Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3805/21.5T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
DEPÓSITO BANCÁRIO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - A instituição bancária agindo enquanto intermediário financeiro que propõe a um cliente, sem conhecimento de matérias financeiras, a subscrição de uma obrigação subordinada sem o esclarecer sobre as características de tal produto, dizendo-lhe é “em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido”, viola o dever de informação a que está adstrito, de acordo com a orientação firmado no AUJ 8/2022;

II – De acordo ainda com a orientação fixada no citado AUJ, compete ao Autor provar o nexo de causalidade entre o facto ilícito, a violação do dever de informação, e a decisão de investir, isto é, que se tivesse recebido a informação completa não teria subscrito o produto financeiro em causa;

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco BIC, S.A., pedindo:

a) A condenação do réu no pagamento de € 50.000,00 correspondente ao valor do capital que lhe foi entregue e garantido pelo então BPN Banco Português de Negócios, Sa..

b) A declaração de nulidade de qualquer documento subscrito pelo autor, bem como, qualquer eventual contrato de adesão ou outro que a ré invoque para ter aplicado os aludidos € 50.000,00 que o mesmo autor entregou ao então BPN Banco Português de Negócios, Sa., o qual foi, por sua vez, aplicado no produto denominado obrigações subordinadas “SLN Rendimento 2004”.

c) A declaração de ineficácia em relação ao autor quanto à aplicação que a ré tenha feito do referido montante.

d) A condenação do réu a restituir ao autor a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros legais à taxa legal desde a data de citação da presente acção.

Em qualquer das situações acima peticionadas, pede ainda o autor:

e) A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 2.000,00, a título de dano não patrimonial.

Devidamente citada, a ré contestou, refutando no essencial o alegado e as conclusões alcançadas pelo autor, excepcionando ainda a prescrição do direito.

O Autor na resposta rebateu a excepção invocada.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

O Autor recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra o qual, por acórdão de 12 de Julho de 2023, concedeu parcialmente provimento à apelação, e, revogando a sentença recorrida, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde 21.10.2021 e até integral pagamento.


///


É a vez do Banco Réu interpor recurso de revista, concluindo que:

1) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

2) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

3) A informação deveserprestada nãoapenasdeforma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível.

4) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

5) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

6) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

7) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

8) Mas, o que é certo é que o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo de instrumento financeiro em causa.

9) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

10) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

11) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

12) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

13) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

14) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

15) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

16) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

17) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

18) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

19) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

20) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título.

21) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

22) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312, do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

23) Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) A menção do artº 312nº 1 al. e) do CdVM aos“riscosespeciaisenvolvidosnas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

25) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

26) Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo,não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

27) Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

28) O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

29) A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

30) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

31) É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

32) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

33) O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

34) O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

35) Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido os AA.

36) A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação, o diposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por fim,

37) No que tocaà responsabilidade civil do Banco-R., o Tribunal aquoentendeu que a conduta daquele réu foi ilícita por se ter reconduzido à prestação de informação falsa, incompleta e obscura.

Ora,

38) A informação prestada foi normalmente completa e exaustiva, em face das circunstâncias pessoais e históricas, apenas não tendo sido fornecida anota informativa ou outra documentação técnica do produto por não ser então obrigatório

39) É facto que não foi explicada ao A. a característica da subordinação das Obrigações.

40) Todavia, citando Simão sousa Mendes “a informação só é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir”.

41) A decisão recorrida acaba por não esclarecer de forma expressa qual a essencialidade da informação omitida para a tomada de posição, principalmente no dito contexto histórico e social, em que ninguém, absolutamente ninguém (nem os Autores que depois vem a citar a propósito da previsibilidade da crise de 2008) punham em causa a estabilidade do sistema financeiro como um todo e do BPN em particular!

42) Da matéria de facto resulta igualmente que as ObrigaçõesSLN 2004 era efectivamente um produto com um nível de risco muito baixo, sendo que a mesma conclusão resulta imediatamente e uma mera análise empírica, por um lado, e jurídica por outro, do produto. De facto, a simples circunstância das relações societárias entre o Banco e sociedade emitente sempre obrigaria a uma apreciação de risco semelhante entre elas!

43) Assim, apesar do Banco-R. admitir que a informação não foi exaustiva, a verdade é que fica por determinar que a informação em falta fosse essencial à tomada de decisão de investir por parte do A. – prova que caberia ao A.

