “………...”, o CSM, reunido em Conselho Plenário a ………. 2020, proferiu a seguinte deliberação ora impugnada:
Processo n.º ………(Recurso Hierárquico).
Recorrente: AA.
Recorrido: Conselho dos Oficiais de Justiça
Relatora: ………
O Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera:
I – Relatório:
Por deliberação de ……… de 2019, do Conselho dos Oficiais de Justiça, foi aplicada a AA. a sanção de 45 (quarenta e cinco) dias de suspensão, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art.º 73.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e h), e n.º 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art.º 180.º, n.º 1, alínea c), 181.º, n.os 3 e 4, e 186.º, todos previstos na LTFP, e a sanção acessória de transferência, prevista no art. 91.º do EFJ, por se considerar que com o seu comportamento a visada abalou o prestígio devido à classe dos oficiais de justiça, devendo ser colocada em núcleo diverso.
Mais foi deliberado, na mesma data, não suspender a execução da sanção aplicada, atendendo ao elevado grau de culpa que o seu comportamento evidencia, dos reflexos negativos na imagem dos serviços, entendendo-se que a simples censura do comportamento e a ameaça da sanção, não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de acordo com o estabelecido no art.º 192.º da LTFP.
***
Inconformada, a ora recorrente interpôs recurso invocando, em síntese que:
- Não obstante a factualidade alegada pela defesa e apurada, a mesma não foi atendida.
- Os factos constantes dos art.ºs 14.º e 16.º não foram corroborados por nenhuma testemunha e por isso não deviam ter sido dados por provados;
- As Magistradas daquele Tribunal não a queriam a trabalhar naquele Tribunal por ter sido testemunha num processo-crime;
- Como resultou das declarações do secretário judicial agora aposentado entre 2005-2008 a trabalhadora exerceu funções neste Tribunal e tinha bom relacionamento com todos;
- O Conselho …… deliberou que a recorrente não tinha perfil para exercer funções naquele juízo por não deter a confiança das Magistradas sem qualquer decisão transitada;
- A recorrente foi colocada no arquivo apesar dos seus problemas de saúde e só em ……2018 passou a tramitar processos executivos .......... à distância;
- Nenhuma testemunha confirmou que fumasse dentro do Tribunal;
- A recorrente trabalhava directamente para o Tribunal .......... por isso não considerava a Magistrada sua superior hierárquica;
- O comportamento da recorrente foi justificado porque foi instigada a reagir pela injustiça das infundadas acusações da Exma. Magistrada participante.
Conclui requerendo o provimento do recurso arquivando-se o processo disciplinar ou, subsidiariamente, seja aplicada sanção inferior e que não seja aplicada a pena acessória de transferência.
*
Pronunciando-se nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 195.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, a Exma. Senhora Vice-Presidente do COJ deu parecer no sentido do recurso não merecer provimento, pelas razões constantes da deliberação em recurso, “às quais nada há a acrescentar” – cfr. fls. 315.
II – Fundamentação:
2.1-Factos Provados:
Tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida nos autos, estão provados os seguintes factos:
A) Da acusação:
1.º
A Sra. AA. é Oficial de Justiça, com a categoria de Escrivã Auxiliar e número mecanográfico ......
2.º
Por ter sido solicitada a não renovação do destacamento no Núcleo …… do Tribunal Judicial da Comarca ……. e por não dispor de lugar de origem, a mesma Oficial de Justiça passou à situação de disponibilidade, prevista no art.º 51.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), do Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto.
3.º
Vindo a ser afecta ao Núcleo .........., do Tribunal Judicial da Comarca .........., por despacho da Exma. …………. da Direcção-Geral da Administração da Justiça de ………2017, onde actualmente se encontra colocada.
4.º
A senhora Dra. CC .é Juiz de Direito, encontrando-se colocada no Juízo de Competência Genérica do Núcleo .......... – Tribunal Judicial da Comarca .........., desde o ………2015 - cfr. Fls. 42.
5.º
No dia …………2018, passavam poucos minutos das 13:00 horas, por se ter apercebido do cheiro a tabaco ou cigarro electrónico junto à Secretaria, a Sra. Juíza CC. transmitiu à Sra. Escrivã Adjunta DD. que não queria que fumassem junto aquele local, bem como junto do gabinete do Sr. Secretário de Justiça.
6.º
Tendo solicitado à mesma Oficial de Justiça que transmitisse tal facto à AA...
7.º
Dado que o Sr. Escrivão de Direito não se encontrava no Núcleo .......... naquele momento, a Escrivã Adjunta DD. questionou a Sra. Juíza se teria que agir naquele dia, ao que a mesma respondeu afirmativamente.
8.º
Em cumprimento do que lhe foi determinado, a Escrivã Adjunta DD. dirigiu-se ao posto de trabalho da AA., tendo transmitido a esta o que Sra. Juíza lhe encarregou de dizer.
9.º
Tendo-se apercebido que a Escrivã Auxiliar AA. ficou exaltada e nervosa com o que lhe foi dito.
10.º
Nesse momento, a Sra. Juíza Dra. CC. encontrava-se acompanhada da Escrivã Auxiliar EE. e do Escrivão Auxiliar FF., junto ao patamar das escadas de acesso ao primeiro piso do Tribunal, onde se localiza a sala de audiências e os gabinetes dos Srs. Magistrados.
11.º
Mantendo com os mesmos uma conversa e transmitindo orientações de serviço.
12.º
Breves instantes após a AA. dirigiu-se à Sra. Juíza, perguntando-lhe “onde é que você me viu fumar? Diga, diga, onde é que você me viu fumar…”.
13.º
Fê-lo com um tom de voz elevado, com uma postura corporal de agressividade, de modo exaltado e desrespeitoso.
14.º
A Sra. Dra. CC. respondeu à Sra. Escrivã Auxiliar AA. que não queria qualquer tipo de conversa com a mesma, tendo-lhe ainda comunicado que estava no seu horário de trabalho e que deveria deslocar-se para o seu posto de trabalho.
15.º
Ordem que a Sra. AA. se recusou a acatar, redarguindo “vocês não mandam em mim, não obedeço a ordens de Juízas e Procuradoras, sou Oficial de Justiça, quem manda em mim é o Sr. Secretário, o Sr. BB.”
16.º
Por um número indeterminado de vezes (três ou quatro), a Sra. Juíza reiterou a ordem dada à Sra. AA. para que a mesma regressasse ao seu local de trabalho e falasse baixo, o que a mesma se recusou a fazer.
17.º
A dada altura, a Sra. AA. desafiou a Sra. Juíza a escrever, ao que esta respondeu que se calhar já não era a primeira vez que tal ocorria.
18.º
Retorquindo a Sra. AA., com ar de gozo, “o que é que adiantou, diga lá…”.
19.º
Nesse momento, a Sra. Procuradora-Adjunta Dra. GG., que se encontrava no seu gabinete com a porta fechada, alertada pelo tom elevado de uma voz feminina, abeirou-se do local onde decorria o diálogo, encontrando-se ali a Sra. Juíza, a D. AA. e o Sr. FF., tendo presenciado os factos que então decorriam.
20.º
Escutou a Sra. Juíza, por várias vezes, a ordenar à AA. que fosse para o seu local de trabalho, respondendo aquela “você não manda em mim, quem manda em mim é o Sr. BB.”, “chega de mentiras, se alguém cumpre a lei, sou eu…” e ainda “Nenhuma Juíza ou Procuradora manda em mim, pois sou Oficial de Justiça…”.
21.º
Apercebendo-se da gravidade dos factos, o Escrivão Auxiliar FF. dirigiu-se à sua colega AA., aconselhando-a a ausentar-se do local onde se encontrava, ao que a mesma respondeu “FF. não te metas, vocês já se meteram demais ao andarem a dizer que eu fumo aqui dentro”, recusando-se a acatar a sugestão do mesmo.
22.º
Entretanto, a Sra. Juíza reiterou as ordens dadas anteriormente à D. AA. para que esta regressasse ao seu posto do trabalho, pois estava a incomodá-la, respondendo a mesma, mais uma vez, que não recebe ordens suas, mas do Sr. Secretário, tratando a Sra. Juíza por “você”, incitando-a a mesma a bater-lhe, afirmando “bata-me, bata-me”.
23.º
Dada a ausência do Sr. Escrivão de Direito do serviço, por força de reunião no Conselho Consultivo que decorreu no Palácio de Justiça .......... em que esteve presente, e face à intransigência da Sra. AA. em abandonar o local onde se encontrava, a Sra. Juíza mandou chamar a Sra. Escrivã-Adjunta DD., Oficial de Justiça que substitui informalmente o Sr. Escrivão de Direito na ausência deste.
24.º
Ali chegada, a Sra. DD. dirigiu-se à sua colega AA. instando a mesma a regressar ao seu posto de trabalho, ao que a mesma renitentemente anuiu, mas apenas à segunda ou terceira insistência, não sem antes ter dito que a DD. também não mandava em si, ao que esta, de modo calmo, esclareceu a AA. que na ausência do Sr. BB, era ela própria quem mandava.
25.º
Os factos foram presenciados por uma Senhora Advogada, Dra. HH., com escritório em……, que se encontrava no balcão de atendimento dos Serviços do Ministério Público e que comentou com o Técnico de Justiça Adjunto II. “há pessoas que não sabem o lugar que ocupam…”, reportando-se à D. AA...
26.º
A Sra. Procuradora-Adjunta referiu à Sra. Juíza que era melhor ausentar-se do local onde estava, tendo pegado no braço da mesma e conduzido aquela à Secretaria, onde veio a efectuar um telefonema para a …. da Comarca, dando conta do que se passara.
27.º
Em momento simultâneo, a Escrivã Auxiliar AA. regressou ao seu posto de trabalho.
28.º
No mesmo dia em que os factos ocorreram, cerca das 14:45 horas, a mesma Oficial de Justiça foi à Secção de processos, encontrando-se ali presentes os seus colegas DD., EE, FF. e JJ., tendo dito que “queria avisar os colegas que quem andasse a meter veneno sobre ela, que iria jogar com as mesmas armas e que inclusivamente já tinha começado…”.
29.º
Do Certificado do Registo Disciplinar (CRD) da Oficial de Justiça AA., junto a fls. 6, constam as classificações infra indicadas, todas obtidas na categoria de Escrivã Auxiliar que detém:
CLASSIFICAÇÕES DE SERVIÇO:
1) Em ……2003 – BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ………2002 a ……2002;
2) Em ……2007 (……) – BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar - ……, no período de ……2002 a ……2005;
3) Em ………2010 (………) – BOM COM DISTINÇÃO, na categoria de Escrivão Auxiliar – ..........., no período de ………2006 a ……2009;
4) Em ………2015 (……..) – MUITO BOM, na categoria de Escrivão Auxiliar – ……, no período de ……2011 a ……2015.
AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:
1) ……2018 – Por deliberação do COJ foi instaurado o presente processo – …….
B) Da defesa:
30.º
De ……2005 a ……2009, a Arguida exerceu funções no Tribunal ..........., primeiro por destacamento e depois por requisição. – cfr. fls. 109 verso e 110.~
31.º
No período compreendido entre ……2006 e …….2009 obteve a classificação de Bom com Distinção. – cfr. Fls. 108.
32.º
Não resulta do seu certificado de registo disciplinar que lhe tenha sido instaurado qualquer processo disciplinar, à excepção do presente. – cfr. Fls. 108.
33.º
A visada teve vários problemas de saúde, nomeadamente do foro ... (tendo feito dois ...) e de psiquiatria. – cfr. Fls. 156, 157.
34.º
Em 2015, segundo o relatório clínico elaborado pela médica Psiquiatra Dr.ª ………. do IPO ………, a trabalhadora apresentava “Trata-se de uma doente oncológica transplantada (...). Desde o início do processo ... e dos tratamentos, descreve alterações de memória e capacidades executivas, com lapsos e bloqueios do fio condutor do pensamento. Muitos sintomas físicos de ansiedade e impulsividade, com dificuldade de autocontrolo em situações de stress elevado, cansaço e irritabilidade, mas acentuadas desde QT, com alterações de sono de tipo insónia inicial e intermédia.
Faz medicação (...)
Por persistência das queixas mnésicas, realizou avaliação neuropsicológica em ……2015, que evidenciou "alterações cognitivas de predomínio anterior, nomeadamente domínios de atenção, memória e funções executivas, provavelmente em associação com tratamentos realizados e sintomas ansiodepressivos residuais", integralmente em correlação com a clínica. Avaliação: Défice cognitivo, em provável contexto de chemobrain, persistente, em doente com história de perturbação ansiodepressiva". – cfr. Fls. 156 e 157.
Relatório que não é acompanhado, no que respeita as dificuldades cognitivas, pela médica de família que acompanha a visada há cerca de vinte anos. – cfr. Fls. 213 e 214.
35.º
A visada trabalhava à distância com o Juízo de Execuções .........., chefiado pelo com o escrivão de direito Sr. PP.. cfr- Fls. 205 e 206.
36.º
Apesar do Sr. Escrivão PP. nunca ter feito reparos ao seu trabalho, entende que o atribuído à visada era em quantidade reduzida e de execução simples, sendo o mesmo cumprido com atrasos, em virtude das suas ausências, das quais em regra não dava conhecimento, motivo pelo qual não lhe foram atribuídas mais tarefas. – Cfr. Fls. 205 e 206.
