Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2096/15.1T8LSB.L1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
"MEDIDA DE RESOLUÇÃO" DO BP
TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE LITIGIOSA
DESISTÊNCIA DE RECURSO
NEGÓCIO JURÍDICO
INEFICÁCIA
INVALIDADE
DEVER DE INFORMAÇÃO
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
CULPA IN CONTRAHENDO
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
CONDENAÇÃO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Doutrina:
- BAPTISTA MACHADO, Cláusula do razoável, Obra dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991, p. 543-544.
- ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no direito civil, Almedina, Coimbra, 1983, p. 584;
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º E 799.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-03-2001, PROCESSO N.º 3682/05.3TVSLB.L1.S1;
- DE 18-12-2002, PROCESSO N.º 1610/07.0TMSNT.L1.S1;
- DE 22-01-2009, PROCESSO N.º 08B3301;
- DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 3795/04.9TVLSB.S1;
- DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 1212/06.0TBCHV.P1.S1;
- DE 24-06-2014, PROCESSO N.º 4806/07.1TVLSB.L1.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 607/06.2TBCNT.C1.S1;
- DE 10-09-2019, PROCESSO N.º 462/15.1T8VFR.P1.S2, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A responsabilidade pré-contratual prescrita pelo art. 227º do CCiv. é uma responsabilidade obrigacional que sanciona o incumprimento de deveres jurídicos de conduta, entre os quais avultam deveres de lealdade e de informação, que exigem atuação consequente, não arbitrária e não indutora de erros na relação intersubjetiva própria de um processo negocial em curso e a prestação de esclarecimentos e comunicações relevantes para a conclusão do contrato, nomeadamente quando uma das partes se encontra numa posição de fragilidade ou diminuição comparativa de estatuto.

II. Uma vez detectada que a responsabilidade pré-contratual pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz visa a indemnização pelo interesse contratual negativo ou interesse na confiança ou na produção de certos efeitos jurídicos, dirigida a reparar os danos emergentes de tal confiança investida, que o lesado não teria sofrido ou teria evitado se não tivesse celebrado o contrato que se veio a frustrar (frustrando a expectativa na sua conclusão válida e eficaz) em razão da sua invalidade, os deveres de informação são mais intensos e exigentes na esfera de entidades qualificadas pelo seu conhecimento, habilitação e experiência (como são as entidades bancárias e financeiras) em face de contraentes menos experientes, mais frágeis e de intervenção ocasional nesse tipo de negócios.

III. Se se conclui que impendia sobre tal parte mais qualificada comunicar o “regime legal específico” sobre a formalidade ad subsantiam e composta que condicionada a validade dos contratos celebrados, deve tal parte responder com culpa in contrahendo (presumida pelo art. 799º, 1, do CCiv. e não ilidida em concreto) pelos danos que coloquem o lesado na situação em que estaria se não se tivesse verificado o facto lesivo – isto é, na situação em que estaria se o lesante lhe tivesse comunicado e informado o que deveria para essa conclusão contratual ser despida de vícios, permitindo que se afastasse da celebração do contrato ou preenchesse ele mesmo as exigências de forma –, sendo abrangidos por tais danos indemnizáveis as despesas realizadas e os custos associados por se ter confiado na conclusão do contrato e na sua execução.

IV. A transmissão ope legis e independente de consentimento de “responsabilidade litigiosa” entre instituições financeiras no âmbito de “medida de resolução”, decretada por deliberação do Banco de Portugal em execução dos poderes e disciplina previstos no RGICSF, implica a absolvição dos pedidos julgados procedentes pela sentença de 1.ª instância (que se repristinam na revista) em relação à Ré, instituição financeira-banco transmitente, e a condenação da Interveniente Principal Chamada ao processo, instituição financeira-banco transmissário, sem que tal dispositivo decisório em sede recursiva viole o princípio do dispositivo, pois a decisão proferida inscreve-se no âmbito da pretensão formulada e do efeito jurídico a obter com a providência jurisdicional requerida e, também em aplicação do dever de gestão processual que assiste ao tribunal, revela-se adequada à justa composição da situação litigiosa.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

6ª Secção


I. RELATÓRIO

1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra «BB, S.A.», pedindo que fosse decretada a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados entre a Autora e a Ré e, consequentemente, fosse a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de € 48 265,33 (que discrimina em relação a quantias pagas a título de IMT e IS, inscrição das aquisições dos imóveis e respectivas hipotecas junto do Registo Predial, seguros obrigatórios, prestações pagas à Ré para liquidação do capital mutuado, incluindo juros e taxas de processamento, sinal e princípio de pagamento, com a celebração dos contratos de promessa celebrados, despesas efectuadas pela Autora com mobiliário e electrodomésticos, entre outros bens, para os imóveis adquiridos, despesas de água e electricidade), assim como ao pagamento de todos os montantes que se vencerem na pendência da presente acção, designadamente, água, luz, seguros e prestações bancárias e, por fim, a condenação no pagamento de uma indemnização não inferior ao montante de € 5.000,00, por todos os danos não patrimoniais causados à Autora. Todas as quantias peticionadas deveriam ser acrescidas do pagamento dos juros de mora vencidos à taxa legal em vigor, contados desde as datas dos respectivos vencimentos, até efectivo e integral pagamento.

Para a viabilidade de tais pedidos, a Autora alegou ter celebrado com a Ré dois contratos de compra e venda que tinham por objecto duas fracções autónomas sitas em ..., ..., pagando por cada uma delas a quantia de 80.000,00 euros. Para pagamento dos preços ajustados contraiu junto da Ré dois empréstimos no montante de 70.000,00 cada. Pretendia destinar as fracções autónomas em causa ao arrendamento a terceiros para assim obter rendimentos. Acontece que, enquanto mobilava e equipava os imóveis em causa, foi contactada por CC, que se apresentou como sendo a entidade exploradora do empreendimento em que as fracções autónomas estão inseridas, que a informou que aquelas fracções são apartamentos turísticos sujeitos a um regime especial e que, por tal razão, a Autora não pode arrendar as fracções por si, nem destinar as mesmas a habitação própria permanente, nem equipar/mobilar os apartamentos a seu gosto e critério, tendo em conta que estavam inseridas num empreendimento turístico com uma exploração sujeita a um regime especial. A Autora alegou desconhecer tal situação uma vez que não informada pela Ré. Acresce que as transmissões da titularidade de bens imóveis sujeitos a tal regime deve ser acompanhada de título constitutivo do regime turístico e cópia do contrato de prestação de serviços de exploração, documentos que não foram juntos com a celebração da escritura pública, o que determina nos termos da lei aplicável ao caso a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados.

2. A Ré contestou tendo em vista a improcedência da acção e a absolvição do pedido, impugnando a versão dos factos alegados pela Autora, mais alegando que a A. sabia, em momento anterior à outorga dos contratos, que as fracções por si adquiridas faziam parte de um empreendimento turístico sujeito a regras próprias de exploração turística, desde logo porque, antes da outorga dos contratos, a Autora, na sequência da entrega que foi feita da minuta do documento complementar que constitui o Anexo Um de cada uma das escrituras, manifestou o seu desacordo relativamente a uma das cláusulas constante dos ditos Anexos, que foi alterada a pedido da Autora. Considerou por isso a Ré BB que a Autora bem conhecia a situação das fracções autónomas que adquirira e que foi por se ter incompatibilizado com a entidade exploradora que se determinou a invocar a nulidade dos contratos, actuando em abuso de direito.

3. Convidada a pronunciar-se sobre a excepção do abuso de direito deduzida pela Ré (fls. 221), a Autora alegou que a mesma não se verifica, que celebrou o negócio de boa fé e confiou em todos os profissionais envolvidos e nunca utilizou as fracções autónomas nem delas retirou qualquer proveito, concluindo pela improcedência.

4. Posteriormente, a Autora veio deduzir ampliação do pedido (art. 265º, 2, CPC), tendo por fito a condenação da Ré no pagamento de montantes que se venceram na pendência da acção e que lhe serviram de base (nomeadamente incidindo sobre o ponto c) do petitório, com aumento para a quantia global de € 57 478,29), que faz fls. 243.

