Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1244/15.6T8AGH-A.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO
INTERPELAÇÃO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
CREDOR
PRESCRIÇÃO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / PRAZO DA PRESTAÇÃO.
Doutrina:
- ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 1979, 737.
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, 4.ª edição, 1990, 52.
- I. GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 4.ª edição, 1982, 201.
- L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, II, 2.ª edição, 2003, 158.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, II, 2.ª edição, 1981, 27.
- RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, V, 1973, 246.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 310.º, AL. E), 323.º, N.º S 1 E 2, 781.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26 DE MAIO DE 1992 (DOCUMENTO N.º 080925), ACESSÍVEL, APENAS EM SUMÁRIO, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 29 DE SETEMBRO DE 2016 (201/13.1TBMIR-A.C1.S1) E DE 27 DE MARÇO DE 2014 (189/12.6TBHRT-A.L1.S1), AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário : I. Para o vencimento imediato de todas as prestações, nos termos do art. 781.º do Código Civil, o credor tem de interpelar o devedor.

II. A dispensa do prazo, nessas circunstâncias, está estabelecida em benefício do credor, tendo caráter supletivo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA, mediante embargos de executado, deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, no valor de € 79 875,54, que, desde 3 de dezembro de 2015, a Caixa BB, S.A., também lhe move, na Comarca dos Açores (….), alegando a prescrição do crédito exequendo desde 28 de novembro de 2015, por efeito do disposto no art. 310.º, alíneas e) e g), do Código Civil.

Recebidos os embargos, contestou a Embargada, afirmando que tal regime jurídico jamais poderá ser aplicável ou que o prazo de cinco anos, previsto no art. 310.º do Código Civil, considera-se interrompido desde 13 de dezembro de 2015, e concluindo pela improcedência dos embargos de executado.

Findos os articulados, foi proferido, em 19 de maio de 2016, despacho saneador-sentença, no qual foi julgada parcialmente improcedente a oposição à execução, prosseguindo esta com a dedução do crédito (prescrito) da prestação vencida a 27 de novembro de 2010 e seus acréscimos legais e convencionais proporcionais.

Inconformada com essa decisão, a Embargante apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15 de dezembro de 2016, confirmou integralmente a decisão recorrida.

Ainda inconformada, a Embargante recorreu, em revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) Deveria ter sido declarada prescrita a totalidade da quantia exequenda.

b) Em 3 de dezembro de 2015, já estavam prescritos os créditos da Exequente, por aplicação do regime previsto no art. 310.º, alínea e), do CC.

c) O acórdão recorrido fez incorreta indagação, interpretação e aplicação do direito, violando os arts. 296.º, 298.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, 310.º, alínea e), 323.º, 405.º, 406.º, 781.º e 817.º, todos do Código Civil.


Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão a julgar totalmente procedentes os embargos de executado.


A Embargada não contra-alegou.


A Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por acórdão de 20 de abril de 2017, admitiu a revista excecional, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do mesmo art. 672.º.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


No recurso, está apenas em discussão a prescrição do crédito exequendo.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Estão provados os seguintes factos:


1. No exercício da sua atividade, a Exequente celebrou com os Executados, em 27 de fevereiro de 2008, um contrato de mútuo, no valor de € 20 000,00 (PT 00….), destinado à transferência para a Caixa, mediante a liquidação do capital em dívida, do empréstimo celebrado entre a parte devedora e o Banco CC, para construção de habitação permanente do imóvel hipotecado.

2. Para garantia do capital mutuado, juros e despesas, os Executados constituíram hipoteca sobre o prédio urbano sito na …, Freguesia, concelho da Horta, descrito, sob o n.º 68…. (…), na Conservatória do Registo Predial da Horta, registada a favor da Exequente.

3. Estipulou-se a faculdade da Exequente capitalizar os juros remuneratórios.

4. Os Executados deixaram de pagar as prestações desde 27 de novembro de 2010.

5. Em 30 de novembro de 2015, a dívida cifrava-se em € 23 557,64, assim desdobrada: capital vincendo: € 17 164,42; capital vencido: € 1 992,63; juros: € 2 362,98; juros de mora: € 824,82; comissões: € 1 212,79.