44) Quanto à dita falsidade da informação prestada, funda-se a posição do douto acórdão recorrido na comparação abusiva entre o instrumento financeiro em causa e um DP.

45) Ora, a comparação a que alude a decisão recorrida, era apenas e só quanto à sua segurança.

46) Ora, a segurança própria de cada uma das figuras sob comparação corresponde apenas ao risco de incumprimento da obrigação de reembolso, sendo, em ambos os casos, esta obrigação garantida pela respectiva entidade emitente – no caso do depósito, o banco, e no caso da obrigação, a SLN – mãe do banco! Nesta perspectiva não vemos qualquer relevante diferença entre uma obrigação da SLN e um DP no BPN, porquanto os riscos de solvência das entidades eram efectivamente os mesmos.

47) Sublinhe-se que não é crível que, em 2004, qualquer comum depositante confiasse nos bancos por causa do Fundo de Garantia de Depósitos – sendo certo que a grande maioria certamente o desconheceria à data! As pessoas confiavam nos Bancos per se, e pela supervisão a que estariam sujeitos – como estava igualmente sujeita a sociedade mãe do banco!

48) Prossegue a decisão recorrida afirmando que a informação prestada foi igualmente obscura, afirmando que com a informação dada nunca seria permitido aos clientes entender as especificidades do instrumento financeiro que estavam a subscrever, dando especial relevo a comparação com o Depósito a Prazo, fazendo relevar a pós-anunciada previsibilidade da crise de 2008.

49) Como se alegou já, tal comparação, feita apenas quanto ao risco inerente à operação, tinha perfeito cabimento e lógica, não sendo sequer falsa ou enganosa

50) A determinação de uma causalidade adequada obriga primeiro à determinação de uma relação consequencial naturalística típica ou normal, para que, em momento subsequente, essa normalidade seja reavaliada em face da possibilidade de intervenção de circunstâncias excepcionais decisivas para a produção do dano.

51) De todo o modo, a prova da causalidade adequada sempre recai necessariamente sobre o A., sob pena de se ver na causalidade adequada, um verdadeiro seguro sempre recaindo sobre os devedores o ónus da contraprova.

52) O douto acórdão recorrido simplesmente afirma e dá como provado, com recurso à auctoritas de um acórdão anterior (em que o relator do aresto ora recorrido foi também aí relator), num lapidar “…também não deve questionar-se a verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano…”.

53) Esta afirmação vem completamente ao arrepio de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça prolatado em 8/2022, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 212, de 3 de Novembro de 2022, com a Declaração de Retificação nº 31/2022, DR-224, SÉRIE I de 2022-11-21.

54) Reconhecendo, depois, que o facto atinente à demonstração do nexo causal (alegado no artigo 22.º da P.I.) não se encontra dado como provado!

55) Neste mesmo sentido, e concluindo pelo ónus da prova dos AA., veja-se, também de forma absolutamente eloquente, o Acórdão deste STJ de 6 de Junho de 2013, onde se discorre exactamente também sobre esta matéria, ou parecer do Prof. Doutor Pinto Monteiro, adiante junto.

56) A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico.

57) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Nas contra alegações o Autor concluiu, de relevante:

1ª. No caso em apreço, estamos perante uma violação dos deveres de informação pela Ré que levaram o Autor a contratar como contratou, circunstância a qual levou à perda do capital investido.

2ª. Quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, per se, quanto ao facto ilícito praticado pela Ré, esta na veste de entidade bancária e por inerência de intermediária financeira, está obrigada, como estava em 2004 (data dos factos em análise) ao cumprimento dos deveres previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em vigor à data dos factos, bem como ao CVM.

3ª. O Douto Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que, “A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menorforo seugraude conhecimento eexperiência, de modo a permitir-lhes uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

4ª. O Autor, tendo falta de conhecimentos técnicos e não tendo perfil de investidor apenas investiu como investiu por conhecer o funcionário da Ré no qual confiava, nunca lhe tendo sido explicado no que estava a investir.

5ª. Os funcionários da Ré tinham indicações para apresentar o produto em causa como se de um depósito a prazo se tratasse e com capital garantido, sem qualquer risco.

6ª. O Autor, comprovado pela prova produzida, desconhece ainda hoje o que sejam obrigações subordinadas.