5. Foi realizada audiência prévia em 31/5/2016, com suspensão para que a Autora diligenciasse a intervenção processual do DD e para que a Ré se pronunciasse sobre a ampliação do pedido. 

6. Em virtude da aplicação pelo Banco de Portugal da Medida de Resolução, prevista no RGICSF (art. 145º-E, 1, a)), à Ré BB, veio a Autora requerer incidente de intervenção principal provocada da «DD, S.A.» (doravante, DD), que adquirira “os direitos e obrigações que constituíssem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BB”, constantes do Anexo 3 da pertinente Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20/12/2015, e, “nessa sequência, solidariamente condenados” a Ré BB e a DD. Foi admitida a intervenção da DD em litisconsórcio com a Ré BB. Citada a Chamada, veio a DD declarar que fazia seu o articulado apresentado pela Ré BB. Para tudo, cfr. fls. 287-302.

7. Notificada a Chamado para se pronunciar sobre a ampliação do pedido, foi admitido por despacho com a alteração das alíneas pertinentes do petitório (cfr. fls. 304-305).

8. Foi proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa, do objecto do litígio e de temas de prova, bem como elencados os factos já assentes.

9. A Ré BB veio aos autos requerer, a fls. 407 e ss, a absolvição do pedido, considerando a inexigibilidade do cumprimento de obrigações decorrente da sujeição à aludida Medida de Resolução deliberada pelo Banco de Portugal e consequente aplicação da disciplina pertinente do RGICSF. A Autora respondeu a fls. 545 e ss, considerando-se estar perante uma excepção e concluindo pela sua improcedência e em tudo o mais como na petição inicial.

10. Efectuou-se a audiência de discussão e julgamento em sessões realizadas nos dias 26/9/2017 e 24/10/2017, concluindo-se os autos para prolação de sentença. Esta foi proferida em 3/4/2018, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

(1) declarando-se “a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados entre a autora e o réu e, consequentemente, a) determina-se a restituição pela autora das fracções autónomas identificadas nos autos ao réu”; b) condena[m]-se o réu e o chamado a restituir à autora a quantia de [€] 42.978,44 a título de prestações pagas ao réu e ao chamado para liquidação do capital mutuado, incluindo juros e comissões e impostos e quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento”;

(2) “condenam-se o réu e o chamado a pagar à autora a título de indemnização os seguintes montantes: (i) O montante de € 10.529,70 pago a título de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT); (ii) O montante de € 1.295,96 pago a título de Imposto de Selo; (iii) O montante de € 900,00 pago pela inscrição das aquisições dos imóveis e respectivas hipotecas, junto do Registo Predial; (iv) O montante de € 1.037,32 pago a título de seguros obrigatórios; (v) O montante de € 292,40 a título de taxas de processamento, entre Janeiro de 2015 e Maio de 2016; (vi) O montante de € 483,59 gastos com despesas de água; (vii) O montante de € 328,31 gastos com despesas de electricidade; (viii) O montante de € 626,44 a título de Imposto Municipal sobre Imóveis”;

(3) “Mais se condena o réu e o chamado a pagarem à autora todos os montantes que se vencerem na pendência da presente acção, designadamente, seguros e prestações bancárias”;

(4) condenando, por fim, a Ré e o Chamado “a pagar à autora juros de mora vencidos à taxa legal em vigor, sobre todas as quantias peticionadas e contados desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

11. A Ré BB interpôs recurso de apelação pugnando pela nulidade da sentença recorrida, subsidiariamente a absolvição dos pedidos pela procedência da excepção de abuso de direito e, ainda subsidiariamente, a improcedência do ponto (2) do dispositivo da sentença recorrida e respectiva absolvição desse pedido. A Chamada DD interpôs igualmente recurso de apelação, impugnando o seu chamamento e pedindo a sua absolvição dos pedidos. Por sua vez, a Autora, em sede de contra-alegações perante a impugnação da Chamada DD, defendeu a manutenção da sentença recorrida (fls. 607 e ss); em sede de contra-alegações perante a impugnação da Ré BB, para além dessa manutenção, ampliou o âmbito do recurso, a fim de se considerar a condenação dos Réus na indemnização peticionada por danos morais, revogando-se a sentença recorrida apenas nessa parte (fls. 616 e ss).

12. Por acórdão proferido em 9/4/2019, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente a apelação da Ré e procedente a apelação da Chamada e, consequentemente, revogou a sentença recorrida no que se refere ao ponto (2) da parte dispositiva – v. supra, ponto 10.: indemnização de € 15 493,72 – e à condenação da Chamada, confirmando a mesma no demais, mais se julgando improcedente a ampliação do recurso efectuado pela Autora.

13. Notificada, a Ré BB veio requerer a reforma do acórdão, pedindo a declaração da extinção da instância por causa diversa do julgamento (inutilidade superveniente da lide) quanto a si enquanto Recorrente (arts. 277º, e), 652º, 1, h), CPC). Em decisão proferida em conferência por acórdão de 18/6/2019, a Relação julgou indeferida a requerida reforma, mantendo-se o acórdão reclamado.

14. Inconformada do acórdão proferido em 9/4/2019, a Autora veio interpor recurso de revista, pugnando pela prevalência integral da decisão proferida em 1.ª instância e, no que respeita à ampliação do âmbito do recurso de apelação, ser fixada indemnização por danos morais, revogando-se o acórdão recorrido nessa parte, apresentando nas suas alegações as seguintes Conclusões (na parte relevante):

“(…)

C. (…) deveria o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido em sentido diverso, confirmando, aliás a decisão da primeira instância no que se refere ao ponto 2 da mesma.

D. Ora, o critério de indemnização pelo dano negativo de celebração do contrato é, aliás, a solução imposta pela coerência sistemática do Código Civil – artigo 9.º do Código Civil.

E. Encontrando-se todas aquelas despesas em que a Recorrente incorreu e que não teriam tido lugar se não tivesse contratado, devidamente peticionadas e individualizadas na Petição Inicial, instruída, ainda, com os documentos comprovativos de tais despesas.

F. Aliás, todas essas despesas peticionadas e nas quais foi o Réu e o Chamado condenados, encontram-se sobejamente provadas, conforme consta da Douta Sentença de primeira instância, que não merece qualquer reparo, no ponto (2) relativo à Fundamentação de Facto, nos seus pontos (2.1) – Factos adquiridos por acordo nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código Processo Civil e provados por documento (fixados em sede de audiência prévia), designadamente nas suas alíneas (Q), (R), (S), (T), (U), (V) (CC) e no ponto (2.2) – Factos resultantes da prova produzida em audiência de julgamento, mais concretamente nas alíneas (LL), (MM), (NN), (OO), (PP), (QQ), (RR), (SS), (TT), (UU), (HHH), (III), (JJJ).

G. Pelo que, o Tribunal de primeira instância apreciou uma questão que em sede de causa de pedir e pedido lhe foi colocada quer na Petição Inicial quer nas duas ampliações do pedido requeridas pela ora Recorrente e que assim tinha o dever de conhecer.

H. E, considerando o Tribunal a quo que a atuação da Recorrente não foi suficiente para exceder os limites da boa-fé, dá como provado que a falta de formalidade ad substantiam que entendeu ferir de nulidade os contratos celebrados entre as partes se deveu a facto imputável apenas ao BB, encontrando-se, por isso, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

I. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, o dano negativo é entendido pela jurisprudência como sendo o dano de confiança.

J. O dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato. Visa nuclearmente reconstituir o status quo anterior ao contrato, e, foi nesse sentido que a Douta Sentença decidiu, e bem.

K. Como doutamente refere a sentença da primeira instância, aquelas despesas (aliás peticionadas pela Recorrida na sua Petição Inicial), não teriam tido lugar se a Recorrente não tivesse contratado.

L. Ficando devidamente demonstrado que, os ditames de boa-fé que devem reger o comportamento negocial registou-se não apenas no momento da assinatura do contrato, mas logo desde o início das negociações e prolongou-se ao longo delas. Inclusive no momento crucial da formalização do contrato, através de escrituras públicas, pois que nunca nem a notária nem os funcionários do réu informaram a autora de que os imóveis que ia adquirir estavam sujeitos a um regime legal próprio e específico.

