Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
856/07.6TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
SUB-ROGAÇÃO
SEGURO AUTOMÓVEL
EXCESSO DE VELOCIDADE
MUDANÇA DE DIRECÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
NEXO DE CAUSALIDADE
MOTOCICLO
NEGLIGÊNCIA
CAPACETE DE PROTECÇÃO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL; DIREITO DAS OBRIGAÇÕES; RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III – Recursos, 1982, p. 230 e segs.;
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2007, p. 80;
- Serge Plumelle – Gerard Defrance, Infracode, 1991, p. 88;
- Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 2000, págs. 896 e 916 e segs.);
- A. Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil., p.428;
- Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 2005, p. 126.
Legislação Nacional:
- DL Nº 522/85: ARTS. 21.º; 21.º-A; 23.º; 24.º; 25.º; 29.º, N.º 6 DO DL Nº 522/85;
- CPC: ART. 28.º, N.º 1; 683.º, N.º 1; 456.º, N.º 2, AL. A);
- CÓDIGO CIVIL: 570.º, N.º 1; 566.º, N.OS 2 E 3; 563.º; 494.º;
- CÓDIGO DA ESTRADA: ARTS. 30.º, N.º 1, 35.º, N.º 1; 44.º, N.º 1; 94.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
- 12-09-2013, REVISTA N.º 157/07.0TBVFC.L1.S1, BETTENCOURT DE FARIA (RELATOR);
- 28-05-2009, REVISTA N.º 529/04.1TBPFR.S, CUSTÓDIO MONTES (RELATOR);
- 04-11-2010, REVISTA N.º 45/2000.P1.S1, PEREIRA DA SILVA (RELATOR);
- 11-03-2010, REVISTA REVISTA N.º 697/1999.S1, M.ª PRAZERES BELEZA (RELATORA), DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.DGSI.PT;
- 29-01-2008, REVISTA 3014/07, FONSECA RAMOS (RELATOR);
- 15-12-1998, REVISTA N.º 972/98, QUIRINO SOARES (RELATOR);
- 15-02-2007, REVISTA N.º 4744/06, OLIVEIRA ROCHA (RELATOR)
- 08-10-2013, REVISTA Nº 1585/06.3TBPRD.P1.S1, FERNANDES DO VALE (RELATOR);
- 06-05-2004, REVISTA N.º 1217/04, FERREIRA DE ALMEIDA (RELATOR);
- 21-09-2006, REVISTA N.º 2016/06, FERREIRA GIRÃO (RELATOR);
- 02-11-2006, REVISTA N.º 3559/06, CUSTÓDIO MONTES (RELATOR);
- 16-01-2007, REVISTA N.º 4289/06, NUNO CAMEIRA (RELATOR);
- 15-02-2007, REVISTA N.º 302/07, SALVADOR DA COSTA (RELATOR);
- 22-03-2007, REVISTA N.º 481/07 JOÃO CAMILO (RELATOR);
- 18-10-2007, REVISTA N.º 3084/07, SILVA SALAZAR (RELATOR);
- 25-10-2007, REVISTA N.º 3026/07, SANTOS BERNARDINO (RELATOR);
- 17-01-2008, REVISTA N.º 4527/07, FERREIRA DE SOUSA (RELATOR);
- 16-09-2008, REVISTA N.º 939/08, ALBERTO SOBRINHO (RELATOR);
- 06-10-2008, REVISTA N.º 2362/08 ALVES VELHO (RELATOR);
- 16-10-2008, REVISTA N.º 3114/08, CUSTÓDIO MONTES (RELATOR);
- 30-10-2008, REVISTA N.º 3237/08, OLIVEIRA VASCONCELOS (RELATOR);
- 18-12-2008, REVISTA N.º 2661/08, PIRES DA ROSA (RELATOR);
- 18-03-2010, REVISTA N.º 14/06.7TBPRD.P1.S, ALBERTO SOBRINHO (RELATOR);
- 21-04-2010, REVISTA N.º 691/06.9TBAMT.P1.S1, JOÃO BERNARDO (RELATOR);
- 15-11-2011, REVISTA N.º 880/03.8TCGMR.G1.S1 FONSECA RAMOS (RELATOR);
- 06-12-2011, REVISTA N.º 6461/05.4TVLSB.L1.S1, OLIVEIRA VASCONCELOS (RELATOR);
- 19-04-2012, REVISTA N.º 3046/09.0TBFIG.S, SERRA BAPTISTA (RELATOR);
- 02-05-2012, REVISTA N.º 1011/2002.L1.S1 FONSECA RAMOS (RELATOR);
- 13-09-2012, REVISTA N.º 3695/07.0TJVNF.P1.S1, TAVARES DE PAIVA (RELATOR);
- 26-06-2012, REVISTA N.º 49/07.2TBFLG.G1.S1, ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA (RELATOR);
- 02-12-2013, REVISTA N.º 1939/06.5TBPMS.C1.S1, TAVARES DE PAIVA (RELATOR);
- 21-03-2013, PROC. N.º 760/01.1GAABF.E2.S1, ARMÉNIO SOTTOMAYOR (RELATOR);
- 07-10-2010, REVISTA N.º 839/07.6TBPFR.P1.S1, LOPES DO REGO (RELATOR);
- 24-10-2013, REVISTA N.º 225/09.3TBVZL.S1, MARIA DOS PRAZERES BELEZA (RELATORA);
- 21-02-2013, REVISTA N.º 293-A/1999.G1.S1, SERRA BAPTISTA (RELATOR);
Sumário :
I - Nos acidentes de viação, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro obrigatório válido ou eficaz, a intervenção do FGA e dos responsáveis civis configura uma situação de litisconsórcio necessário passivo.

II - Há entre a obrigação do FGA e a do responsável civil uma solidariedade imperfeita, respondendo ambos, nas relações externas, perante o lesado, mas, nas relações internas, paga a indemnização pelo FGA, este, que era uma mero obrigado subsidiário ou garante perante o lesado, fica sub-rogado nos direitos do mesmo.

II - Por conseguinte, a absolvição dos responsáveis civis, acarreta necessariamente a absolvição do FGA, à luz do art. 683.º, n.º 1, de CPC, uma vez que não pode ficar subrogado no direito do autor sobre aqueles.

III - A questão da existência ou inexistência de seguro válido e eficaz, tem repercussões na determinação de quem deve ser condenado, pelo que, tendo a seguradora sido absolvida em 1.ª instância no pressuposto na inexistência de contrato de seguro válido e eficaz, e concluindo-se, em recurso, no sentido da existência de tal seguro, não transitou em julgado a decisão de absolvição, cumprindo apreciar da sua responsabilidade pelos danos sofridos.

IV - A falta de habilitação para a condução de motociclos por parte do condutor não pode, só por si, ser tomado como contributo para a verificação do acidente, enquanto se não demonstrar o nexo de causalidades entre essa falta de habilitação e o acidente.

V - Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, a sua falta é idónea a causar um agravamento dos inerentes danos provocado, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos.

VI - A liquidação posterior do dano pressupõe, em acções fundadas em responsabilidade civil extra-contratual, a verificação de todos os respectivos pressupostos, inclusivamente do dano, faltando apenas a determinação exacta do montante deste: visa apenas definir o quantum e não o quid (art. 564.º, n.º 2, do CC)
.
VII - Não se apurando o valor exacto do dano, há que recorrer à equidade, para o que, em especial quanto aos danos futuros, são explicitadoras, e meramente orientadoras as tabelas financeiras (art. 566.º, n.º 3, do CC).

VIII - Sempre que a lei imponha o julgamento com base na equidade, a intervenção do STJ está limitada à verificação dos pressupostos e limites do recurso a tal fonte de direito, corrigindo, se for caso disso, o valor arbitrado nas instâncias.

IX - Desconhecendo-se a retribuição do lesado, deve lançar-se mão do valor do SMN à data do acidente e o benefício do recebimento antecipado do capital, que neste caso deve ser graduado em ¼ do valor a atribuir.

X - A falta de uso de capacete é uma das circunstâncias a ponderar quando a responsabilidade se funde em mera culpa (art. 494.º do CC).

X - À luz de tais critérios é ajustada a indemnização de € 42 500 a atribuir ao lesado que ficou com IPP de 40% se, à data do acidente, não se apurou que trabalhasse, tinha 23 anos de idade, não usava capacete, e o condutor do veículo que foi demando nos autos foi responsável em 70% pelo acidente.

XI - Sendo equitativa a atribuição ao mesmo, de indemnização de € 30 000, pelos danos não patrimoniais, sofridos pelas dores e sofrimento tido na altura do acidente, que se prolongaram em razão dos tratamentos e cirurgias a que foi submetido se o mesmo, para lá do longo tempo de incapacidade absoluta, ficou num estado que tem reflexos psicológicos/neurológicos muito graves, que se traduzem em incapacidade de relacionamento, a grande dificuldade que terá em voltar a trabalhar que acarreta, desde logo num plano social, ao nível da diminuição do seu amor próprio, danos que continuará a sofrer ao longo de toda a sua vida.

XII - E, considerando o princípio da proibição da reformatio in pejus, não há que censurar a atribuição, pela Relação, da indemnização de € 20 000 à outra vítima que, tendo 20 anos à data do acidente, ficou em IPP de 10% e de que era desconhecido o montante da retribuição auferido.

XIII - Litiga de má fé o autor que formula o pedido de indemnização pela privação de uso de veículo, deixando de pressupor sua possibilidade de o conduzir, sem alegar que a mesma se destinava ao uso por terceiro, quando, além de não ter habilitação legal, havia sido condenado, com decisão transitada em julgado, por condenação sem tal habilitação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

RELATÓRIO

AA e BB intentaram nas Varas Cíveis do Porto acção declarativa de condenação contra a CC - Companhia de Seguros, SPA, pedindo a condenação desta a pagar ao primeiro autor (AA) a quantia de 101.881,70 €, acrescida de juros de mora, desde a citação, bem como o que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, e ao segundo autor (BB) a quantia de 434.162,00 €, acrescida de juros de mora, a partir da citação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que cada um sofreu no acidente de viação ocorrido em 17-06-2004. no entroncamento formado pela Rua ... e Rua ..., no Porto, e em que foram intervenientes os veículos automóveis -LM - conduzido por DD e cuja responsabilidade civil automóvel  se encontrava transferida para a Seguradora demandada - e o motociclo -ND - este conduzido pelo Autor AA e no qual se fazia transportar o também Autor BB – imputando a eclosão do acidente a culpa exclusiva da condutora do veículo LM.

A CC - Companhia de Seguros, SPA contestou por impugnação, imputando a responsabilidade pelo acidente ao condutor do motociclo ND.

Os AA replicaram.

Após prolação do despacho saneador e discriminação da selecção fáctica relevante (provada e a provar), apresentou a Ré articulado superveniente no qual invocava a caducidade do seguro em 01-06-2004 por efeito da transmissão da viatura, integrada no trespasse do estabelecimento, da sua segurada - EE, SA - a favor de FF, SA.

Admitido e submetido a contraditório o articulado superveniente e alterada a matéria de facto, foi requerida e deferida a intervenção principal, como associados da Ré, da EE, SA; FF, SA; DD e do Fundo de Garantia Automóvel.

Destes contestaram apenas EE, SA, DD e o Fundo de Garantia Automóvel

A primeira sustentando que o veículo LM foi incluído no trespasse do estabelecimento em 01-06-2004 e a inexistência de qualquer vínculo laboral entre ela a a condutora que, a partir daquela data passou a estar ao serviço da trespassária FF, SA.

A condutora DD alegou a sua ilegitimidade, a inexistência de culpa sua no acidente, a prescrição do crédito indemnizatório, a confissão da Seguradora quanto à existência do seguro, a falta de habilitação legal para a condução de motociclos por parte do condutor interveniente no acidente e a falta de uso de capacete de protecção por parte do condutor e passageiro do motociclo, aqui AA e impugnando o alegado trespasse.

O Fundo de Garantia Automóvel, por sua vez, invocou a prescrição do crédito indemnizatório e impugnou o alegado acidente.

Os AA replicaram às contestações dos intervenientes.

Comprovada documentalmente a condenação do Autor AA como autor de um crime de condução ilegal no dia e local do acidente bem como a insolvência da sociedade FF, SA e depois da citação desta na pessoa do respectivo Liquidatário judicial, foi proferido despacho, declarando extinta a instância contra esta interveniente por inutilidade superveniente da lide.

Reformulado o despacho saneador, desatendendo a excepção de ilegitimidade invocada pela interveniente DD e diferindo para a sentença final a apreciação da excepção de prescrição, foi mais tarde reformulada a selecção fáctica relevante, tendo em conta os articulados oferecidos pelos intervenientes e respectivas respostas dos AA.

Após julgamento, foi proferida sentença que decidiu o seguinte:
"Julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente condeno os Intervenientes principais Fundo de Garantia Automóvel e DD a pagar, solidariamente, ao Autor AA a indemnização por danos patrimoniais de €15.582,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral pagamento. Mais condeno, os Intervenientes principais Fundo de Garantia Automóvel e DD a pagar, solidariamente, ao Autor AA a indemnização, por danos não patrimoniais, já atualizada, de €7.000,00 a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença. Mais condeno os Intervenientes principais Fundo de Garantia Automóvel e DD a pagar, solidariamente, ao Autor BB a indemnização, por danos patrimoniais já liquidados no valor de €575,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral pagamento, relegando-se para liquidação prévia a execução de sentença a indemnização devida pela IPP que lhe foi atribuída, a indemnização devida pela necessidade de assistência de terceira pessoa e valor da roupa e calçado danificados no acidente, dentro dos limites do por si peticionado nestes autos. Mais condeno, os Intervenientes principais Fundo de Garantia Automóvel e DD a pagar, solidariamente, ao Autor AA a indemnização, por danos não patrimoniais, já atualizada, de €31.500,00 a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença.
Condeno o Autor AA como litigante de má-fé na multa de 1 UC.
Absolvo a Ré CC-Companhia de Seguros, SPA e a interveniente EE, SA de todos os pedidos.
Custas por Autores e Intervenientes Fundo de Garantia Automóvel e DD, na proporção do respetivo decaimento na parte já liquidada (sem prejuízo dos benefícios de apoio judiciário concedidos aos AA)".

Inconformados, apelaram os autores, a interveniente DD (impugnando também a matéria de facto) e o interveniente Fundo de Garantia Automóvel.

A Relação do Porto, por acórdão de 09-09-2013, deliberou, além do mais, o seguinte:
- Julgar improcedente a apelação interposta pelos autores AA e BB;
- Julgar procedente a apelação interposta pela interveniente DD; e
- Julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo interveniente Fundo de Garantia Automóvel e, mantendo-se no mais o decidido (absolvição dos pedidos da recorrida EE, SA e, necessariamente, da Seguradora CC, SPA e condenação do autor AA como litigante de má fé) substituiu o dispositivo da sentença nos seguintes termos:
Condena-se o Interveniente Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor AA a indemnização por danos patrimoniais de 15.582,00€, a que acrescem juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral pagamento.
Mais se condena o Interveniente Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor AA a indemnização, por danos não patrimoniais, já atualizada, de €7.000,00 a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data da sentença.
Condena-se o Interveniente Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor BB a indemnização, por danos patrimoniais já liquidados, no valor de €575,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral pagamento, relegando-se para liquidação prévia a execução de sentença a indemnização devida pela IPP que lhe foi atribuída, a indemnização devida pela necessidade de assistência de terceira pessoa e valor da roupa e calçado danificados no acidente, dentro dos limites do por si peticionado nestes autos.
Mais se condena o Interveniente Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor BB a quantia que se relega para liquidação prévia à execução de sentença, por danos não patrimoniais, nunca excedente ao valor, já atualizado, de €31.500,00, a que acrescerão juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e sobre o valor liquidado.
Custas por autores e Interveniente Fundo de Garantia Automóvel, na proporção do respetivo decaimento na parte já liquidada (sem prejuízo dos benefícios de apoio judiciário concedidos aos autores).

Novos recursos de revista, agora interpostos, um pelo interveniente Fundo de Garantia Automóvel e o outro pelos AA, AA e BB.

O FGA resume as razões da sua discordância com o acórdão recorrido nas seguintes conclusões:

1. De acordo com o artigo 29°, n,? 6 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, entre o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil há um litisconsórcio necessário e, nessa medida e enquanto compartes, a decisão, decorrente do recurso interposto por um, aproveita necessariamente ao outro, nos termos do artigo 634.° do Código de Processo Civil;

2. Acresce que, conforme decorre do disposto no artigo 210 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, o Fundo de Garantia Automóvel é um mero garante, perante o lesado, da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil;

3. A obrigação do Fundo de Garantia Automóvel não é, portanto, uma obrigação autónoma, nem própria, mas uma obrigação de garantia de um dever primário e principal, pelo que, judicialmente fixado que, em termos definitivos, tal obrigação não existia, também não existia a obrigação de garantia;

4. A absolvição (do responsável civil) ocorreu por razões de índole substantiva, a saber, porquanto se determinou que o seguro celebrado entre a NEIC e a CC encontrava-se, à data do acidente, válido e eficaz, não tendo a interveniente DD qualquer obrigação de indemnizar os Autores, uma vez que essa responsabilidade encontrava-se validamente transferida para a Ré CC;

5. Considerando-se que a interveniente DD não está constituída em qualquer obrigação de indemnização perante os lesados, a fortiori, tal obrigação de indemnização também não se constitui face ao Fundo de Garantia Automóvel;

6. No caso concreto, o tribunal a quo decidiu - bem - pelo reconhecimento da validade e eficácia, à data do acidente, do contrato de seguro celebrado entre a NElC e a CC. Nessa conformidade, decidiu - bem - absolver a interveniente DD do pedido;

7. No entanto, tal entendimento só é compaginável, atentas as razões supra expostas, com a absolvição do Fundo de Garantia Automóvel do pedido.

8. O tribunal a quo, decidindo diversamente, violou o disposto no artigo 634.° do Código de Processo Civil.

9. Impõe-se, portanto, a alteração da decisão ora recorrida no sentido da absolvição do Fundo de Garantia Automóvel do pedido, fazendo-se, assim, justiça

Por sua vez, os AA AA e BB sintetizam a sua discordância nas seguintes conclusões:

1° - O douto acórdão recorrido, na apreciação da apelação da interveniente DD, alterou a matéria de facto, designadamente as respostas aos quesitos 6, 91, 100 e 111 da base instrutória;

2° - Dessas alterações resultou que não ficou provada a transmissão da propriedade do veículo -LM, devendo manter-se a presunção do registo; esse registo, à data do acidente, mantinha-se a favor da EE; pelo que é essa sociedade (interveniente nos autos) a proprietária;

3 - O contrato de seguro celebrado pela entre a R. CC e a interveniente EE e relativo ao veículo -LM era válido à data da ocorrência do acidente de viação dos autos (17/06/2004);

4° - Da referida alteração da matéria de facto resulta caber à R. CC a obrigação de satisfazer as indemnizações devidas aos AA., ora recorrentes, o que aliás o Douto acórdão recorrido também conclui;

5° - Porém, na parte decisória, o acórdão recorrido absolve a recorrente DD e mantém a condenação do interveniente Fundo de Garantia Automóvel com o argumento inatacável de que, relativamente à interveniente DD, condutora do LM, esta beneficia do seguro válido na CC

.6°- Quanto ao Fundo de Garantia Automóvel, conclui o acórdão de que esse interveniente não recorreu quanto à inexistência de contrato de seguro decidida pela 1ª instância e, por isso, aceitou a sua responsabilidade pela reparação dos danos, mantendo a sua condenação;

7° - Para os AA. não é relevante qual a entidade que deve responder pelos seus danos;

8° - O interveniente Fundo de Garantia Automóvel recorreu já do Douto acórdão, defendendo a tese de que a absolvição da interveniente DD, condutora do veículo LM, deve abranger também a sua absolvição, por ser mero garante e por existir seguro válido na R. CC;

9° - Para segurança dos AA, impõe-se equacionar e decidir, nesta última instância, qual a entidade que deve responder pelos seus danos.

10° - Parece mais adequada a tese constante do Douto acórdão deste STJ de 11/03/2010, proferido no processo nº 697/1999 (embora com resultado oposto quanto à entidade responsável, pois, ao contrário do caso destes autos, ficou provada a inexistência de seguro);

11°- Tendo sido condenados em primeira instância os intervenientes DD e FGA, os AA. não tinham interesse em recorrer da absolvição da R. CC, seja a título principal, seja subordinadamente, não sendo a situação dos presentes autos enquadrável no art° 684°-A do CPC .

12°- Como também se aflora no acórdão deste STJ de 11/03/2010, a alteração da matéria de facto que levou à conclusão da existência de contrato de seguro válido, leva à conclusão de que não se pode manter a absolvição da R. CC decidida em 1ª instância;

13°- Em face do recurso da interveniente DD, que vingou, de que levou à conclusão da existência de seguro, não se pode concluir que essa absolvição da R. CC tenha transitado em julgado; deve, pois, a R. CC responder pelos danos dos AA.;

14°- No caso de se entender que a absolvição da R. CC transitou em julgado, então resta manter a condenação do FGA, pois também se teria de concluir, na mesma linha de pensamento, que a sua condenação em 1a instância transitou em julgado, como concluiu o douto acórdão recorrido;

15°- O douto acórdão, no que se refere à responsabilidade pela ocorrência do acidente de viação, manteve a decisão de primeira instância, atribuindo 30% para o Autor AA, condutor do motociclo -ND e 70% para a condutora do veículo ligeiro de passageiros -LM, a interveniente DD da Conceição, mas continuamos a entender que a responsabilidade pelo sinistro pertenceu, em exclusivo à condutora do LM;

16°- Atento os factos provados, quanto à dinâmica do acidente, chega-se à conclusão que a responsabilidade pelo acidente deve ser imputada unicamente à condutora do veículo LM.

17°- A condutora do LM efetuou a manobra de mudança de direção para a sua esquerda, num entroncamento, acabando por embater no motociclo ND, tripulado pejo A. AA;

18°- Esse embate ocorreu na metade direita da Rua ..., atento o sentido do motociclo, no momento em que o ND circulava na Rua ..., de frente para o LM;

19°- O A. AA, condutor do ND, circulava na faixa de rodagem que lhe estava destinada e viu essa faixa ser invadida pelo veículo LM que pretendia mudar de direção para a esquerda;

20°- A condutora do LM, atenta a configuração da Rua ... (reta com, pelo menos, 180 metros), teria necessariamente de avistar o motociclo ND antes de efetuar a manobra de mudança de direção para a esquerda;

21°- Nos termos do arte 300 do Código da Estrada " ... nos entroncamentos o condutor deve ceder passagem aos condutores que se lhe apresentem pela direita.".

22°- Nos termos do nº 1 do art° 35°, do Código da Estrada" ... o condutor só pode efetuar as manobras de mudança de direção em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o transito."

23°- A manobra realizada pela condutora do LM violou os mencionados preceitos legais e foi a única causa que provocou o acidente de viação dos autos; a condutora sabia que a manobra que pretendia realizar implicava invadir a faixa de rodagem por onde seguia o ND;

24°- Se a interveniente DD, condutora do LM, conduzisse de forma prudente e atenta, teria aguardado pela passagem do ND.

25°- Foi a conduta transgressiva da condutora do LM, a única causa que esteve na origem da eclosão do sinistro.

26°- O facto de o recorrente AA não estar habilitado para a condução de motociclos não pode, só por si, ser tomado como contributo para a verificação do acidente;

27°- Impõe-se provar o nexo de causalidade entre a falta de carta e o acidente e não se provou nenhum facto nesse sentido;

28°- Não se provou qualquer facto que sustentasse a atribuição de qualquer percentagem de culpa ao recorrente AA;

29°· Os veículos intervenientes circulavam na mesma via e em sentidos opostos;

30°· No entroncamento, quando os veículos estavam prestes a passar um pelo outro, um deles (o LM, conduzido pela DD), vira de direção para a sua esquerda; intrometendo -se à frente do ND que, perante tal manobra, nada poderia fazer para evitar o embate, ainda que fosse um experiente e habilitado condutor.

31°· Dos factos provados, em relação às sequelas de que o A. BB ficou portador, resulta que este ficou a padecer de uma IPP de 40%;

32°- A maior parte dessas lesões são do foro neurológico e, mesmo que o recorrente BB usasse capacete, sempre sofreria graves lesões crânio-encefálicas, não sendo clinicamente possível determinar o grau de incapacidade permanente de que o A. BB ficasse portador conforme usasse ou não capacete;

33°- Quem alegou a falta de uso do capacete e das consequências daí advenientes foi a primitiva Ré;

34°· Ficou provada a falta de capacete mas já não as consequências dessa falta, tanto assim que a decisão recorrida relega para fixação posterior a indemnização pela incapacidade do A. BB;

35°· O ónus da prova do nexo de causalidade entre a falta de capacete e as lesões do A. BB sempre seria dos RR., nos termos do nº 2 do art° 342° do Código Civil; não o tendo conseguido, os RR. respondem pela totalidade do dano em causa;

36°· Ao relegar tal dano para fixação posterior, a decisão recorrida não respeita a distribuição do ónus da prova acabado de referir, devendo-se, desde já, fixar a indemnização resultante da incapacidade de 40% atribuída ao A. BB.

37°· Refira-se o acórdão do S.T.J. de 15/12/1998, no proc. nº 133/98, nos termos do qual "Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro, isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (condutor de um automóvel que o abalroou, por exemplo), não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à protecção da vítima".

38°- Em relação à indemnização pela IPP de que o 1° A, AA, ficou portador, entendemos que o valor atribuído (€ 20.000,00) é exíguo;

39°- A indemnização destinada a compensar o dano resultante da IPP deve representar um capital que se extinga no fim do tempo provável de vida.

40°- O lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma;

41°- É de ter em conta que as indemnizações pela perda da capacidade de ganho devem considerar a normal progressão dos salários, motivada por dois factores: a inflação (2% no longo prazo) e as promoções profissionais (1 % no longo prazo);

42°- Se o 1° A, AA, se estivesse a trabalhar, auferiria um salário médio de € 750,00/mês, os restantes fatores disponíveis (idade de 20 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 10% e a progressiva baixa da taxa de juros, neste momento inferior a 2% mais adequada à realidade actual) e tendo em conta a inflação previsível, os ganhos de produtividade, atingimos um capital de € 35.000,00;

43°- Quanto ao valor da indemnização por danos não patrimoniais do 10 A AA, o cálculo da decisão recorrida (€ 10.000,00) é baixo para os danos de que o recorrente padeceu e padece;

44°- A indemnização, a título de danos não patrimoniais, deverá compensar o lesado pelos danos físicos e morais sofridos;

45°- Deve atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente;

46°- O recorrente, à data do acidente, tinha apenas 20 anos de idade. Se viver até à idade de 85 anos, tem 65 anos de amargura e de sofrimento;

47°- As incapacidades, as dores e as consequências que ficam dos acidentes de viação constituem, em geral, o fim de uma vida saudável e são ofensas ilícitas à personalidade física e moral das pessoas, direito fundamental consagrado constitucionalmente;

48°- No caso dos autos a contrapartida justa será o valor de € 25.000,00;

49°- Em relação à indemnização pela IPP de que o 2° A, BB, ficou portador (40%), aplicando os mesmos argumentos usados para a fixação da indemnização pela IPP, alegados para o A/recorrente AA, considerando-se que o autor BB, se estivesse a trabalhar, auferiria um salário médio de € 750,00/mês, os restantes fatores disponíveis (idade de 23 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 40% e a progressiva baixa da taxa de juros, neste momento inferior a 2%, mais adequada à realidade atual) e tendo em conta a inflação previsível, os ganhos de produtividade, encontramos um capital de € 120.000,00;

50°- Relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais, sofridos pelo A BB e dando como reproduzidos os critérios mencionados para o A. AA, tendo-se em conta a gravidade das sequelas de que o A BB ficou portador, entendemos que a indemnização justa será de € 60.000,00 e não € 45.000,00, como decidiu o douto acórdão recorrido;

51°- Em relação á condenação do A AA como litigante de má fé, não se provou qualquer facto que sustentasse a atribuição de qualquer percentagem de culpa a esse A; não era ao recorrente AA que competia alegar e provar, quer a falta de habilitação legal para conduzir, quer o nexo de causalidade entre essa falta e o acidente;

52°- O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os arts 30° e 35°, nO 1, do Código da Estrada, o art° 483° do Código Civil, os art° s. 342° n° 2, 496°, nOs 1 e 3, 562° e 564°, do Código Civil e o art? 542, nº 2, do C.P.C ..

Concluem, pedindo o provimento do recurso dos Autores, isto é,

· Condenando a R. CC como responsável pelo pagamento das indemnizações devidas aos AA. ou, sem conceder e em alternativa, mantendo como responsável pelo pagamento dessas indemnizações o interveniente Fundo de Garantia Automóvel;

· Imputando a responsabilidade exclusiva pelo acidente à condutora do veículo LM, DD da Conceição;

· Concluindo pela falta do nexo de causalidade entre a falta de capacete de protecção e os danos do A. BB, atribuindo o ónus dessa prova aos RR.;

· Atribuindo ao recorrente AA a indemnização de € 35.000,00 pela IPP e a indemnização de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais que sofreu;

· Atribuindo ao recorrente BB a indemnização de € 120.000,00 pela IPP e a indemnização de € 60.000,00, pelos danos não patrimoniais e

· Absolvendo o recorrente AA da condenação como litigante de má-fé,

O FGA contra-alegou o recurso interposto pelos AA.

Remetido o processo a este STJ, após a distribuição e o exame preliminar foram corridos os vistos legais,

Nada continua a obstar ao conhecimento dos recursos.

FUNDAMENTAÇÃO

A matéria de facto:

Na Relação – última instância de controle da matéria de facto – e na sequência da alteração aí introduzida nesta sede, ficaram provados os seguintes factos:

1 - A presente ação foi instaurada em 25/5/2007- al. A).

2 - A ré CC foi para ela citada em 29/5/2007 - al. B).

3 - Em 12/10/2009 (registo postal), a Ré CC deduziu o articulado superveniente que consta de fls. 518 a 534 - al. C).

4 - Os autores foram notificados da dedução de tal articulado em 12/10/2009 - al. D).

5 - Os autores deduziram incidente de Intervenção Principal dos chamados EE (NEIC), Fundo de Garantia Automóvel (FGA), FF, SA (CRS), e DD (DD) em 21/10/2009 (registo postal) - al. E).

6 - O FGA foi citado em 22/02/2011 - al. F).

7 - DD foi citada para ele em 24/02/2011 - al. G).

8 - Por Sentença de 25.10.07, transitada em 14.11.07, proferida no Processo Comum 5214 / 04.1TDPRT, da 3ª. Secção, do 3º. Juízo Criminal do Porto, o AA, como autor material de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo art.º 3º., n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de janeiro, foi condenado na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5 Euros.
Tal condenação baseou-se, além do mais, nos factos provados seguintes:
a) No dia 17 de julho de 2004, cerca das 17 horas, o arguido conduziu o motociclo da marca ... modelo … de cor azul com a matrícula - ND na Rua ..., no Porto, sem que se encontrasse habilitado com a necessária carta de condução;
b) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que lhe não era permitido conduzir o referido veículo sem ser titular de carta de condução que legalmente o habilitasse a conduzi-lo;
c) O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei;
d) O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos;
e) Denotou arrependimento - cf. fls. 924 a 937 - al. H).

9 - Os autores nasceram respectivamente em 13/01/1984 e 20/09/1980 (cf. certidões de nascimento de fls. 25 e 39) - al. I).

10 - Os autores são beneficiários da SS nºs ... e …, respectivamente - al. J).

11 - Entre a EE, SA, e a ré CC havia sido celebrado o contrato de seguro titulado pela apólice nº. …, constante de fls. 524 a 526 - al. M).

12 - Ao chegar ao local onde a Rua ... entronca com a Rua …, para onde pretendia dirigir-se, a condutora do LM efectuou a manobra de mudança de direcção para a sua esquerda - resp. quesito 1º;

13 - No dia 17 de Junho de 2004, pelas 20H30, DD conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula -LM, pela Rua ..., no Porto, no sentido Nascente/Poente— resp. quesito 1ºA;

14 - Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, aquele veículo embateu no motociclo ND, marca ..., modelo XT, embate que ocorreu na metade direita da Rua ..., atento o sentido Poente/Nascente, sentido em que seguia o motociclo - resp. quesito 1ºB;

15 - Em consequência deste embate, o LM acabou por se imobilizar à entrada da Rua …, ficando o ND caído no local do embate, tendo o seu condutor, ora 1º autor e o passageiro, ora 2º autor, sido projectados para a frente cerca de 11 metros, em relação ao local do embate - resp. quesito 1ºC;

16 - A Rua ..., no local, configura uma recta, com pelo menos cerca de 180 m de comprimento, com 2 sentidos de marcha e pavimento em paralelepípedos, tendo a faixa de rodagem não menos de 6 metros de largura, inexistindo sinalização a dividi-la a meio e com berma do lado esquerdo e passeio do lado direito (atento o sentido de marcha dos autores) -resp. quesito 1ºD;

17 - No momento em que o motociclo circulava na referida recta, de frente para si - resp. quesito 2º;

18 - O LM embateu com a frente lateral direita na frente do motociclo - resp. quesito 3º;

19 - O motociclo circulava pela metade direita da via, atento o seu sentido de marcha - resp. quesito 4º;

20 - O veículo -LM não consta do Anexo I ao contrato de trespasse (que discrimina os bens transmitidos) e a propriedade do mesmo, à data do acidente, esta registada na Conservatória do registo Automóvel em nome da EE, SA.

21 - Era conduzido pela Eng.ª DD (interveniente), que para a NEIC exercera a sua actividade profissional até ao contrato de trespasse referido na resposta ao quesito 89º e que neste foi abrangida - resp. quesito 7º;

22 - O autor AA havia, antes do acidente, acordado com o anteproprietário GG, conforme o documento de fls. 198 e 1132 e 1133, comprar-lhe o motociclo ND, embora não tenha efetuado o registo na Conservatória - resp. quesito 8º; 

23 - O veículo seguro na ré circulava a uma velocidade não superior a 40 km/hora - resp. quesito 9º;

24 - Pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha - resp. quesito 10º;

25 - Quando se encontrava a cerca de 30/40 m do entroncamento referido em 1, a sua condutora accionou o sinal luminoso de mudança de direcção à esquerda - resp. quesito 11º;

26 - E aproximou o veículo do eixo da via, diminuindo a velocidade - resp. quesito 12º;

27 - O ND era o único veículo que circulava em sentido contrário ao do LM - resp. quesito 13º;

28 - O motociclo circulava a velocidade não inferior a 80 km/hora - resp. quesito 17º;

29 - Não a diminuindo, nem travando - resp. quesito 18º; 

30 - Não se desviando para a sua esquerda - resp. quesito 19º;

31 - Após o acidente, o 1.º autor foi, de imediato, transportado para o Hospital de S. João, onde foi sujeito a diversos exames, nomeadamente RX, tendo-lhe sido diagnosticado ferida corto-contusa do joelho direito - resp. quesito 20º;

32 - Foi submetido a uma intervenção cirúrgica, o que implicou que ali ficasse internado durante 3 dias - resp. quesito 21º;

33 - Após alta hospitalar, regressou a casa, tendo, por causa da lesão no joelho, de se deslocar com a ajuda de canadianas durante cerca de 3 semanas - resp. quesito 22º;

34 - Em consequência das lesões sofridas no acidente e dos tratamentos a que foi sujeito, o autor AA esteve com incapacidade temporária absoluta durante cinco dias e com incapacidade temporária parcial durante 25 dias, tendo a data da consolidação médico-legal das lesões sido fixada em 16/7/2004 - resp. quesito 24º; 

35 - O motociclo ficou muito danificado, ascendendo a sua reparação a 6.823,37 euros - resp. quesito 30º;

36 - Que ainda não foi feita - resp. quesito 31º;

37 - O motociclo encontra-se na Oficina que orçamentou a sua reparação, a qual cobrará 200€ pelo aparcamento - resp. quesito 33º;

38 - O 1.º autor AA está privado do uso do motociclo - resp. quesito 34º;

39 - Após a alta clínica o 1.º autor viu-se afectado de uma incapacidade parcial permanente de 10%, em virtude das sequelas resultantes do acidente, designadamente: Instabilidade dos ligamentos do joelho direito anteroposterior e cicatriz da lesão - resp. quesito 37º;

40 - O 1.º autor sofreu dores consequentes às lesões e tratamentos - resp. quesitos 39º e 40º;

41 - O uso das canadianas lhe causou incómodo e transtornou a sua vida - resp. quesito 41º;

42 - O 1.º autor sente, por vezes, dores no joelho lesionado e dificuldades em caminhar e pegar em pesos - resp. quesito 42º;

43 - Antes do acidente, praticava futebol como amador no ... e, depois passou a praticá-lo apenas com amigos - resp. quesito 43º;

44 - A ré pagou ao 1.º autor, pelo menos, o valor das roupas danificadas no embate, entregando-lhe a quantia de 1.000,00€ - resp. quesito 45ºA;

45 - Após o acidente, o 2.º autor foi de imediato transportado para o Hospital de São João, onde foi submetido a vários exames, nomeadamente RX e TAC - resp. quesito 46º;

46 - Tendo-lhe sido diagnosticado TCE grave com perda de consciência, coma, fractura temporo-parietal direita, fractura de dentes, fractura do arco posterior de X4, fractura cominutiva da extremidade lateral da clavícula esquerda, esfacelo do escroto e traumatismo do joelho direito - resp. quesito 47º;

47 - Entrou nos serviços de urgência daquele hospital apresentando E.C.G.= 13, períodos de discurso incoerente e agitação, anisocoria E>D, laceração perineal com laceração do escroto e exposição testicular (doc. 5) - resp. quesito 48º;

48 - Nesses serviços de urgência, o 2.º autor foi submetido a TC cerebral que mostrava edema difuso com oclusão parcial das cisternas da base e do sistema ventricular; hemorragia subaracnoideia; hematoma extradural agudo frontal; fractura parietal direita; fratura da apófise zigomática à esquerda com ar orbitrário e fractura da paredelateral da órbita esquerda (doc. 5) - resp. quesito 49º;

49 - Foi-lhe colocado cateter de monitorização da PIC para ser submetido a intervenção cirúrgica do foro urológico para correcção da avulsão testicular - resp. quesito 50º;

50 - Em 19/06/2004 repetiu TC cerebral que revelou aumento da colecção hemática extra-axial fronto-parietal com efeito de massa sobre o parênquima adjacente e ventrículo ipsilateral e hemorragia subaracnoideia - resp. quesito 51º;

51 - Foi necessário ainda submeter o 2.º autor a drenagem cirúrgica do hematoma extradural e colocação de novo cateter da PIC - resp. quesito 52º;

52 - Em 02/07/2004 foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia do Hospital de S. João, onde se manteve até ao dia 08/07/2004, data em que lhe foi dada alta, orientado para a Consulta Externa de Neurocirurgia - resp. quesito 53º;

53 - Após alta hospitalar, o 2.º autor regressou a casa, onde permaneceu em repouso absoluto, tendo frequentado consultas ambulatórias de Neurocirurgia, no mesmo hospital, durante cerca de quatro meses, após o que passou a ser acompanhado nos serviços clínicos da R. CC - resp. quesito 54º;

54 - Em consequência do acidente, a roupa e calçado que o 2.º autor usava ficou estragada - resp. quesito 55º;

55 - Em exames e consultas médicas, despendeu a importância de €822,00 (docs. 6 a 10) - resp. quesito 56º;

56 - Em consequência das lesões sofridas no acidente e dos tratamentos a que foi sujeito, o 2.º autor esteve com incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente (17/06/2004), até 30/11/2005 - resp. quesito 60º;

57 - Em consequência das sequelas de que padece não pode exercer atividade profissional que envolva movimentos e esforço como fazer cargas e descargas e está desempregado - resp. quesito 61º;

58 - Dadas as sequelas de que o 2.º autor ficou a padecer, nomeadamente do foro neurológico e psiquiátrico, passou a ter um comportamento violento e agressivo e as suas dificuldades de orientação e prática de atos da vida diária tornam necessária a ajuda de terceira pessoa - resp. quesitos 63º e 65º;

59 - Após a alta clínica, aquele autor viu-se afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, em virtude das sequelas resultantes do acidente, designadamente: Défice mental sem deterioração mental; défice mental e as acentuadas alterações na dimensão amnésica; desempenho pobre na informação geral e pessoal, orientação visuo-espacial imediata, no controlo mental e na memória lógica que poderão criar dificuldades na orientação e controlo das actividades do dia a dia - resp. quesito 66º;

60 - Além de apresentar um quadro clínico compatível com o diagnóstico de Síndrome Pós-Traumático e como sequela definitiva perturbações mentais específicas importantes não psicóticas consequentes às lesões cerebrais sofridas com deterioração do comportamento e requerendo assistência frequente - resp. quesito 67º;

61 - E consolidação viciosa do terço lateral da clavícula com repercussão funcional no ombro esquerdo - resp. quesito 68º;

62 - O 2.º autor sofreu ansiedade e receio das consequências do acidente, dores e sofrimento derivadas das lesões, dos tratamentos e da incapacidade para o futuro, dores que se manterão pela vida fora - resp. quesito 69º;

63 - Sofreu dores violentas, em consequência do acidente, quer de imediato, quer durante o período de I.T.A., durante o qual teve que se submeter a exames médicos, tratamentos e duas intervenções cirúrgicas, com as consequentes anestesias gerais - resp. quesito 70º;

64 - Após o acidente, passou a sentir muitas dores no ombro esquerdo o que o impede de pegar em pesos e de executar tarefas com as mãos acima do nível dos ombros - resp. quesito 71º;

65 - Também passou a sentir muitas dores de cabeça, o que lhe diminui a capacidade de concentração - resp. quesito 72º;

66 - Em consequência do acidente, o 2.º autor apresenta alterações do sono, com insónia inicial e acordares frequentes - resp. quesito 73º;

67 - O comportamento supra referido verifica-se também com familiares e amigos, o que implicou que tivesse sido afastado do seu meio familiar, composto pela companheira e dois filhos menores - resp. quesito 74º;

68 - O 2.º autor passou, em virtude do traumatismo craniano, passou a ter muitas falhas de memória, não se recordando de factos essenciais, como seja o nome dos seus filhos e as respectivas idades e aniversários, passando a ser uma pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrada, ansiosa, tornando-se agressiva - resp. quesito 75º;

69 - O que implica que se sinta frustrado e inútil - resp. quesito 78º;

70 - A ré celebrou com o 1.º autor um acordo, titulado por uma ata de avaliação de prejuízos datada de 17/05/2005 e assinado por este - resp. quesito 81º;

71 - Através desse acordo fixaram em 1000€ o valor dos prejuízos correspondentes, pelo menos, às roupas - resp. quesito 82º;

72 - O 2.º autor BB, no momento do acidente, circulava sem capacete - resp. quesito 83º;

73 - As lesões craneo-encefálicas teriam sido menores se tivesse usado capacete - resp. quesito 85º;

74 - Os salvados do motociclo valiam, à data, 250,00€ - resp. quesito 86º;

75 - O motociclo já tinha 21.456 Km percorridos - resp. quesito 87º;

76 - Tendo na data do sinistro o valor comercial de 2.310,00€ - resp. quesito 88º;

77 - A EE, SA (NEIC) acordou com a FF, SA (CRS), em 1/6/2004, transmitir-lhe a propriedade do seu estabelecimento comercial e industrial, incluindo o respetivo aviamento, maquinaria, trabalhadores, fornecedores e clientela - resp. quesito 89º;

78 - A tal estabelecimento estava afeto e dele fazia parte o veículo -LM - resp. quesito 90º;

79 - O veículo continuou e ainda está registado na CRA em nome da NEIC - resp. quesito 94º;

80 - Nada tendo feito a CRS para o registar em seu nome - resp. quesito 95º;

81 - Motivo por que a NEIC apresentou em 13/7/2009 pedido de apreensão do mesmo - resp. quesito 96º;

82 - A venda, entrega, a falta de registo pelo adquirente e, além do mais, o pedido de rescisão/resolução do contrato de seguro do veículo -LM foram comunicados à ré CC apenas pela carta de 3 de Setembro de 2009 (fls. 531-532), registada em 7 e recebida em 8 seguintes - resp. quesito 97º;

83 - A CRS não providenciou junto da ré por alterar para seu nome o contrato de seguro referido em L) nem de subscrever uma nova apólice junto de qualquer outra Seguradora - resp. quesito 99º;

84 – A Rua … era o local que foi sede na NEIC e onde era recebida toda a sua correspondência - resp. quesito 101º;

85 - Já que esta só em 2010 alterou a sua sede - resp. quesito 102º;

86 - A CRS não encaminhou para a NEIC qualquer correspondência - resp. quesito 103º;

87 - Em 26/09/2008 a NEIC pediu o reencaminhamento da sua correspondência para Lisboa - resp. quesito 104º;

88 - Motivo por que só ao receber, depois, o aviso de pagamento do prémio que se vencia em Julho de 2009, é que se apercebeu que o contrato de seguro respectivo ainda permanecia em vigor - resp. quesito 105º;

89 - De imediato tendo procedido ao pedido de anulação - resp. quesito 106º;

90 - A CRS vendeu a viatura -LM - resp. quesito 107º;

91 - A Chamada Eng.ª DD, no momento do acidente, tinha sido englobada nos trabalhadores objeto do contrato de trespasse entre a NEIC e CRS - resp. quesitos 108º, 109.º e 110º.

Direito

Cumpre agora conhecer os recursos.

Quanto ao recurso do FGA:

Como se depreende da respectiva alegação e das conclusões, o objecto do recurso do Fundo de Garantia Automóvel consiste em determinar se, condenados em 1ª instância, solidariamente entre si, o FGA e a responsável civil no pressuposto de inexistência de seguro válido e eficaz à data do acidente, o entendimento diverso da Relação quanto a esta última questão em recurso interposto pela responsável civil, implica necessariamente a absolvição também do FGA, independentemente de a discordância deste relativamente à decisão que o condenou, se circunscrever à tempestividade do exercício do direito e ao montante da indemnização.

A 1ª instância entendeu que inexistia seguro válido e eficaz à data do acidente e, consequentemente, absolveu a seguradora inicialmente demandada, condenando o FGA e a responsável civil solidariamente no pagamento das indemnizações devidas.

A Relação, porém, perante os recursos interpostos pela responsável civil que, além do mais, defendia a existência de seguro válido e eficaz, e do FGA que sustentava a prescrição do direito à indemnização e o excesso da medida desta, julgou procedente aquele recurso, acolhendo a existência de seguro válido e eficaz, e consequentemente absolveu a responsável civil mas, relativamente ao FGA, manteve a sua condenação por entender que ele havia aceitado a sua responsabilidade pela reparação dos danos e, relativamente à Seguradora, manteve a sua absolvição.

Na presente revista o FGA rebate tal entendimento, defendendo que, constituindo ele e os responsáveis civis um listisconsórcio necessário, beneficia dos efeitos do recurso interposto por qualquer deles.

Apreciando:

Importa, antes de mais, qualificar a relação do FGA e dos responsáveis civis pelo acidente perante o lesado.

Decorre do nº 6 do art. 29º do DL nº 522/85 que a responsabilidade do FGA e do responsável civil, perante o lesado, é solidária entre si pois que, segundo tal preceito, “as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”.

Note-se: quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, a acção de responsabilidade civil deve ser obrigatoriamente intentada contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.

É a própria lei que impõe a intervenção do FGA e dos responsáveis civis (como interessados na relação controvertida), sob pena de, faltando qualquer deles, se verificar a ilegitimidade passiva.

Ou seja, é um litisconsórcio necessário legal (art. 28º nº1 CPC).

Entendimento este que tem sido sufragado pela jurisprudência; assim, a título de exemplo, o Ac deste STJ de 12-09-2013 - “o art. 29.º, n.º 6, do DL n.º 522/85, de 31-12 impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil, sendo que este é – desde logo – o sujeito da obrigação de segurar, independentemente de ter, ou não, a direcção efectiva do veículo” (cfr, Revista n.º 157/07.0TBVFC.L1.S1 - 2.ª Secção, Rel. Cons. Bettencourt de Faria).

Por outro lado, compete ao FGA “satisfazer” as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório…” (art. 21º nº1, 21º-A nº1, 23º nº1 e 2 do DL nº 522/85 de 21/12) e garantir a satisfação das indemnizações (art. 21º nº2, 24º nº1).

Mas o FGA, sempre que satisfaz uma indemnização, fica sub-rogado nos direitos do lesado (art. 25º nº1) – logo, nesta qualidade, pode, tal como o lesado o poderia fazer, demandar os responsáveis civis; e também “as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro poderão ser demandadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente ás quantias que tiveram pago” (art. 25º nº3).

Decorre do exposto que, não tendo o FGA dado causa ao acidente, não é, perante o lesado, um responsável directo e imediato, ou seja, o principal e primeiro responsável.

É antes um responsável de 2ª linha, um garante do responsável directo e imediato: a sua prestação exonera os demais responsáveis perante o lesado mas simultaneamente constitui-o no direito de reaver dos principais responsáveis, por via da sub-rogação nos direitos do lesado, tudo o que prestou.

Quer isto dizer que “há entre a obrigação do FGA e a do responsável civil uma solidariedade imperfeita, respondendo ambos, nas relações externas, perante o lesado, mas, nas relações internas, paga a indemnização pelo FGA, este fica investido nos direitos do credor, podendo pedir do lesante o que pagou ao lesado “ (cfr. STJ 28-05-2009, Revista n.º 529/04.1TBPFR.S1 - 7.ª Secção, Rel. Custódio Montes).

Por isso, também se afirma que o FGA responde subsidiariamente e não como devedor principal ou directo (que é o responsável civil), inexistindo entre o lesante e o FGA uma verdadeira relação de solidariedade passiva; o FGA não é, portanto, um verdadeiro devedor, mas um mero obrigado subsidiário, que se substitui ao devedor originário, na falta de seguro obrigatório para garantir ao lesado o ressarcimento dos danos, ficando, após a satisfação do direito do lesado, colocado no lugar deste, como credor de pleno direito, devido à sub-rogação ocorrida; assim, a responsabilidade do Fundo perante o lesado é meramente subsidiária e de garantia (do lesado e não dos responsáveis civis).

Daí que a responsabilidade do FGA, como garante, deva ser aferida pela existência e pela medida da obrigação garantida (originária), de sorte que, extinta esta (a do responsável civil), com ela se extinguirá também a responsabilidade do garante.

Por isso, e para que a decisão da acção seja harmónica, uniforme e coerente relativamente aos vários sujeitos, é que, em caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes (art. 683º nº1 CPC).

E isto ainda que eles não hajam também interposto recurso ou, tendo-o interposto, nele decaiam por improcedência dos respectivos fundamentos.

Porque, se mesmo em caso de listisconsórcio necessário, a interposição de recurso é livre, reflexo afinal do princípio dispositivo na fase dos recursos, há que encarar as repercussões do possível êxito do recurso sobre os outros compartes (que não recorreram ou cujo recurso improcedeu), ou seja, a extensão subjectiva dos efeitos do recurso.

Debatem-se a este propósito duas soluções:

- segundo o princípio da realidade, os efeitos do recurso são absolutos e estendem-se a todos os compartes vencidos; logo, o êxito do recurso aproveita a todos eles;

- segundo o princípio da personalidade ou da relatividade, os efeitos do recurso afectam apenas os compartes recorrentes e não se comunica aos não recorrentes.

E um dos casos em que funciona o princípio da realidade com extensão automática dos efeitos do recurso aos não recorrentes é o da pré-existência de litisconsórcio necessário entre os co-interessados, independentemente do facto de todos os litisconsortes interporem recurso (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III – Recursos, 1982, p. 230 e segs).

Assim, numa acção com pluralidade de sujeitos em litisconsórcio neessário, repugna ao espírito por incompatibilidade lógica, uma decisão que:

- absolva uns (os responsáveis civis), com fundamento na existência de tal seguro;

- condene outro (o FGA), com fundamento na não impugnação da decisão condenatória proferida no pressuposto da inexistência de seguro.

Incompatibilidade lógica e, mais do que isso, inutilidade, porquanto a absolvição dos responsáveis civis e condenação do FGA inviabilizava o direito de sub-rogação deste nos direitos do lesado contra aqueles e a condenação dos responsáveis civis e a absolvição do FGA comprometia o direito do lesado à indemnização que a criação do FGA pretendeu garantir…

Quer dizer: a situação jurídica das pessoas para quem a (in)existência de seguro válido e eficaz tem implicações jurídicas reclama um regime jurídico uniforme, harmónico e coerente relativamente a todas elas; como escreve A. Geraldes, “o facto de se discutirem interesses incindiveis impede que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes” (cfr. Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2007, p. 80).

A incindibilidade dos interesses do FGA e dos responsáveis civis perante o lesado assenta e decorre apenas do contrato de seguro válido e eficaz: se este existe, está excluída a responsabilidade, se não existe, não podem deixar de responder; o contrato de seguro é que “marca” a comunidade do interesse do FGA e dos responsáveis civis e define o sentido da responsabilização de todos eles perante o lesado.

Aliás, é isso que resulta da etimologia do termo litisconsórcio (litis+cum+sors, sortis), ou seja, pleito, causa, lide (litis), preposição que exprime a ideia de junção (cum) e sorte, resultado (sors, sortis); o litisconsórcio exprime a ideia de reunião de várias pessoas no processo para defesa de interesses comuns, conexos ou afins…ou seja, a ideia de sorte comum na lide

Por via de regra, o recurso produz efeitos tão-somente para o litisconsorte que recorre; todavia, na hipótese de litisconsórcio em que o julgamento haja de ser, forçosamente, de igual teor para todos os litisconsortes, é que se mostra aplicável a norma de extensão da decisão aos litisconsortes não recorrentes (ou aos litisconsortes recorrentes cujo recurso improcedeu).

De outro modo dito, em caso de litisconsórcio necessário, o aproveitamento pelos demais litisconsortes do (resultado) do recurso interposto por um deles, explica-se pelo carácter unitário de tal litisconsórcio que impõe que a situação jurídica tenha de ser decidida harmónica e uniformemente entre os vários litigantes.

O acórdão recorrido, absolvendo – e bem – a responsável civil, manteve, contudo, a condenação do FGA e absolveu a Seguradora – mal, quanto a nós …

O art. 683º nº1 CPC implicava, com o reconhecimento da existência de seguro válido e eficaz, não só a absolvição da responsável civil, mas também necessariamente a condenação da Seguradora (que havia sido absolvida do pedido na 1ª instância por nesta se haver entendido o contrário, isto é, que inexistia seguro válido e eficaz e não obstante não haver sido interposto recurso contra tal absolvição).

Assim, peca por falta de coerência e de uniformidade, uma decisão como a proferida pela Relação no acórdão recorrido que, reconhecendo a existência de seguro válido e eficaz e depois de absolver a responsável civil, condena o FGA e absolve a Seguradora…

Como entendeu este STJ, em acórdão de 04-11-2010: “independentemente da inexistência de seguro, no caso dos autos, a absolvição do pedido, com sentença transitada em julgado, dos responsáveis civis, acarreta necessariamente a absolvição do FGA, uma vez que não pode ficar subrogado no direito do autor sobre os responsáveis civis que é, no caso – e por via da absolvição – inexistente” (cfr. Revista n.º 45/2000.P1.S1 - 2.ª Secção, Rel Cons. Pereira da Silva).

Nesta conformidade, procede o recurso interposto pelo FGA quanto ao aproveitamento por si da absolvição da responsável civil em consequência da existência de seguro válido e eficaz.

Logo, será a Companhia de Seguros CC SA a responder civilmente na medida da comparticipação da condutora do LM para a eclosão do acidente.

Objectar.-se-à que esta Seguradora foi absolvida na 1ª e na 2ª instância e tal absolvição não foi impugnada em recurso; logo, teria transitado em julgado.

A objecção, porém, não procede, porquanto os AA suscitaram a questão da responsabilização da dita Seguradora, por alteração dos pressupostos em que assentou a sua absolvição na 1ª instância que eles não impugnaram por nisso não terem interesse, face à condenação aí do FGA e da responsável civil.

Este STJ já apreciou um caso algo semelhante em que o FGA foi absolvido em 1ª instância no pressuposto da existência de seguro e, não tendo sido interposto recurso dessa decisão, veio a ser condenado em 2ª instância por esta haver entendido inexistir tal seguro; escreveu-se em tal acórdão:
“Não merece assim acolhimento a alegação do Fundo de Garantia Automóvel, quando sustenta ter transitado em julgado e ser portanto definitiva a sua absolvição do pedido, decidida em 1ª Instância.
Em primeiro lugar porque, tendo a primeira instância condenado a Companhia de Seguros, os autores não tinham interesse em recorrer da absolvição dos demais réus, seja a título principal, seja subordinadamente (nº 1 do artigo 680º e nº 1 do artigo 682º do Código de Processo Civil); a medida da indemnização (que impugnaram) seria fixada de igual forma.
Em segundo lugar, porque a situação não é enquadrável no artigo 684º-A do Código de Processo Civil.

A questão da existência ou inexistência de seguro que abranja o acidente dos autos, cuja resolução tem evidentemente repercussões na determinação de quem deve ser condenado nesta acção, é na verdade uma só; ao concluir este Supremo Tribunal no sentido da não abrangência, problema que esteve em discussão na Relação e voltou a ser colocada na revista, falha o pressuposto em que assentaram as absolvições decididas em 1ª Instância, que se não podem manter” (cfr. Ac STJ de 11-03-2010, Rel. M. Prazeres Beleza, disponível em hrrp://www.dgsi.pt).

Por conseguinte, a responsabilidade pelas indemnizações deve ser suportada pela Companhia de Seguros CC, SPA.

Quanto ao recurso interposto pelos AA BB e AA:

O respectivo objecto analisa-se em várias questões que vamos apreciar de seguida:

 - Responsabilidade da CC – Companhia de Seguros SPA;

- Repartição da responsabilidade pela eclosão do acidente;

- Remessa da liquidação da indemnização por danos patrimoniais futuros do Autor BB para decisão ulterior;

- A medida da indemnização do Autor AA por danos futuros (incapacidade permanente parcial)

- Medida da indemnização por danos não patrimoniais;

- Litigância de má-fé do Autor AA.

Apreciemos cada uma destas questões:

- A responsabilidade da CC – Companhia de Seguros SPA:

Sustentaram os AA, a título principal, na sua alegação a responsabilidade desta Seguradora, dada a existência de seguro válido e eficaz em vigor na data do acidente.

Esta questão já foi tratada anteriormente, tendo-se concluído nos termos pretendidos pelos recorrentes: responsabilidade da dita seguradora por via da transferência da responsabilidade civil emergente da circulação do veículo LM cuja apólice era válida e eficaz na data do acidente.

Nada mais há a acrescentar a este propósito.

- Quanto à repartição da responsabilidade civil pela eclosão do acidente:

Questionam os recorrentes BB e AA a repartição de responsabilidades fundada nas culpas concorrentes dos condutores intervenientes no acidente e que as instâncias fixaram em 70% para a condutora do veículo automóvel LM e 30% para o condutor do motociclo ND.

Sustentam, como já haviam feito nas instâncias, a exclusividade da culpa da condutora do veículo e a ausência de culpa do condutor do motociclo.

Da própria ponderação de responsabilidades que fixou a culpa da condutora do LM na proporção de 70% já resulta a maior gravidade da sua actuação.

Só que os recorrentes BB e AA sustentam que ela deveria ser fixada em 100% com a consequente desresponsabilização do condutor do motociclo.

Escreveu-se no acórdão recorrido:
“Como decorre do recurso dos autores – (…) – entendem os mesmos que não está correta a repartição de culpa feita na sentença, porquanto toda essa culpa foi da autora, condutora do veículo automóvel e é irrelevante, nessa repartição, "o facto de o recorrente (condutor) não estar habilitado para a condução de motociclos (pois) não significa que tenha contribuído para a verificação do acidente".
Louvando-nos nos fundamentos da 1.ª instância, a questão, salvo melhor entendimento, reveste-se de alguma simplicidade. Desde logo, o que se apurou foi a culpa concreta de cada um dos condutores intervenientes no acidente. E nesse juízo, o comportamento do recorrente condutor é censurável e causal. Diríamos mesmo, assim melhor caracterizando o sinistro (não desvirtuando os factos apurados mas compreendendo-os na dinâmica do acidente) que o veículo automóvel e o motociclo embateram entre si (e não propriamente que o automóvel, e só ele, haja embatido no motociclo) porquanto é muito claro que, não obstante a interveniente ter invadido a faixa de rodagem contrária, o motociclo não parou nem se desviou desse obstáculo, sendo certo que vinha movido de velocidade excessiva.
Os factos apurados revelam a violação culposa de normas estradais por ambos os condutores, mas igualmente a causalidade da correspondente omissão de cumprimento na produção do embate: invasão da faixa contrária, quando era possível constatar a aproximação de outro veículo; excesso de velocidade, afastando a possibilidade de desviar o motociclo e decisão de não travar. Pouco importa suspeitar dos pensamentos que, naquela ocasião, possam ter percorrido o raciocínio de cada um dos condutores intervenientes (se a condutora pensou que "passava a tempo" ou que o motociclo travava ou se desviava; se o condutor do motociclo cuidou que a condutora não avançava ou, até, se o fazia com mais velocidade e "ainda a tempo" de o motociclo passar) quando indubitavelmente cada um deles teve um comportamento culposo e causal na eclosão do evento.
Diz o recorrente que o facto de não estar habilitado na condução de motociclo não quer dizer que tenha contribuído para a verificação do acidente. Salvo o devido respeito, nada se retira desta afirmação que possa alterar o decidido: o autor não estava habilitado, é certo, mas efetivamente contribuiu para a verificação do acidente, pois ia em excesso de velocidade e não conseguiu imobilizar o seu motociclo nem desviara-se do obstáculo. Se nada disso fizesse (para além de não ocorrer o acidente, presumivelmente), mesmo inabilitado na condução, não seria responsável, em nenhuma percentagem, pelo sinistro, porquanto não teria dado causa (também) ao hipotético acidente. Mas, como se disse, apurou-se a culpa concreta de cada condutor.
Nessa decorrência, não podemos deixar de concordar que a repartição de culpa decidida na sentença, ou seja (no que ora ainda importa) 70% para a condutora do veículo seguro, nada justificando a atribuição de percentagem superior, precisamente na medida em que o comportamento causal do condutor do motociclo também contribuiu para o acidente e consequentes danos daí resultantes. A sentença pondera a efetiva invasão da faixa de rodagem contrária e o inerente aumento do risco de colisão. No entanto, não esquecendo a conduta do condutor do motociclo, atribui à interveniente a percentagem culposa de 70%. Não se justifica mais e pensamos que a sentença decidiu corretamente”.

Quer dizer:

O condutor do motociclo ND não pode ser desresponsabilizado porque, também ele, infringiu preceitos rodoviários, desde logo, imprimindo ao motociclo uma velocidade excessiva para o local (pelo menos, cerca do dobro da aí legalmente permitida - dentro de localidade), o que o impediu de controlar a marcha, travando ou desviando-se, quando se aproximava do local onde o auto-ligeiro efectuava a mudança de direcção para a esquerda.

A velocidade excessiva do veículo que, no entroncamento de vias, goza de prioridade de passagem relativamente ao veículo que aí muda de direcção para a esquerda tem sido, por regra, sempre considerada relevante quando está em causa a responsabilidade civil pelos danos causados nos acidentes ocorridos na execução dessa manobra de mudança de direcção, determinando a repartição de responsabilidades fundada na culpa de cada um dos condutores intervenientes; e, assim, se a do que muda de direcção para a esquerda emerge da inobservância das regras que presidem à realização desta manobra, entre as quais se inclui a falta de respeito pelo direito de prioridade de passagem do veículo que se aproxima em sentido contrário ao que seguia antes de efectuar a manobra e cuja linha de marcha é cortada pelo veículo que muda de direcção (art.s 35º nº1, 44º nºs 1 e 2, 30º nº1 do Cód. Estrada), a deste, por sua vez, decorre da velocidade excessiva que o respectivo condutor imprime à viatura na aproximação de um local em que a prudência e o cuidado mais elementar aconselhavam uma redução de velocidade.

Tal tem sido o entendimento da jurisprudência portuguesa (cfr. por ex. o ac. STJ de 29-01-2008 de que foi Relator o Exº Cons. Fonseca Ramos, acessível na INTERNET através de http://www.dgsi.pt).

Sem descurar a maior relevância da culpa do condutor que muda de direcção à esquerda e cuja execução por implicar o atravessamento da metade da via destinada ao trânsito em sentido contrário com o consequente risco de acidentes com veículos que aí circulem (como, in casu, o motociclo), o certo é que a falta de cuidado dos condutores destes últimos, revelada, por exemplo, pela velocidade excessiva a que rodam tem sido considerada concausal do acidente se bem que numa proporção inferior à da condução do veículo que muda de direcção.

Este critério de repartição de responsabilidade pela eclosão de acidentes de viação ocorridos na execução de manobras de mudança de direcção para a esquerda através do corte da linha de marcha de veículo que roda em sentido contrário ao que trazia o veículo que muda de direcção e do consequente colisão dos veículos tem sido também observado na jurisprudência francesa numa proporção que, grosso modo, coincide com a que tem sido fixada pelos tribunais portugueses (cfr. Serge Plumelle – Gerard Defrance, Infracode, 1991, p. 88).

O acórdão recorrido - que, aliás, a propósito deste problema, manteve o entendimento da 1ª instância - sufragou também tal orientação, repartindo as culpas concorrentes de ambos os intervenientes na proporção de 70% para a condutora do LM e de 30% para o condutor do ND.

E não vemos que, nessa parte, mereça censura.

Quanto à relevância da falta de habilitação para a condução de motociclos por parte do condutor deste, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que o recorrente interpretou mal o acórdão.

Como bem refere o recorrente, tal não pode, sem mais e só por si, ser tomado como contributo para a verificação do acidente, enquanto se não demonstrar o nexo de causalidades entre essa falta de habilitação e o acidente; há pessoas não habilitadas para a condução automóvel que conduzem melhor que muitos “encartados”…

Mas o acórdão recorrido também não estabelece esse nexo de causa e efeito entre a falta de habilitação e a ocorrência do acidente, limitando-se a aludir à possibilidade de tal relação, a partir de meras presunções judiciais lícitas à Relação, como última instância em sede de matéria de facto (por ex., a não realização de qualquer manobra de recurso para evitar o acidente).

Escreveu-se no dito acórdão:

O facto de o 1º autor estar a conduzir sem para tal estar habilitado não terá sido indiferente para a colisão, dado o facto de não ter efetuado qualquer manobra de recurso perante a mudança de direção da condutora do LM de forma a também ele evitar que a colisão se desse, regulando a sua velocidade à possibilidade de ter de se desviar. O dever de reduzir especialmente a velocidade nos entroncamentos respeita a todos os condutores, tenham ou não prioridade de passagem, pelo que, tendo-se provado que o condutor do motociclo circulava a velocidade não inferior a 80 km/ hora, não a diminuindo, apesar de estar perante um entroncamento, tem de se concluir que também ele agiu de forma ilícita e culposa, violadora do disposto no art. 25º nº 1 al. f) do CE. É que, como tem ensinado a melhor doutrina e Jurisprudência, demonstrada a violação de preceito estradal, será de presumir, pelo menos, a negligência do respetivo autor, dispensando-se a prova da culpa em concreto (…).”

Por conseguinte, sendo indiscutível a concorrência de culpas dos condutores intervenientes, não se descortinam razões para alterar a repartição definida pelas instâncias e que fixou a culpa da condutora do LM em 70% e a do ciclomotor ND em 30%.

Remessa da liquidação dos danos patrimoniais futuros para decisão ulterior

Quanto à não fixação de indemnização por IPP ao recorrente BB:

Segundo tal recorrente, a maior parte das lesões por ele sofridas são do foro neurológico e, mesmo que usasse capacete, sempre sofreria graves lesões crânio-encefálicas sem que seja possível determinar as que sofreria, caso usasse capacete ou não.

Sustenta que quem alegou a falta de uso do capacete deveria também ter alegado e demonstrado o nexo de causalidade entre esse facto e as lesões sofridas.

Porque – diz - no caso, ficou provada a falta de capacete mas não as consequências específicas dessa falta; quer dizer, não se distinguiram as lesões que seriam sofridas quer se usasse capacete, quer não se usasse; logo, todas as lesões provadas devem ser consideradas consequência adequada do acidente, tornando irrelevante a falta do capacete.

A questão de saber se - tendo ficado provada a falta de capacete em relação ao autor BB (que ficou portador de uma IPP de 40% e com a maior parte das lesões do foro neurológico), mas não já as consequências dessa falta - justifica a fixação de indemnização por essa mesma incapacidade foi já levada à Relação e tratada no acórdão recorrido.

Aí se escreveu:
“Como se viu, a sentença recorrida relegou para momento posterior a fixação da indemnização devida ao autor BB por ter entendido que se provou a falta de uso de capacete por este demandante, que se provaram as lesões sofridas, decorrentes do acidente, mas que não ficou demonstrado em que medida, em que grau, a falta de proteção dada pelo capacete (que o autor BB não usava) contribuiu para as lesões sofridas”.

Tal como já fizera na apelação, sem êxito, o recorrente insiste na revista pela fixação do montante dessa indemnização, porque, segundo ele, a falta de uso de capacete não foi causal das lesões sofridas (ou, pelo menos, não se demonstrou que o tenha sido); logo, a indemnização deve ser fixada imediatamente, não porque haja elementos de facto que permitam avaliar a contribuição da falta de capacete no agravamento das lesões sofridas, mas, ao invés, porque os não há, isto é, a matéria de facto provada não permite estabelecer, mas também não permite excluir, qualquer relação de causa/efeito entre o não uso do capacete e as lesões sofridas.

Ora, segundo o acórdão recorrido:
“(…) os elementos de facto, atenta a localização das lesões do autor BB indiciam a relevância da falta de capacete, mas o tribunal recorrido não conseguiu estabelecer (mesmo com base na equidade, segundo entendeu) essa medida. O tribunal recorrido diz que há agravamento do dano, mas não sabe em que medida.
Assim, porque consideramos que a falta de capacete de proteção contribui para o agravamento das lesões sofridas, quando inequivocamente estas se localizam na cabeça, falece a pretensão do autor. Efetivamente, não pode dizer-se que a falta de capacete é irrelevante, pois basta pensar-se que a responsabilidade civil visa reparar um dano (artigo 570 do CC: concorrência para a produção ou agravamento dos danos…), e é sempre o dano que está em causa na responsabilidade civil. Em momento posterior será possível apreciar (nomeadamente por prova pericial) a contribuição da falta de capacete para as lesões sofridas”.

O que, afinal, se reconduz à questão do ónus de alegação e de prova.

O art. 94º nº1 do Cód Estrada obriga os condutores e passageiros de motociclos a protegerem a cabeça, usando um capacete de modelo oficialmente aprovado, devidamente ajustado e apertado.

Trata-se de uma norma de natureza preventiva cujo escopo é, em primeira linha, a protecção física dos condutores e passageiros de tal tipo de veículos, particularmente expostos ao risco de acidentes, pelas velocidades elevadas que logram atingir e pela estabilidade precária e ausência natural de protecção característica dos veículos de duas rodas.

Por conseguinte, o fim de tal norma não é afastar, excluir, a responsabilidade dos causadores de acidentes pelos danos por aqueles sofridos quando não façam uso de tal capacete; quando muito, além de proteger os próprios (obrigando-os a usar capacete), obstam ao agravamento da responsabilidade de terceiros.

Nesta perspectiva, o condutor e os passageiros dos motociclos são também responsáveis pela sua própria segurança e, se incumprem essa obrigação, contribuem para o resultado danoso se este ocorrer nas zonas do corpo visadas pela protecção omitida.

Por conseguinte, um dos principais deveres do condutor e passageiro de um veículo é o de velar pela sua própria segurança (utilizando os equipamentos de protecção impostos por lei), protegendo o seu corpo (no caso do capacete, a sua cabeça) e logo, não o expondo (ou reduzindo os riscos decorrentes da exposição) a lesões em caso de acidente.

Só que o não uso, quando tal uso é imposto por lei, é um facto que, por integrar uma violação normativa, se presume culposo…

E desta forma é convocado para a resolução do nosso problema o art. 570º nº1 do CC, na medida em que esse facto culposo do lesado contribuiu para a produção ou agravamento dos danos que sofreu.

É necessário, porém, não confundir a culpa do lesado por não usar capacete com a culpa na eclosão do acidente, pois o nexo causal relativo ao acidente em si que normalmente envolve o condutor não se confunde, ocorrido o sinistro, necessariamente com o nexo causal dos danos propiciados ou ampliados em consequência da infracção decorrente da falta de uso do capacete.

Quer dizer: é necessário não confundir a culpa do lesado na eclosão do acidente com a culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos causados no acidente, sendo que o art. 570º nº1 CC parece reportar-se, não ao acidente em si, mas às consequências danosas que dele resultaram para o lesado.

No caso em apreço, porém, esta questão nem sequer se coloca porque o recorrente BB não era condutor do motociclo; era apenas passageiro, não lhe sendo assacada qualquer responsabilidade n eclosão do acidente.

O facto culposo do lesado pode determinar uma modificação (ou mesmo extinção) da indemnização (art, 570º nº1 CC).

Perante tal alegação, normalmente deduzida por quem é demandado na qualidade de lesante e obrigado a indemnizar, ao lesado competirá alegar a irrelevância da sua infracção e da sua culpa (in casu, falta de uso do capacete) para as lesões verificadas, isto é, que, ainda que utilizasse capacete, se teriam verificado, com a mesma gravidade e extensão, as mesmas ou idênticas lesões.

Escreveu-se no Ac STJ de 15-12-1998, a propósito da questão de saber a quem compete o ónus da prova de que o uso de capacete teria evitado os danos ou os teria mitigado – se a quem alega a falta do capacete, ou ao a quem alega a sua irrelevância:

“Porque o capacete serve para prevenir as lesões na cabeça, em virtude de choque, colisão ou queda do veículo de duas rodas, é lógico pensar, recorrendo ao que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) que, quando, em resultado de um destes sinistros, o condutor ou passageiro do veículo sofrer lesões na parte que devia estar protegida, mas não estava, o capacete teria evitado, senão todas, pelo menos parte das lesões da cabeça; o capacete destinava-se a proteger o condutor ou o passageiro contra o choque, a colisão, a queda, confiando a lei, naturalmente, na sua potencialidade protectora; a quem o não usa, e sofre lesões na zona que ele protege, deverá, então, caber o ónus de provar o contrário daquilo que a lei entendeu como normal consequência do uso, isto é, a prova de que, apesar de tudo, o capacete, nas circunstâncias do caso, não protegeria a cabeça, nem atenuaria os efeitos da pancada por ela sofrida.
Ao réu não cabe, pois, provar que as lesões se não teriam verificado se o lesado tivesse capacete, bastando-lhe provar que a vitima não tinha, efectivamente, capacete; cabe, sim, ao autor o ónus de alegar e provar que, não obstante a falta de capacete, as lesões, com a gravidade atingida, teriam, na mesma, ocorrido caso levasse o capacete protector; qualquer das provas é prova diabólica, mas se ao legislador e aos técnicos que o aconselharam pareceu útil obrigar o uso de capacete, confiando, naturalmente, na eficácia protectora de um tal adereço, justo e conforme às regras gerais de repartição do ónus probatório será, então, fazer carregar sobre os ombros de quem, violando a imposição, sofreu lesões na cabeça, a prova de que, na circunstância, o capacete, mesmo que usado, não teria qualquer utilidade protectora; uma tal alegação funciona como defesa por excepção, relativamente à matéria da culpa imputada, em impugnação motivada, ao autor” (cfr. Proc. 972/98, Rel. Quirino Soares).

E só perante a prova inequívoca e segura de que as lesões sofridas nada têm a ver com o uso do capacete – isto é, de que, usasse ou não o capacete de protecção, sofreria sempre as mesmas ou idênticas lesões – é que é de excluir o nexo de causalidade entre o não uso de tal acessório e as lesões e, por via disso, também a relevância da falta de capacete e, consequentemente ainda também, a culpa do lesado a que alude o art. 570º nº1 CC.

Esta tem sido a orientação dominante neste STJ (cfr. para além do citado Ac. 15-12-1998 também o Ac. 15-02-2007, Revista n.º 4744/06 -2.ª Secção, Rel. Oliveira Rocha).

O ónus de alegação e de prova compete, portanto, ao lesado; e não se tendo ele desempenhado do mesmo – no caso em apreço, o lesado ora recorrente alegou mesmo que usava capacete, logo, negou que o não usasse … - o mesmo é dizer, provando-se que não usava capacete, quid iuris?

A 1ª instância, a este propósito da indemnização por IPP do Autor AA, ponderou o seguinte:

“Contudo, relativamente a este lesado não é possível nesta sede liquidar a indemnização que lhe é devida, mesmo que fixável de acordo com a equidade, pelo simples facto de que se apurou que, no momento do acidente, circulava sem capacete e que as lesões crânio-encefálicas teriam sido menores se tivesse usado capacete. A IPP que lhe foi fixada de 40% engloba a totalidade das lesões que sofreu, não se conseguindo discernir da matéria de facto apurada qual a proporção relativa às lesões crânio-encefálicas, por um lado e, em que percentagem teriam sido menores essas lesões se tivesse usado capacete, por outro. Assim sendo, o montante desta indemnização terá de ser liquidado em incidente prévio à execução, nos termos dos arts 661º nº2e 378º nº2 do CPC”.

Tendo a Relação mantido este entendimento, somos, portanto, levados a concluir que as instâncias consideraram provado que, caso o recorrente usasse capacete de protecção, as lesões sofridas na cabeça teriam sido menores em extensão e gravidade e que o grau de incapacidade definitiva seria inferior.

Trata-se de matéria de facto da competência das instâncias que o Supremo deve acatar.

E porque, subentendido parece estar que a obrigação de indemnização não deve abranger os danos causados ou agravados por facto culposo do lesado (ou deve manifestar-se em montante inferior aos danos), é o apuramento das lesões que o lesado teria sofrido e da incapacidade de que estaria afectado se usasse capacete (logo, lesões e incapacidade hipotéticas) ou, de outro modo dito, e por exclusão de partes, as lesões e incapacidade imputáveis à falta de capacete, que são relegadas para liquidação prévia à execução de sentença.

Ao lado do facto do lesante, o facto culposo do lesado na produção ou no agravamento do dano releva, portanto, para a fixação do montante da indemnização.

Por via da ponderação do facto culposo do lesado, a medida da indemnização deixa de corresponder à diferença entre situações patrimoniais (art. 566º nº2 CC).

Segundo este preceito, “sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data se não existissem danos”.

Mas este princípio geral da indemnização como diferença entre patrimónios é afastado sempre que outras disposições legais impuserem solução diferente; “sem prejuízo do preceituado noutras disposições, …”, reza o preceito.

Uma dessas disposições é a que manda atender à culpa do lesado na ponderação da indemnização; o princípio da culpa do lesado releva, portanto, no cálculo da indemnização (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol I, 2000, p. 916 e segs).

Assim, para além da culpa do lesante, a culpa do lesado acarreta (ou pode acarretar) que a medida da indemnização não corresponda exactamente à diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data se não existissem danos a que alude o art. 566º nº2 CC.

Ora, o art. 570º nº1 CC prevê que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade da culpa de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Não tendo sido discriminados entre os danos provados, quais os concretos danos decorrentes do não uso de capacete e por isso, imputados a culpa do lesado - logo, em princípio, não indemnizáveis ou indemnizáveis em montante inferior – as instâncias, porque tal apuramento não foi possível nem mesmo recorrendo à equidade (art. 566º nº3 CC), entenderam relegar para momento posterior se e a medida em que a indemnização devida ao lesado pode ser reduzida por via daquela sua culpa ao não usar capacete.

Por outras palavras: as instâncias consideraram necessário apurar o grau de incapacidade do recorrente se usasse capacete, já que consideraram provado que, se tal acontecesse, as lesões craneo-encefálicas seriam menores.

E por isso, foi relegada para liquidação prévia à execução de sentença a indemnização devida pela IPP que lhe foi atribuída depois de esclarecida a proporção relativa às lesões crâneo-encefálicas e a percentagem em que essas lesões teriam sido menores se tivesse usado capacete de protecção.

Isto no pressuposto de que, não sendo o lesado culpado na eclosão do acidente, o lesante não responde pelos danos que ele não teria sofrido ou pelo agravamento dos danos sofridos se tivesse usado capacete de protecção.

Mas este entendimento não se coaduna com o fim da norma que impõe a obrigatoriedade de uso de capacete ao condutor e passageiros de veículos de duas rodas; tal finalidade não é excluir e afastar a responsabilidade do lesante em caso de acidentes com lesões nas zonas que deviam estar protegidas e não estavam (por ex, a cabeça).

Invoca o recorrente o entendimento de que, cabendo a culpa na produção do acidente a terceiro, não se justifica a exclusão ou redução da indemnização fundada na falta de capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à protecção da vítima.

Ora, a norma do art. 94º nº1 do Cód. Estrada visa a protecção do condutor e passageiros de motociclo mas não exclui a tutela de outros interesses, estes reflexamente protegidos.

Por via de regra, a protecção de uma zona vital como a cabeça visa prevenir as lesões crânio-encefálicas, responsáveis, em regra, pelas consequências mais graves para a vida e para a integridade física e psíquica do tripulante e passageiros de veículos de duas rodas, com os custos inerentes que, reflexamente, tais lesões acarretam em sede de assistência hospitalar, designadamente com a aplicação de recursos públicos do Serviço Nacional de Saúde, suportados por toda a comunidade, e que seria evitável se o lesado usasse capacete.

Para além disto, visa também obstar ao agravamento da responsabilidade de terceiros responsáveis.

Por isso, a ilicitude da actuação do lesado que não usa, devendo usar, capacete de protecção, assenta na violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sem prejuízo da protecção directa e imediata de bens pessoais dele próprio, lesado (art. 483º nº1 CC).

Pode, por isso, afirmar-se que a falta de uso do capacete tanto afecta o círculo de bens da pessoa lesada como outros interesses da colectividade – como a segurança dos utentes das vias públicas - e daí que “a sanção do infractor não pode ter nestes casos uma simples função reparadora, mas também funções autónomas de outra natureza (de prevenção especial ou de prevenção geral) relacionados com os interesses colectivos que o crime ou a contraordenação põem em crise” (cfr, Antunes Varela, ob cit., p.537).

Para além de, como entendeu este STJ em acórdão de 08-10-2013 de que foi Relator o Exmo Cons. Fernandes do Vale (Revista nº 1585/06.3TBPRD.P1.S1 - 6.ª Secção)

“constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, o cumprimento da correspondente obrigação não deixa de, reflexamente, proteger quem – como, no caso, a ré seguradora – esteja legalmente obrigado a ressarcir os danos consequentes de tal falta de uso, porquanto, havendo lesões físicas na zona corporal reservada a tal uso, não pode negar-se um agravamento causal dos inerentes danos provocado pela falta do capacete de protecção, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos dano”.

Concordamos com o acórdão de 15-12-1998 quando nele se afirma que não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à protecção da vítima mas restringimos o seu âmbito aos casos em que o lesado puder dispor dos seus interesses particulares protegidos pela dita norma, a saber, a sua vida ou integridade física.

E tal não acontece no nosso caso.

Mas, sendo a conduta do recorrente ilícita e (presumivelmente) culposa, será que os danos (ou o respectivo agravamento) por ela causados ou agravados devem ser exclusivamente suportados por ele (lesado) ou também pelo lesante.

As instâncias parece entenderem que os danos e agravamento resultantes da falta de capacete devem ser exclusivamente suportados pelo lesado, (infractor da norma que impõe o uso do capacete de protecção) e por isso relegaram esse apuramento para execução de sentença.

Não concordamos.

Abstraindo do não uso do capacete, há um inequívoco nexo de causalidade entre o acidente e as lesões craneo-encefálicas sofridas e a IPP do lesado BB, danos estes que ele não teria se não fosse aquele sinistro (art. 563º CC); logo, os responsáveis pelo acidente responderiam sempre por tais danos com fundamento em responsabilidade civil subjectiva, pois não foi o facto de o lesado – mero passageiro de um dos veículos intervenientes - não usar o capacete que provocou o acidente; o não uso do capacete agravou as lesões sofridas pela vítima do acidente, mas não foi a causa da ocorrência do acidente.

Portanto, mesmo que o lesado viajasse sem capacete, o acidente foi a condição sem a qual aqueles danos não se teriam verificado, sabendo-se, como se sabe, que um acidente de viação com veículo de duas rodas é, segundo a experiência comum, idóneo e adequado à produção de lesões corporais (art. 563º CC); o acidente foi, pois, causa adequada do dano porque a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano (cfr. A. Varela, ob cit, p. 896).

E se nesse processo factual intervém também, sem interromper esse nexo de causalidade, um facto culposo da vítima, contribuindo também para a produção ou agravamento do dano, é óbvio que o Direito não podia ficar indiferente.

Note-se que esse facto culposo do lesado não interrompeu o nexo de causalidade desencadeado com a actuação culposa do lesante, apenas concorreu com esta para agravar o resultado; a contribuição do lesado para a produção ou agravamento do dano não excluiu a responsabilidade do lesante, apenas determinou a necessidade de o tribunal apreciar a relevância dessa “comparticipação” do lesado nas suas próprias lesões no montante da indemnização (mantendo-o, reduzindo-o ou excluindo-o).

Porque – repetimos – o dano é efeito adequado do acidente, independentemente do facto culposo do lesado.

As instâncias, como se disse, consideraram necessário o apuramento das lesões que foram consequência adequada da falta de capacete de protecção e relegaram tal apuramento para liquidação posterior.

Não concordamos.

A liquidação posterior do dano pressupõe, em acções fundadas em responsabilidade civil extra-contratual, a verificação de todos os respectivos pressupostos, inclusivamente do dano, faltando apenas a determinação exacta do montante deste.

Assim, a questão do concreto pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano deve estar resolvida na decisão que relega o apuramento do montante do dano para momento posterior; quer dizer,  o dano deve estar demonstrado, embora com desconhecimento da respectiva extensão quantitativa.

Tal não acontece se se remete para liquidação o apuramento das lesões imputadas à falta de capacete e o nexo de causalidade entre o não uso do capacete e as ditas lesões (ou algumas delas…)

Não tem sentido, com efeito, relegar para liquidação ulterior o conhecimento da relação de causa e efeito entre a falta de capacete e as lesões craneo-encefálicas concretamente verificadas bem como o apuramento das lesões que provavelmente o lesado teria sofrido se usasse capacete, a menos que se entenda que o lesante, responsável pelo acidente, não responde pelas lesões decorrentes da falta de capacete ou, por outras palavras, que a falta de capacete exclui a responsabilidade do lesante.

O incidente de liquidação ulterior visa apenas definir o quantum, não o quid da indemnização, isto é, montante da indemnização mas não os concretos danos a indemnizar; a liquidação é quantitativa, não qualitativa;  significa isto que os pressupostos da responsabilidade civil devem estar demonstrados e, logo, também, o nexo de causalidade e os danos, faltando apenas liquidar o valor destes.

 Para além disto, relegar o apuramento dos danos que o lesado sofreu (ou não) por não usar (ou usar) capacete de protecção equivale a exigir aos interessados (maxime ao lesado) uma prova quase impossível; como entendeu este STJ em 06-05-2004, a propósito de outro acessório de segurança, “seria as mais das vezes "diabólica" a prova de que o não uso do cinto de segurança em nada contribuiu para as lesões ou seu agravamento” (cfr. Revista n.º 1217/04 - 2.ª Secção, Rel. Ferreira de Almeida).

 Assim, recaindo a obrigação de indemnizar (todos os danos) sobre o lesante, sem prejuízo da relevância da culpa do lesado na produção e agravamento desses danos, a indemnização devida por IPP, a título de dano futuro, não deve ser fixado em liquidação futura (para determinar quais desses danos devem ser “imputados” a culpa do lesado), antes deve ser fixada através do recurso à equidade, como manda o art. 566º nº3 CC; foi este o entendimento subjacente ao Ac deste STJ de 27-06-2000, Cons. Martins da Costa, cujo sumário é acessível na INTERNET através de http://www.dgsi.pt e segundo o qual
I- Em acção de indemnização, se não estiver apurado o valor exacto dos danos, a opção entre a liquidação em execução de sentença, e o julgamento equitativo desse valor depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor.
II- O valor do dano por incapacidade para o trabalho, em particular como dano futuro, deve ser determinado com recurso essencial à equidade e, sendo devidos juros de mora desde a data da citação com referência a essa data. (itálico nosso).

Na impossibilidade de fixar com exactidão o valor do dano previsível decorrente da incapacidade permanente para o trabalho, há que recorrer à equidade.

E a equidade é uma fonte de direito que - diversamente da lei caracterizada pela generalidade e pela abstracção, geradoras de injustiça em certos casos particulares, não necessariamente por defeito da lei ou do legislador, mas pela própria natureza das coisas - atende às particularidades do caso concreto quando este não pode ser regulado convenientemente por regras gerais e abstractas; a equidade tem, portanto, uma função correctiva ou substitutiva da lei.

E o caso dos danos futuros - cuja relevância para efeitos de ressarcibilidade assenta na sua previsibilidade - é uma das hipóteses normativas de recurso à equidade.

O que bem se compreende.

Na impossibilidade de provar tais danos, a decisão típica e normal, por falta de prova (a justiça universal, fundada na lei e na igualdade e generalidade a ela subjacentes), seria a improcedência do pedido da respectiva indemnização.

O que seria injusto.

Daí a necessidade de intervenção da equidade, através da ponderação das particularidades concretas provadas ou dos factos de conhecimento geral, em busca de uma solução justa (a justiça particular, fundada nas particulares do caso, insusceptíveis de previsão legal, não por defeito da lei ou do legislador, mas por força da natureza das coisas, logo na desigualdade).

Ora, uma das vias que tem sido preconizada para concretizar esse julgamento dos danos futuros e liquidação da respectiva indemnização com base na equidade tem sido o recurso à formação de um capital que, durante o tempo de vida activa que resta ao lesado ou do tempo de esperança de vida, produza o rendimento de que ele ficou privado mas que, simultaneamente, se extinga decorrido esse prazo; assim, a indemnização deve ser calculada de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior  e a actual, até final do período de vida activa ou da esperança de vida, segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma dada taxa de juro anual.

E para a formação desse capital tem-se recorrido a complexas fórmulas matemáticas ou a tabelas financeiras, utilizando dados fixos, como são o montante periódico dos rendimentos, o grau de incapacidade sofrido e o termo da vida activa ou da esperança de vida, e dados variáveis, tais como a depreciação da moeda, a taxa de rendimento do capital e o dispêndio com necessidades próprias.

Mas note-se: essas fórmulas e tabelas financeiras são meramente orientadoras e explicadoras de um juízo de equidade; isto é, são, quanto a nós, meros instrumentos de equidade, não são essenciais para tal julgamento, desde logo por falta de segurança e de certeza quanto à evolução dos dados variáveis durante um tão largo espaço de tempo, desconhecendo-se também a evolução da carreira retributiva, objecção esta remediada pela ficção da (improvável) manutenção da retribuição durante todo esse tempo.

Ora, no caso concreto, o recorrente BB tinha 23 anos de idade à data do acidente e a esperança de vida, não necessariamente o tempo de vida activa, até aos 80 anos, logo, 57 anos de esperança de vida.

Desconhece-se, porém, o valor da retribuição que auferia à data do acidente, tal como a sua profissão; aliás, em sede de alegação, ele limitou-se a dizer que, se estivesse a trabalhar, auferiria € 750,00 euros mensais – o que não resulta da matéria de facto provada - inferindo-se de tal alegação, que não estaria a trabalhar…

Há que recorrer, por isso, ao valor da retribuição mínima nacional valor este “sempre auferível nas mais simples das profissões”, como entendeu este STJ em 21-09-2006 (Revista n.º 2016/06 - 2.ª Secção, Rel. Cons. Ferreira Girão).

Aliás, no desconhecimento do valor da retribuição do lesado, este STJ tem sufragado a legitimidade do recurso ao valor da retribuição mínima nacional (cfr. Ac. 02-11-2006, Revista n.º 3559/06, 7.ª Secção, Rel. Custódio Montes); 16-01-2007 (Revista n.º 4289/06, 6.ª Secção, Rel. BB Cameira); 15-02-2007 (Revista n.º 302/07 - 7.ª Secção, Rel. Salvador da Costa); 22-03-2007 (Revista n.º 481/07 - 6.ª Secção, Rel. João Camilo); 18-10-2007 (Revista n.º 3084/07 - 6.ª Secção, Rel. Silva Salazar); 25-10-2007 (Revista n.º 3026/07 - 2.ª Secção; Rel. Santos Bernardino); 17-01-2008 (Revista n.º 4527/07 - 7.ª Secção, Rel. Ferreira de Sousa); 16-09-2008 (Revista n.º 939/08 - 7.ª Secção, Rel. Alberto Sobrinho); 16-10-2008 (Revista n.º 2362/08 - 1.ª Secção, Rel. Alves Velho); 16-10-2008 (Revista n.º 3114/08 - 7.ª Secção, Rel. Custódio Montes); 30-10-2008 (Revista n.º 3237/08 - 2.ª Secção, Rel. Oliveira Vasconcelos); 18-12-2008 (Revista n.º 2661/08 - 7.ª Secção, Rel. Pires da Rosa); 02-07-2009 (Revisão n.º 2759/08 - 7.ª Secção, Rel. Pires da Rosa); 18-03-2010 (Revista n.º 14/06.7TBPRD.P1.S1 - 7.ª Secção, Rel. Alberto Sobrinho); 21-04-2010 (Revista n.º 691/06.9TBAMT.P1.S1 - 2.ª Secção, Rel. João Bernardo); 15-11-2011 (Revista n.º 880/03.8TCGMR.G1.S1 - 6.ª Secção, Fonseca Ramos); 06-12-2011 (Revista n.º 6461/05.4TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, Rel. Oliveira Vasconcelos); 19-04-2012 (Revista n.º 3046/09.0TBFIG.S1 - 2.ª Secção, Rel. Serra Baptista); 02-05-2012 (Revista n.º 1011/2002.L1.S1 - 6.ª Secção, Rel. Fonseca Ramos); 13-09-2012 (Revista n.º 3695/07.0TJVNF.P1.S1 - 2.ª Secção, Rel. Tavares de Paiva).

Ora, o salário mínimo nacional era, à data do sinistro, de € 365,60 euros (art. 1º do DL nº 19/2004 de 20 de Janeiro).

Aplicando regras simples, a um rendimento anual de € 5. 118,40 euros (€ 365,60x14), a desvalorização de 40% corresponde a € 2.047,36 euros; este é o valor correspondente – ou ficcionado como tal - à capacidade de trabalho perdida.

Ficcionando a manutenção desse valor de capacidade de trabalho perdida durante 57 anos de vida e a inalterabilidade da retribuição do trabalho durante todo esse tempo, obteremos um valor de € 116.699,52   euros.

Mas este valor bruto corresponde a uma antecipação de rendimentos que, de acordo com a evolução normal das coisas, seriam auferidos ao longo de várias dezenas de anos; é, portanto, inequívoco o benefício do lesado que, como titular desse capital, pode rentabilizá-lo, aproveitando os respectivos frutos; haveria, assim, um “duplo enriquecimento” do lesado: porque, por um lado, receberia antecipadamente e de uma vez o correspondente a rendimentos que iria auferindo ao longo do tempo e, por outro, porque, rentabilizando esse capital em aplicações financeiras, aproveitaria os rendimentos dessas aplicações.

É claro que pode sempre argumentar-se que a entrega ao lesado da indemnização dificilmente representará qualquer benefício antecipado, ficando nas mãos deste fazer desse montante o uso que entender – pôr o dinheiro a render juros que corresponderiam aos anteriores proveitos…gastá-lo…ou nem sequer lhe mexer se, por hipótese, tiver outros meios de fortuna (cfr. A. Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil., p.428).

A verdade é que a entrega de um capital correspondente a rendimentos futuros (ou que seriam auferidos no futuro…) representa sempre um benefício para quem o recebe.

É oportuno chamar aqui à colação a distinção entre o dano-evento e o dano-consequência.

Enquanto aquele é o o dano psico-físico, anátomo-físico ou funcional, determinante da privação da capacidade de trabalho, este é o dano enquanto prejuízo económico-profissional, devendo ser avaliadas as consequências face à profissão específica da vítima (cfr. Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 2005, p. 126).

E é este dano que se vai manifestando ao longo do tempo que está em questão e que é indemnizado “antes” de se revelar.

Daí que, para prevenir o enriquecimento injustificado do lesado se justifique uma dedução a esse valor, dedução essa que a jurisprudência tem quantificado em 1/3 ou ¼.

Considerando que a base de cálculo é a retribuição mínima nacional, optaremos pela dedução de ¼; assim, àquele valor de € 116.699,52 euros, deduziremos € 29.174,88 euros e encontraremos o valor de € 87.524,64 euros.

A equidade, porque toda esta argumentação pretende fundamentar uma decisão equitativa, é uma alternativa à Justiça porque a lei, pela sua generalidade e abstracção, não consegue solucionar o problema da determinação do valor da indemnização; e é a impossibilidade dessa determinação que dita o recurso à equidade (art. 566º nº 3 CC).

Continuemos:

Decorre do exposto que o valor “actual” da incapacidade permanente para o trabalho durante o tempo de esperança de vida do lesado BB é de € € 87.524,64 euros.

Ora, no caso em apreço, a responsabilidade pela eclosão do acidente foi repartida na proporção de 70% para a condutora do veículo auto-ligeiro LM e de 30% para o condutor do motociclo ND, onde o aqui Autor e lesado se fazia transportar, sem capacete.

E está em causa nesta acção apenas a responsabilidade da condutora do LM, pois que a Seguradora do motociclo não foi demanda por este lesado.

Ora, a proporção de 70% aplicada àquele valor dá-nos o valor de € 61.267,248 euros que, tendo em conta tratar-se de valores de referência, se arredonda para € 65.000,00 euros.

Este é o valor da indemnização por incapacidade permanente parcial para o trabalho (danos futuros) a que, quanto a nós, o lesado BB teria direito, como terceiro lesado em acidente cuja eclosão lhe não é imputada.

Todavia, ele agiu com culpa ao não proteger a cabeça com capacete de protecção e determinando com isso graves lesões craneo-encefálicas determinativas do seu grau de incapacidade.

As instâncias consideraram provado que, caso usasse capacete, as lesões seriam inferiores; in extremis, poderiam mesmo inexistir…

Justifica-se, pois, que ao abrigo do art. 570º nº1 CC, se reduza a indemnização, dada a culpa do lesado se não na produção, seguramente no agravamento das lesões crâneo-encefálicas que sofreu.

E agora deparamos com um outro obstáculo, qual seja o valor da redução correspondente a essa culpa do lesado ou, por outras palavras, qual a medida do agravamento da responsabilidade do lesado na produção e agravamento das lesões que sofreu, por culposamente, não fazer uso de capacete de protecção.

Este STJ já entendeu que, nestas circunstâncias, “a questão não deva ser resolvida mediante um aleatório agravamento percentual do seu grau de culpa, devendo esse facto omissivo ser considerado na fixação da indemnização, segundo o critério do art. 494.º do CC” e por isso, será na indemnização a fixar que se repercutirá a “sanção” para o comportamento omissivo da vítima (cfr. Ac. STJ de 29-01-2008, Processo nº 07A3014, Rel. Fonseca Ramos).

Essa repercussão implicará necessariamente uma redução da indemnização que lhe é devida pelo responsável pelo acidente (no caso em apreço, pelo responsável na proporção da culpa da condutora responsável – 70% - uma vez que não foi demandada a Seguradora do motociclo).

Prevê o art. 494º CC outro caso em que a indemnização não é fixada pela medida da diferença entre patrimónios a que se refere o art. 563º nº2 CC.

Segundo aquele preceito, “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil).
Ora, a falta de capacete de protecção pode ser uma das “circunstâncias do caso” a que se refere o artigo 494º do Código Civil…” (cfr. Ac STJ de 28-09-1994, citado no acórdão de 29-01-2008).

Assim, o processo causal das lesões sofridas pelo lesado pelo qual é responsável pela eclosão do acidente não se confunde com a sua eventual culpa na produção e/ou agravamento dessas lesões.

Não sendo excluída aquela responsabilidade com fundamento no facto culposo do lesado e tendo em atenção, por um lado, a gravidade e extensão das lesões e, por outro a total ausência de culpa do lesado no acidente, justifica-se, quanto a nós uma redução de 1/3 na indemnização de € 61.267,248 euros que lhe seria devida pelos danos futuros decorrentes da IPP de 40%.

Encontraríamos, assim, um valor de € 40848,168 euros que, por conveniência e comodidade, arredondaríamos para 42.500,00 euros.

Assim sendo, com base na equidade, fixa-se a indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade permanente para o trabalho em € 42.500,00 euros.

A medida da indemnização por danos futuros (incapacidade permanente parcial) do recorrente AA:

O acórdão recorrido, confirmando, aliás, o decidido na 1ª instância, fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP de 10% de que ficou a padecer o 1º Autor AA em € 20.000,00 euros.

Todavia, o recorrente AA insiste na exiguidade desse valor, continuando a reclamar o de € 35.000,00 euros.

O acórdão recorrido justificou o valor arbitrado de € 20.000,00 euros perante a reclamação de € 35.000,00 euros, nestes termos:
“No caso concreto, e para vermos da equidade da indemnização atribuída ao autor AA, a título de dano patrimonial futuro, se usássemos a fórmula da legislação própria dos acidentes de trabalho (considerando a retribuição mínima mensal garantida e a idade ao tempo do acidente) obteríamos uma pensão anual de cerca 500,00€, a qual, se remida, corresponderia a um capital de cerca de 9.000,00€. No entanto, se já eliminássemos ao cálculo a perda de 30% (decorrente dessa específica legislação) o valor do capital seria de 12.000,00€. No entanto, a aplicação desta fórmula, nos moldes que se opera, pressupõe que o sinistrado sempre auferiria o rendimento mínimo mensal garantido. E, mesmo considerando este rendimento como plausível, se aceitarmos uma idade ativa sobrante de 50 anos (o sinistrado tinha vinte) e se atendermos a que a inflação não é inferior ao juro de capitalização, a quantia seria de 25.000,00€ ou de 35.000,00€. E, efetivamente, a idade de reforma não deve ser ponderada em apenas 65 anos de idade (já o não é, na realidade), mas, como parecerá mais razoável, nos 68 anos e com tendência a subir; acresce que quem trabalha até ao fim da vida laboral recebe uma reforma e, por isso, a vida económica não acaba no fim da vida ativa. Numa outra perspetiva, não deve ignorar-se que o juro líquido de rentabilidade tende a não ultrapassar os 2% líquidos, quando muitas vezes a inflação lhe é superior”.

Inquestionável a ressarcibilidade dos danos patrimoniais futuros desde que sejam previsíveis (art. 564º nº2 CC) e incluindo-se entre estes os lucros cessantes – benefícios que o lesado não obteve mas devia ter obtido – é óbvio que a incapacidade permanente parcial para o trabalho gera sempre um dano patrimonial futuro, independentemente da efectiva redução de rendimentos.

E dizemos independentemente da efectiva redução de rendimentos, porque se ela existe, é óbvio e evidente o dano futuro, e se não existe, o défice funcional em que se analisa a incapacidade implica dificuldades e o dispêndio de maior esforço para realizar as tarefas que, sem essa desvalorização funcional, conseguiria realizar; logo, sendo necessária, nesta última hipótese, uma força de trabalho adicional, o dano representará a diferença entre o valor da força de trabalho necessária com e sem a desvalorização.

Tal como aconteceu com o recorrente BB, também no caso do recorrente AA há que recorrer à equidade para determinar o valor da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da sua incapacidade permanente para o trabalho.

Para isso, como já se disse, tem-se recorrido a fórmulas matemáticas, visando a determinação dessa indemnização como um capital produtor de rendimento que cobrisse a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período de vida activa, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital  necessário à formação de uma renda periódica correspondente a determinado juro anual.

Mas essas fórmulas, como ficou exposto, mais não são que instrumentos orientadores da busca do valor correcto e justo da indemnização, melhor se diria, instrumentos de equidade, muito embora não substituam esta; como sumariado no Ac STJ de 26-06-2012,

“a jurisprudência, consciente da dificuldade do cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro resultante da perda da capacidade de ganho, tem vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar nessa operação, estabelecendo critérios de apreciação e de cálculo que reduzam ao mínimo o subjectivismo e a margem de arbítrio, assentando nas seguintes ideias: a) a indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no período provável da vida; b) no cálculo desse capital interfere necessariamente a equidade; c) as tabelas financeiras ou qualquer das outras fórmulas utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, não substituindo a ponderação judicial com base na equidade; d) deve ser deduzida a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida (em média 1/3 ou ¼ dos proventos auferidos); e) deve ponderar-se as circunstâncias da indemnização ser paga de uma só vez e o seu beneficiário poder rentabilizá-la em termos financeiros, introduzindo-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado; f) deve ter-se em conta não exactamente a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas não cessam no dia em que a pessoa deixa de trabalhar por virtude da reforma” (cfr. Revista n.º 49/07.2TBFLG.G1.S1 - 1.ª Secção, Rel.  António Joaquim Piçarra).

As fórmulas matemáticas servem, portanto, para encontrar um valor que, depois de comparado com o resultado de outras fórmulas e corrigido com outros elementos, corresponderá à indemnização.

Porque, se a determinabilidade dos lucros cessantes em que se analisam esses danos futuros não pode ser relegada para decisão ulterior (art. 564.º, n.º 2, do CC), então o tribunal deve recorrer à equidade na sua fixação, dentro dos limites que tiver por provados (cfr. Ac STJ 02-12-2013, Revista n.º 1939/06.5TBPMS.C1.S1 - 2.ª Secção, Rel. Tavares de Paiva).

Ora, foi esta a actuação da Relação, ponderando os valores obtidos a partir de diversas fórmulas, como se alcança do excerto supra transcrito, ou seja, um típico juízo de equidade.

Não merece, pois, censura: o recurso à equidade era permitido ao tribunal.

Para além disto, este STJ tem entendido ultimamente que “sempre que a indemnização seja fixada com fundamento num juízo de equidade, em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos», os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que a decisão recorrida afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” (cfr Ac. 21-03-2013, Proc. n.º 760/01.1GAABF.E2.S1 - 5.ª Secção, Rel.  Arménio Sottomayor).

Quer dizer: quando a equidade funciona, nas instâncias, como critério de quantificação indemnizatória, não compete ao STJ, em recurso de revista, determinar o valor exacto do quantitativo pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação dos pressupostos e limites dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo.

Logo, sempre que estejam em causa montantes fixados com base em julgamentos equitativos, a questão de direito – que ao STJ compete resolver – não reside na exactidão do quantum da indemnização, mas nos pressupostos normativos do recurso a este critério e na razoabilidade da decisão com ele obtida (a equidade aponta-nos um valor aproximado, não um valor matematicamente exacto); o julgamento baseado na equidade só é, em bom rigor, a solução de uma questão de direito enquanto se confinar à verificação dos pressupostos do recurso à equidade e dos limites da discricionariedade judicial dentro dos quais a decisão nela fundada não é questionada na sua razoabilidade.

Ora, prescreve o art.  566º nº3 CC que o tribunal deve recorrer à equidade “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos” e , nesse caso, o valor deve ser fixado “dentro dos limites que tiver por provado”.

Por sua vez, entre as fontes de direito – leis, normas corporativas, usos e equidade – o art. 4º CC enuncia os casos taxativos em que os tribunais podem resolver segundo a equidade, o primeiro dos quais é a existência de “disposição legal que o permita” (al a); e, no caso, tal norma existe. (art. 566º nº3 CC).

Logo, está verificado o pressuposto normativo do recurso à equidade para a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros previsíveis.

É certo que o fundamento da revista é a violação da lei (substantiva ou adjectiva), como fonte de direito, não a violação da equidade, como fonte alternativa (à lei) de direito.

Mas, desde que o recurso à equidade é autorizado pela lei, uma decisão violadora daquela – entenda-se, que ultrapasse a razoabilidade e a proporcionalidade que devem caracterizar a equidade - é, mediatamente, uma decisão que viola a lei; a questão suscitada é de direito equitativo, não de direito legal, mas é sempre uma questão de direito.

Por isso, desde que o valor arbitrado, não obstante alguma inevitável discricionariedade na fixação do montante, se situe dentro dos limites permitidos pelos factos provados, não é susceptível de ser sindicado pelo STJ.

Foi este o entendimento sufragado neste STJ em acórdão de 07-10-2010 Revista n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1 - 7.ª Secção de que foi Relator o Exmo Cons. Lopes do Rego e segundo o qual:

“A indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes da IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre – de modo a alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas. 

Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (itálico nosso).

Neste mesmo sentido de exclusão do controle dos julgamentos fundados em equidade da competência do STJ, os acórdãos deste de 03-10-2013 – “A concreta quantificação do dano não patrimonial, assente em juízos de equidade, não merece censura na óptica de um recurso de revista” (Revista n.º 113/11.3TBTND.C1.S1 - 7.ª Secção – Rel. Cons. Lopes do Rego) e de 24-10-2013 – “Se o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo” (Revista n.º 225/09.3TBVZL.S1 - 7.ª Secção, Rel. Maria dos Prazeres Beleza).

Por conseguinte, aplicando ao recorrente AA os mesmos critérios utilizados a propósito do recorrente BB - exceptuada a dedução imposta pelo art. 570º CC já que, não obstante também não usar capacete de protecção, as lesões por ele sofridas determinativas da respectiva incapacidade, não se situavam na cabeça - o valor obtido para indemnizar os danos futuros (lucros cessantes) decorrentes da sua IPP de 10% - ele que tinha 20 anos à data do acidente (logo uma esperança de vida de 60 anos) e recorrendo  à retribuição mínima nacional por desconhecimento da realmente auferida, se estivesse a trabalhar – seria de € 30.710,4 euros.

Deduzindo o benefício da antecipação de rendimentos que, segundo o curso normal das coisas, seriam auferidos ao longo de várias dezenas de anos (1/4) - € 7677,6 euros – obteríamos o valor de € 23032,8 euros.

Aplicando a este valor a percentagem de responsabilidade (70%) da condutora do veículo LM, encontraríamos o valor de € 16.122,96 euros.

Valor inferior mas muito próximo dos € 20.000,00 euros arbitrados pela Relação.

O qual, por força da proibição da reformatio in pejus, prevalece sobre aquele.

         Pelo que, nesta parte não merece censura o acórdão recorrido.

Quanto à indemnização por danos não patrimoniais arbitrada ao 1º Autor AA:

A Relação fixou em € 10.000,00 euros o valor dessa indemnização (€ 7.000,00 euros por força da proporção de 70% da culpa da condutora do LM), valor este que o recorrente sustenta pecar por defeito, já que o valor adequado seria o de € 25.000,00 euros.

Sendo a gravidade dos danos não patrimoniais o pressuposto da tutela que o direito lhes dispensa e, por via disso, da sua ressarcibilidade (art. 496º nº1 CC), é inquestionável que o Autor AA sofreu danos de natureza não patrimonial que devem ser indemnizados.

Como, de resto, entenderam quer a 1ª quer a 2 ª instância, discutindo ele apenas a medida concreta dessa indemnização.

Mas, como decorre do nº 3 do art. 496º CC, também aqui a equidade é chamada a definir o valor da indemnização devida: “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; …”, a saber, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Mutatis mutantis, procedem aqui as considerações expostas supra, pelo que nos dispensamos de as repetir.

Com efeito, como flui do exposto e correndo o risco de nos repetirmos, o juízo de equidade assenta numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso concreto, irrelevantes na perspectiva geral e abstracta subjacente aos critérios normativos da lei, mas que, por via da necessidade de decisão “justa” do caso concreto (reconhecida e imposta pela própria lei) adquirem relevância jurídica (que, de outro modo, seria desconsiderada); a equidade, como fonte de direito secundária, é a justiça do caso concreto.

O fundamento da revista é a violação da lei, na medida em que suscita uma questão de direito na interpretação ou na aplicação da lei como fonte de direito e cuja solução passa pela definição do regime jurídico aplicável ao caso; a violação da equidade, como critério normativo da solução de conflitos, só pode entender-se no quadro dos pressupostos e dos limites da admissibilidade da equidade, como critério de determinação do valor da indemnização, pelo que, como se disse, a intervenção do STJ se limita à apreciação dessas questões e não também à determinação do valor exacto dos danos, tarefa reconhecidamente impossível (art. 566º nº3 CC).

Por isso, e como já se expôs, sempre que a lei imponha o julgamento com base na equidade, a intervenção do STJ está limitada à verificação dos pressupostos e limites do recurso a tal fonte de direito, corrigindo, se for caso disso, o valor arbitrado nas instâncias (e é sempre caso disso se esse valor for desrazoável e desproporcionado…); o STJ deve abster-se de intervir no julgamento equitativo sempre que o julgador se mantenha dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida e que tal julgamento se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (cfr. Ac STJ 21-02-2013 - Revista n.º 293-A/1999.G1.S1 - 2.ª Secção, Rel. Serra Baptista).

Ora, atentos os factos apurados, não se vê que a Relação (e a 1ª instância) hajam excedido os limites do perímetro de discricionariedade fundado na equidade nem se mostra que o valor arbitrado enferme de desrazoabilidade e de desproprocionalidade relativamente a outras decisões judiciais en casos semelhantes; nem o recorrente, aliás, os alega…

Pelo que se mantém o valor arbitrado no acórdão recorrido.

Quanto aos danos patrimoniais futuros sofridos pelo A. BB:

Reclama ele a fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros em € 120.000,00 euros, “considerando-se que o autor BB, se estivesse a trabalhar, auferiria um salário médio de € 750,00/mês, os restantes factores disponíveis (idade de 23 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 40% e a progressiva baixa da taxa de juros, neste momento inferior a 2%, mais adequada à realidade actual) e tendo em conta a inflação previsível, os ganhos de produtividade”.

Esta questão já foi apreciada supra, na sequência da improcedência da remessa da liquidação dos danos patrimoniais futuros para decisão ulterior.

Recordando, aí foi fixada a indemnização de € € 42.500,00 euros para ressarcir os danos (lucros cessantes) decorrentes da incapacidade parcial permanente de 40% com que ficou na sequência do acidente, tendo em conta a concorrência da sua culpa na produção e no agravamento dos danos (falta de capacete de protecção).

Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo A. BB:

Contra os € 45.000,00 arbitrados pela Relação, reclama ele a quantia de € 60.000,00 euros para compensar tais danos.

O acórdão recorrido justificou assim aquele valor:
“Em relação aos danos não patrimoniais do autor BB, não podemos deixar de considera, como o fez a sentença, as dores e sofrimento tido na altura do acidente e todas as que se prolongaram em razão dos tratamentos e cirurgias a que foi submetido o autor. E consideramos, em especial, que este autor, para lá do longo tempo de incapacidade absoluta, ficou num estado que tem reflexos psicológicos/neurológicos muito graves e que se traduzem também em danos morais, como a incapacidade de relacionamento, a grande dificuldade que terá em voltar a trabalhar e o que tal acarreta, desde logo num plano social, ao nível da diminuição do seu amor próprio. Acresce que os factos revelam que o autor continuará a sofrer dessas incapacidades, mas igualmente desgosto e dores, ao longo de toda a sua vida.
Por isso temos por adequada a quantia de 45.000,00€ (ponderada ao tempo da decisão da 1.ª instância) que a 1.ª instância considerou justa”.

Como resulta do que já se disse, se o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade – como é a indemnização por danos não patrimoniais (art. 496º nº1 e 3 CC), não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo.

Isto porque o STJ, como tribunal de revista que em regra apenas conhece matéria de direito (art. 26º da LOTJ), não está vocacionado para apreciar decisões proferidas segundo a equidade, o mesmo é dizer, com base em particularidades concretas e casuísticas, pelo menos enquanto estas não forem explicitadas, como fundamento da decisão.

O que não significa que, como já se disse, lhe esteja subtraída o poder de apreciar os pressupostos e limites do recurso à equidade, como critério de julgamento, devendo intervir apenas quando inexistir fundamento para o recurso à equidade (art. 4º CC) ou o montante arbitrado na decisão recorrida extravazar os limites da liberdade ínsita na discricionariedade judicial para a fixação de tal valor; como se disse, o pressuposto da equidade é a impossibilidade de determinar o valor exacto dos danos, pelo que tal critério de julgamento apenas proporcionará um valor aproximado (para mais ou para menos…).

Ora, no caso em apreço, para além de ser a própria lei que impõe o julgamento equitativo (art. 496º nº3 CC), não se vê que haja sido ponderada na fixação do valor de € 45.000,00 euros a culpa do lesado na produção e agravamento das lesões que determinaram os danos não patrimoniais de cuja ressarcibilidade se cura.

E um dos factores que intervêm na fixação de tal indemnização é, não só a culpa do lesante, mas também a culpa do lesado que, como uma das “demais circunstâncias do caso” a que alude o art. 494º ex vi do art. 496º nº3 CC, pode justificar a indemnização inferior ao valor dos danos (entenda-se patrimoniais e não patrimoniais).

A culpa do lesado, responsável pela gravidade e extensão das lesões craneo-encefálicas, já determinou a redução da indemnização por danos patrimoniais futuros em /3; justifica-se, por isso, igual ponderação na fixação da indemnização por danos não patrimoniais.

Por isso, se fixaria ao Autor e recorrente BB a indemnização por estes danos em € 30.000,00 euros.

Todavia, face ao preceituado no art. 684º nº 4 CPC que proíbe a reformatio in pejus, prevalece o valor arbitrado pela Relação - € 45.000,00 euros.

Quanto à condenação do A. AA como litigante de má-fé;

O Autor AA foi condenado na 1ª instância na multa de 1 UC por litigância de má-fé.

Porquê?

Fundamentalmente, como se alcança da respectiva sentença, por omissão de alegação de falta de habilitação legal para a condenação de motociclos e da condenação por tal infracção em processo penal e, ainda que tal omissão fosse compreensível por considerar o acidente imputável a culpa exclusiva do outro interveniente e a consequente irrelevância da falta de habilitação para a condução de motociclos, “esse facto se permancesse desconhecido do tribunal poderia conduzir a uma decisão diferente da que foi tomada quanto ao pedido por si formulado atinente à paralisação desse motociclo pois que se não o podia conduzoir nem dele fazer uso no dia-a-dia a não ser de forma ilegal, não devia ter alegado factos em sentido contrário só para tentar ser ressarcido de forma indevida pela privação do uso…”.

A Relação concordou com este entendimento.

Escreveu-se no acórdão recorrido:
“O autor insurge-se contra esta condenação, porquanto considera que lhe não competia provar, a si, a falta de habilitação legal para conduzir e, em especial o nexo de causalidade entre essa falta e o acidente. E é defensável, admite-se, que se o demandante apresenta (e considera verdadeira) uma versão do acidente em que nenhuma culpa lhe será imputada, não se lhe imponha declarar que não está habilitado, pois, como se sabe a ele competirá normalmente provar os pressupostos de facto do direito que vem exercer. E a sentença considera essa circunstância, mas, se bem se reparar no decidido, não foi essa a razão que justificou a condenação do autor como ligante de má fé. O autor foi condenado nesses termos porque formulou um pedido manifestamente incompatível (como aliás se veio a decidir) com a circunstância de não estar habilitado a conduzir. A menos que o autor formulasse tal pedido, conferindo-se a possibilidade de ser reparado pelo tempo em que não pôde usar (conduzir) ilegalmente o motociclo (o que se não crê, pois então teria de esclarecer que ele se destinava ao uso de terceiro), o que fez foi, implicitamente mas necessariamente, pressupor a sua possibilidade de conduzir, quando, além de não ter habilitação, foi transitadamente condenado por a não ter.

Não nos merece, por isso, qualquer reparo a condenação do autor” (negrito nosso).

E também nós não podemos deixar de anuir a este entendimento.

Com efeito, o recorrente parece não ter compreendido a razão determinante da sua condenação como litigante de má-fé que foi a formulação de um pedido de indemnização pela privação de uso, uso esse que, dada a sua falta de habilitação para a condução, seria sempre ilegal…

Foi esta e não a omissão de alegação da condenação penal por falta de habilitação para a condução nem a questão da (ir)relevância da falta de habilitação para a culpa na produção do acidente e muito menos a de saber se a culpa deveria ou não ser repartida entre os intervenientes.

A dedução de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar configura litigância de m´-fé (art. 456º nº2-a) CPC).

Não estando o recorrente impedido de adquirir a propriedade de um veículo, sem estar habilitado para a respectiva condução, e uma vez que não foi alegada a privação do uso por terceiros, deve entender-se que a privação cujo ressarcimento era pedido era a do uso pelo próprio que, não estando para tal habilitado, era ilegal; a falta de fundamento do pedido era evidente e ele, estando patrocinado por advogado, não devia ignorá-la, o mesmo é dizer, estava obrigado a conhecê-la e, por via disso, a abster-se da formulação de tal pedido.

Logo, não podendo a litigância deixar de ser qualificada negativamente como de má-fé – se ninguém pode ser privado de um uso de que não pode beneficiar e, por isso, não pode sofrer o respectivo dano, também não tem direito à indemnização por tal dano… – não merece, nessa parte, censura o acórdão recorrido.

ACÓRDÃO

Pelo exposto, acorda-se neste STJ em:

- Conceder a revista reclamada pelo interveniente Fundo de Garantia Automóvel e, revogando nessa parte o acórdão recorrido, absolvê-lo dos pedidos contra ele deduzidos;

 - Conceder parcialmente a revista reclamada pelos AA AA e BB e - sem prejuízo da condenação por danos patrimoniais cujo montante não foi impugnado (e respectivos juros de mora desde a data da citação) bem como da remessa para liquidação prévia a execução de sentença a indemnização devida a BB pela necessidade de assistência de terceira pessoa e pelo valor da roupa e calçado danificados no acidente, dentro dos limites do por ele peticionado nestes autos, condenação esta agora dirigida contra a CC - Companhia de Seguros, SPA - alterar o dito acórdão, condenando também esta Seguradora a a pagar aos AA:

- ao Autor AA a indemnização de € 27.000,00 euros, assim discriminados:

- € 20.000,00 euros por danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP de 10% de que ficou afectado com juros de mora desde a citação;

- € 7.000,00 euros por danos não patrimoniais com juros de mora desde a data da sentença;

- ao Autor BB a indemnização de € 87.5000,00 euros, assim discriminados:

- € 42.500,00 euros por danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP de 40% de que ficou afectado com juros de mora desde a citação;

- € 45.000,00 euros por danos não patrimoniais com juros de mora desde a data da sentença.

- manter a condenação do Autor AA como litigante de má-fé.

As custas serão suportadas por autores e pela CC – Companhia de Seguros SPA na proporção (sem prejuízo dos benefícios de apoio judiciário concedidos aos autores).

Lisboa e STJ, 3 de Abril de 2014

Os Conselheiros

Fernando Bento (Relator)

João trindade

Tavares de Paiva