6. O mútuo vence juros à taxa de 1,946 %, a que acresce a sobretaxa de 3 %, a título de cláusula penal.

7. Ainda no exercício da sua atividade, a Exequente celebrou com os Executados, em 27 de fevereiro de 2008, um contrato de mútuo, no valor de € 49 593,19 (PT 00….), destinado à transferência para a Caixa, mediante a liquidação do capital em dívida, do empréstimo celebrado entre a parte devedora e o Banco CC, para construção de habitação permanente do imóvel hipotecado.

8. Para garantia do capital mutuado, juros e despesas, os Executados constituíram outra hipoteca sobre o referido prédio, registada a favor da Exequente.

9. Estipulou-se também a faculdade da Exequente capitalizar os juros remuneratórios.

10. Os Executados deixaram de pagar as prestações desde 27 de novembro de 2010.

11. Em 30 de novembro de 2015, a dívida cifrava-se em € 56 317,90, assim desdobrada: capital vincendo: € 42 561,85; capital vencido: € 4 868,53; juros: € 5 792,13; juros de mora: € 1 658,66; despesas: € 40,71; comissões: € 1 396,02.

12. O mútuo vence juros à taxa de 1,946 %, a que acresce a sobretaxa de 3 %, a título de cláusula penal.

13. A execução foi instaurada a 3 de dezembro de 2015.

14. A Executada foi citada para a execução em 27 de janeiro de 2016.


***


2.2. Delimitada a matéria de facto, com as devidas retificações e expurgada de juízos conclusivos, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente a prescrição do crédito exequendo.

O acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância, que julgara os embargos de executado parcialmente improcedentes, com exceção da prestação vencida em 27 de novembro de 2010 e seus acréscimos legais e convencionais, por efeito da prescrição.

A Recorrente, porém, insurgiu-se contra essa decisão, continuando a sustentar a prescrição total do crédito exequendo, nos termos do disposto no art. 310.º, alínea e), do Código Civil (CC).

Desenhada, de forma genérica, a controvérsia emergente dos autos, impõe-se tomar posição, nomeadamente sobre a prescrição.


Face aos termos concretos da discussão, não há qualquer divergência quanto à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, previsto na alínea e) do art. 310.º do CC, em conformidade com a jurisprudência sufragada pelos acórdãos de 29 de setembro de 2016 (201/13.1TBMIR-A.C1.S1) e de 27 de março de 2014 (189/12.6TBHRT-A.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual “prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos da alínea e) do art. 310.º do Código Civil, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor pré-determinado, englobando os juros devidos”.  

Sendo, assim, de cinco anos o prazo da prescrição, importa averiguar, previamente, do vencimento do crédito exequendo, sendo certo que o direito crédito, emergente de mútuo, era concretizado mediante prestações mensais.

Trata-se, com efeito, de uma questão de direito e, por isso, se eliminou do elenco da matéria de facto, como se aludiu oportunamente, a expressão “vencendo-se a partir dessa data a dívida” (n.º s 4 e 10).


Essa questão reconduz-nos ao art. 781.º do CC, segundo o qual “se a prestação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Esta norma, respeitante ao vencimento antecipado da obrigação creditícia, tem sido interpretada no sentido da exigibilidade imediata, designadamente pela maioria da doutrina. Perante a falta de realização de uma das várias prestações em que se encontra subdividida a obrigação, o credor pode exigir imediatamente a totalidade do crédito.

Na verdade, o devedor, quebrando o elo de confiança que sustenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações futuras (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, 4.ª edição, 1990, pág. 52). A perda do benefício do prazo decorre da possibilidade de insolvibilidade demonstrada pelo devedor ou até da má fé manifestada (L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, II, 2.ª edição, 2003, pág. 158, e RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, V, 1973, 246).

A perda do benefício do prazo corresponde à solução de continuidade, que já vinha do art. 742.º do Código Civil de 1867 (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2.ª edição, 1981, pág. 27).

Faltando o devedor com a realização de uma das várias prestações, o credor, querendo optar pelo vencimento imediato de todas as prestações, tem de notificar o devedor dessa vontade, ou seja, interpelá-lo para a antecipação das prestações vincendas (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 1979, pág. 737).