37.º
A trabalhadora tem um tom de voz forte e elevado – cfr. Fls. 210, 211 e 221
38.º
Os magistrados que trabalharam com a visada no extinto Tribunal .......... entre 2005 e 2009, descrevem-na como uma funcionária colaborante, respeitadora e educada e disponível, leal, resiliente (atendendo a doença que à data a vitimava) preocupada com o serviço, com total disponibilidade para o serviço, mesmo fora do horário normal de funcionamento do tribunal. – cfr. Fls. 217 a 224
*
Factos não provados:
Não se provaram os seguintes factos:
A) A recorrente foi colocada numa sala isolada destinada a guardar materiais e onde se faziam videoconferências, passando a ser esse o seu local de trabalho.
B) Os colegas de trabalho não o cumprimentavam nem lhe dirigiam a palavra, à excepção do escrivão de direito, secretário de justiça, da adjunta DD. e do escrivão auxiliar OO..
C) Tendo-lhe sido dito que a Senhora Juíza não queria trabalhar consigo e que não deveria subir a escadas do tribunal.
D) Na hora da saída da arguida é frequente a Senhora Juíza estar na secretaria, em, posição que impede aquela de sair, tendo aquela de lhe solicitar que lhe dê licença.
E) Sendo organizadas festas por elementos do tribunal, em que a arguida nunca é convidada, nem sequer para os jantares de Natal.
F) A Senhora Juíza não autoriza a arguida a beber café no tribunal na máquina que aí existe e que foi por aquela adquirida.
2.2- Fundamentação da matéria de facto:
Quanto os factos provados resultaram da exposição elaborada pelo Sr.º Inspector Judicial na qual se avaliou com critérios objectivos e de acordo juízos de razoabilidade e bom senso a abundante prova testemunhal produzida em sede de instrução, sendo de notar que foram ouvidas vinte e uma testemunhas, algumas das quais presenciaram os factos.
Os factos descritos em 14.º e 16.º resultaram essencialmente das declarações da Mm.ª Juíza participante os quais estão em consonância com toda a prova produzida não sobrevindo qualquer outra prova que abale a sua veracidade.
Como refere o Sr. Inspector: “A contrário do alegado pela trabalhadora no n.º 93, que nenhuma testemunha corroborou os pontos 14 e 16 da acusação, (que a M. Juiz tivesse referido que a visada estava no seu horário de trabalho e que falasse mais baixo), entendemos que a descrição efectuada na participação da M. Juiz de Direito é suficientemente detalhada, descrevendo de forma rigorosa o sucedido e a frase “ que falasse mais baixo” e que “estava no seu horário de trabalho” parecem-nos frases que, segundo as regras da experiência, são proferidas quando se tenta acalmar uma pessoa e/ou por um ponto final no estado de exaltação, sendo coerente que a ordem para voltar ao seu posto de trabalho fosse antecedida pela referência ao horário de trabalho, referência, desnecessária, pois a visada sabia.”
Mais relevou a prova documental constante dos autos, designadamente:
- Acta n.º …/2017 do Conselho …. da Comarca .......... – cfr. Fls. 35 e 36.
- Correspondência remetida ao Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... - cfr. Fls. 38 a 40;
- Ordem de Serviço n.º …/2018 proferida pelo Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... – cfr. Fls. 41;
- Expediente diverso apresentado pela Exma. Senhora Juíza, Dra. MM. – cfr. Fls. 43 a 78.
Aliás, a recorrente, no essencial, não impugna a realidade assente, procura é justificar a sua conduta com uma suposta perseguição da sua pessoa que conduziu a ser injustamente confrontada com a questão de fumar no edifício do tribunal, o que nega. No entanto, os factos que consubstanciam a infracção são a forma como a recorrente abordou e se dirigiu à Mmª Juíza perante todos os que se encontravam no tribunal e posteriormente também aos seus colegas. Nesta sede não tem qualquer interesse discutir as razões que deram inicio a tal incidente porque nada pode justificar a total falta de respeito e de rectidão devida pela recorrente.
Assim, da conjugação de todo a prova não subsistiram quaisquer dúvidas quanto aos factos dados como provados.
A factualidade não provada, alegada pela recorrente, não se provou por ausência de prova nesse sentido.
*
III – Fundamentação de Direito
Enquadramento Jurídico
Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública, por força da remissão consagrada no artigo 89.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (adiante designado por EFJ), aprovado pelo DL n.º 343/99, de 26/08, na sua actual redacção.
Face ao disposto no artigo 66.º do EFJ, os funcionários de justiça têm os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública consagrados na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante designada por LGTFP) e ainda os deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto.
À recorrente na qualidade de Escrivã Auxiliar colocada em secção de processos, competia estatutariamente: efectuar o serviço externo; preparar a expedição de correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento; prestar a necessária assistência aos magistrados; desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior, de acordo com o determinado na alínea g) do Mapa I anexo ao Dec. Lei n.º 343/99 de 26/08 (EFJ).
Conforme dispõe o artigo 90.º do EFJ, constituem infracção disciplinar “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.
A deliberação recorrida considerou que a recorrente violou os deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção.
Os deveres gerais encontram-se previstos e estão definidos no artigo 73.º da LTFP, deles fazendo parte, para além de outros, o dever de prossecução do interesse público que “consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e o dever de correcção, que consiste em “tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos” – cfr. citado art. 73, respectivamente, n.º 2, alíneas a) e h), n.os 3 e 10 da LTFP.
O não cumprimento desses deveres constitui a infracção disciplinar prevista no supra referido art.º 90.º do EFJ.
Ora, no que aos autos importa, somos de concluir que, a Senhora Funcionária ao abordar a Exma. Senhora Juíza, da forma que se apurou e ao dirigir as expressões descritas desrespeitou as mais elementares regras da educação desafiando, ostensivamente, a autoridade daquela no átrio do tribunal com o intuito de ofender e humilhar a Exma. Magistrada Judicial. É manifesto que a recorrente, infringiu os deveres funcionais a que estava obrigada, em especial o dever de correcção mas também o da imagem dos serviços e do funcionamento daquele Tribunal enquanto órgão de administração da Justiça e como tal deve ser reflexo de serenidade e de respeito por todos os que aí prestam funções, designadamente e em especial pelo juiz enquanto seu titular.
Acresce que, como é evidente os factos da defesa apurados, não eximem a responsabilidade da aqui recorrente, pois ainda que a trabalhadora pretendesse afastar a veracidade do facto de fumar no edifício ou entendesse existir qualquer violação dos seus direitos na distribuição do serviço teria que reagir pelos meios ao seu alcance e nunca abordando, desafiando e humilhando a Mm.ª Juíza do modo como o fez.
Com efeito, não temos dúvidas que a Senhora oficial de justiça, com a sua conduta, violou, de forma grave, o dever de correcção e de prossecução do interesse público, nos termos supra consignados.
Da sanção a aplicar:
Nos termos do disposto no artigo 180.º da LTFP, as sanções disciplinares aplicáveis aos funcionários judiciais são as seguintes, por ordem de crescente:
a) Repreensão escrita;
b) Multa;
c) Suspensão;
d) Despedimento disciplinar ou demissão.
A repreensão escrita aplica-se aos casos de infracções leves – cfr. art. 184.º do mesmo diploma.
Nos termos do artigo 185.º do diploma em apreço, a pena de multa é aplicável em casos de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais que:
a) Não observem os procedimentos estabelecidos ou cometam erros por negligência, de que não resulte prejuízo relevante para o serviço;
b) Desobedeçam às ordens dos superiores hierárquicos, sem consequências importantes;
c) Não usem de correcção para com os superiores hierárquicos, subordinados ou colegas ou para com o público;
d) Pelo defeituoso cumprimento ou desconhecimento das disposições legais e regulamentares ou das ordens superiores, demonstrem falta de zelo pelo serviço;
e) Não façam as comunicações de impedimentos e suspeições previstas no Código do Procedimento Administrativo.
Por sua vez, a sanção disciplinar de suspensão é aplicável aos trabalhadores que actuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função – cfr. art.º 186.º da LTFP.
A escolha e a fixação concreta da pena tem em atenção o grau de culpa, gravidade da conduta e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele – cfr. art.189.º.
A conduta da Senhora Escrivã Auxiliar é dolosa, porquanto esta quis afrontar Senhora Juíza e proferiu as expressões descritas com esse intuito sabendo que com a sua conduta violava o dever de correcção pondo em causa a imagem da Justiça.
De salientar que, a sanção de suspensão é aplicável aos comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função nos termos do art.º 186.º alínea j) da LTFP “Agridam, injuriem ou desrespeitem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, fora dos locais de serviço, por motivos relacionados com o exercício das funções”.
A sanção de suspensão consiste no afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante o período da sanção, num período que varia entre 20 e 90 dias por cada infracção.
Com efeito, somos de concordar com a deliberação do Conselho de Oficiais de Justiça, no que concerne ao grau de culpa e gravidade da conduta, que se tem por elevada, atendendo aos critérios enunciados no art.º 189.º da LTFP e à categoria da Senhora oficial de justiça, escrivã auxiliar.
O art.º 91.º, a) do EFJ prevê que a aplicação da pena de suspensão, para além dos efeitos previstos na lei geral, pode implicar a transferência do oficial de justiça quando este não possa manter-se no meio que exercia funções à data da prática da infração, sem quebra do prestígio que lhe é exigível.
No caso em apreço considerando, para além do mais, que as expressões foram proferidas junto à secretaria do Tribunal perante outros funcionários e uma Senhora Advogada e que, posteriormente a recorrente ainda se dirigiu aos colegas em tom ameaçador, afigura-se-nos que deverá ser aplicada a sanção acessória de transferência aqui se concordando, igualmente, com a deliberação do COJ.
Acresce que, a circunstância da Senhora Juíza participante já não exercer funções naquele tribunal não invalida a quebra do prestígio que se verificou sendo certo que, a ocorrência dos factos e a sua gravidade não foi apenas uma questão particular da recorrente com aquela Magistrada Judicial atingindo a estabilidade do ambiente laboral e a imagem dos serviços.
Mais se entende que a deliberação de não suspender a execução da multa [suspensão]se impõe atenta a gravidade das infracções e as consequências das mesmas. A própria falta de assunção da culpa, assumida na defesa, revela a falta de interiorização, pelo que o juízo de prognose futura não é positivo, não assegurando a suspensão da execução da sanção as finalidades da punição.
IV – Deliberação:
Em face do supra exposto, delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão de aplicar, à Senhora Oficial de justiça AA., a sanção de 45 (quarenta e cinco) dias de suspensão, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art.º 73.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e h), e n.os 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, alínea c), 181.º, n.os 3 e 4, e 186.º, todos da LTFP ex vi art.º 89.º do EFJ e a sanção acessória de transferência, prevista no art.º 91.º do EFJ.
………, ……de 2020
[…]
Os Senhores Conselheiros:
Prof. Doutor……, (vota o projecto mas não vota a medida da sanção, por a considerar excessiva),
[…]
Dr…………, (vota o projecto mas não vota a medida da sanção, por a considerar excessiva),
[…]
Dra………, (vota o projecto mas não vota a medida da sanção, por a considerar excessiva),
[…]
Prof………, (vota o projecto mas não vota a medida da sanção, por a considerar excessiva),
[…] (cf. doc. 1 junto à petição inicial).
*
2. De direito
2.1. Do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto
2.1.1. Alega a autora que o acto impugnado padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Os pressupostos do acto administrativo são as circunstâncias objectivas, normativamente previstas, de cuja verificação depende a constituição do órgão administrativo no poder-dever de agir mediante a prática de um acto administrativo de determinado tipo legal.
Se a emissão do acto se baseou nos pressupostos legalmente devidos, mas não efectivamente existentes, ocorre falta de um pressuposto real ou de facto (a circunstância legalmente prevista não se verificou na realidade).
Reafirmando jurisprudência constante, tem vindo a Secção de Contencioso do STJ a decidir reiteradamente que «[o] vício de violação de lei ocorre quando é efetuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a à realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada» (acórdão desta Secção de Contencioso de 04-07-2019, proc. n.º 39/18.0YFLSB; vide ainda o Acórdão do de 25-05-2016, proferido no processo n.º 55/14.0YFLSB, assim como, na jurisprudência mais recente, os acórdãos de 20-02-2019, processo n.º 68/18.3YFLSB e de 24-10-2019, processo n.º 67/18.5YFLSB, em www.dgsi.pt).
2.1.2. Quanto ao erro sobre os pressupostos de facto em processos em que se discute a validade de actos que aplicam penas disciplinares, tenhamos presente, como ponto de partida para o excurso que se segue, que «sobre o interessado incide […] o ónus de alegar e provar os vícios que possam pôr em dúvida a validade do acto […]» e que, estando em causa «um erro quanto aos pressupostos de facto, o autor não pode limitar-se a manifestar a sua discordância com a matéria de facto e a pedir a reapreciação de toda a prova produzida no processo administrativo ou a sua renovação perante o juiz administrativo [impondo-se antes que] delimite com precisão os aspectos relativamente aos quais se verificou um erro de apreciação das provas ou os concretos pontos de facto que entende não corresponderem à realidade, bem como os concretos meios de prova que pertinentemente possam demonstrar a ocorrência de um erro na fixação dos factos» (Carlos Alberto Fernandes Cadilha, «A prova em contencioso administrativo», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 69, 2008, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, pp. 49 e 50).
Daí que «[o] autor não [possa], assim, bastar-se com a simples ou mera negação dos factos que lhe são atribuídos / imputados, cabendo-lhe alegar um conjunto de factos que corporizem a falta de consistência da imputação e sanção de que foi alvo, dos quais se indicie a ilegalidade e que aponte para o erro da imputação» (Carlos Medeiros de Carvalho, «O juiz administrativo e o controlo da prova procedimental no processo disciplinar», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, 2013, Braga: Centro de Estudos Jurídicos do Minho, p. 29).
Na certeza, porém, de que importa «distinguir entre a situação em que o impugnante contradita os factos que serviram de fundamento à decisão administrativa e requer ao tribunal a produção de novos meios de prova ou a renovação de meios de prova já produzidos no procedimento administrativo, daquela outra em que pretende apenas discutir a validade do juízo formulado pela entidade administrativa quanto à prova coligida [porquanto] num caso está em causa a reapreciação da matéria de facto com base num possível erro na fixação dos factos materiais da causa [e, no outro,] discute-se apenas um eventual erro na apreciação das provas» (Fernandes Cadilha, cit. pp. 50 e 53).
Por último, neste enquadramento preliminar, cumpre ter presente que, no tocante à apreciação da prova disciplinar e «de harmonia com os princípios da oficialidade e da verdade real, vale para o instrutor a regra da liberdade da apreciação das provas [artigo 91.º, n.º 2, do CPA], salvo existência de regra legal que a afaste […]» (Medeiros de Carvalho, cit. p 21).
2.1.3. No caso dos autos, a autora começa por alegar que, «de acordo com os factos constantes na acusação no art.º 29.° a 36.° (excluídos posteriormente sob a justificação de que não teriam sido considerados em concreto na acusação nem serem relevantes) ficou demonstrado à saciedade que quer a Sra. Juíza quer a Sra. Magistrada do Ministério Público, não queriam a Recorrente a trabalhar naquele tribunal, em momento anterior à sua tomada de posse», «apesar de nunca terem trabalhado com a aqui Recorrente e apesar de ninguém ter participado disciplinarmente contra a Recorrente a não ser a queixa que deu origem ao presente processo, pelo que a Recorrente não foi julgada por quaisquer outros factos, nem há decisão transitada em julgada sobre outras situações, que a Magistrada participante chamou aqui aos autos, [a]lém de que mesmo que tivesse existido algo, isso não pode perseguir e prejudicar a Recorrente para toda a vida, sem que a mesma tivesse tido oportunidade de se defender» [vide conclusões firmadas no segmento final da petição inicial sob a s alíneas A) a D)].
Quanto a esta factualidade, nada há a apontar ou referir, por ser totalmente irrelevante para a matéria em discussão nos autos e que se prende, única e exclusivamente, com a infracção imputada à autora pelos eventos ocorridos a 18-09-2018 e nada mais.
De resto, disso mesmo se deu conta no relatório final subscrito pelo Sr. Instrutor, no qual se consignou expressamente o seguinte: «Os factos constantes da acusação nos n.os 29, 30, 31, e nos n.os 32 a 37, nos quais são feitas referências ao sucedido não foram considerados, em concreto na acusação, que apenas respeita ao incidente ocorrido no dia 18-09-2018. (n.os 12 a 27), pelo que vamos retirar os mesmos do relatório final, procedendo-se igualmente à retirada dos n.os 32 a 37 porque são irrelevantes para os factos a apreciar e a decisão a proferir.» [cf. ponto 7) do probatório].
2.1.4. Quanto ao mais, a autora não pretende pôr em causa, em bom rigor, a factualidade apurada e tomada em linha de consideração na decisão sindicada. Se não, vejamos: reconhece expressamente que «no dia 18 de Setembro de 2018, ocorreram os factos constantes dos art.ºs 3.° a 28.° dos factos dados como provados […]» [cf. alínea G) das conclusões firmadas na petição inicial]; aceita igualmente como válido o julgamento da matéria de facto efectuado na decisão impugnada segundo a qual «[…] a Recorrente teve vários problemas de saúde, nomeadamente do foro ... (tendo feito dois ...) e de psiquiatria (art.ºs 33.° e 34.°), deter um tom de voz forte e elevado (art.º 37.°) e os magistrados que trabalharam anteriormente com a Recorrente no Tribunal ........... considerarem-na colaborante, respeitadora, educada, disponível, leal, resiliente, preocupada com o serviço, com total disponibilidade para o mesmo, mesmo fora do horário normal de funcionamento do tribunal (art.º 38.°)» [cf. ponto H) das conclusões formuladas na petição inicial]; e, por último, confessa que violou o dever de correcção [cf. conclusão AA) da petição inicial], embora alegue ter sido instigada para tanto.
Simplesmente insurge-se contra a demais factualidade - seja a que, tendo sido apreciada e até dada como provada, não foi, segundo a autora, objecto da devida valoração pela entidade demandada, seja a que não foi sequer dada como provada. Cotejando as alíneas K) a Z) das conclusões formulada a final da petição inicial, extraímos serem estas as razões esgrimidas pela ora demandante quanto a um suposto erro sobre os pressupostos de facto:
Chamamos desde logo a atenção para o facto de os próprios factos dados como provados demonstrarem duas posturas completamente diferentes da Recorrente.
Na que aqui está em causa, realçam-se vários aspectos,
Foi a Magistrada participante que deu ordem a uma outra funcionária para que a Recorrente fosse chamada à atenção por fumar dentro do tribunal (art.º 5.° e 6.°).
Mas nenhuma testemunha disse, nem nenhum facto foi dado como provado, no sentido de a Recorrente efectivamente fumar dentro do tribunal.
E, dado que isso não era verdade, ao ser chamada à atenção pela colega, ao estar afastada dos colegas numa sala isolada, ao deter poucas tarefas e devido aos problemas de saúde de que padecia, a Recorrente sentiu-se injustiçada, humilhada, maltratada e mais uma vez vexada naquele tribunal;
Por outro lado, a própria Magistrada fez constar na sua exposição de 24-09-2018 no 3.° parágrafo, que já era esperada esta reacção da Recorrente (em relação ao sucedido no dia 18-09-2018) “a verdade é que era expectável que pudesse acontecer, atento o historial que acompanha aquela funcionária, pelos sítios por onde passa - fls. 21 dos autos.
Apesar de a Magistrada apenas ter visto uma vez a Recorrente em 2017, ter falado com ela 2 vezes e nunca ter trabalhado com a mesma.
Além de que a Recorrente nunca foi alvo de processos disciplinares e tinha muito boas classificações de serviço.
O que evidencia algum intuito provocatório da própria Magistrada e até persecutório da mesma (mesmo antes da sua tomada de posse, já estava a pedir aos Órgãos de Gestão que não autorizassem a colocação da mesma naquele tribunal).
Por outro lado, a Magistrada manteve-se no átrio acompanhada de funcionários (art. 10.°).
Nunca respondeu á primeira pergunta (e seguintes) formulada(s) pela Recorrente - onde é que me viu fumar? (art.º 12.°, 14.° 16.°, 22.°).
Apenas a mandando para o seu local de trabalho (14.°, 16.°, 22.), demonstrando desconsideração e desprezo pela mesma.
A Magistrada nunca tentou acalmar a Recorrente ou levá-la para outro local, tentando conversar com a mesma.
Anota-se ainda que a dado momento, a Recorrente disse-lhe "chega de mentiras, se alguém cumpre a lei sou eu", o que apenas é referido por alguém que se sente injustiçada...
De acordo com o douto acórdão recorrido, foi entendido que a conduta da Recorrente foi dolosa, pois quis afrontar a Senhora Juíza e proferiu as expressões descritas com esse intuito sabendo que com a sua conduta violava o dever de correcção pondo em causa a imagem da justiça" e foi seleccionada a alínea j) como integradora do ilícito disciplinar.
No entanto, a atitude da Recorrente derivou do estado de humilhação e vexame público, dado que era persona não grata no tribunal por parte das Magistradas, tinha pouco trabalho atribuído, estava numa sala isolada dos restantes colegas, a Magistrada no dia em questão provocou a Recorrente (ao pedir a outrem que lhe fizesse um reparo que sabia não corresponder à verdade), manteve-se no átrio do tribunal acompanhada de funcionários, nunca respondeu à Recorrente, nunca a tentou acalmar, apenas a mandava para o seu local de trabalho, demonstrando desprezo pela Recorrente, que devido aos seus problemas de saúde, debilidade e estado de nervosismo constante, acabou por responder á Magistrada (onde me viu fumar - pergunta que efectuou várias vezes - quem manda em mim é o senhor secretário) e invocou argumentos que só alguém que se sente injustiçada o faz "chega de mentiras, se alguém cumpre a lei sou eu"...
2.1.5. No acto impugnado, acolhendo a proposta formulada no relatório final e na deliberação do COJ que também a havia acolhido, depois de se dar como provada a factualidade a que a própria autora alude, sem contestar, nos termos expostos supra, deixou-se consignado o seguinte quanto aos factos não provados e motivação da convicção probatória.
Não se provaram os seguintes factos:
A) A recorrente foi colocada numa sala isolada destinada a guardar materiais e onde se faziam videoconferências, passando a ser esse o seu local de trabalho.
B) Os colegas de trabalho não o cumprimentavam nem lhe dirigiam a palavra, à excepção do escrivão de direito, secretário de justiça, da adjunta DD. e do escrivão auxiliar ....
C) Tendo-lhe sido dito que a Senhora Juíza não queria trabalhar consigo e que não deveria subir a escadas do tribunal.
D) Na hora da saída da arguida é frequente a Senhora Juíza estar na secretaria, em, posição que impede aquela de sair, tendo aquela de lhe solicitar que lhe dê licença.
E) Sendo organizadas festas por elementos do tribunal, em que a arguida nunca é convidada, nem sequer para os jantares de Natal.
F) A Senhora Juíza não autoriza a arguida a beber café no tribunal na máquina que aí existe e que foi por aquela adquirida.
2.2- Fundamentação da matéria de facto:
Quanto os factos provados resultaram da exposição elaborada pelo Sr.º Inspector Judicial na qual se avaliou com critérios objectivos e de acordo juízos de razoabilidade e bom senso a abundante prova testemunhal produzida em sede de instrução, sendo de notar que foram ouvidas vinte e uma testemunhas, algumas das quais presenciaram os factos.
Os factos descritos em 14.º e 16.º resultaram essencialmente das declarações da Mm.ª Juíza participante os quais estão em consonância com toda a prova produzida não sobrevindo qualquer outra prova que abale a sua veracidade.
Como refere o Sr. Inspector: “A contrário do alegado pela trabalhadora no n.º 93, que nenhuma testemunha corroborou os pontos 14 e 16 da acusação, (que a M. Juiz tivesse referido que a visada estava no seu horário de trabalho e que falasse mais baixo), entendemos que a descrição efectuada na participação da M. Juiz de Direito é suficientemente detalhada, descrevendo de forma rigorosa o sucedido e a frase “ que falasse mais baixo” e que “estava no seu horário de trabalho” parecem-nos frases que, segundo as regras da experiência, são proferidas quando se tenta acalmar uma pessoa e/ou por um ponto final no estado de exaltação, sendo coerente que a ordem para voltar ao seu posto de trabalho fosse antecedida pela referência ao horário de trabalho, referência, desnecessária, pois a visada sabia.”
Mais relevou a prova documental constante dos autos, designadamente:
- Acta n.º …/2017 do Conselho ……. da Comarca .......... – cfr. Fls. 35 e 36.
- Correspondência remetida ao Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... - cfr. Fls. 38 a 40;
- Ordem de Serviço n.º …/2018 proferida pelo Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca .......... – cfr. Fls. 41;
- Expediente diverso apresentado pela Exma. Senhora Juíza, Dra. MM. – cfr. Fls. 43 a 78.
Aliás, a recorrente, no essencial, não impugna a realidade assente, procura é justificar a sua conduta com uma suposta perseguição da sua pessoa que conduziu a ser injustamente confrontada com a questão de fumar no edifício do tribunal, o que nega. No entanto, os factos que consubstanciam a infracção são a forma como a recorrente abordou e se dirigiu à Mmª Juíza perante todos os que se encontravam no tribunal e posteriormente também aos seus colegas. Nesta sede não tem qualquer interesse discutir as razões que deram inicio a tal incidente porque nada pode justificar a total falta de respeito e de retidão devida pela recorrente.
Assim, da conjugação de todo a prova não subsistiram quaisquer dúvidas quanto aos factos dados como provados.
A factualidade não provada, alegada pela recorrente, não se provou por ausência de prova nesse sentido.
2.1.6. Pois bem, recuperando o que se deixou estabelecido supra no tocante à apreciação da prova disciplinar, «de harmonia com os princípios da oficialidade e da verdade real, vale para o instrutor a regra da liberdade da apreciação das provas [artigo 91.º, n.º 2, do CPA], salvo existência de regra legal que a afaste […]» (Medeiros de Carvalho, cit. p 21).
A este respeito, julgamos que a deliberação ora impugnada se mostra fundada na sólida apreciação dos elementos coligidos no processo disciplinar, designadamente na produção de prova documental e testemunhal constantes na acusação, bem como na apreciação vertida na deliberação de 24.10.2019 proferida pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ). Nada há a apontar, portanto, quanto à convicção probatória.
Quanto ao mais, não se divisa que a demandante verdadeiramente sustente qualquer factualidade relevante que ponha em causa a dinâmica factual considerada na decisão sub judice.
Ora, sendo o erro sobre os pressupostos de facto, como vimos, um vício que consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativos factos não provados ou desconformes com a realidade e aceitando a demandante a factualidade demonstrada e apurada na decisão, nada há a apontar.
De resto, a conclusão extraída no acto sindicado não é, sequer, obstaculizada pela argumentação deduzida pela autora, que não demonstra – por manifesta impossibilidade e inexistência de fundamentos para tal – qualquer erro relevante, manifesto e susceptível de conduzir a decisão distinta. Compulsado o teor da petição inicial, como bem se refere na deliberação impugnada no excerto sublinhado na citação supra, «a recorrente não impugna a realidade assente, procura é justificar a sua conduta com uma suposta perseguição da sua pessoa que conduziu a ser injustamente confrontada com a questão de fumar no edifício do tribunal, o que nega. No entanto, os factos que consubstanciam a infracção são a forma como a recorrente abordou a Mmª Juíza perante todos os que se encontravam no tribunal e posteriormente também aos seus colegas. Nesta sede não tem qualquer interesse discutir as razões que deram início a tal incidente porque nada pode justificar a total falta de respeito e de rectidão devida pela recorrente. Assim, da conjugação de toda a prova não subsistiram quaisquer dúvidas quanto aos factos dados como provados.»
Face ao exposto, improcede, a pretensão da autora com este fundamento.
2.2. Do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito
2.2.1. Alega ainda a autora que o acto impugnado padece de erro sobre os pressupostos de direito. Para tanto, invoca que a alínea escolhida, dentro da previsão do artigo 186.º (que estabelece um princípio geral segundo o qual a suspensão é aplicável aos trabalhadores que actuem com grave negligência, com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais ou que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, doravante designada abreviadamente por LGTFP) foi a alínea j), que prevê que quem agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, fora dos locais de trabalho, por motivos relacionados com o exercício das funções comete ilícito disciplinar que deve ser sancionado com suspensão. No entanto, alega a autora que foi provocada a reagir, também devido à depressão de que padece, a outros problemas de saúde já mencionados e à discriminação de que se sentia vítima. De resto, prossegue a demandante, isto ocorreu dentro do tribunal, fora do horário laboral (pouco depois das 13 h) conforme foi dado como provado e não estava relacionado com o exercício de funções (questão relacionada com o fumo de tabaco no tribunal e a recorrente não trabalhar com a Magistrada, trabalhando à distância no âmbito de processos de execução pertença do correspondente Juízo .......... - pelo que não integra a alínea j) do art.º 186.° da LGTFP, nem sequer o princípio geral desse preceito legal, «[a]té porque não se tratou de uma ataque premeditado, intencional e gratuito contra a Magistrada participante, mas de uma forma de defesa da aqui Recorrente perante tal grau de injustiça, desprezo e vexame da mesma. Assim, os factos integram-se, quando muito, na pena de multa (art.º 185.° c) LGTFP)» [cf. conclusões enunciadas nas alíneas BB) a II) da petição inicial].
2.2.2. Ocorre vício de erro sobre os pressupostos de direito quando a emissão do ato administrativo de determinado sentido e conteúdo se não baseia em pressupostos legalmente previstos: a circunstância que motivou a decisão administrativa não estava coberta pela norma invocada.
Mais tem afirmado o STJ (Ac. de 04-07-2019, proferido no processo n.º 69/18.1YFLSB) que o erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correcta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação).
Não o negamos: o preceito expressamente invocado na decisão sindicada [alínea j) do artigo 186.º da LGTFP] contém elementos na sua redacção e enunciado gramatical que, isoladamente lidos poderão fazer supor uma incorrecta subsunção da conduta que a autora reconhecidamente teve nos preceitos que habilitam a aplicação de pena de suspensão. Nomeadamente, é discutível que o caso dos autos se quadre nas duas alusões constantes da parte final da previsão normativa («fora dos locais de serviço, por motivos relacionados com o exercício das funções»).
Sem que se possa negar pertinência a esta observação, nem por isso se pode asseverar uma incorrecta subsunção jurídica e uma aplicação ilegal da pena disciplinar, por erro sobre os pressupostos de direito. A dilucidação desta questão postula que se clarifiquem as exigências atinentes à tipicidade de infracção, que se fazem sentir de forma muito diversa, e com intensidades igualmente distintas, em dois domínios sancionatórios autónomos: o penal e o disciplinar.
Eis o escopo das linhas que se seguem, para o que efectuaremos preliminarmente um excurso pela doutrina da especialidade, primeiro, e pela jurisprudência entre nós mais autorizada nesta matéria, depois.
Vejamos, então.
2.2.3. Para Ana Fernanda Neves, «entre o procedimento disciplinar e o processo penal (e os processos de apuramento de outras formas de responsabilidade) não existe, no entanto, consumpção, por serem diferentes os fundamentos, o recorte da relação jurídica pertinente e os fins» («O Direito da Função Pública», in AA.VV., Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, 2010, Almedina, p. 527).
A mesma autora, de resto, dedica considerável atenção às relações entre direito criminal e direito disciplinar de direito público seja na vertente substantiva, seja na vertente adjectiva, identificando pontos de identidade mas denunciando os pontos de autonomia entre um e outro (O Direito Disciplinar da Função Pública, volume ii, 2007, dissertação de doutoramento, inédito, disponível e acessível para consulta online na presente data in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/164/2/ulsd054618_td_vol_2.pdf, pp. 157 a 212). As principais ideias recolhidas pela autora na sua dissertação são pela própria enunciadas, em jeito de síntese conclusiva (idem, ibidem, pp. 241-243), nos seguintes termos:
O direito disciplinar da função pública é qualitativamente diferente do direito penal.
O direito penal protege os valores correspondentes aos interesses comuns essenciais da comunidade estadual: bens jurídicos fundamentais para o livre desenvolvimento ético e social da pessoa e bens jurídicos organizativos, sociais e colectivos, que asseguram a convivência comunitária.
A um núcleo estável de punição penal junta-se a estabilidade de critério na delimitação do objecto da punição penal. Justifica-se pela dignidade penal dos bens jurídicos protegidos e pela necessidade e eficácia da tutela penal.
A esfera de valores protegidos pelo direito disciplinar respeita às relações jurídicas de emprego no seio de uma pessoa colectiva pública.
São refracções da capacidade funcional, prestativa e imparcial da Administração Pública.
O direito penal visa fundamentalmente a prevenção da prática do crime, na perspectiva sobretudo da reinserção social do indivíduo que o praticou.
O direito disciplinar da função pública apela a uma deverosidade funcional e organizacional, delimitada pela relação jurídica de emprego e pelos deveres e obrigações que a traduzem.
A intervenção disciplinar justifica-se pela necessidade de assegurar as obrigações e os deveres do trabalhador na relação jurídica de emprego público.
O direito disciplinar é, como o direito penal, direito sancionatório ou punitivo [mas, ao] contrário do direito penal, não o é exclusivamente. Tem também uma dimensão regulativa e uma dimensão premial.
[…]
Os princípios da legalidade e da tipicidade são princípios do Direito disciplinar e do Direito penal, encontrando neste a sua expressão modelar e naquele uma menor densidade.
Também Raquel Carvalho denuncia essa diversidade, esclarecendo que, «[a]s infracções disciplinares não são típicas. O legislador, e bem, apenas enuncia tipologias de factos (e não factos típicos) que podem guiar o superior hierárquico na densificação dos conceitos legais. Optou portanto e em consequência o legislador por conceder poderes discricionários ao órgão competente para este efeito. Trata-se de matéria em que os titulares dos órgãos administrativos é que estão melhor posicionados para avaliar do comportamento do trabalhador perante os deveres funcionais gerais e, em particular, perante os deveres funcionais especiais. Cria então o Legislador um domínio de reserva da Administração» (Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2012, pp. 72-73).
No mesmo sentido e mais desenvolvidamente até, os glosadores da LGTFP esclarecem o seguinte:
A infracção disciplinar assume-se, porém, como uma infracção atípica, sendo esta justamente uma das características que a distinguem do ilícito criminal.
Na verdade, por força do princípio da legalidade consagrado no art.º 29.º da Constituição e no art.º 1.º do Código Penal, só pode ser qualificado e punido como crime o comportamento que corresponda em todos os seus elementos ao que se encontra descrito na lei vigente à data da prática daquele comportamento. O direito criminal enumera tipos de crimes, o que pressupõe que haja uma predeterminação normativa dessas condutas ilícitas, efectuada através de preceitos legais que, sem qualquer margem para dúvidas, permitam aferir quais os comportamentos que podem ser qualificados como crimes e quais as penas aplicáveis a tais comportamentos. Isso implica a formulação de tipos legais de crime, onde se descrevem detalhadamente todos os elementos constitutivos do comportamento punido por lei, de tal forma que, se não houver uma total correspondência entre os factos praticados pelo agente e os tipificados na norma incriminadora, não ocorre crime nem há lugar à aplicação de qualquer pena.
Em sede disciplinar, não obstante funcionar igualmente, como adiante se verá, o princípio da legalidade, não é possível afirmar que as exigências da tipicidade valham com o mesmo rigor que em sede criminal (v., neste sentido, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 229/2012), pelo que vem-se entendendo que a infracção é atípica, […].
Significa isto que a infracção disciplinar decorre mais da violação de um dever e menos da adopção de uma conduta descrita na lei (descrição essa que pode nem sequer ser efectuada), pelo que a lei enumera os deveres que impendem sobre o trabalhador público e considera ilícito o comportamento que atente contra tais deveres, mesmo que a conduta adoptada não esteja descrita na previsão de qualquer preceito.
A inexistência de tipos rígidos ou definidos com densidade suficiente é regra geral em todo o direito comparado e encontra a sua justificação na incessante busca de eficácia por parte da Administração, seguramente incompatível com a previsão e enumeração de todas as potenciais formas de violação dos vários deveres por parte dos mais diversos trabalhadores públicos, pelo que a tipicidade plena em sede disciplinar conduziria a uma petrificação nada desejável, impedindo a punição das condutas lesivas do interesse público e comprometedoras da eficácia do aparelho administrativo.
[…]
Resultando a infracção disciplinar única e simplesmente da adopção de uma conduta desconforme a um dever enunciado na lei — o que denota que a tipicidade da infracção se limita à descrição genérica do dever que não pode deixar de ser respeitado —, todos os comportamentos que atentem contra o conteúdo de tais deveres são ilícitos, o que significa que os diversos “tipos” enunciados nas diversas alíneas dos artigos 185.º, 186.º, 264.º, n.º 3 e 297.º são meramente exemplificativos, não passando de exemplos-padrão ou de arquétipos de condutas violadoras de deveres disciplinares.
Refira, aliás e em bom rigor, que a tipificação efetuada naquelas alíneas nada tem a ver com a enumeração dos possíveis ilícitos disciplinares — pelo que estes nunca se poderiam restringir aos comportamentos ali tipificados —, mas antes com os possíveis comportamentos a que podem ser aplicadas as diversas penas legalmente previstas, pelo que, em bom rigor, o que no máximo se poderia questionar não é se existem outras infrações para além das ali mencionadas mas, tão só, se as penas ali descritas apenas podem ser aplicadas a tais condutas (Paulo Veiga e Moura / Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do trabalho em Funções Públicas, 1.º volume, artigos 1.º a 240.º, 2014, Coimbra Editora, pp. 541-544).
É, de resto, já longa «a tradição legislativa […] de não tipicizar a ilicitude dos factos», como o denunciaram as vozes da doutrina que se debruçaram sobre esta matéria. Hoc sensu, vide António Esteves Ferminano Rato, «Reflexões sobre o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local: o problema da tipicidade de certas faltas disciplinares: as sujeitas a aplicação de penas graves», Direito Administrativo: revista de actualidade jurídica, n.º 7, Março-Abril 1981, pp. 75 ss.; Manuel Leal-Henriques, Procedimento Disciplinar. Função pública. Outros Estatutos. Regime de Férias, Faltas e Licenças, 4.ª edição, 2002, Lisboa, Rei dos Livros, p. 35¸ Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, 1993, pp. 27 a 32). Já Vítor Faveiro afirmava que, «na maior parte dos casos, as leis não especificam os deveres, limitando-se a definir as funções e os fins do Serviço ou Organização, por forma a caber sempre no conceito de dever tudo aquilo que, sendo legítimo, se mostre necessário à realização dos respectivos fins» («A Infracção Disciplinar», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Separata do Boletim da DGCI n.os 32-33 e 34-35, 1962, p. 36). Daí que a infracção disciplinar seja toda aquela que resulte da «[…] violação ou ofensa de deveres reportados à função ou ao interesse do serviço, deveres que na sua maioria são inominados, sem individualização e sem predeterminação dos factos ilícitos, ou enumeração de elementos suficientes para um conceito de tipicidade […]» (idem, ibidem, p. 37). E concluía o mesmo autor, mais adiante, que «a infracção disciplinar não carece da formulação de uma tipologia de factos lícitos [sendo] constituída por toda e qualquer violação de deveres inominados» (idem, ibidem, p. 60).
E, como também ensinava Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, vol. ii, 10.ª ed., reimpressão, 2013, p. 810), «[…] é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação». E, mais adiante: «pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal: a infracção disciplinar é atípica».
De tal sorte se sedimentou tal orientação normativa, com respectiva reverberação na dogmática lusa, que mesmo noutros ramos de direito (seja no Direito Penal, seja mesmo no Direito Constitucional) algumas sensibilidades doutrinárias deram conta das menores exigências de tipicidade no direito disciplinar.
Assim, como diz Américo Taipa de Carvalho (Direito Penal, Parte Geral, 2.ª ed., 2008, Almedina, p. 147), «[d]iferentemente do direito penal, e até do direito de ordenação social, o direito disciplinar utiliza, na definição das infracções disciplinares, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, excepto no caso da menos grave das infrações disciplinares em que há apenas a cláusula geral».
Mesmo os tratadistas de Direito Constitucional reconhecem que «[…] a regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º (“nullum crimen, nulla poena, sine lege”), só vale, “qua tale”, no domínio do direito penal, pois, nos demais ramos do direito sancionatório (“maxime”, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau, não tendo as infracções que ser inteiramente tipificadas, […]» (Jorge Miranda / Rui Medeiros, «Artigo 47.º», Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Introdução geral. Preâmbulo. Artigos 1.º a 79.º, 2.ª edição, 2010, Coimbra Editora, pp. 968 e 969).
2.2.4. Essa abertura conceptual foi já abordada pelos órgãos de cúpula das diversas jurisdições nacionais.
Assim foi, desde logo, pelo Tribunal Constitucional, a propósito de uma suposta inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade na vertente da derrogação da tipicidade sancionatória, por apelo a um paralelismo com o princípio da tipicidade da lei penal. E se, num primeiro momento se pronunciou no sentido de que as normas de direito disciplinar que prevejam medidas expulsivas (maxime a pena de demissão) têm de conter um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos a que elas podem aplicar-se (Acórdão n.º 666/94, de 14-12-1994, processo n.º 307/91), o Tribunal Constitucional viria entretanto a mitigar o juízo de censura quanto à tipicidade disciplinar, nomeadamente reconhecendo que «a caracterização do ilícito disciplinar, de modo a desejavelmente poder abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis, exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo», sendo importante que a norma contenha «critérios de decisão para a aplicação da sanção» (Acórdão n.º 384/2003, de 15-07-2003, processo n.º 40/03).
E, mais recentemente até (Acórdão n.º 229/2012, de 12-05-2012, processo n.º 82/10), o mesmo Tribunal Constitucional, reconhecendo ser essa a característica do direito disciplinar, esclareceu não merecer nenhuma censura, à luz da CRP, a técnica legislativa vigente no Direito Disciplinar. Fê-lo nos seguintes termos:
Poderia, porventura, censurar-se a técnica de definição das infracções através do incumprimento de «deveres» em vez da indicação de «factos». Mas é a primeira que é comum a todo o direito disciplinar. E isto porque ela permite maior amplitude na apreciação dos factos (que podem revelar-se mais ou menos complexos) em vista das exigências de adequação material da sanção disciplinar.
Não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no domínio disciplinar com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás nem sequer existe no artigo 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no artigo 32.º a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10). Ainda assim, deve entender-se que, pelo menos no que respeita às infracções mais graves, devem evitar-se conceitos demasiado vagos na definição de tais infracções. […]. No domínio disciplinar mais não se pode exigir.
[…]
Na verdade, em matéria de punição criminal exige-se não só a tipicidade das infracções e das penas, como se exige também uma conexão clara entre ambas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 495). Uma pessoa só pode sofrer uma pena «cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior» (artigo 29.º n.º 1, da Constituição). […].
Este facto torna-se mais notório pelo contraste com o novo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, o qual fixa uma ligação clara entre as infracções e as penas, ou, pelo menos, entre as penas mais graves e os respectivos pressupostos. Delimita, pois, os pressupostos específicos de cada um dos tipos de penas mais graves (artigos 16.º a 19.º).
É necessário sublinhar que aquilo que está aqui fundamentalmente em causa é a questão da existência ou não de um princípio de tipicidade em relação ao direito disciplinar que inclua a conexão directa entre as infracções e as penas.
Ora um tal princípio resulta, no que respeita ao direito criminal, do artigo 29.º, n.º 1, e do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, que exigem a ligação da «sentença criminal» e das «penas» a determinados «pressupostos» que lhes estejam referidos. Mas não existe apoio constitucional semelhante no que respeita ao direito disciplinar: desde logo, o teor da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, ao contrário da mencionada alínea c), não aponta para a mesma exigência de conexão no que respeita a sanções disciplinares e seus pressupostos. E, como vimos, não há no artigo 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante ao artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, que alarga, com as necessárias adaptações, as garantias em processo penal a todos os outros processos sancionatórios.
Não é, pois, possível fazer uma simples transposição do princípio da tipicidade criminal, em todo o seu rigor garantístico, para o domínio meramente disciplinar e, em especial, para o domínio do direito público disciplinar.
[…]
É verdade que deve haver uma equiparação tendencial sob diversos aspectos, ou a respeito de diversos princípios. Neste sentido, dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., p. 498): «É problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensíveis a outros domínios sancionatórios. A epígrafe 'aplicação da lei criminal' e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação directa apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respectivas sanções). Há-de, porém, entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente, o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar.»
Contudo, logo de seguida, ao esclarecerem os princípios que são concretamente aplicáveis nos domínios sancionatórios fora do âmbito penal, Gomes Canotilho e Vital Moreira excluem o princípio da tipicidade (é, aliás, o único princípio que excluem). Dizem literalmente: «Será o caso do princípio da legalidade lato sensu (mas não o da tipicidade), da retroactividade, da aplicação retroactiva da lei mais favorável, da necessidade e proporcionalidade das sanções.» (ob. cit., p. 498.)
Também o Supremo Tribunal Administrativo vem afirmando que o princípio da tipicidade, particularmente em relação às penas não expulsivas, não vale no direito disciplinar com intensidade idêntica à que é reclamada pelo princípio da legalidade na intervenção penal, não sendo, como tal, possível fazer uma simples transposição do princípio da tipicidade penal, em todo o seu rigor garantístico, para o domínio meramente disciplinar e, em especial, para o domínio do direito público disciplinar. Mais afirma aquele Tribunal que no direito disciplinar - por estar ligado à realização das específicas necessidades e interesse do serviço público, tutelando o vínculo específico de lealdade, diligência e eficácia no desempenho de funções no âmbito daquele serviço - diversamente do que se passa no direito penal, utiliza-se, na definição das infracções disciplinares, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, mediante a definição das infracções através do incumprimento de «deveres» em vez da indicação de «factos», considerando-se ilícito o comportamento que atente contra tais deveres, e isso mesmo que a conduta adoptada não esteja descrita na previsão de qualquer preceito. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos de 11-11-2004 (proc. n.º 957/02), de 22-02-2006 (proc. n.º 0219/05), de 23-05-2006 (proc. n.º 0957/02 — Pleno), de 23-09-2010 (proc. n.º 058/10) e, mais recentemente, de 28-03-2019 (proc. n.º 0343/15.9BALSB), todos acessíveis online in http://www.dgsi.pt/jsta.
E é também esse o sentido da orientação reiterada e firme da Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça, que vem reconhecendo que o direito disciplinar tem natureza e finalidades diversas do direito criminal e daí que, naquele, contrariamente ao que sucede neste, se admita em qualquer ilícito o estabelecimento da culpabilidade do agente a título de mera negligência, bem como a existência de deveres inominados ou atípicos, para permitir à Administração atingir os fins que lhe competem e não deixar impunes condutas disciplinarmente relevantes, com o sacrifício da igualdade e da justiça, que a previsão de tipos legais fixos e concretos possibilitaria. É, assim, disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação.
De tal sorte que se deve reconhecer que «[…] a infracção disciplinar é caracterizável como sendo genérica e atípica – pois convoca uma série de potenciais comportamentos que têm como denominador comum a violação dos deveres funcionais aludidos […] –, justificando-se a maior maleabilidade do conceito ali vertido pela multiplicidade de condutas que podem ser tidas como contrárias a esses deveres e pela impossibilidade de os abarcar num tipo disciplinar fechado ou de os descrever por outra forma que não a mera referência a um determinado dever». Neste sentido, vejam-se os Acórdãos de 31-03-2004 (processo n.º 03A1891), 26-02-2014 (proc. n.º 2/13.2YFLSB), 16-12-2014 (proc. n.º 49/14.6YFLSB), 04-05-2017 (proc. n.º 72/16.6YFLSB), 22-01-2019 (proc. n.º 77/18.2YFLSB) e de 21-03-2019 (proc. n.º 78/18.0YFLSB), todos acessíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.
2.2.5. Em suma: infringir disciplinarmente não é mais do que desrespeitar um dever geral ou especial decorrente da função que se exerce. Doutrina e a jurisprudência, como vimos, são unânimes em considerar que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica.
Ora, como vimos, a ora autora, não só reconhece expressamente que «no dia 18 de Setembro de 2018, ocorreram os factos constantes dos art.º 3.° a 28.° dos factos dados como provados […]» [cf. alínea G) das conclusões firmadas na petição inicial], como também, embora alegue ter sido instigada para tanto, inclusive confessa que violou o dever de correcção [cf. conclusão AA) da petição inicial].
E, com efeito, ao longo da descrição factual e temporal inserta naqueles pontos, maxime dos artigos 12.º a 28.º da factualidade tida por assente na deliberação punitiva impugnada, resultam apurados comportamentos e condutas que, efectivamente, infringem os referidos deveres de prossecução do interesse público e de correcção (art.º 73.º, n.os 2, alíneas a) e h), 3 e 10, da LGTFP), já que, como refere o relatório final subscrito pelo Sr. Instrutor, se demonstrou e comprovou que a autora, « […] no dia 18-09-2018, de forma impudente, destemperada, desrespeitosa e desafiadora abordou a M. Juíza Dra. CC., recorrendo a um tom de voz elevado e agressivo no diálogo que manteve com a mesma, insensível às suas ordens reiteradas e dos seus próprios colegas para que regressasse ao posto de trabalho, incitando-a que lhe batesse, perturbando os serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos mesmos [e que] bem sabia que o comportamento adoptado era idóneo a criar na Sra. Juíza (participante) um sentimento de vexame e de humilhação pelo sucedido, acrescido pelo facto de tal decorrido na presença de quase todos os Oficiais de Justiça do Núcleo .......... e de uma senhora Advogada, que por casualidade ali se encontrava e assistiu ao seu desenrolar, tendo a Sra. funcionária persistido nos seus propósitos, indiferente ao desvalor da acção que cometia» [cf. ponto 7) dos factos provados nestes autos].
Por isso, como conclui o acto impugnado na apreciação crítica daquela actuação, demonstra-se que «a Senhora Funcionária ao abordar a Exma. Senhora Juíza, da forma que se apurou e ao dirigir as expressões descritas desrespeitou as mais elementares regras da educação desafiando, ostensivamente, a autoridade daquela no átrio do tribunal com o intuito de ofender e humilhar a Exma. Magistrada Judicial. É manifesto que a recorrente, infringiu os deveres funcionais a que estava obrigada, em especial o dever de correcção mas também o da imagem dos serviços e do funcionamento daquele Tribunal enquanto órgão de administração da Justiça e como tal deve ser reflexo de serenidade e de respeito por todos os que aí prestam funções, designadamente e em especial pelo juiz enquanto seu titular.
Acresce que, como é evidente os factos da defesa apurados, não eximem a responsabilidade da aqui recorrente, pois ainda que a trabalhadora pretendesse afastar a veracidade do facto de fumar no edifício ou entendesse existir qualquer violação dos seus direitos na distribuição do serviço teria que reagir pelos meios ao seu alcance e nunca abordando, desafiando e humilhando a Mm.ª Juíza do modo como o fez».
Ou seja, os actos provados corporizam uma abordagem insolente, desrespeitosa, com postura emocional e física agressiva, tom de voz exaltado, ignorando as advertências para voltar ao posto de trabalho e falar mais baixo, desvalorizando uma eventual queixa por escrito (inclusive gabando-se de uma putativa impunidade, gozando com o facto de eventuais queixas anteriores terem ficado sem efeito), e até provocando e instigando (debalde) a magistrada a agredi-la fisicamente. Inexiste, assim, qualquer erro sobre os pressupostos de direito, presente que analisado o artigo 89.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na sua actual redacção e, por remissão deste também a LGTFP, do mesmo não se extrai que a violação ou infracção pela arguida de um determinado concreto dever funcional que se mostre enunciado gere, se mostre associada ou implique o seu concreto sancionamento exclusivo com uma certa e específica pena disciplinar, a ponto de esta ver necessariamente soçobrar sua sustentação uma vez se retire a conclusão de que aquele comportamento não integra a violação de tal dever.
Conclui-se, portanto, que os diversos comportamentos faltosos da autora que se mostram descritos revelam, numa avaliação conjunta e unitária, a infracção de ambos os deveres em crise, mostrando-se, assim, devidamente subsumidas as faltas havidas, inexistindo, como tal, erro de direito no juízo punitivo, pelo que, nos termos expostos é de julgar improcedente este fundamento de ilegalidade.
2.2.6. Quanto ao mais, a autora aponta ao acto impugnado, mais do que (ou mesmo em vez de) um verdadeiro erro sobre os pressupostos ou vício de violação de lei, um juízo de desadequação (por desnecessidade) daquelas medidas. Estamos, portanto, perante vício diverso e que se prende com a suposta desproporcionalidade das medidas. Para essa sede remetemos, pois, uma mais aprofundada análise.
2. 3. Da violação do princípio da proporcionalidade
2.3.1. Alega a autora, finalmente, que o acto impugnado aplicou uma sanção excessiva padecendo de um erro grosseiro na determinação da pena que deveria ser, quando muito, a multa. Aduz, em defesa a tese de que: i) as circunstâncias especiais que alegadamente rodearam esta situação — atitude das magistradas antes de a autora tomar posse, local de trabalho separado dos colegas, tarefas atribuídas, provocação e desprezo da magistrada no dia dos factos, a circunstância de não se ter tratado de um ataque premeditado, intencional e gratuito contra a magistrada, mas de uma forma de defesa da arguida, perante tal grau de injustiça, desprezo e vexame — levavam à conclusão de que deveria ser aplicada sanção disciplinar inferior à suspensão; ii) na aplicação das sanções disciplinares deve atender-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 184.° a 188.° da LGTFP e à natureza (há serviços de relevância diferente), à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador (quando mais categorizado o funcionário mais exigente é o comportamento exigido - e a autora é uma mera escrivã auxiliar), às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa (diminuído neste caso atentas as circunstâncias do caso concreto), à sua personalidade (não pode ser avaliado por igual o infractor ocasional e normalmente avesso ao incumprimento dos deveres funcionais e aquele que por sistema manifesta tendência para a violação de tais deveres) e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele - o que não foi tido em conta; iii) também tinham de ser apreciadas e relevadas as circunstâncias dos art.ºs 190.° e 191.° do mesmo diploma legal, caso as mesmas tenham lugar, o que também não tomou lugar; iv) ainda que se entenda que deve ser aplicada a pena de suspensão à autora, a pena de suspensão de 45 dias é totalmente desproporcional e excessiva, em face dos factos, até mesmo se considerarmos que no máximo pode ir até aos 90 dias e ainda lhe foi aplicada a pena de transferência naquela comarca, sem meios de transporte públicos regulares e diários, pelo que, na pior das hipóteses, deve ser reduzida a medida da pena (de suspensão) e aplicada, apenas, a suspensão, até porque nada obsta à sua manutenção naquele local, além de que a participante e a magistrada do Ministério Público já não estão no serviço em causa, tendo inclusivamente saído do tribunal alguns colegas da demandante do tribunal, nomeadamente o senhor escrivão de direito; v) a autora é uma pessoa doente, já foi sujeita a 2 transplantes de medula, tem as defesas muito baixas e cansa-se com muito mais facilidade, pelo que, impor-lhe viagens, que podem ir dos 20 km x 2 aos 100 kmx2 por dia, entre a sua residência e o seu local de trabalho, poderá causar-lhe mais problemas de saúde - além de que, devido a esses problemas, pertence a um grupo de risco, até mesmo para efeito da COVID-19; vi) por outro lado, com a saída das magistradas, o ambiente tem sido cada vez melhor e a demandante até já regressou à secção onde exerce funções juntamente com os demais colegas, existindo um bom ambiente de trabalho, tratando-se o evento sub judice de um caso isolado.
Estamos aqui confrontados, nesta fase, já não com um vício de lei por erro sobre os pressupostos da decisão seja de facto, seja de direito: a infracção existiu efectivamente; e as normas convocadas pela entidade demandada foram as correctas. O que agora se pede ao Tribunal é que sindique a concreta medida da pena disciplinar, ou seja, que promova um accertamento judicial da «dosimetria» sancionatória em concreto aplicada ao agente de acção disciplinar administrativa.
Cumpre apreciar e decidir, para o que seguiremos aqui de perto a exposição que esta Secção de Contencioso tem vindo a efectuar com referência a este princípio de proporcionalidade (nomeadamente os Acórdãos de STJ de 30-06-2020, proferidos nos processos que correram termos sob os n.os º 3/20.9YFLSB e 46/19.5YFLSB e de 23-09-2020, no processo n.º 44/19.1YFLSB, a que fora apensado o processo n.º 54/19.6YFLSB, acessíveis em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/).
2.3.2. Cumpre deixar estabelecido, como ponto de partida, que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a postular, de forma uniforme, o entendimento de que, na fixação da medida da pena a Administração, embora tenha de respeitar os parâmetros legais, goza de certa margem de liberdade.
Este entendimento decorre, desde logo, da constatação de que «a gravidade da pena a aplicar depende do grau de responsabilidade do agente. Ora, a apreciação desta está entregue ao critério dos titulares do poder disciplinar que a avaliarão de acordo com os conhecimentos da personalidade do infractor e das circunstâncias em que agia. […] Por isso, ao contrário do que sucede no direito criminal, não se estabelece a correspondência rígida de certas sanções para cada tipo de infracção, deixando-se a quem haja de decidir amplo poder discricionário para punir as infracções verificadas» (Marcello Caetano, op. cit., pp. 818 a 820).
Note-se que o alargamento dos poderes de pronúncia do juiz que haja de mover-se nos meandros processuais do contencioso administrativo, decorrente da possibilidade de inclusive emitir pronúncias de condenação dirigidas às autoridades administrativas (cf. artigo 66.º do CPTA), não veio alterar o perfil de controlo da legalidade dos actos da Administração pelos tribunais administrativos, que continua a reger-se pelo princípio da separação de poderes. Fundamental, por isso, é que a pretensão do autor se reporte a um aspecto vinculado do acto administrativo a praticar — ou, pelo menos, que a apreciação do caso concreto permita ao tribunal identificar apenas uma solução como legalmente possível («redução da discricionariedade a zero»).
Por isso, depois de consagrar, no seu artigo 2.º, o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos particulares perante a Administração, o próprio CPTA estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 1, que «no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais […] julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação».
Assim, importa desde logo reter a ideia, resultante do citado artigo 3.º, n.º 1, de que o princípio da plena jurisdição dos tribunais, ali consagrado, não pode ser entendido de modo ilimitado. Na verdade, existem zonas de actuação da Administração em que os tribunais (administrativos e, ex vi artigos 168.º e 178.º do EMJ, também a Secção de Contencioso do STJ) não se podem intrometer. Existe aí, pois, uma reserva de liberdade ou discricionariedade da Administração.
Portanto, ou existem «[…] vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a actuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigúe da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efectivos, ou não há vínculos desses e o tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspectos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais […] – não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável – ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas […]» (Mário Esteves de Oliveira / Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos – volume i e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Almedina, 2006, pág.123).
E porquê aquela reserva de discricionariedade? Precisamente pela razão que o mesmo artigo 3.º, n.º 1, do CPTA evidencia: a necessidade de salvaguardar o princípio da separação de poderes, plasmado no artigo 111.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual «[o]s órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição», e elevado mesmo a limite material da revisão constitucional — cf. artigo 288.º, alínea j), da Lei fundamental. É daí que decorre, tal como este STJ referiu no processo n.º 6/20.3YFLSB, a fixação de limites funcionais aos poderes de controlo dos tribunais da actuação dos órgãos administrativos, independentemente dos meios de que se possam socorrer. Tais limites «[…] concretizam-se através da restrição da fiscalização jurisdicional à esfera da juridicidade, implicando que aos tribunais se atribua apenas competências para aferir da compatibilidade das decisões administrativas com a lei, os princípios gerais de direito e as normas constitucionais que integram o bloco de juridicidade. Ao fazê-lo, não estão a privar a Administração da essência da sua função material, porque esta actua num campo em que é heterodeterminada, aplicando ao caso concreto soluções pré-definidas em normas e princípios jurídicos. Já são, no entanto, de excluir do campo da jurisdição todos os poderes de decisão que englobem questões de mérito, isto é, que impliquem a avaliação da oportunidade e conveniência da actividade administrativa […]» (Fernandes Cadilha, cit., pp. 167 e 168).
2.3.3. No domínio do direito disciplinar surpreendem-se inúmeras manifestações da formulação de valorações próprias da função administrativa ou da margem de “livre” decisão.
Desde logo, é defendida de há muito a existência de um juízo de oportunidade na própria instauração do procedimento disciplinar (Raquel Carvalho, op. cit., pág. 131; Veiga e Moura / Arrimar, op. cit., pág. 597; aludindo a um «princípio de oportunidade temperado ou “discricionariedade vinculada”», vide Ana Fernanda Neves, Direito…, ii, cit., pp. 352 e passim).
Esta tese encontra respaldo normativo expresso no artigo 207.º, n.º 1, da LGTFP, segundo o qual cabe ao órgão competente para instaurar o procedimento disciplinar, uma vez recebida a participação ou queixa disciplinar, decidir se ele deve ou não ter lugar. «Sendo assim, ao poder de “participar” não corresponde, do lado passivo, outro dever que não seja o de receber a participação e sobre ela, proferindo despacho liminar, decidir se instaura ou não o procedimento adequado» (Ac. do STA de 08-06-2000, proc. n.º 41 879).
Além disso, na LGTFP prevêem-se inúmeros espaços de abertura normativa, nomeadamente em sede de preenchimento de conceitos indeterminados, como «prejuízo relevante para o serviço», «sem consequências importantes» (artigo 185.º), «infracção que inviabilize a manutenção do vínculo público» (artigo 187.º) ou, com interesse para o caso dos autos, a propósito da sanção de suspensão, «comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função» (artigo 186.º).
Não se pretende dizer com isso que existem matérias, como a da determinação da medida da pena disciplinar, no âmbito das quais os tribunais não podem exercer qualquer controlo: o que está em causa, sim, e apenas, é a natureza do poder exercido em cada caso pela Administração, o que implica apurar se determinada actuação se mostra (no todo ou em parte) vinculada, isto é, moldada por regras jurídicas que determinam esse concreto modo de agir, ou discricionária, caso em que essa determinação legal não existe.
Tal também não significa obviamente que não existam aspectos que, no exercício da actividade “discricionária”, se mostrem submetidos ao total controlo judicial: eles existem. No entanto, são apenas os aspectos vinculados dessa actividade discricionária (como, por exemplo, a competência) ou os limites externos a qualquer actividade administrativa, tais como os princípios a que a mesma deve obedecer, cuja inobservância ostensiva (no caso da actividade discricionária) é sempre judicialmente sindicável (v. g., o princípio da proporcionalidade).
Assim, o legislador, ao conferir aos tribunais poderes de jurisdição plena (artigos 2.º e 3.º do CPTA), acaba por correspectivamente confiná-los à aplicação da lei e do Direito, vedando aos tribunais a faculdade de se substituírem aos particulares na formulação de valorações que pertencem à respectiva autonomia privada e às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa. A reserva de discricionariedade da Administração Pública, com a consequente insindicabilidade judicial do mérito das medidas e opções administrativas é, pois, corolário imanente do nuclear princípio constitucional da separação de poderes.
Advirta-se, porém, na esteira dos ensinamentos da doutrina mais autorizada que ora se seguem de perto, que o n.º 1 do artigo 3.º do CPTA não opõe legalidade a discricionariedade; contrapõe, outrossim, juridicidade a mérito. Pretende o legislador com isto significar, em bom rigor, não que o sumo de poderes discricionários se encontra fora do domínio jurídico (out of law) ou que a Administração Pública estaria aí submetida apenas a regras de boa administração, ao arrepio de todo e qualquer parâmetro normativo de controlo; ao contrário, o poder discricionário partilha com o poder estritamente vinculado uma característica transversal e seminal: é um poder jurídico.
Daí que, embora se detectem neste domínio momentos próprios da decisão que estão reservados à Administração (pelo juízo de prognose e, porventura, de ponderação de interesses que convocam) e apesar de ser inerentemente limitado o âmbito dos poderes de cognição dos tribunais judiciais no quadro desta margem de livre apreciação administrativa, a verdade é que, também aqui, a actuação administrativa não é livre, antes estando sujeita a critérios jurídicos (discricionariedade ou «livre decisão, que se move num campo de competência e legalidade, não equivale a arbitrariedade, que se move num campo de absoluta liberdade, positiva e negativa» (Rodrigues da Silva, op. cit., pág. 71).
Esses critérios jurídicos são oferecidos, além do mais, pelo artigo 266.º, n.º 2, da CRP, que sujeita toda a actividade administrativa aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Tais princípios concretizam uma objectivação dos critérios jurídicos de controlo do exercício da margem de livre apreciação, conferindo verdadeiros parâmetros de racionalidade a partir dos quais o Tribunal, face à dinâmica factual apurada e a situação concreta que lhe é submetida, afere da respectiva compatibilização com a juridicidade.
Importa, porém, ter presente que o controlo jurisdicional do exercício administrativo de poderes discricionários é um controlo externo e negativo, que apenas permite aos tribunais a anulação da solução adoptada se ela violar os cânones da razoabilidade e racionalidade básicas quer em termos jurídicos, quer em termos de senso comum — mas já proíbe a definição, pela positiva, do caso concreto, substituindo-se à Administração Pública na ponderação das valorações que integram a margem de livre apreciação, salvo nas chamadas situações de redução da discricionariedade a zero, a que alude o n.º 2 do artigo 71.º do CPTA (Maria Francisca Portocarrero, «Aferição judicial ab extra da legalidade do exercício administrativo discricionário», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 66, 2007, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, p. 34).
Daí que a violação dos princípios aludidos no n.º 2 do artigo 266.º da CRP apenas devam determinar a anulação do acto administrativo se for flagrante e ostensiva. Hoc sensu, vide, na doutrina, Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição revista, 2017, Coimbra, Almedina, pág. 490) e Mário Esteves de Oliveira / Rodrigo Esteves de Oliveira (op. cit., pág. 125).
2.3.4. A própria jurisprudência, reiterada e constante, da Secção de Contencioso do STJ vem de há muito postulando precisamente a existência dessa margem de livre apreciação que assiste ao CSM no exercício do poder disciplinar, nomeadamente na emissão do juízo qualificativo dos tipos de infracção e na dosimetria concreta da pena. Vejam-se os Acórdãos de:
a) 12-12-2002 (processo n.º 4269/01), 27-10-2009 (processos n.os 21/09.8YFLSB e 364/09.0YFLSB), 16-11-2010 (processo n.º 451/09.5YFLSB), 16-12-2010 (processo n.º 9/10.6YFLSB), 15-12-2011 (proc. n.º 87/11.0YFLSB), 05-06-2012 (processo n.º 127/11.3YFLSB), 19-09-2012 (processo n.º 10/12.5YFLSB), 18-10-2012 (proc. n.º 125/11.7YFLSB), 21-11-2012 (processo n.º 66/12.0YFLSB), 11-12-2012 (processo n.º 61/12.0YFLSB), 20-03-2013 (proc. n.º 96/13.5YFLSB), 21-03-2013 (processo n.º 15/12.6YFLSB), 26-06-2013 (processos n.os 132/12.2YFLSB e 149/11.4YFLSB), 15-10-2013 (processos n.os 30/13.2YFLSB e 44/13.2YFLSB) [todos acessíveis em “Sumários do Contencioso”, em www.stj.pt];
b) 26-02-2014 (proc. n.º 2/13.2YFLSB), 09-07-2014 (proc. n.º 57/13.4YFLSB), 16-12-2014 (proc. n.º 49/14.6YFLSB), 24-02-2015 (proc. n.º 50/14.0YFLSB), 22-02-2017 (processo n.º 10/16.6YFLSB), 30-03-2017 (processo n.º 73/16.4YFLSB), de 22-01-2019 (processos n.os 65/18.9YFLSB e 77/18.2YFLSB) e 10-12-2019 (processo n.º 2/19.3YFLSB), disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj;
c) 30-06-2020 (processos n.os 3/20.9YFLSB e 46/19.5YFLSB) e 23-09-2020 (proc. n.º 44/19.1YFLSB, a que fora apensado o processo n.º 54/19.6YFLSB), acessíveis em https:// https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli.
2.3.5. Neste domínio de apreciação jurisdicional da “dosimetria” de uma sanção disciplinar, assume particular relevo o princípio da proporcionalidade. Como bem aponta a doutrina da especialidade, «os critérios enunciados para a ponderação discricionária da Administração Pública apontam claramente para uma imposição de proporcionalidade, adequação e necessidade da determinação da pena disciplinar. Trata-se da prática de actos de poder público que limitam os direitos dos trabalhadores e que portanto se devem sujeitar às garantias do princípio da proporcionalidade. A actividade de escolha e medida das penas é uma actividade claramente discricionária mas não arbitrária. O legislador aponta alguns critérios mas não fecha mesmo aqui a porta à consideração de circunstâncias que in casu sejam relevantes para a escolha mais justa e proporcional: “todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”» (Raquel Carvalho, op. cit., pp. 90 e 91).
Dito por outras palavras:
[…] da conjugação dos princípios constitucionais da prossecução do interesse público e da proporcionalidade há-de resultar que a pena disciplinar a aplicar […] seja sempre a “justa medida” reclamada para salvaguarda desse mesmo interesse público, o que necessariamente implicará que a sanção efectivamente aplicada ou a aplicar seja necessária a acautelar as exigências disciplinares do serviço, adequada a esse mesmo efeito e proporcional ou equilibrada face aos interesses em presença, […]
Não obstante a Administração gozar de uma certa discricionariedade na eleição da pena a aplicar em concreto […], não se pode esquecer que os poderes discricionários conhecem limites, dados, justamente, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade. Assim sendo, este princípio impede a livre discricionariedade da Administração para eleger a sanção, pelo que […] o exercício do poder disciplinar discricionário há-de ser sempre objecto de uma “revisão” posterior por parte do tribunal, destinada a controlar a proporcionalidade da pena […] (Veiga e Moura / Arrimar, op. cit., pág. 597)
Ou, de outro jeito:
O princípio da proporcionalidade é um “limite material à intervenção” sancionatória, um parâmetro essencial da juridicidade da aplicação de medidas sancionatórias, na determinação da necessidade e da escolha da sanção e da sua medida, mas também no âmbito do princípio da culpa, do princípio da tipicidade e da ilicitude.
Estabelecida a relação entre os factos e os recortes qualificantes das normas, apurada a valoração reconducente dos factos a certa infracção disciplinar e à sanção (abstracta) que lhe corresponde, impõe-se a determinação da concreta sanção a aplicar e ou da sanção e da sua medida. Também no Direito Disciplinar da função pública temos dois momentos, duas operações distintas. Há a proporcionalidade na subsunção: a adequação do preenchimento de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais utilizados no recorte infraccional não pode deixar de ser controlada: para cada infracção a lei prevê uma determinada sanção e não a possibilidade de várias sanções para uma mesma infracção. [E, depois, também há] a proporcionalidade no apuramento da concreta sanção. Situamo-nos aqui no plano da ponderação dos “interesses presentes no caso concreto”, da avaliação precisa dos factos, da natureza e gravidade da infracção, do circunstancialismo em que foi cometida, da categoria do funcionário, da sua personalidade, do tempo de serviço ou antiguidade, da intensidade da culpa e da natureza do serviço. (Ana Fernanda Neves, O Direito…, ii, cit., pp. 150 e 151, exposição posteriormente aprofundada a pp. 447 a 453).
2.3.6. De acordo com o labor dogmático e exegético que recaiu sobre este princípio, temos por assente que o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro (adequação) impõe que as medidas adoptadas sejam aptas a realizar o fim ou fins que têm em vista alcançar. A actuação administrativa deve ser, assim, congruente com as circunstâncias do caso e os fins que a justificam, impondo-se uma avaliação causa-efeito entre, por um lado, o meio ou solução propostos, e, por outro lado, o objectivo a atingir. Os critérios da Administração Pública têm de ser possíveis de conduzir ao fim do acto, que, por seu turno, deve coincidir com o fim legal. Assim, quanto à primeira vertente, à questão que se impõe formular («a medida em causa é apropriada ou adequada à prossecução do fim pretendido?»), a resposta deverá levar em conta que «[…] a medida restritiva só será liminarmente invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado com a restrição […]» (Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 168).
Por seu lado, o princípio da necessidade exige que se escolha, de entre todos os meios idóneos e de igual modo aptos a prosseguir o fim visado, aquele que produza um efeito menos restritivo. A medida administrativa deve ser necessária para o cumprimento dos fins que determinam a actuação pública, de tal sorte que a Administração só deve sacrificar o direito do particular quando tal se revele indispensável para a prossecução do interesse público. Está em causa aferir se existem porventura outras medidas idóneas que sejam menos lesivas dos vários interesses em presença. Destinado a detectar actuações excessivas, «[…] o princípio da proporcionalidade assume-se como um princípio comparativo, obrigando à realização de um confronto entre diferentes meios: entre o meio efectivamente utilizado e outros meios hipoteticamente disponíveis para alcançar o fim almejado pelo legislador (e constitucionalmente almejado). O problema agora não é tanto de eficácia do meio eleito pelo legislador como de eficiência ─ da sua eficiência comparada com outros meios, com outras soluções legais, com outras vias de abordar o mesmo problema» (Jorge Miranda / Jorge Pereira da Silva, «Artigo 18.º», in AAVV, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo i, 2.ª edição, coordenação de Jorge Miranda / Rui Medeiros, 2010, pp. 374 e 375).
Por último, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito proíbe a adopção de medidas excessivas ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos. A actuação administrativa deve, nesta perspectiva, ser tomada na justa medida da situação carecida de resolução. A Administração deve pesar a relação entre os benefícios que vai obter para o interesse público e os prejuízos correlativos que vai impor ao particular, exigindo-se que se esteja perante um meio equilibrado. Este princípio põe em confronto os interesses perseguidos com a escolha do procedimento e os bens, interesses ou valores sacrificados por essa decisão, obrigando a verificar se o resultado obtido com a limitação de efeitos configura uma justa medida face ao sacrifício de interesses que a mesma implica. Meios e fim são, assim, «colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim» (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 270). Tal implica o recurso a uma metodologia de ponderação de bens: de um lado, o bem jusfundamental que é objecto de restrição; do outro, o bem constitucional que dir-se-ia justificar essa mesma intervenção restritiva. Esta última vertente só se pode ter por violada se, colocado o julgador perante uma derradeira questão, se confronte com uma resposta necessariamente negativa. E essa questão é a seguinte: o resultado obtido é proporcional à desvantagem que a medida adoptada comporta? Recuperando os ensinamentos da doutrina autorizada a que aludimos a montante, trata-se agora de «apreciar o desvalor do sacrifício imposto […] quando comparado com o valor do bem que se pretende atingir. Assim, ao contrário do que acontecia nos controlos de idoneidade e de indispensabilidade — exclusivamente centrados na apreciação do meio e dando, à partida, como bom, ou pelo menos, inquestionável o fim visado —, na proporcionalidade faz-se necessariamente uma valoração das duas grandezas ou termos da relação em causa, apreciando-se a gravidade da restrição em associação à importância e imperatividade das razões que a justificam» (Reis Novais, op. cit., pág. 181).
2.3.7. Aqui chegados e para que possamos apreciar e indagar da suposta violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes supra aludidas (adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu), importa ter presente o fim visado com a sanção disciplinar. Como tal, cumpre ler a decisão sindicada à luz das finalidades concretas, principal e acessórias, que presidem à censura disciplinar.
É sabido que a sanção disciplinar constitui uma admoestação formal ao trabalhador pelo seu incumprimento. O principal escopo da sanção é, por conseguinte, interpelar o trabalhador, tendo em vista a que não reitere a conduta censurada e actue no cumprimento dos deveres e obrigações laborais e funcionais que sobre si impendem.
Não se trata aqui, porém, de privilegiar em exclusivo (nem sobretudo) uma finalidade repressiva ou retributiva, em que avulte como principal escopo da sanção o de castigar o infractor. Ao invés, a censura disciplinar traduzirá essencialmente um meio de que a Administração Pública se serve para repor o equilíbrio do corpo social momentaneamente alterado pela violação de um ou mais deveres funcionais. Neste conspecto, as medidas disciplinares, indo ao encontro dessa necessidade de reequilíbrio, têm uma função essencialmente preventiva e educativa (Leal-Henriques, op. cit., pp. 118-119).
Assim, as medidas disciplinares visam a protecção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correcção, motivando o agente administrativo que praticou uma infracção disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (Vasconcelos Abreu, op. cit., pág. 43). Os fins essenciais são, portanto, o da prevenção especial, negativa e positiva.
Em suma: o que justifica a punição disciplinar, em primeira linha, é sobretudo o fim de prevenção especial. A aplicação de sanção disciplinar visa evitar que ocorra novo incumprimento de um concreto trabalhador — no limite, pondo termo à relação jurídica de emprego público (Ana Fernanda Neves, Direito Disciplinar…, ii, cit., pp. 513-514). De facto, nalguns casos, a prevenção negativa não comporta senão a cessação da relação de trabalho, mediante a aplicação de sanção extintiva da relação jurídica de emprego. Assim se explica que seja ainda por apelo à finalidade de prevenção especial que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração.
Mas logo a seguir podem ser apontadas outras finalidades, ainda que acessoriamente: a de reprovação e a de prevenção geral.
Na verdade, recuperando aqui os ensinamentos da doutrina da especialidade (idem, ibidem):
A necessidade de punição não é indiferente ao efeito de interpelação e dissuasão geral (função de prevenção geral positiva e negativa): chama a atenção dos demais trabalhadores para o desvalor funcional da conduta do funcionário infractor, demovendo-os da prática de ilícitos disciplinares. […] Em segunda linha, [a sanção disciplinar] é um instrumento mediato de promoção da disciplina organizacional, ao reafirmar os deveres e obrigações de cujo cumprimento fundamentalmente depende.
A confiança a recuperar não é, por vezes, apenas a do interlocutor disciplinar ou titular do respectivo poder (esta não é recuperável nas penas expulsivas), é também a confiança dos elementos da instituição no “acerto” da disciplina vigente (previsibilidade nas actuações futuras; efeito preventivo ou dissuasor da repetição da prática de infracções disciplinares) e, nalguns casos, a compreensão social ante os ecos do exercício da disciplina (inaceitabilidade dos “resultados” da não reacção a acções ou omissões disciplinarmente censuráveis) […].
2.3.8. Das diversas sanções estatutariamente previstas (artigos 85.º e ss. do EMJ), in casu, cumpre analisar a aplicada à autora – a pena de suspensão efectiva, por 45 dias, com transferência – e apurar se a mesma é manifestamente desadequada à gravidade dos factos praticados, tal como assentes.
Tenhamos presente o enquadramento sincrónico e diacrónico da deliberação impugnada, que aplicou a antedita sanção. Nesse conspecto, importa indagar, antes de mais, da proposta elaborada em sede de relatório final, que tinha o seguinte teor [cf. ponto 7) do probatório]:
No caso concreto, a oficial de justiça AA. cometeu, com a prática dos factos indicados na acusação e agora provados, infracção disciplinar, comprovando-se que, no dia 18-09-2018, de forma impudente, destemperada, desrespeitosa e desafiadora abordou a M. Juíza Dra. CC., recorrendo a um tom de voz elevado e agressivo no diálogo que manteve com a mesma, insensível às suas ordens reiteradas e dos seus próprios colegas para que regressasse ao posto de trabalho, incitando-a que lhe batesse, perturbando os serviços e fazendo transparecer para o exterior uma péssima imagem dos mesmos. O que configura, em nossa opinião, um género de comportamento que, pela gravidade que encerra, não pode ser admitido nem contemporizado, infringindo os deveres funcionais que lhe competia observar.
Assim não podemos deixar de concluir, pelas razões acima expendidas, que a Sra. escrivã auxiliar podia e deveria ter adoptado comportamento diferente, pois bem sabia que o comportamento adoptado era idóneo a criar na Sra. Juíza (participante) um sentimento de vexame e de humilhação pelo sucedido, acrescido pelo facto de tal decorrido na presença de quase todos os Oficiais de Justiça do Núcleo .......... e de uma senhora Advogada, que por casualidade ali se encontrava e assistiu ao seu desenrolar, tendo a Sra. funcionária persistido nos seus propósitos, indiferente ao desvalor da acção que cometia.
Por isso, o comportamento adoptado pela Sra. funcionária e constante dos factos provados é censurável e violador dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção.
Na defesa apresentada, a visada contextualiza os factos de forma diversa, justificando os acontecimentos com o recurso ao facto de se sentir discriminada por se encontrar a trabalhar numa sala sozinha a tramitar processos executivos pertencentes ao juízo local cível .........., sem contacto com o público ou com os colegas, acrescida da doença que padece e que altera o seu comportamento. Sucede que, (de acordo com relatório médico), entendemos não ter ficado provado que tal alteração de comportamento, por via da doença de que a Sra. escrivã auxiliar padece, se mantenha na actualidade, e mesmo considerando alguma irritabilidade decorrente do seu estado de saúde, tal não justifica nem pode justificar a postura da visada, que afrontou em pleno átrio do tribunal e de viva voz a M. Juiz, bem sabendo que tal conduta a ofenderia. O seu comportamento traduziu-se numa humilhação e vexame, que por força das funções que a mesma exerce, acrescido pelas pequenas dimensões de meio, é susceptível de afectar a autoridade da Sra. magistrada.
V - DA ESCOLHA E DA MEDIDA CONCRETA DA SANÇÃO DISCIPLINAR:
Na acusação foi anunciada a sanção disciplinar de suspensão, considerando que se tratou de um comportamento doloso.
A nosso ver a sanção proposta mostra-se adequada.
A sanção de suspensão é aplicável aos comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função nos termos do art. 186.º alínea j) da LTFP “Agridam, injuriem ou desrespeitem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, fora dos locais de serviço, por motivos relacionados com o exercício das funções”.
A sanção de suspensão consiste no afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante o período da sanção, num período que varia entre 20 e 90 dias por cada infracção.
Considerando todo o expendido, atendendo aos critérios enunciados no art. 189.° da LTFP, designadamente à categoria da trabalhadora (escrivã auxiliar), ao grau de culpa que, quanto a nás, não se mostra atenuado apesar da referida doença, e que não se verificam atenuantes ou agravantes especiais, parece-nos adequado fixar o período de suspensão em 45 dias.
O art.º 91.º do EFJ aprovado pelo Dec. Lei 343/99 de 26/08 prevê que a aplicação da pena de suspensão, para além dos efeitos previstos na lei geral, possa implicar a transferência do oficial de justiça quando este não possa manter-se no meio que exercia funções à data da prática da infracção, sem quebra do prestígio que lhe é exigível, o que constará da decisão final.
Ora no caso concreto e, apesar das declarações proferidas pelos Sr. Magistrados que anteriormente exerceram funções no Tribunal .........., que descreveram a visada como uma funcionária leal e com um comportamento irrepreensível, entendemos que, face à gravidade do sucedido, se encontram preenchidos os elementos da previsão legal, pelo que deverá ser aplicada a sanção acessória de transferência.
Por seu turno, o COJ deliberou a 24-10-2019 [vide ponto 8) do probatório] aprovar as conclusões do supra citado relatório final, consignando, no que ora importa apurar, o seguinte (novamente, com sublinhados nossos):
Tendo em vista todos os factos provados, com a prática de tais factos e nas circunstâncias referidas no relatório final, a visada AA. violou o dever geral de prossecução do interesse público e o dever geral de correcção, que estava obrigada a observar. Considerando, ainda, os critérios enunciados no art. 189.º da LGTFP, o Plenário deliberou sancionar:
AA., escrivã auxiliar, com o número mecanográfico ......., na sanção de 45 dias de suspensão, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 89.° e 90.° do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ) e art. 73.°, n.os 1,2, als. a) e h), 3 e 10, 180.°, n.º 1, al. c), 181.°, n.os 3 e 4, e 186.° da LGTFP.
No que concerne à execução da sanção, o Plenário, atendendo ao comportamento da Visada caracterizado por um elevado grau de ilicitude e a repercussão do mesmo ao nível da estabilidade do ambiente laboral e da imagem dos serviços, entende que a simples censura do comportamentos a ameaça da sanção não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo, em consequência, deliberado ser aconselhável não suspender a execução da sanção aplicada.
O Plenário deliberou, ainda, nos termos do disposto no art.º 91.°, al. b), do EFJ, determinar a transferência da Visada para outro Núcleo, uma vez que o prestígio que se impõe não se alcança se a mesma se mantiver em exercício de funções no Núcleo .........., onde ocorreu a prática da infracção.
Faz-se constar que o senhor Vogal ……. votou vencido a medida da sanção por considerar que:
“Pese embora entenda que os argumentos apresentados pela visada não constituam causa de exclusão quer da ilicitude quer da culpa, entendo serem causa de atenuação da medida da pena, termos em que entendo ser adequada uma sanção de trinta dias de suspensão.”
Por último, interposto recurso administrativo especial da aludida deliberação do COJ para o CSM, aqui entidade demandada, foi por este deliberado a 15-05-2020 o seguinte [cf. ponto 10) do probatório]:
A conduta da Senhora Escrivã Auxiliar é dolosa, porquanto esta quis afrontar a Senhora Juíza e proferiu as expressões descritas com esse intuito sabendo que com a sua conduta violava o dever de correcção pondo em causa a imagem da Justiça.
De salientar que, a sanção de suspensão é aplicável aos comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função nos termos do art.º 186.º alínea j) da LTFP “Agridam, injuriem ou desrespeitem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, fora dos locais de serviço, por motivos relacionados com o exercício das funções”.
A sanção de suspensão consiste no afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante o período da sanção, num período que varia entre 20 e 90 dias por cada infracção.
Com efeito, somos de concordar com a deliberação do Conselho de Oficiais de Justiça, no que concerne ao grau de culpa e gravidade da conduta, que se tem por elevada, atendendo aos critérios enunciados no art.º 189.º da LTFP e à categoria da Senhora oficial de justiça, escrivã auxiliar.
O art.º 91.º, a) do EFJ prevê que a aplicação da pena de suspensão, para além dos efeitos previstos na lei geral, pode implicar a transferência do oficial de justiça quando este não possa manter-se no meio que exercia funções à data da prática da infracção, sem quebra do prestígio que lhe é exigível.
No caso em apreço considerando, para além do mais, que as expressões foram proferidas junto à secretaria do Tribunal perante outros funcionários e uma Senhora Advogada e que, posteriormente a recorrente ainda se dirigiu aos colegas em tom ameaçador, afigura-se-nos que deverá ser aplicada a sanção acessória de transferência aqui se concordando, igualmente, com a deliberação do COJ.
Acresce que, a circunstância da Senhora Juíza participante já não exercer funções naquele tribunal não invalida a quebra do prestígio que se verificou sendo certo que, a ocorrência dos factos e a sua gravidade não foi apenas uma questão particular da recorrente com aquela Magistrada Judicial atingindo a estabilidade do ambiente laboral e a imagem dos serviços.
Mais se entende que a deliberação de não suspender a execução da multa se impõe atenta a gravidade das infracções e as consequências das mesmas. A própria falta de assunção da culpa, assumida na defesa, revela a falta de interiorização, pelo que o juízo de prognose futura não é positivo não assegurando a suspensão da execução da sanção as finalidades da punição.
IV – Deliberação:
Em face do supra exposto, delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão de aplicar, à Senhora Oficial de justiça AA., a sanção de 45 (quarenta e cinco) dias suspensão, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de correcção, previstos no art.º 73.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e h), e n.os 3 e 10, punível nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, alínea c), 181.º, n.os 3 e 4, e 186.º, todos da LTFP ex vi art.º 89.º do EFJ e a sanção acessória de transferência, prevista no art.º 91.º do EFJ.
2.3.9. Aqui chegados, podemos concluir que o acto impugnado observa o princípio da proporcionalidade na extensão assinalada.
Quanto à vertente do princípio da adequação, essa observância é inequívoca. Na verdade, sendo o propósito das medidas a prevenção de que a autora reiterasse o incumprimento dos deveres funcionais e ainda, acessoriamente, a defesa do prestígio do serviço público da Justiça, julgamos verificada uma relação de causalidade positiva entre o meio e o fim, isto é, reconhecemos um grau sensível de capacidade dos meios (aplicação da pena aqui sindicada) para intervir na realidade jurídica e material no sentido de alcançar os fins propostos (prevenção especial e geral). O mesmo é dizer, as medidas utilizadas pela entidade demandada são aptas à salvaguarda dos fins visados.
Idêntico julgamento se deve ter por referência aos demais critérios que norteiam o princípio sub judice: não só a sanção é necessária a tais desideratos, como o resultado obtido não é desproporcional à desvantagem que a medida adoptada comporta.
Faz-se notar que a sanção tomou em devida linha de consideração i) a gravidade da censura de que a autora foi objecto, associada ii) à natureza e contexto das infracções.
Subjacente à adopção da sanção aplicada, portanto, está um juízo de que as condutas apuradas são manifestamente ofensivas da função pública desempenhada pela autora, bem como o de que a ora demandante agiu com culpa grave e grosseiro desinteresse pelos deveres profissionais.
Todas estas vicissitudes contribuíram para que o COJ, primeiro e a entidade demandada, depois, em juízos de prognose em que não se lobriga qualquer erro manifesto ou palmar, tivessem considerado: i) que a autora, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da administração da justiça no local onde desempenhava funções, dada a repercussão pública de que se rodeou o evento censurado, pelo que a única forma de evitar novo incumprimento de deveres funcionais passava, não pela extinção do vínculo, mas pela aplicação de uma sanção com privação de exercício efectivo de funções associada à sua transferência (finalidade de prevenção especial); ii) que a gravidade das infracções merecia uma censura o mais candente possível dentro da moldura sancionatória aplicável, nomeadamente através da manutenção do vínculo funcional, embora com restrição ao exercício efectivo de funções e da correspectiva percepção de remuneração por um período limitado de 45 dias (finalidade de repressão ou retribuição); e iii) que a confiança quer dos demais elementos da instituição e da administração da justiça, por um lado, quer da própria comunidade em geral, por outro lado, apenas seria recuperada ou recuperável pelo exercício disciplinar que culminasse numa pena de suspensão associada à transferência (finalidade de prevenção geral).
Relembramos que apenas se pretende e pode sindicar, nesta fase, a «dosimetria concreta da pena». E, face à ausência de qualquer «erro manifesto» na escolha da concreta medida da pena, nada podemos neste ponto estabelecer. Se ao Tribunal é possível analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já não lhe compete apreciar a concreta medida da pena, salvo em caso de erro notório ou manifesto, que não ocorreu no caso dos autos.
Assim, não viola o princípio da proporcionalidade a aplicação de pena de suspensão por 45 dias, associada à transferência da autora, que se mostra adequada à gravidade da conduta, aos deveres violados e ao grau de culpa revelado, razão por que soçobra a sua pretensão.
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IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes conselheiros que constituem a secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente acção administrativa.
Custas pela autora, com a taxa de justiça de 6 UC (art.ºs 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 e Tabela I-A, do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se à causa o valor de 30.000,01 € (art.ºs 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, 6.º, n.º 4 do ETAF e 44.º, n.º 1, da LOSJ).
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Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Dezembro de 2020
(Francisco Caetano, relator, em cuja qualidade declara, ao abrigo do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, que o presente acórdão tem voto de conformidade da Exma. Conselheira Maria Olinda Garcia, Exmo. Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, Exmas. Conselheiras Fátima Gomes, Rosa Tching, Conceição Gomes, Paula Sá Fernandes e Maria dos Prazeres Beleza - presidente).