7ª. Posto isto, temos quanto ao preenchimento do facto ilícito (de encontro ao acórdão do STJ) que o Autor apenas contratou como contratou por não lhe ter sido prestada informação de forma clara e leal, não ter sido alertado para os riscos nem informado do produto que estaria a adquirir, tudo conjugado com a confiança que depositava no seu gestor de conta.

8ª. Acaso nunca teria contratado como contratou.

9ª. O MMº Juiz em primeira instância, em sede de audiência de julgamento, efetuou de per se o exercício de prognose póstuma, como indicam inclusive as linhas mestras do douto acórdão de fixação de jurisprudência.

10ª. Relativamente ao pressuposto da culpa,

11ª. O Mesmo vem expresso no normativo legal do CVM.

12ª. Tratando-se de uma presunção legal.

13ª. Não obstante, trata-se de uma presunção ilidível, no entanto a Ré não logrou em circunstância alguma fazê-lo ou pelo menos de forma satisfatória.

14ª. Donde só se pode concluir que o mesmo se encontra preenchido op legis.

15ª. A Ré aquando das vendas das obrigações subordinadas em causa, omitiu sempre o risco que a elas está umbilicalmente associado, quase convencendo-se a si própria que o mesmo não existia, não transmitido tal informação aos clientes.

16ª. Quando se transmite a um cliente “que tal aplicação tem capital garantido”, a Ré sabe perfeitamente (o que preenche a sua atuação dolosa, uma vez que o fez de forma voluntária) que a leitura que o cliente faz de tal expressão é que findo o prazo de maturação (ou seja, o período de vencimento da obrigação) vai receber o seu dinheiro de volta acrescido dos juros!

17ª. Escudando-se agora atrás de interpretações maliciosas e distorcidas.

18ª. A Ré tinha como estratégia de venda, não explicar ao cliente do que se tratava o produto (uma obrigação subordinada) e garantir a devolução do capital investido com uma boa margem de lucro.

19ª. Ora o exercício a fazer quanto a esta matéria, prende-se com a falta e forma da informação que deveria ter sido prestada ao Autor e não o foi, donde nesta circunstância a própria letra da lei prevê que a Ré teve uma atuação não só dolosa, mas que atuou ainda com culpa grave.

20. Relativamente ao dano,

21ª. No tocante à matéria do dano, perece-nos a esta parte evidente, que o mesmo se cifrou na perda do capital investido pelo autor, porquanto findo o prazo de maturação da obrigação em crise, o mesmo não foi restituído.

22ª. Assim verificou-se uma diminuição na esfera patrimonial do Autor.

23ª. Por fim, quanto ao pressuposto nuclear do nexo causal,

24ª. O próprio acórdão de uniformização de jurisprudência, número 8/2022 de 3 de novembro, refere taxativamente que,

“4- Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres deinformação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

25ª. O Autor é uma pessoa de perfil conservador, aforrador, não sabendo, como ainda hoje não sabe do que se trata uma obrigação subordinada.

26ª. Ainda menos sabe do risco que a ela está umbilicalmente associado.

27ª. Para concretizar este pressuposto ficou assente no acórdão de uniformização de jurisprudência que é necessário efetuar um juízo de prognose póstuma para entender se nas circunstâncias exatas e com a prestação de toda a informação de forma leal e transparente, o Autor teria investido como investiu.

28ª. Donde, o próprio Juiz em 1ª instância acaba por fazer tal prognose, tendo o Autor sido perentório a indicar que nunca o faria, como consta dos factos provados e inclusivamente da documentação da audiência.

29ª. Desta feita, entende-se estarem preenchidos todos os pressupostos inerentes à responsabilidade civil contratual, devendo manter-se na integralidade a decisão recorrida, porquanto não se vislumbra qualquer violação do direito aplicado ao caso, mas tão só uma aplicação que pese embora correta, inconveniente para a Ré.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Objecto do recurso:

- A intermediação financeira e a responsabilidade civil do Réu;

- Violação do dever de informação e nexo de causalidade como pressupostos do dever de indemnizar.

Fundamentação.

Vêm provados os seguintes factos:

1. O BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi uma sociedade anónima, identificada com o NIPC n.º .......93, a qual tinha por objecto social o exercício de actividades consentidas por lei aos bancos.

2. A ré Banco BIC Português, S.A., é uma sociedade anónima, identificada com o NIPC n.º .........93, a qual tem por objecto o exercício de actividades consentidas por lei aos bancos.

3. Através da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro, a BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi nacionalizada.

4. No ano de 2012, a BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi adquirida pela ré Banco BIC Português, S.A.

5. O autor é ....

6. O autor tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.

7. O autor foi cliente do BPN - Banco Português de Negócios S.A..

8. Num primeiro momento, a conta à ordem do autor - conta n.º ..........01 - no BPN -Banco Português de Negócios S.A. esteve sediada na respectiva agência de ...; posteriormente foi transferida para a agência de ... e, por último, para a agência BPN sita no ....

9. Em tal conta o autor movimentava o dinheiro proveniente da sua actividade profissional e o dinheiro das suas poupanças.

10. No ano de 2004, o gestor de cliente do autor, no âmbito da orgânica do BPN, foi BB.

11. Pelo menos nos anos de 2008 e de 2009, o gestor de cliente do autor, no âmbito da orgânica do BPN, foi CC.

12. Entre 2010 a 2012, DD foi a gestora de cliente no que respeita ao autor.

13. Da parte do autor para com o BPN - Banco Português de Negócios S.A. existia uma relação de confiança, extensiva aos funcionários do então Banco, nomeadamente aos funcionários da agência do ..., particularmente, na pessoa do funcionário BB.

14. No ano de 2004, o funcionário da agência de ... do BPN BB contactou o autor.

15. Nas circunstâncias acima indicadas no ponto anterior, BB aludiu a aplicações, tendo dito ainda que tais aplicações seriam muito boas para o autor, que as mesmas apresentavam juros mais altos, eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com o capital garantido.

16. BB disse ainda que a subscrição de tal produto era segura e que o autor poderia confiar.

17. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 3 junto com a PI. Dá-se aqui destaque aos seguintes excertos do aludido documento:

“BPN SLN RENDIMENTO MAIS 2004 Boletim de Subscrição

Emissão de obrigações subordinadas. Natureza da emissão

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores.

(…)

Mínimo de subscrição

50.000,00 (1 obrigação) Período de subscrição

De 11 a 22 de Outubro de 2004 Data de liquidação financeira 25 de Outubro de 2004.

Prazo e Reembolso

O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado de emissão é possível por iniciativa da SLN Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.a. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Renumeração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas: (…)

Ordem de subscrição

(…) Montante Total 50.000,00 (…) O Banco

[carimbo aposto com os seguintes dizeres:] BPN Banco Português de Negócios [rúbrica ilegível aposta]

O subscritor / o representante do subscritor

Declaro (declaramos) que tomei (tomamos) conhecimento do Prospecto desta emissão e aceito (aceitamos) as respectivas condições.

(…) ..., 12 de Outubro de 2004 (…) [assinatura ilegível aposta]”.

18. Face ao então expresso por BB – e acima exposto -, o autor sentiu-se confiante e aplicou as suas poupanças nos termos acima constantes do ponto anterior.

19. Consta o documento n.º 4 junto com a PI, dando-se destaque aos seguintes excertos do aludido documento:

“BancoBic

Declaração de Titularidade

Para os devidos efeitos, declaramos que se encontra(m) depositado(s) nesta Instituição de Crédito, à data de 9 de Setembro de 2015, em nome de AA, o(s) título(s) abaixo indicado(s).

1 Obrigação de 50.000,00€ - SLNRMAIS SLN Rendimento Mais 2004. Lisboa, 9 de Setembro de 2015. (…)

20. O autor não dispunha de conhecimentos técnicos, que lhe permitisse analisar o tipo de produto proposto, nunca duvidou do que lhe foi transmitido.

21. Apenas no Verão do ano de 2015, o autor tomou conhecimento de o produto acima referido não garantia o respectivo capital aplicado.

22. O então BPN – Banco Português de Negócios, S.A. não explicou ao autor a natureza subordinada de tais obrigações.

23. Na sequência de carta remetida pela Galilei SGPS, Sa. (ex – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.), no Verão de 2015, o autor reclamou créditos no respectivo processo especial de revitalização n.º 22922/15.4... (documento n.º 5 da PI).

24. Ao autor nunca foi facultado documento que contivesse cláusulas sobre as Obrigações Subordinadas SLN 2004.

Foram julgados não provados os seguintes factos:

a) Que à conta n.º ..........01, acima referida nos factos provados, o autor recorresse para uso pessoal de gestão familiar;

b) Que BB fosse amigo de infância do autor;

c) Que no âmbito do acima expresso no ponto 15 dos factos provados, tivesse sido dito ao autor que o respectivo capital era garantido pelo próprio Banco;

d) Que, o acima expresso nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados tenha ocorrido na Praça ..., e que BB ai se tenha dirigido:

e) Que, nas circunstancias de tempo e de lugar acima referidas nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados, BB tenha-se feito acompanhar de documentação, nomeadamente do boletim de subscrição das aplicações em causa;

f) Que, nas circunstancias de tempo e de lugar acima referidas nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados, BB tenha explicitado que a taxa de juro de tais aplicações era superior a 3%; que o mesmo tenha ainda dito ao autor que tal subscrição do produto em causa fosse muito segura;

g) Que BB tivesse então referido ao autor que o valor entregue poderia ser levantado ao fim do 2.º ou 3.º ano sem qualquer penalização, e que ao fim de 10 anos a totalidade do montante poderia ser levantado sem qualquer problema;

h) Que tenha sido transmitido ao autor que, após os 2 ou 3 anos, havia a possibilidade de Call Option, ou seja poderia levantar as poupanças a partir do 2.º ano, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal;

i) Que a recepção da carta acima referida no ponto 24 dos factos provados tenha deixado o autor em pânico.

O direito.

No recurso está em causa saber se se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar, a saber, ilicitude, culpa e nexo de causalidade.

O acórdão recorrido, depois de qualificar a actividade do Réu como de intermediação financeira, entendeu que o Banco violou o dever de informação ao não elucidar o Autor quanto às características do produto financeiro que lhe propôs, e por se verificarem os demais pressupostos da obrigação de indemnizar, a “culpa [pelo menos com base em presunção não ilidida], o dano [o não reembolso de capital investido em instrumento financeiro] e o nexo de causalidade entre o facto e o dano”, condenou o Réu a reembolsar o Autor no valor do capital investido, acrescido de juros de mora desde a citação.

É contra este entendimento que o Recorrente se insurge, defendendo que não incorreu em qualquer ilicitude, não se encontrando ademais provado o nexo de causalidade, pugnando pela procedência da revista e a reposição da sentença que julgou a acção improcedente.

Não vem posto em causa que a intervenção do Banco BPN SA na subscrição pelo Autor, em 12 de Outubro de 2004, de uma obrigação subordinada SLN Rendimento Mais 2004, no valor total de €50.000,00, é qualificada como actividade de intermediação financeira.

O Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL nº 486/99 de 13.11, estabelece no art. 289º/1, a), que são actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros.

Por sua vez, intermediários financeiros são, nos termos do art. 293º/1 a), as instituições de crédito (e as empresas de investimento), que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal.

São serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art 290º/1, a) e b), a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

O exercício da intermediação financeira está sujeito a um conjunto de deveres, designadamente de informação, não só decorrentes do princípio geral da boa fé plasmado no art. 227º do C.Civil, como também da especial natureza da actividade, para que o cliente/investidor possa tomar uma “decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312 do CVM).

Como princípio geral, os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e devem actuar com boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art 304º, nºs 1 e 2 do CVM).

No que tange aos chamados “deveres de informação” o art. 312º estabelece que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada

Quanto à qualidade, prescreve o art. 7º, nº1, que a informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

Como decidiu o Acórdão do STJ de 10.11.2022, P.7880/18, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu e subscrito pelo relator do presente:

“A informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidos não qualificado será ilícita se ocorrer violação daquele dever com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objectividade e licitude.

A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”

A omissão destes deveres, pode dar origem à obrigação de indemnizar os danos causados aos investidores nos termos prescritos no art. 314º:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação dos deveres de informação.

Neste particular, impõe-se convocar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 6 de Dezembro, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto que “o reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”) sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Após a prolação deste acórdão, a jurisprudência do STJ tem sido unânime na caracterização da violação do dever de informação e quanto ao necessário nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e o dano.

Citam-se os seguintes arestos, todos publicados no site www.dgsi.pt:

Acórdão de 30.11.2022, P. 7882/18 (Maria da Graça Trigo):

Em resultado da aplicação ao caso dos autos da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ, nº 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação.

Acórdão de 10.01.2023, P. 31/17, (Catarina Serra):

Resultando dos factos provados que “se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente o autor não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro” deve dar-se por verificado o nexo de causalidade.

Acórdão de 02.03.2003, P. nº 1872/16 (Tibério Nunes da Silva):

I - A informação prestada por um Banco, no âmbito da intermediação financeira, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, adequada ao perfil do investidor, de modo a propiciar a este uma decisão esclarecida e fundamentada, tomada na posse de todos os elementos relevantes (como serão, por exemplo, os atinentes à distinção entre obrigações subordinadas e depósitos a prazo), sob pena de se poder concluir pela violação desse dever e que uma informação feita de acordo com as exigências legais teria levado o cliente a não investir;

II - Preenchem-se, num quadro em que se concluiu pela violação de um tal dever, os requisitos da ilicitude e da culpa, para além do nexo de causalidade, feita a prova de o cliente não teria investido no produto (obrigações subordinadas), apresentado como sendo semelhante a um depósito a prazo e tão seguro como este, caso tivesse sido fornecida uma informação com as caraterísticas referidas em I.

Acórdão de 28.02.2023. P. 239/19 (António Magalhães):

I - Se o Banco, intermediário financeiro, que propôs a subscrição de uma obrigação SLN 2004, informando o cliente de que tal produto era idêntico a um depósito a prazo e que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco, prestou uma informação que não era verdadeira, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7º, nº1 do CVM);

II – O Autor logrou demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital investido se provou que “só se dispôs a fazer a aplicação porque lhe foi afiançado pelo gestor que o retorno era garantido pelo próprio Banco.”

Acórdão de 14.03.2023, P. 1510/20 (Jorge Arcanjo):

“Considerando a orientação fixada no AUJ nº 8/2022, provando-se que o autor, investidor não qualificado, não teria investido neste tipo de produto financeiro (obrigações SLN 2006) se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes e que só aceitou investimento devido às informações de que não corria o risco de perder o capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo banco réu, está demonstrado nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano.”

Acórdão de 28.02.2023, P. 3195/16 (Pedro de Lima Gonçalves):

Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto sucedâneo do depósito aprazo e com semelhantes características.

Revertendo agora ao caso dos autos, temos como seguro que o Réu incumpriu o dever de informação. Conclusão que retiramos da circunstância de, sendo o Autor uma pessoa sem conhecimentos financeiros, tendo como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade, não ter sido informado sobre as características do produto que lhe foi apresentado, designadamente o que eram obrigações, a entidade que as emitia, que por serem obrigações subordinadas, em caso de insolvência da sociedade emitente o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. arts. 48º e 177º do CIRE). Igualmente, a afirmação de que se tratava de uma aplicação “em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido”, não era completa nem verdadeira.

É de concluir, pois, que o Banco não cumpriu os deveres de informação que impendiam sobre si, quer como instituição de crédito, quer como intermediário financeiro.

Violação culposa, na medida em que o Réu não ilidiu a presunção de culpa estabelecida no nº2 do art. 314º do CVM, segundo o qual “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relação contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Verificados os pressupostos da ilicitude e da culpa, cumpre indagar da verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, pressuposto que nos termos do AUJ nº 8/2022 não se presume, constituindo ónus do Autor provar que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos não teria investido naquela aplicação financeira.

Ora, neste particular não podemos acompanhar o acórdão recorrido. Com efeito, a matéria de facto apurada não permite ter como verificado o nexo de causalidade, pois que dela não resulta que a prestação da informação devida teria levado o Autor à decisão de não investir.

Com efeito, o facto provado no ponto 18 – “Face ao então expresso por BB – e acima exposto -, o autor sentiu-se confiante e aplicou as suas poupanças nos termos acima constantes do ponto anterior” – não é bastante para dar como provado o nexo de causalidade, por dele não ser possível concluir que se o Autor tivesse recebido a informação completa não teria subscrito a obrigação.

Assim, e apesar de provada a ilicitude, não podendo dar-se por assente o nexo de causalidade, não é possível acolher a pretensão do Autor no sentido de responsabilizar o intermediário financeiro.

O que conduz à procedência da revista, não podendo manter-se a decisão recorrida.

Decisão.

Pelo exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e julga-se a acção improcedente, com a consequente absolvição do Réu do pedido.

Custas pelo Autor/recorrido.

Lisboa, 25.01.2024

José Ferreira Lopes (relator)

Sousa Lameira

Lino Ribeiro