Diferente, porém, é a posição de I. GALVÃO TELLES, que defende ter sido consagrado o “vencimento automático”, embora reconhecendo que a “solução é má” e manifestando preferência pela faculdade do credor notificar o devedor dessa intenção (Direito das Obrigações, 4.ª edição, 1982, pág. 201).

A norma do art. 781.º do CC tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor.

Também a jurisprudência tem seguido no sentido maioritário da doutrina, citando-se, designadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1992 (080925), acessível, apenas em sumário, em www.dgsi.pt.


Volvendo ao caso concreto dos autos, desde logo, ressalta que as partes não acordaram, nos dois contratos de mútuo, um regime especial sobre a matéria, nomeadamente no sentido do vencimento automático das prestações, pelo que, perante tal omissão, é aplicável o regime supletivo estabelecido no art. 781.º do CC, com o sentido normativo enunciado.

Por outro lado, foi acordada a restituição do capital mutuado mediante prestações distribuídas temporalmente.

O devedor, porém, deixou de pagar as prestações de cada um dos contratos, em 27 de novembro de 2010, tendo o credor proposto a ação, para o cumprimento coercivo da obrigação, em 3 de dezembro de 2015.

No entanto, só com a citação para a ação, o devedor foi interpelado judicialmente do vencimento imediato das prestações vincendas, o que significa que, em 27 de novembro de 2010, apenas se tinha vencido a prestação prevista para essa data, relativa a cada um dos contratos. Deste modo, quando a ação foi proposta, pelo decurso do prazo de cinco anos, apenas se encontrava prescrita a prestação vencida em 27 de novembro de 2010, como foi reconhecido pela decisão da 1.ª instância, já transitada em julgado.

As demais prestações, vencidas com a citação para a ação, não estão prescritas, sendo certo que a prescrição se interrompe, designadamente com a citação, e que, se a citação não for feita dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 323.º, n.º s 1 e 2, do CC).   

Tendo a ação sido proposta em 3 de dezembro de 2015 e interrompendo-se a prescrição a 8 de dezembro de 2015, pois não é imputável ao credor a falta de citação do devedor, no prazo de cinco dias após o propositura da ação, e independentemente da citação ter sido efetuada em 27 de janeiro de 2016, as prestações vincendas, porque ainda não tinha decorrido o prazo de cinco anos, não prescreveram.

A posição diversa da Recorrente assenta no entendimento de que todas as prestações se venceram em 27 de novembro de 2010, quando da falta do pagamento da prestação vencida nessa data.

Esta posição, porém, não pode merecer acolhimento, porquanto a dispensa do prazo, decorrente do disposto no art. 781.º do CC, foi estabelecida em benefício do credor, a usar conforme melhor entenda. Não tendo o credor usado dessa faculdade senão com a instauração da ação, não podia a totalidade do crédito ter-se por vencido em 27 de novembro de 2010 e, nessa medida, estar prescrito, em 27 de novembro de 2015, pelo decurso do prazo de cinco anos.

Assim, à data da propositura da ação, em 3 de dezembro de 2015, apenas se encontrava prescrita a prestação vencida em 27 de novembro de 2010.

Não podendo o pagamento ser recusado relativamente às prestações vencidas depois de 27 de novembro de 2010, mantém-se a validade, nessa parte, da obrigação exequenda e, por consequência, não procede a oposição à execução, com fundamento na prescrição do crédito exequendo.


Nestes termos, não se justifica o provimento da revista, confirmando-se o acórdão recorrido, o qual não violou qualquer norma legal, designadamente as enumeradas pela Recorrente.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Para o vencimento imediato de todas as prestações, nos termos do art. 781.º do Código Civil, o credor tem de interpelar o devedor.

II. A dispensa do prazo, nessas circunstâncias, está estabelecida em benefício do credor, tendo caráter supletivo.


2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

Todavia, gozando do benefício do apoio judiciário, tal pagamento é-lhe inexigível.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.


2) Condenar a Recorrente (Executada) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.


Lisboa, 25 de maio de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza