Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4843/10.9TBFUN-B.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS / IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CRDORES RECONHECIDOS - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO - ENCERRAMENTO DO PROCESSO / EFEITOS DO ENCERRAMENTO NO PROCESSO DE VERIFICAÇÃO.
Doutrina:
- Ana Prata et al., “Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas” Anotado, 2013, 645.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 3.ª ed., 840, 841.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 3.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS, 209.º, N.º3, 230.º, N.º1, ALS. B), C) E D), 233.º, N.º2, AL. B).
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:

-ACÓRDÃOS DA RL DE 24-09-2015 (PROCESSO Nº 3293-12.7TBPDL-H.L1-6), DA RL DE 31-10-2013 (PROCESSO Nº 1144/08.6TYLSB.L1-6), DA RP DE 28-04-2014 (PROCESSO Nº 2609/11.8TBPDL-K.P1), DA RP DE 06-02-2014 (PROCESSO Nº 106/11.0TBAMM-B.P1) E DA RP DE 15-10-2013 (PROCESSO Nº 1881/12.0TBPNF.P1), TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT. NO SENTIDO DO SEGUNDO ENTENDIMENTO, ENTRE OUTROS, OS ACÓRDÃOS DA RG DE 04-06-2013 (PROCESSO Nº 1808/12.0TBBRG-F.G1) E DE 19.2.2013 (PROCESSO Nº 1808/12.0TBBRG-D.G1), TAMBÉM ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O encerramento do processo de insolvência por efeito de homologação de plano de insolvência não implica necessariamente a imediata extinção da instância no processo de verificação de créditos em que ainda não tenha sido proferida a sentença.

II. Tendo sido impugnada a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência e tendo o plano aprovado previsto medidas de recuperação da empresa alternativas que levaram em linha de conta a eventualidade das impugnações procederem (art. 209º nº 3 do CIRE), impõe-se o prosseguimento do processo de verificação.

Decisão Texto Integral:

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA, S.A. requereu oportunamente pelo Tribunal Judicial do ..., e viu deferida, a declaração da sua insolvência.

Seguindo o processo seus termos, foram reclamados os créditos e houve impugnações à listagem de créditos apresentada pelo Administrador da Insolvência.

Veio a ser apresentado e homologado plano de insolvência.

Foi proferida decisão a declarar encerrado o processo de insolvência.

Na sequência, veio a ser proferida (23-06-2015) nos autos de reclamação de créditos a seguinte decisão:

«Nos autos principais foi encerrado o processo, nos termos do artigo 230º, nº1, alínea b), do CIRE.

Tal encerramento implica a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, quando ainda não tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do artigo 233 °, n.º 2, alínea b), do CIRE.

Face ao exposto, considerando que nos presentes autos ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, o Tribunal decide declarar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide».

Inconformados com tal decisão, contra ela apelaram os seguintes dois grupos de credores (recursos apresentados a fls. 12427 e seguintes e a fls. 12481 e seguintes):

Primeiro recurso:

- BB;

- CC;

- DD;

- EE;

- FF;

- GG;

- HH;

- II;

- JJ e

- KK, LDA.,

Segundo recurso:

- LL;

- MM, LDA.;

- NN;

- OO;

- PP;

- QQ, LDA.;

- RR, LDA.;

- SS, LDA.;

- TT;

- UU, LDA.;

- VV;

- WW;

- XX;

- YY;

- ZZ;

- AAA;

- BBB,

- CCC

- DDD e

- EEE.

Vieram manifestar a sua adesão:

Ao primeiro recurso:

- FFF (fls. 12479);

- GGG e HHH (FLS. 12496);

- III, LDA. E JJJ LDA. (fls. 12533).

Ao segundo recurso:

- KKK, SA (fls. 12499);

- LLL, MMM, NNN e OOO (fls. 12505).

A Relação de …, em acórdão proferido por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão recorrida, julgando assim improcedentes as apelações (acórdão a fls. 12724 e seguintes).

De novo inconformados, interpuseram parte dos credores (os que haviam interposto a segunda apelação) recurso de revista excecional (alegação a fls. 13079 e seguintes).

Neste Supremo Tribunal foi a revista excecionalmente admitida pela competente formação de juízes, por se entender que concorria no caso a hipótese da alínea a) do nº 1 do art. 672º do CPCivil.

                                                           +

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões:

A. Quer a sentença do tribunal a quo, quer o Acórdão recorrido, ao declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, não tem qualquer fundamento de facto e de direito nos termos do disposto nos artigos 230.°, nº 1, aliena b) e 233, nº 2, alínea b) do CIRE. O despacho proferido pelo tribunal da lª instância violou, por isso, o disposto nos arts. 230.°, nº 1 b) e 233.°, nº 2, b), ambos, do CIRE.

B. O disposto no art. 209.° nº 3 do CIRE impõe que, nos casos em que o plano de insolvência é aprovado e homologado antes da prolação e trânsito em julgado da sentença de verificação de créditos, se acautelem, no próprio plano, os efeitos decorrentes da eventual procedência das impugnações das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos, donde resulta claramente que o encerramento do processo que tenha como causa a homologação do plano de insolvência não pode, jamais, determinar de forma obrigatória e automática a extinção da instância dos processos de impugnação das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos. Por conseguinte, a sentença do tribunal da 1ª instância e o Acórdão recorrido violaram, pois, o disposto nos artigos 209, nº 3 e alínea b) do nº 2 do art. 233.° do CIRE;

C. Em obediência ao comando normativo constante do art. 209.° nº 3 do CIRE, o plano de insolvência que foi homologado nestes autos prevê um plano B para o caso de virem a ser deferidas as impugnações, o que, só por si, impõe decisão diversa da que foi proferida, sendo pois, contraditório com a decisão de extinção da instância.

D. As alterações efetuadas na redação do nº 3 do art. 209.° e da alínea b) do nº 2 do art. 233.° do CIRE, pelo Decreto-lei nº 220/2004 de 18 de Agosto, nomeadamente o aditamento introduzido na alínea b) do nº 2 do art. 233.° do CIRE só pode significar que o legislador efetivamente pretendeu a continuação do processo de verificação até à decisão final.

E. A sentença de verificação de créditos assegura aos credores a certeza que obterão o pagamento no âmbito do plano de insolvência homologado, ficando estes na posse de um título executivo quanto à totalidade dos seus créditos.

F. Pelo que, a homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tomar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos, sob pena de por em causa o disposto no nº 3 do art. 209.° e a alínea b) do nº 2 do art. 233.° do CIRE.

G. A norma do art. 233.° nº 2, b) do CIRE, interpretada no sentido de que a homologação do plano de insolvência determina a extinção do apenso das reclamações de crédito, nomeadamente, as impugnações da lista de créditos, sem que tenha havido lugar à prolação da sentença de verificação e graduação de créditos, viola, quer o princípio da igualdade dos credores, consagrada, quer no art. 194.° do CIRE, no art. 604.° do CC e no art. 13.° da CRP; quer ainda o princípio da separação de poderes, na medida em que atribui a um administrador de insolvência, o poder de reconhecer ou não, os créditos reclamados pelos credores da insolvência, competência essa, que cabe única e exclusivamente aos Tribunais; quer ainda o direito de acesso ao direito, consagrado no art. 20º da CRP, que garante a efetividade da justiça e a tutela judicial efetiva.

Terminam dizendo que, em procedência do recurso, deverá ser produzida decisão que ordene o prosseguimento dos autos de impugnações das listas de créditos, até prolação da sentença de verificação de créditos.

                                                           +

O credor FUNDO RECUPERAÇÃO, FCR contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão única a conhecer:

- A de saber se o encerramento do processo de insolvência implica ou não a extinção da instância do processo de verificação de créditos.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto:

São os seguintes os factos interessantes à decisão do recurso:

- No processo principal foi apresentado por um credor (Fundo de Recuperação, FCR) plano de insolvência (proposta de recuperação da empresa), que, ao abrigo do disposto no art. 209º, nº3, do CIRE, se desdobrou num Plano A (correspondendo à proposta de recuperação da empresa no caso de a situação de créditos reconhecidos, respetiva qualificação e valores dos créditos decorrentes do Relatório do Administrador de Insolvência se manterem por decisão judicial com trânsito em julgado) e num Plano B (para o caso de serem deferidas as impugnações resultantes do não reconhecimento de créditos pelo Administrador da Insolvência e deferida a impugnação contra o crédito do Fundo de Recuperação), com várias alterações relativamente ao Plano A – (certidão de fls. 12585 e segs.).

- A proposta de plano apresentada foi homologada por sentença datada de 28-08-2012 (referida certidão, mais especificamente, fls. 12674-12681).

- Interposto recurso da sentença que homologou o plano, foi, por acórdão do Tribunal da Relação de …, datado de 21-01-2014, negado provimento a esse recurso (fls. 12682-12719).

- Em 30-01-2015 foi proferida, no processo principal, a seguinte decisão:

«Tendo em conta que o plano de insolvência foi homologado por decisão transitada em julgado, o Tribunal decide declarar o encerramento do processo, nos termos do artigo 230.°, n.° 1, alínea b), do CIRE.

Notifique os credores, publique e proceda ao registo da presente decisão, como impõe o artigo 230 °, n.° 2, do CIRE, que remete para o artigo 38° do mesmo diploma legal».

- Os Recorrentes, credores reclamantes na insolvência, impugnaram (3 de fevereiro de 2011) a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, pretendendo que fosse reconhecido o direito a ver cumprido o contrato de aquisição de duas frações autónomas, e que, caso se entendesse que já fora recusado o cumprimento do contrato pelo administrador da insolvência, se lhes reconhecesse crédito nos montantes que especificaram, a qualificar como garantido.

- Em 16 de fevereiro de 2015 os Recorrentes apresentaram requerimento onde pretenderam o seguimento do processo de verificação de créditos com a convocação da tentativa de conciliação a que alude o art. 136º do CIRE.

De Direito:

Dispõe o art. 209º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma a que pertencem as normas adiante citadas sem outra especificação) que:

[…]

«2 - A assembleia de credores convocada para os fins do número anterior [discussão e votação da proposta do plano de insolvência] não se pode reunir antes de transitada em julgado a sentença de declaração de insolvência, de esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos e da realização da assembleia de apreciação de relatório.

3 - O plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido».

E no art. 230º, nº1 estabelece-se que:

«1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

[…]

b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste».

No art. 233º preceitua-se que:

[…]

«2 - O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:

[…]

b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias».

Nesta última norma contemplam-se, pois, duas exceções relativamente à regra da extinção da instância dos processos de verificação de créditos que se encontrem pendentes, e que são:

- Ter já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º (caso em que a extinção da instância só se dará quando, havendo recursos da sentença, estes estiverem findos);

- Decorrer o encerramento da aprovação de plano de insolvência (ou, mais exatamente, após a decisão de homologação, transitada em julgado, do plano de insolvência, de acordo com o art. 230º, nº 1, b)).

Apesar da aparente linearidade literal deste conjunto normativo, não é o mesmo de fácil interpretação.

Daqui que se mostram constituídas duas orientações jurisprudenciais de sentido divergente: uma defendendo que o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação de plano de insolvência não tem como consequência obrigatória a extinção da instância no apenso de verificação e graduação de créditos em que ainda não tenha sido proferida a sentença, devendo prosseguir até final; outra defendendo o contrário. No sentido do primeiro entendimento se decidiu (e para citar apenas alguns) nos acórdãos da RL de 24-09-2015 (processo nº 3293-12.7TBPDL-H.L1-6), da RL de 31-10-2013 (processo nº 1144/08.6TYLSB.L1 -6), da RP de 28-04-2014 (processo nº 2609/11.8TBPDL-K.P1), da RP de 06-02-2014 (processo nº 106/11.0TBAMM-B.P1) e da RP de 15-10-2013 (processo nº 1881/12.0TBPNF.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. No sentido do segundo entendimento podem ser citados, entre outros, os acórdãos da RG de 04-06-2013 (processo nº 1808/12.0TBBRG-F.G1) e de 19.2.2013 (processo nº 1808/12.0TBBRG-D.G1), também acessíveis em www.dgsi.pt. Esta última orientação está em linha com o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 3ª ed., p. 841).

Propendemos resolutamente para a orientação que propugna pela inadmissibilidade legal da extinção da instância numa hipótese como a vertente.

A nossa interpretação é a seguinte:

No caso de estarem subjacentes à extinção da instância do processo de verificação causas de encerramento (antes do rateio final) do processo de insolvência diversas da aprovação de um plano (trata-se necessariamente das hipóteses das alíneas c) e d) do nº 1 do art. 230º), não se colocará razoavelmente a necessidade do prosseguimento do processo de verificação de créditos. Tal prosseguimento constituiria normalmente uma inutilidade ou, no limite, pouco interesse prático teria para os credores. Por isso determina a lei a extinção da instância nesse processo. Pode porém suceder que tenha “… já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos”… (supra aludida primeira exceção). Neste caso a lei opta pelo aproveitamento da atividade judicial já desenvolvida (que poderá vir a ter interesse, subsequentemente à insolvência, para os credores) e fá-la logicamente seguir até decisão final nos recursos que acaso tenham sido interpostos nesse domínio, além de que não teria sentido extinguir uma instância já terminada pela decisão proferida (neste último sentido, v. Ana Prata et al., Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas, Anotado, 2013, p. 645).

Tendo sido o encerramento do processo de insolvência motivado pela aprovação de plano de insolvência (hipótese do art. 230º nº 1 b)) - e aqui estamos a falar da segunda apontada exceção - quer a lei que não se extinga a instância ainda pendente no processo de verificação de créditos (mas, provavelmente, a lei deverá aqui ser interpretada de modo restritivo, de forma a contemplar apenas, conjugadamente com o nº 3 do art. 209º, a hipótese de terem sido apresentadas impugnações). O propósito da lei no sentido da não extinção da instância neste caso decorre claramente da alternativa (enxertada pelo DL nº 200/2004 no primitivo texto do CIRE) constante da alínea b) do nº 2 do art. 233º (…”ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”…), e mais claro decorre do teor literal do nº 3 do art. 209º. Pois que nesta última norma se faz alusão expressa à “eventual procedência das impugnações da lista de credores”, e isto não pode significar senão que o conhecimento judicial das impugnações (rectius sentença de verificação) é legalmente mandatório, funcionando como uma inevitabilidade conatural à circunstância de estar pendente de resolução uma questão que interessa à execução do plano, precisamente porque este tem de contar com a eventualidade da procedência das impugnações. A lei admite que o plano possa ser aprovado sem estarem ainda estabilizadas as posições creditórias controvertidas (quanto aos credores, montantes dos créditos e qualificação dos créditos), visando assim favorecer as perspetivas de recuperação das empresas (conforme exarado no preâmbulo do DL nº 200/2004), mas quer que a seu devido tempo essa estabilização aconteça (pelo menos quando tenha havido impugnações à listagem dos créditos), e isto realiza-se precisamente através do conhecimento judicial das impugnações, não com a imediata extinção da instância. Essa estabilização é que determinará em definitivo se devem ou não ser atuadas as cautelas que, justamente, o nº 3 do art. 208º impõe serem tomadas no plano. Só esta interpretação, que leva em conta, de forma conjugada, as prescrições do nº 3 do art. 209º (“O plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido”) e da alínea b) do nº 2 do art. 233º se conforma com o disposto no nº 3 do art. 9º do CCivil. Podemos assim assentar em que, havendo impugnações, o plano aprovado antes da estabilização das posições credoras se apresenta sempre como que indefinido no seu objeto, na medida em que tem que trabalhar sobre dois cenários possíveis: o das impugnações não vingarem e o de vingarem.

Acresce dizer que qualquer outra interpretação do conjunto normativo em causa teria pouca probabilidade, se é que alguma, em conviver com os princípios constitucionais da igualdade (nas vertentes da proibição do arbítrio e da proibição da discriminação) e do acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional (nas vertentes de direito de ação, direito ao processo e direito a um processo equitativo). Como bem apontam os Recorrentes, a extinção da instância sem que estejam apreciadas as impugnações tornaria irrelevantes as cautelas que a lei determina no nº 3 do art. 209º (o que, aliás, violaria a sentença homologatória do plano, tal como configurado na sua totalidade), sonegaria o exercício de direitos dos credores e levaria a que fosse o administrador da insolvência o definitivo decisor da controvérsia gerada em torno dos créditos, o que seria intolerável.

Isto posto:

No caso vertente vemos que foram apresentadas, nomeadamente pelos ora Recorrentes, impugnações à listagem de créditos feita juntar pelo Administrador da Insolvência.

Mais vemos que, em estrita obediência ao constante do nº 3 do art. 209º, o plano aprovado estabeleceu, em sede de medidas de restruturação financeira, dois subplanos distintos (conquanto não inteiramente divergentes): o Plano A (Plano Matriz, correspondendo à proposta de recuperação da empresa no caso de a situação de créditos reconhecidos, respetiva qualificação e valor que decorre do relatório de insolvência ser mantida por decisão do tribunal com trânsito em julgado) e o Plano B (plano alternativo, este para o caso de serem deferidas as impugnações).

Ora, assim sendo, como é, está por saber qual é o plano que deverá ter execução definitiva, o que é dizer, estamos perante um plano que não se apresenta ainda totalmente definido no seu objeto. A dilucidação desta questão passa necessariamente pelo prosseguimento do processo de verificação dos créditos com vista ao conhecimento das impugnações, o que de todo é incompatível com a decretada extinção da instância. E é precisamente isso que, a nosso ver, decorre da aplicação conjugada do nº 3 do art. 209º e da alínea b) do nº 2 do art. 233º.

Procedem assim as conclusões do recurso, não sendo de subscrever nem o entendimento do acórdão recorrido nem o entendimento vertido pelo Recorrido na sua contra-alegação. Aliás, o entendimento do Recorrido é até um pouco estranho, desde que se tenha em conta que foi ele quem apresentou o plano, do qual consta (precisamente sob a invocação do nº 3 do art. 209º) que a respetiva implementação está condicionada pelo que vier a ser decidido em sede de impugnação da listagem de credores. Pergunta-se: se assim é, como pode então estar o Recorrido a defender que não há lugar a tal apreciação mas sim à imediata extinção da instância?

Argumenta o Recorrido, porém, que sempre seria inadmissível o prosseguimento do processo de verificação dos créditos visto que tal não foi requerido no prazo de 30 dias estabelecido na parte final da alínea b) do nº 2 do art. 233º. Mas não é assim, tanto porque a realidade retratada no processo mostra que em 16 de fevereiro de 2015 (dentro, portanto, dos 30 dias subsequentes à decisão de encerramento do processo de insolvência) foi manifestada nos autos a vontade de que o processo de verificação seguisse seus termos, como porque a necessidade de um tal requerimento está legalmente dirigida às ações de restituição e separação de bens já liquidados, não ao processo de verificação dos créditos (neste sentido, v. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., p. 840). A letra da lei (menção a “acções”, o que não se adequa nada ao procedimento de impugnação de créditos) e o seu propósito (necessidade lógica do conhecimento das impugnações, logo oficiosidade) assim o impõem.

Procede pois a revista.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e, em consequência, é revogado o acórdão recorrido e é determinado o prosseguimento dos autos de verificação de créditos.

Regime de custas:

O Recorrido é condenado nas custas da revista e nas custas inerentes à instância recorrida (apelação).

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Sumário:

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Lisboa, 22 de novembro de 2016

José Rainho - Relator

Nuno Cameira

Salreta Pereira