M. Daqui se retirando que, no caso presente os factos apurados permitem concluir que não foi a Autora aqui Recorrida quem deu causa à nulidade, mas sim o Réu.

N. A este propósito fundamenta, e bem, a sentença da primeira instância, decisão com a qual concorda o Tribunal a quo, quando refere: “… temos de concordar com a decisão recorrida quando refere não existir abuso de direito, porquanto não se apurou que a apelada tivesse conhecimento das especificidades da fracção adquirida no momento da celebração da escritura ou que tenha interposto a presente acção contrariamente ao sentir da sociedade”.

O. E que: “Com efeito, e pese embora o apelante, na qualidade de vendedor das fracções dos autos, tivesse a obrigação de obter e juntar aos autos os elementos obrigatoriamente mencionados nas escrituras…”

P. Para depois vir dizer: “Ora, sendo a nulidade em causa unicamente imputável à responsável pela elaboração da escritura, não pode o apelante ser responsabilizado por esta nulidade.”

Q. Com o devido respeito, que o Douto Acórdão merece, parece haver uma contradição na sua fundamentação, não podendo a Autora/Recorrente deixar de discordar com o mesmo e com a análise e interpretação dada ao artigo 227.º do Código Civil.

R. Destarte, o dano negativo ou dano de confiança decorre do efeito retroativo da nulidade declarada, o qual tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato. E, foi nesse sentido que a Douta Sentença da Primeira Instância decidiu, e bem, não merecendo qualquer reparo.

S. Pelo que, o douto acórdão proferido pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa deve ser revogado, e prevalecer a decisão proferida em 1ª instância.

T. Ainda como decorrência do exposto, e em defesa da Recorrente, veio a mesma em Apelação, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por analogia, requerer a ampliação do âmbito do recurso, quanto aos danos morais.

U. Ficou vastamente demonstrado e devidamente fundamentado na douta sentença de primeira instância que, a Autora se sentiu prejudicada e sofreu constrangimentos, bem como sempre agiu de boa-fé, pelo que deveria o Tribunal da Relação de Lisboa ter assegurado essa tutela, por estar sustentada numa interpretação do disposto no n.º 1 in fine, do artigo 496.º do Código Civil operada em obediência aos critérios supra enunciados e ser fixada uma indemnização por danos morais.

V. Não tendo decidido nesse sentido não fez a correcta interpretação do disposto no n.º 1 in fine, do artigo 496.° do Código Civil.

W. Devendo portanto, o Tribunal ad quem assegurar essa Tutela à Recorrente, revogando o Acórdão do Tribunal a quo nesta parte e ser fixada uma indemnização por danos morais.

X. Decidiu o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa absolver o Chamado, fundamentando apenas que, no caso dos autos, a obrigação decorrente dos autos não deriva nem da actividade bancária do BB, nem é anterior à resolução do Banco de Portugal, concluindo pela não transmissão das responsabilidades decorrentes da nulidade decretada.

Y. Referindo que: “Com efeito, estão em causa nos autos dois contratos de compra e venda, no qual o BB assumiu a qualidade de vendedor, não se podendo dizer que o facto de o mesmo ser igualmente mutuário em tais contratos, com a constituição de hipotecas a seu favor, determina que estes contratos se insiram na sua actividade bancária.”

Z. Nada mais fundamentando.

AA. A Recorrente não se conforma com a análise efectuada pelo Tribunal a quo que o levou a decidir no sentido da procedência do Recurso de Apelação do Chamado, considerando que a decisão de primeira instância que condenou o Chamado não é merecedora de qualquer reparo, devendo a mesma ser confirmada pelo Tribunal ad quem.

BB. Porquanto, a Autora, aqui Recorrente propôs contra o BB, a presente ação em 22 de Janeiro de 2015.

CC. Posteriormente, o Banco de Portugal, por deliberação do seu Conselho de Administração de 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m determinou “Alienar ao DD, S.A. os direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do BB, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-M do RGICSF.”

DD. Na sequência da referida deliberação, foi transferida uma parte muito significativa e substancial dos direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BB para o ....

EE. Dispõe o n.º 1, alínea (b), do referido Anexo 3, que “As responsabilidades do BB perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente [...]”. (Sublinhado nosso)

FF. Como resulta da deliberação supra referida e dos respetivos anexos foi transferida para o ... a generalidade da atividade do BB.

GG. E, não se integrando o objeto da presente ação em nenhuma das exclusões previstas naquela transferência, foi o ... chamado ao processo pela Autora, ora Recorrente.

HH. Ainda que, hipoteticamente, se trate de uma responsabilidade não conhecida do ..., ao tempo da medida de resolução, como alegou na Apelação – o que não se concebe, uma vez que a presente ação deu entrada muito antes da referida medida de resolução do Banco de Portugal – sempre se dirá que, no âmbito do n.º 1, alínea (b), parágrafo (xii), do Anexo 3, se trata de uma das responsabilidades que foram “constituídas pelo BB no âmbito da sua normal atividade bancária, às áreas de negócio, ativos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente [...] em resultado da presente deliberação”.

II. Pelo que se dá como assente que tal obrigação foi transferida para o ..., em resultado da já referida deliberação do Banco de Portugal.

JJ. No presente caso, a Recorrente goza da presunção legal da transmissão/transferência na sua totalidade para o ... das responsabilidades do BB perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste e, bem assim, de todas as demais responsabilidades que foram constituídas pelo BB no âmbito da sua normal atividade bancária – tanto é assim que a Recorrida paga as prestações dos empréstimos ao ... –, decorrente da já mencionada deliberação do Banco de Portugal, presunção esta que determina a inversão do ónus da prova, ou seja, que a desonera de provar os fatos constitutivos do seu direito, afastando a obrigação que lhe cabia, por força do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.

KK. Assim, beneficiando a Autora/Recorrida, de presunção legal com a consequente dispensa do ónus da prova dos fatos constitutivos do direito que se arroga, cabia ao Chamado o ónus de provar os fatos constitutivos do direito cuja inexistência pretendia ver declarada, conforme resulta do disposto no artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil.

LL. A presunção legal não só é evidente como é facilmente demonstrável e provada a partir dos restantes fatos conhecidos constantes do processo, não podendo o Tribunal a quo decidir como decidiu.

MM. E, sendo pretensão da Autora, aqui Recorrente a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda e mútuo com hipoteca de duas frações autónomas celebradas com o Réu BB e a condenação deste, a título de indemnização, no pagamento de todas as despesas efetuadas, por via da celebração dos referidos contratos, designadamente as prestações pagas pelo capital mutuado, prestações essas que desde Abril de 2016 são pagas ao ..., em virtude da transferência efetuada e já vastamente referida, dá-se como assente que o ... (Chamado), deduziu os factos constitutivos da transmissão, para si, dos direitos (e obrigações) do BB sub judice, pois que é quem recebe as prestações pagas pelo capital mutuado, passando a figurar nos contratos de mútuo como credor e, encontrando-se os   respetivos   imóveis   hipotecados   para garantia do pagamento do capital mutuado.

NN. Razão pela qual, considerando e interpretando o Requerimento de intervenção principal da Recorrente, o Tribunal de primeira instância decidiu, e bem, por Douto Despacho de 27 de Setembro de 2016, admitir a intervenção principal do ....

OO. O qual, citado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 319.º do Código de Processo Civil, o Chamado não deduziu qualquer exceção, designadamente, quanto à sua legitimidade/ilegitimidade, nem logrou ilidir a referida presunção, limitando-se a declarar seu o articulado apresentado pelo Réu BB.

PP. Por isso, mal decidiu o Tribunal a quo, quando absolveu o Chamado decidindo pela procedência do Recurso deste.

QQ. Salvo o devido respeito, o Douto Acórdão recorrido não fez a correta aplicação da Lei e do Direito, designadamente do n.º 1 do Anexo 3, a subalínea (b) (xii) do n.º 1 do Anexo 3 e a subalínea (b) (vii) do Anexo 3, todos da medida de resolução do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m, bem como do artigo 289.º do Código Civil. (…)”.

15. A Ré e Recorrida DD veio contra-alegar, em especial valorando a sua absolvição em 2.ª instância por não se terem transmitido as responsabilidades da BB, e pedir a improcedência da revista.

A Ré e Recorrida BB contra-alegou, no sentido de indeferir o recurso quanto à indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do arts. 641º, 2, a), e 671º, 3 (“dupla conforme), do CPC, declarar a extinção da instância por causa diversa do julgamento quanto a si e em relação aos pedidos indemnizatórios em questão, por inutilidade superveniente da lide, e, caso assim não se entendesse, negar provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

16. Apresentado em sessão da Secção o projecto de acórdão elaborado pelo Senhor Juiz Relator, Conselheiro Raimundo Queirós, a quem estes autos haviam sido distribuídos, não se logrou obter vencimento para o respectivo acolhimento (arts. 659º, 2 e 3, 663º, 2, 1.ª parte, ex art. 679º, CPC), pelo que exarou despacho de conclusão ao 1.º Adjunto do Colectivo, para os efeitos do art. 663.º, 2, 2.ª parte, ex vi art. 679º, CPC.

17. Compulsados os autos pelo novo Relator por vencimento, foi proferido despacho para pronúncia das restantes partes (arts. 655º, 2, ex art. 679º, 3º, 3, e 4º, CPC) sobre matérias constantes das contra-alegações da Recorrida BB (dupla conforme no segmento decisório da indemnização peticionada a título de danos morais e extinção da instância por inutilidade superveniente da lide).

A Autora e Recorrente respondeu, a saber:

17.1. Requereu a desistência do recurso quanto ao segmento decisório relativo à indemnização peticionada a título de danos morais, devendo manter-se o mesmo em tudo o mais;

17.2. Quanto ao requerimento de declaração de extinção da instância por causa diversa do julgamento (inutilidade superveniente da lide) quanto à Recorrida BB, “sendo que tal questão já foi anteriormente suscitada em sede de reforma do acórdão da Relação e decidida por acórdão”, verifica-se, na sua óptica, “a existência de dupla conforme” quanto à questão crucial para o resultado declarado”, “devendo, por isso, quanto a esta questão, as contra-alegações da Recorrida BB serem indeferidas, com as legais consequências”.

Confrontada com esta resposta, a Recorrida BB, invocando o art. 3º, 3 (exercício do contraditório), atravessou ainda nos autos peça (vista em tempo) na qual, por um lado, não se opõe à referida desistência e, por outro, rejeita essa alegada “dupla conforme”, reiterando-se o pedido de declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao (agora apenas um) pedido indemnizatório a apreciar nesta revista.

Cumprido o art. 657º, 2, 1.ª parte, do CPC, para colhimento dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Questão prévia da extinção da instância

A Ré e aqui Recorrida BB, na resposta às alegações da Recorrente, veio novamente (cfr. ponto 15. do Relatório) requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por causa diversa do julgamento, quanto a si enquanto Recorrida (arts. 277º, e), 652º, 1, h), CPC) – nos termos e argumentação constantes do respectivo § 3.º, itens 11.-39, confirmados na peça para exercício do contraditório referida sob o ponto 17. do Relatório. Tal tinha sido já requerido em sede de reclamação deduzida autonomamente para reforma do acórdão aqui recorrido (cfr. fls. 671 e ss) e, em consequência, foi proferido acórdão, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto autor da decisão sob reforma, em 18/6/2019 (cfr. fls. 775 e ss), assumindo a competência conferida pelo art. 666º, 2, do CPC.

Deste último acórdão não foi interposto recurso autónomo e imediato que o impugnasse, se possível e admissível quanto à (in)utilidade no acompanhamento da revista do acórdão aqui recorrido; nem a Ré BB, nas suas contra-alegações (apresentadas em juízo a 26/6/2019), veio pedir a ampliação do âmbito do recurso de revista da Recorrente Autora (arts. 636º, 638º, 8, CPC), tendo em vista reapreciar a questão por essa via (igualmente se admissível no âmbito de ampliação), uma vez indeferida a reforma e mantido o acórdão reclamado pelo acórdão a impugnar enquanto proferido «na pendência do processo na Relação», configurando-se como objecto a decisão sobre questão interlocutória nova da responsabilidade (nele suscitada e decidida) do tribunal ad quem – sempre tendo por base a aplicação e a adequada interpretação do art. 673º do CPC (em oposição ao regime do art. 671º, 4, do CPC)[1].

Assim, transitou em julgado a decisão da Relação de Lisboa sobre a requerida extinção da instância, constituindo caso julgado formal nos termos do art. 620º, 1, do CPC.  Tal significa que essa decisão formal é vinculativa no próprio processo, de modo que é insusceptível de ser novamente apreciada em sede de revista (desde logo) a parte decisória do acórdão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos (arts. 663º, 2, 607º, 2, in fine, CPC) quanto ao indeferimento da providência solicitada[2]

2. Objecto do recurso
O conteúdo das Conclusões da Recorrente define em primeira linha o objecto do conhecimento do tribunal que aprecia o recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de oficioso conhecimento, desde que não decididas (art. 608º, 2, CPC). O âmbito do recurso é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida (questões suscitadas e apreciadas pelo tribunal recorrido), não podendo constituir-se decisões sobre matéria nova, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. Tendo a decisão da Relação, em sede de recurso de apelação, confirmado a decisão da primeira instância, e não havendo voto de vencido, o acesso ao STJ é, em princípio, vedado pelo disposto pelo art. 671º, 3, do CPC, ou seja, pela existência da denominada “dupla conforme”. Só não será assim se o acórdão recorrido, apesar de ter decidido de forma coincidente, tiver utilizado fundamentação essencialmente diferente daquela que foi usada pela primeira instância (e desde que não se integre o caso numa das hipóteses elencadas no art. 629º, 2, do CPC (“é sempre admissível recurso”) e salvaguardadas no corpo do art. 671º, 3, do CPC (“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (…)”).

Quando a parte dispositiva do acórdão recorrido é integrada por mais do que um segmento decisório, um ou uns em conformidade e outro ou outros em desconformidade com a primeira decisão judicial, o confronto de cada um desses segmentos é decisivo para delimitar a divergência relevante para aferir a “dupla conforme”. A “revista normal” deve “circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1.ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do colectivo”[3]. Tal entendimento está em linha com a (mais adequada) visão ponderada ou racional da “dupla conforme”, que recusa uma visão plena ou irrestrita, que demandaria uma confirmação (rigorosamente) total da decisão de 1.ª instância[4]. Deste modo, “se[,] quanto a determinado segmento[,] se verificar a confirmação do resultado declarado na 1.ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso ‘normal’ de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça ficará dependente do acionamento da revista excecional e da sua aceitação pela formação referida no art. 672.º, n.º 3”[5].

2.2. Uma análise atenta leva-nos a considerar que, no caso dos autos, emerge justamente um bloco dispositivo perfeitamente identificável e autónomo em que a decisão da Relação manteve a decisão de improcedência da 1.ª instância no segmento decisório respeitante ao pedido da Autora, aqui Recorrente, quanto ao pagamento de uma indemnização não inferior ao montante de € 5.000,00, por todos os danos não patrimoniais causados à Autora, que foi abrangido pela disposição decisória da Relação em confirmar no demais decidido pela 1.ª instância (e que, portanto, não foi alterado pela Relação). Assim, a verificação subsistente da “dupla conforme” nesse segmento obviará, não obstante ter sido levado às Conclusões da Recorrente para reapreciação em revista, ao conhecimento do objecto do recurso para esse segmento, não bulindo o obstáculo da “dupla conforme” na apreciação dos restantes segmentos decisórios levados a impugnação recursiva pelas Conclusões da Recorrente.[6]

Ora, para este efeito adjectivo de dupla conformidade, teríamos que verificar se, em adição, houve ou não coincidência essencial da fundamentação usada nas duas instâncias quanto ao segmento da aludida responsabilidade civil extra-contratual relativa à indemnização peticionada a título de danos não patrimonais, nos termos aplicáveis do art. 496º do CCiv.

Porém.

Acontece que, confrontada com esse obstáculo recursório que a “dupla conforme” colocaria, nos termos do art. 671º, 3, do CPC, à reapreciação desse segmento decisório e notificada para se pronunciar no âmbito do art. 655º, 2, do CPC (com remissão para o art. 654º, 2), ex vi art. 679º, do CPC, veio a Autora e Requerente requerer a desistência do recurso nessa sua parcela da revista interposta.

 O art. 632º, 5, do CPC prescreve: «O recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto, até à prolação da decisão.» Trata-se de um direito processual potestativo, que se impõe inelutavelmente ao tribunal ad quem, sem exigência de sindicação ou homologação judicial e sem limitação pelo consentimento das restantes partes, apenas dependente da formulação de requerimento próprio e tempestivo (isto é, antes da prolação da decisão pelo tribunal a quem compete apreciar o recurso)[7]. E nada obsta a que a desistência seja parcial, uma vez delimitada com precisão, como é o caso, conduzindo, preliminarmente, à não atendibilidade da revista na parcela objecto de desistência, com todas as suas consequências processuais. In casu, desde logo, o não conhecimento como questão recursiva dessa parcela decisória, correspondente às Conclusões U.-W. da revista.

2.3. Em consequência, importa conhecer nesta revista das seguintes questões:

— indemnização da Autora no montante peticionado em sede de responsabilidade civil pré-contratual, por aplicação do art. 227º do CCiv.;

— condenação (responsabilidade) da Chamada (como interveniente principal no processo) «DD, S.A.».

3. Factualidade

É a seguinte a factualidade dada como provada:

3.1. Factos adquiridos por acordo nos termos do art. 574º, 2, do CPC e provados por documento (fixados em sede de audiência prévia):

A) No dia 10 de Dezembro de 2013, por duas escrituras outorgadas no Cartório Notarial das ..., a cargo da Notária EE, lavradas de folhas 37 a 44 do Livro 151-A daquele cartório, a autora celebrou com o réu dois contratos de compra e venda de bens imóveis e dois mútuos com hipoteca, nos termos e demais condições constantes dos documentos juntos a fls. 19 a 32 e 39 a 52 que se dão por integralmente reproduzidos.

B) Os contratos de compra e venda têm por objecto duas fracções autónomas designadas pelas letras “…” e “…”, respectivamente, correspondentes ao rés-do-chão esquerdo do Bloco três no piso zero, entrada …, apartamento …, tipologia T-zero, e ao primeiro andar direito do Bloco um, segundo piso, entrada D, apartamento …, tipologia T-zero, ambas do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, denominado “Apartamentos ...” sito em ..., Lote número 5 (cinco), freguesia de ... e ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número três mil setecentos e quarenta e sete da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ... e ..., de que o réu era proprietário.

C) Por cada uma das fracções identificadas em B), a autora pagou o preço de € 80.000,00 (oitenta mil euros); a autora pagou ao réu a quantia total de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros).

D) Para pagamento dos preços ajustados, a autora contraiu junto do réu dois empréstimos no montante de € 70.000,00 (setenta mil euros), cada um.

E) Para garantia destes dois mútuos, além da fiança prestada pela mãe da Autora, FF, a autora hipotecou a favor do réu as duas fracções autónomas referidas em B).

F) Como condição prévia à celebração dos contratos de mútuo referidos nas alíneas E) e F), a autora celebrou dois contratos de adesão de Seguro ...que têm por objecto o risco de morte e/ou invalidez total e permanente da Autora cujo beneficiário é o Réu e que são titulados pela Apólice N.º … e com os números de adesão …. e …, da Companhia de ....

G) E, ainda dois contratos de seguro que têm por objecto o risco de danos e/ou destruição parcial e/ou total dos bens imóveis em causa e que são titulados pelas Apólices N.º … e N.º … da Companhia de ....

H) Os contratos de compra e venda das fracções por parte da autora foram outorgados por escritura do dia 10 de Dezembro de 2013, com intervenção da mediadora imobiliária “GG, Ldª”.

I) Em cada um daqueles contratos se fez constar que e, além do mais:

- o prédio urbano de que fazem parte as mesmas fracções possui o Alvará de Licença de Utilização Turística nº …, emitido a 12 de Novembro de 2009 pela Câmara Municipal de ....

J) Naquela Ap. …, registo da propriedade horizontal, consta que são consideradas “Instalações e equipamentos de uso comum:

a) Infra-estruturas, zona de ..., apoios de ..., sala de estar – instalada no Bloco

1 – áreas verdes e equipamentos urbanos;

b) Instalação e equipamento comum de apoio à ...: composto por hall de acesso aos vestiários, posto de socorro, hall de acesso (vestiário senhoras), lavabos (senhoras), hall de acesso (vestiário homens), lavabos (homens), instalações sanitárias (homens), corredor, vestiários (homens), hall de saída (acesso à ...), escada de acesso a .... Tem a área de 27m2;

c) Recepção – Instalação e equipamentos de uso comum – Tem a área de 208m2, e situa-se no rés do chão do bloco 1; é composta por hall da recepção, recepção, contabilidade, direcção, despensa (bagagem), sala de espera, corredor, rouparia, arrecadação geral, instalações sanitárias e vestiário (para apoio aos funcionários), instalações sanitárias públicas, galeria e varanda.

Instalações e equipamentos para exploração turística:

... exterior, jacuzzi exterior, Restaurante-Bar, rouparia instalada no Bloco 3.

L) Os bens imóveis referidos em B) estão inseridos num empreendimento turístico e têm que ser obrigatoriamente destinados a alojamento turístico, sendo a respectiva exploração feita por uma única entidade que determina todos os aspectos de gestão, administração e equipamento idêntico (mobiliário, electrodomésticos e decoração) para todas as unidades de alojamento, bem como para todos os serviços e infra-estruturas comuns do empreendimento.

M) Sendo, nessa medida, os proprietários deste tipo de bem imóvel obrigados a celebrar um contrato de prestação de serviços de exploração turística com tal entidade, nos termos e condições já previamente acordadas; e

N) Sem a possibilidade de negociar os termos, nem as cláusulas do citado contrato.

O) Restando à autora pagar e receber o previamente estipulado.

P) Nas escrituras que titulam os contratos de compra e venda referidos em A) e das certidões prediais relativas às fracções autónomas referidas em B) não se faz menção ao “Título Constitutivo do Empreendimento Turístico”, nem ao Contrato de Prestação de Serviços de Exploração, nem à sujeição dos bens imóveis a qualquer regime jurídico especial.

Q) Pelos actos de compra e venda dos imóveis a autora liquidou e pagou a quantia € 10.529,70 (dez mil quinhentos e vinte e nove euros e setenta cêntimos), a título de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT).

R) A autora pagou a quantia de € 1.295,96 (mil duzentos e noventa e cinco euros e noventa e seis cêntimos), a título de imposto de selo devido pelos contratos de compra e venda celebrados com o réu.

S) A autora pagou ainda a quantia global de € 900,00 (novecentos euros) a título de honorários cobrados pelos serviços prestados pela Notária EE e respectivos emolumentos para inscrição das aquisições dos bens imóveis a seu favor e das hipotecas a favor do banco, ora réu, junto do registo predial.

T) A Autora pagou a título de sinal e princípio de pagamento, com a celebração do contrato de promessa de compra e venda, o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), através de transferência bancária.

U) A Autora pagou ao Réu mensalmente as seguintes quantias, a título de prestação (capital, comissões, impostos e juros) pelos empréstimos contraídos:

a) Seis (6) prestações no valor de € 259,67 cada uma;

b) Seis (6) prestações no valor de € 262,33 cada uma;

c) Seis (6) prestações no valor de € 263,85 cada uma;

d) Seis (6) prestações no valor de € 258,45 cada uma;

e) Duas (2) prestações no valor de € 254,00 cada uma e ainda já na pendência da acção:

f) Quatro (4) prestações no valor de € 254,00 cada uma;

g) Seis (6) prestações no valor de € 252,70 cada uma;

h) Seis (6) prestações no valor de € 250,42 cada uma;

i) Seis (6) prestações no valor de € 249,72 cada uma;

j) Seis (6) prestações no valor de € 247,40 cada uma;

k) Seis (6) prestações no valor de € 243,77 cada uma.

V) A autora pagou a titulo de taxas de processamento das prestações mensais, entre Janeiro de 2015 e Maio de 2016 a quantia € 292,40, (no valor de € 8,60 por cada uma, ou seja, o montante de € 17,20 mensalmente).

X) Prestações que continuam a vencer-se mensalmente.

Z) O título constitutivo do empreendimento turístico em causa foi depositado na Direcção-Geral de Turismo em 12 de Dezembro de 2007 (alterado por despacho do Turismo de Portugal, I.P., de 30 de Junho de 2010).

AA) Em 9 de Julho de 2014, a autora apresentou uma “reclamação” ao réu, na qual dizia: “(…) por escrituras outorgadas no passado dia 12 de Dezembro de 2013 adquiri ao Banco BB as duas fracções supra identificadas, as quais se destinam a exploração turística e se encontram inseridas no Empreendimento Turístico designado por “...”, e contraí dois empréstimos para a aquisição das mesmas (…)”.

Mais referia “(…) ao entrar em contacto com a entidade exploradora, legalmente designada para o citado empreendimento, a Sra. D. CC, foram por estas descritas condições de exploração do empreendimento em geral e das minhas fracções em particular, que apenas posso classificar de abusivas e insatisfatórias (…), tudo como melhor consta do doc. junto a fls. 199, cujo teor se dá por reproduzido.

BB) Dá-se por reproduzido o teor dos emails juntos a fls. 97 e 98.

CC) A Autora pagou, ainda, o montante de € 189,00 em Abril do corrente ano de 2016, a título de Imposto Municipal sobre Imóveis.

3.2. Factos resultantes da prova produzida em audiência de julgamento

DD) Ao adquirir os bens imóveis em causa, a autora pretendia destinar os mesmos ao arrendamento a terceiros para assim obter rendimentos bem como recuperar o valor do investimento efectuado nos mesmos.

EE) Em princípios do mês de Fevereiro de 2015, enquanto mobilava e equipava os bens imóveis em causa, a autora foi contactada por uma pessoa, CC, que se apresentou como sendo a entidade exploradora do empreendimento em que os imóveis adquiridos pela autora estão inseridos.

FF) Esta pessoa transmitiu à autora que as fracções autónomas por si adquiridas são apartamentos turísticos que se encontram sujeitos a um regime jurídico especial.

GG) E por isso, a autora não pode arrendar por si os bens imóveis em causa, nem destinar os mesmos a sua habitação própria permanente, nem mobilar e/ou equipar os mesmos a seu gosto e critério.

HH) Aquando da realização do negócio com o réu nem a notária nem os funcionários do réu informaram a autora de que os imóveis que ia adquirir estavam sujeitos a um regime legal próprio e específico.

II) Nunca a autora tinha ouvido falar em semelhante regime jurídico.

JJ) Se a Autora tivesse conhecimento do teor exacto do regime jurídico aplicável aos bens imóveis que adquiriu, bem como, particularmente de todos os termos e cláusulas constantes do Título Constitutivo do empreendimento turístico e do contrato de prestação de serviços com a entidade exploradora, nunca teria celebrado tais negócios de compra e venda;

LL) A Autora pagou em apólices de seguro, até à presente data o montante de € 333,68 (trezentos trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), conforme se discrimina:

1. € 30,52;

2. € 25,59;

3. € 30,62;

4. € 25,69;

5. O valor de € 221,26 [€ 8,51 + € 8,51 x 13 meses].

MM) Valores que se continuam a vencer mensalmente, no montante de € 17,02 (dezassete euros e dois cêntimos), correspondente a € 8,51 x 2.

NN) Na sequência da aquisição dos bens imóveis supra identificados, a autora adquiriu, ao longo de vários meses, diversos artigos para mobilar e equipar os dois apartamentos, nomeadamente, electrodomésticos e utensílios de cozinha, mobiliários de quarto e sala, roupas de cama e casa de banho e alguns artigos de decoração;

OO) Tendo despendido o valor total de € 2.871,99 (dois mil oitocentos e setenta e um euros e noventa e nove cêntimos) nesses bens;

PP) A autora celebrou dois contratos de fornecimento de água com os Serviços Municipalizados de águas de ...;

QQ) E dois contratos de fornecimento de energia eléctrica com a ...;

RR) A autora pagou, até à presente data, a quantia global de € 303,66 (trezentos e três euros e sessenta e seis cêntimos) a título de consumos de água, aluguer dos contadores e demais taxas e tarifas inerentes aos contratos celebrados com os SMAS de ...;

SS) E, ainda a quantia global de € 256,74 (duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), a título de consumos de energia e demais taxas e tarifas inerentes aos contratos de fornecimento de electricidade legalmente aplicáveis;

TT) A Autora pagou, na pendência da acção e até cancelamento do respectivo serviço, a quantia de € 179,93 a título de consumos de água, aluguer dos contadores e demais taxas e tarifas inerentes aos contratos celebrados com os SMAS de ...;

UU) E, ainda a quantia de € 71,57 a título de consumos de energia e demais taxas e tarifas inerentes aos contratos de fornecimento de electricidade legalmente aplicáveis.

VV) A autora sentiu-se prejudicada.

XX) A autora antes da outorga dos referidos contratos de compra e venda - na sequência da entrega que lhe foi feita da minuta do documento complementar que constitui o Anexo Um de cada uma das escrituras – manifestou ao réu o seu desacordo relativamente a uma das cláusulas constantes do referido Anexo;

ZZ) Concretamente quanto à redacção da cláusula 11ª alínea e) que, nessa altura, dispunha que o mutuário se obrigava “a, durante a vigência deste contrato, não alienar o bem hipotecado, nem permitir a sua ocupação por terceiros, no todo ou em parte, seja a que título for, nomeadamente por arrendamento ou comodato, salvo autorização escrita e prévia do BB.”;

AAA) Tal cláusula foi alterada pelo réu a pedido da autora, justificando esta que não teria interesse na aquisição das referidas fracções caso ficasse estipulada qualquer limitação quanto à possibilidade de as arrendar, se assim o entendesse.

BBB) E na sequência daquela exigência da autora, a referida cláusula contratual foi alterada, nela se acrescentando que: “O BB autoriza, desde já a ocupação por terceiros do bem hipotecado, desde que a mesma ocorra no âmbito de contrato de exploração turística.”;

CCC) Com este novo clausulado da referida cláusula 11ª e), veio a realizar-se a aquisição das fracções em causa.

DDD) A autora nunca utilizou os imóveis em causa nos autos ou deles tirou proveito.

EEE) O réu vedou o edifício/empreendimento, assim com a sua entrada, encontrando-se o portão de acesso ao espaço do condomínio fechado com corrente e cadeado.

FFF) - O réu não deu conhecimento da situação referida no nº anterior à autora, nem lhe facultou as chaves do cadeado.

GGG) A Autora pagou aos Réus, na pendência da presente acção, entre Junho de 2016 e Setembro de 2017, mensalmente as seguintes quantias, a título de prestação (capital, comissões, impostos e juros) pelos empréstimos contraídos:

a) Duas (2) prestações no valor de € 246,27 cada uma.

b) Seis (6) prestações no valor de € 243,48 cada uma.

c) Duas (2) prestações no valor de € 241,95 cada uma.

d) Duas (2) prestações no valor de € 245,52 cada uma.

e) Duas (2) prestações no valor de € 245,51 cada uma.

f) Duas (2) prestações no valor de € 244,91 cada uma.

g) Quatro (4) prestações no valor de € 238,89 cada uma.

h) Duas (2) prestações no valor de € 238,41 cada uma.

i) Dez (10) prestações no valor de € 238,30 cada uma.

HHH) A Autora na pendência da presente acção continuou e continua a pagar as apólices de seguro obrigatórias, no montante mensal de € 19,72 (€ 9,86 x 2), o que perfaz entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2017, o montante de € 650,76.

III) E pagou ainda os seguros obrigatórios Multi-riscos/Habitação, no montante € 53,28.

JJJ) A Autora pagou, ainda, o montante de € 437,44 (Novembro 2016 e Abril de 2017), a título de Imposto Municipal sobre Imóveis.

 

4. O direito aplicável às questões recursivas

4.1. Da indemnização da Autora por responsabilidade civil pré-contratual

4.1.1. A Recorrente impugna o acórdão da Relação na parte em que este, revogando a decisão da 1.ª instância, entendeu não haver lugar à indemnização pelos danos por ela sofridos com a celebração dos contratos de compra e venda, relativos a impostos, taxas e outras despesas, uma vez declarada a nulidade desses contratos.

Em sede de 1.ª instância, julgou-se, modificando-se a propósito a qualificação jurídica configurada na petição inicial e com base no poder atribuído pelo art. 5º, 3, do CPC, que “[o] pagamento destas quantias não tem assento, como parece entender a autora, na obrigação de restituição decorrente da nulidade dos contratos mas antes num dever de indemnizar. Na verdade, ao efeito típico da nulidade – efeito restitutório, in natura ou por equivalente – pode acrescer um dever de indemnizar pelo dano negativo, isto é pelos danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse contratado. Nesta categoria se incluem os danos peticionados pela autora e relativos a despesas que esta efectuou com vista e por causa da aquisição das fracções autónomas, posto que se apure que as invocadas despesas tiveram causa naquela aquisição.”

Ao invés, em 2.ª instância, enquadrou-se que “os contratos de compra e venda trazidos a juízo são nulos por violação do art. 54º, nº 7 do DL 39/2008, de 7 de Março que aprovou o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, e que determina que deve fazer parte dos contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural, uma cópia simples do titulo constitutivo devidamente registado, cópia simples do titulo jurídico que habilita a entidade exploradora à exploração e administração do empreendimento turístico e ainda, a indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, nos termos do titulo constitutivo. No caso dos autos, essas menções não constam nas escrituras públicas de compra e venda referidas em 1. e 2. dos factos provados, o que determina a sua nulidade, situação que nenhuma das partes contesta”

E avançou-se, numa síntese do mais relevante, neste sentido argumentativo:
“No que se refere à indemnização atribuída em 2., embora sem o referir expressamente, a sentença recorrida firmou essa atribuição na violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade ínsitos no art. 227º do CC, onde se consagra a chamada culpa in contrahendo, baseada no princípio da boa fé. Tem sido entendido pela Jurisprudência e pela Doutrina que este preceito se aplica não só nos casos de ruptura das negociações antes da celebração do contrato, mas também nos casos de invalidade do contrato, nomeadamente quando os deveres de informação, esclarecimento e lealdade tenham sido violados. Neste sentido, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 7ª edição, pág. 274 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 3ª edição, pág. 359. Neste caso, e numa concepção clássica, a indemnização não abrange o interesse contratual positivo ou interesse no cumprimento, isto é, os danos decorrentes do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso, mas sim o interesse contratual negativo ou interesse de confiança, por forma a que sejam reparados os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato, com a reconstituição patrimonial reportada àquele momento.

(…)
Nos autos, não tendo a A. intentado a presente acção com vista à atribuição de indemnização por violação dos deveres contratuais do vendedor e, por conseguinte, nos termos do art. 227º do CC, a indemnização pelo dano negativo apenas pode ser atribuída no caso dos autos se a mesma resultar da violação de deveres que tenham levado à nulidade. Há que salientar que a nulidade dos contratos de compra e venda dos autos se deve à omissão dos elementos estabelecidos na lei e já referidos, devendo-se unicamente à actuação do responsável pela sua realização.
Com efeito, e pese embora o apelante, na qualidade de vendedor das fracções dos autos, tivesse a obrigação de obter e juntar aos autos os elementos obrigatoriamente mencionados nas escrituras, não deixa de ser igualmente verdade que, não o fazendo, incumbia à senhora notária recusar a escritura, por a mesma não se poder realizar sem tais elementos.
Ora, sendo a nulidade em causa unicamente imputável à responsável pela elaboração da escritura, não pode o apelante ser responsabilizado por essa nulidade.”
Por outro lado, acrescentou-se:
“a nulidade do contrato não tem por consequência o reembolso de despesas realizadas por causa da sua celebração nem de danos sofridos em virtude dessa realização. Acresce ainda que os factos constitutivos de uma qualquer indemnização fora do âmbito do regime da nulidade não se mostram totalmente alegados, nem o apelante teve oportunidade de se defender dos mesmos, pelo que sempre se teria de concluir pela impossibilidade da condenação referida em 2.”.

Vejamos como decidir neste confronto.

4.1.2. O art. 227º, 1, do CCiv. prescreve: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.  

Consagra-se uma responsabilidade pré-negocial, baseada em culpa in contrahendo e fundada na exigência de boa fé objectiva no domínio das negociações preliminares e da conclusão justificadamente esperada dos contratos negociados. De facto, a confiança recíproca que se gera no decurso de um processo negocial (como reflexo necessário dessa boa fé como princípio de comportamento) gera um dever jurídico de atuação em conformidade com as expectativas justificadas da outra parte, concretizado em deveres jurídicos de conduta pré-contratuais. É a sua omissão censurável que, sendo causalmente adequada a produzir os danos imputáveis, origina e legitima a responsabilidade que se estriba no art. 227º do CCiv. Brevitatis causa, demanda-se, tendo por espelho o quadro e os pressuspostos de uma responsabilidade civil, um facto, activo ou omissivo, que preencha uma violação desses deveres pré-contratuais, imputável culposamente (com presunção legal) ao lesante e causalmente produtor de um dano[8].

No caso está em causa a indemnização pelo interesse contratual negativo ou interesse na confiança ou na produção de certos efeitos jurídicos[9], que visa reparar os danos que o lesado não teria sofrido ou teria evitado se não tivesse celebrado o contrato que se veio a frustrar (frustrando a expectativa na sua conclusão válida e eficaz) em razão da sua invalidade. Em síntese, repor a situação em que estaria caso não tivesse celebrado o contrato que acabou por não se cumprir e executar por mor da sua invalidade – ou seja, reparar o termo hipotético de comparação relevante para o dano lesivo, consistente na abstracção de algo que aconteceu.[10]

De acordo com o critério geral enunciado, a indemnização visada será apenas atribuída se se verificar a violação de deveres de conduta que, no período pré-negocial, seja a causa da frustração da validade e eficácia dos contratos. Avultam, neste contexto ressarcitório, os deveres de lealdade – que exigem atuação consequente, não arbitrária e não indutora de erros na relação intersubjetiva própria de um processo negocial em curso –, de protecção da esfera jurídica alheia – que obrigam a diligência adequada e razoável e à inibição de atos jurídicos e materiais que inflijam danos, pessoais ou patrimoniais, na esfera da contraparte, seja para ressarcir prejuízos na fase negocial, seja para tutelar a expectativa legítima e justificada na celebração de contrato dotado de validade e eficácia, que permita a sua execução futura – e, por fim, os deveres de informação – que exigem a prestação de esclarecimentos e comunicações relevantes para a conclusão do contrato, nomeadamente quando uma das partes se encontra numa posição de fragilidade ou diminuição comparativa[11].

4.1.3. Olhando para a matéria de facto provada nas instâncias, julgamos que, para apurar da responsabilidade pré-contratual por parte da Ré BB, são fulcrais os seguintes factos para o ponto nevrálgico que originou a nulidade dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré BB – recorde-se, a falta dos documentos e menção necessários para cumprir na plenitude o exigido pelo art. 54º, 7, do DL 39/2008 («Deve fazer parte integrante dos contratos-promessa de transmissão, bem como dos contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural, uma cópia simples do título constitutivo devidamente aprovado e registado, cópia simples do título referido no n.º 3 do artigo 45.º[12], bem como a indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, nos termos do título constitutivo, sob pena de nulidade do contrato.»).

Vejamos e enfatizemos esses factos:


“P) Nas escrituras que titulam os contratos de compra e venda referidos em A) e das certidões prediais relativas às fracções autónomas referidas em B) não se faz menção ao “Título Constitutivo do Empreendimento Turístico”, nem ao Contrato de Prestação de Serviços de Exploração, nem à sujeição dos bens imóveis a qualquer regime jurídico especial.”
“HH) Aquando da realização do negócio com o réu nem a notária nem os funcionários do réu informaram a autora de que os imóveis que ia adquirir estavam sujeitos a um regime legal próprio e específico.
II) Nunca a autora tinha ouvido falar em semelhante regime jurídico.
JJ) Se a Autora tivesse conhecimento do teor exacto do regime jurídico aplicável aos bens imóveis que adquiriu, bem como, particularmente de todos os termos e cláusulas constantes do Título Constitutivo do empreendimento turístico e do contrato de prestação de serviços com a entidade exploradora, nunca teria celebrado tais negócios de compra e venda.

Da sua conjugação resulta poder ser compreendido o caso dos autos como paradigmático sobre uma eventual responsabilidade pré-contratual pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz – como basicamente se qualificou na 1.ª instância – imputável in casu à Ré BB: aquele a quem se imputa uma situação de confiança justificada na validade do contrato tem que corresponder às expectativas de quem confia, em particular quando essa confiança se justifica pelo seu próprio comportamento ou em face das circunstâncias do caso concreto[13]. A situação de confiança será imputável àquele em quem se confia – neste caso, a Ré BB, em quem a Autora confiaria – quando se cause a invalidade, se conhece a invalidade e não se comunique à contraparte ou se desconhece a invalidade mas se devia conhecê-la. É nessas três situações típicas que o dever de actuação pré-negocial de acordo com a boa fé, uma vez violado (ilicitude e culpa), gera o dever de indemnização pelo interesse contratual negativo.
É neste cosmos que vislumbramos que a factualidade provada possa atingir a Ré BB.
A responsabilidade pré-contratual na situação de invalidade por vício de forma do contrato celebrado, trazida aos autos, pode resultar da violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação, destinados a proteger a esfera jurídica dos parceiros negociais[14], assim como do incumprimento da lealdade enquanto princípio de cooperação para o preenchimento da exigência de forma[15]. O princípio básico é o de que cada uma das partes tem a obrigação de comunicar e informar à outra parte os elementos essenciais a uma decisão esclarecida se a outra parte não os conheça ou não lhe seja exigível conhecer (tendo em conta em particular a sua condição comparativamente diminuída em relação a um parceiro negocialmente mais forte e melhor habilitado), sendo esses elementos essenciais a uma decisão esclarecida e completa no plano da formação da sua vontade negocial e da preparação do contrato definitivo. Este princípio tem, por ex., uma tradução clara no art. 8º, 1, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho), em esp. al. a), e 5, em aliança com o respectivo art. 9º, 1 («O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.»). Nesse caso, os danos indemnizáveis são todos aqueles causados pela conduta contrária aos deveres pré-negociais, colocando o lesado na situação em que estaria se não se tivesse verificado o facto lesivo – isto é, na situação em que estaria se o lesante lhe tivesse comunicado e informado o que deveria para essa conclusão contratual ser despida de vícios, permitindo que se afastasse da da celebração do contrato ou preenchesse ele mesmo as exigências de forma[16].

No caso dos autos, o essencial da factualidade provada indicada – e com a qual também se confrontou o acórdão recorrido – demonstra que a Autora não conhecia o “regime legal específico” aplicável aos contratos celebrados – onde naturalmente se incluía a formalidade composta e ad substantiam que condicionava a validade dos contratos celebrados – e esse conhecimento implicaria naturalmente com a sua decisão de contratar. E, acima de tudo, demonstra que a Ré BB, atenta a sua condição e qualidades comparativas (vendedora, credora hipotecária, experiência no mercado, informação acumulada, etc.), deveria ter comunicado à Autora o regime legal particular do imóvel[17], incluindo, desde logo, o regime de validade formal do negócio de transmissão previsto no art. 54º, 7 – uma vez que esse esclarecimento era absolutamente determinante para a conclusão de contrato válido. Na verdade, como observou BAPTISTA MACHADO quando se debruçou sobre a natureza pré-contratual da responsabilidade civil, a imposição a uma das partes “(trata-se em regra da parte melhor informada e profissionalmente organizada) da obrigação de informação e de conselho é um dos meios de que o legislador dispõe para para proteger a parte mais débil – procurando por essa via compensar o desequilíbrio que resulta da diferença de conhecimentos especializados entre as duas partes e fazer uma aplicação (…) dos princípios da razoabilidade e da boa fé”[18]. Igualmente ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO doutrinou muito claramente que “os deveres de informação são mais intensos face a entidades qualificadas e fortes, perante parceiros débeis”, tal como “os deveres de protecção e de lealdade impõem-se, com maior acuidade a negociadores experientes do que a intervenientes ocasionais em negócios desse tipo[19]. Por isso, a Ré BB, pelo seu estatuto no processo conducente à conclusão dos contratos, não poderia, ademais, ter-se conformado com a ausência dos documentos e menção necessários para essa validade (facto provado HH)), mesmo que, uma vez informando a contraparte, fosse esta que não deixasse de providenciar pela presença dos mesmos a instruir a escritura pública, como exige a lei.

Por fim, importa acentuar que, em coerência com o anteriormente sustentado, a responsabilidade pré-contratual configura verdadeiramente uma responsabilidade obrigacional. Destarte, é ao demandado – aqui, a Ré BB – que incumbia ilidir a presunção de culpa que impendia sobre si, nos termos do art. 799º, 1, do CCiv.[20], fazendo prova de que adoptou conduta idónea a prevenir o insucesso em termos formais da conclusão dos contratos. Isto é, confrontado com os itens 20º.-28.º da petição inicial, em que a Autora e aqui Recorrente imputou à Ré o incumprimento, “como profissionais”, do “dever e obrigação legal de esclarecer e informar a Autora das especificidades do regime legal dos bens a adquirir”, assim como com os consequentes itens 46.º-58.º, a Ré – não obstante o invocado em esp. nos itens 7.º, 14.º, 24.º-28.º, 35.º (“o ora Ré tudo fez para esclarecer a A. (…) de todas as condições do negócio e características dos imóveis e do empreendimento turístico em si”) e 37.º, e mesmo considerando que os factos constantes da petição inical se dirigiam a obter indemnização no âmbito do regime da nulidade (depois reconfigurada juridicamente à luz do art. 5º, 3, do CPC) – teve a oportunidade de se defender perante o inadimplemento do dever de informação e (implicitamente) de lealdade negocial em face desses factos e não logrou obviar a que ficasse provada a observância invocada e, em consequência, ilidir a presunção de culpa a que estava associada (factos provados HH) e JJ), em articulação com o facto provado P)).

            Actuou a Ré BB, por isso, com acto omissivo sobre o regime formal dos contratos que levou à justificada expectativa ou confiança da Autora na conclusão de contratos válidos, o que se frustrou; com ilicitude, traduzida no incumprimento dos deveres aludidos e cobertos pelo art. 227º do CCiv.; com culpa, consistente no juízo de censura e de reprovação ético-jurídica que a conduta da Ré merece e que a lei presume no incumprimento desses deveres pré-contratuais; sendo esse incumprimento causalmente adequado a produzir os danos resultantes de uma celebração que a contraparte razoavelmente não aceitaria se informada e esclarecida[21].[22]
Sendo os danos indemnizáveis em torno da aplicação do art. 227º do CCiv. todos aqueles que resultam da conduta contrária aos deveres omitidos, a parte lesada deve ser colocada na situação em que estaria se pudesse não ter celebrado o contrato em virtude de essa celebração ficar ferida pela nulidade cominada pela lei. Justamente os prejuízos que a 1.ª instância entendeu indemnizáveis no ponto (2) do seu dispositivo decisório – ou seja, despesas realizadas e custos associados por se ter confiado na conclusão do contrato e na sua execução (neste caso, danos emergentes da confiança frustrada)[23], no valor global de, salvo erro de cálculo, €15.493,72 – e que, por isso, merecem que se conclua pela procedência da revista nesta parte. 

4.2. Da responsabilidade e condenação da Chamada-Interveniente Principal DD

4.2.1. A Recorrente insurge-se quanto à decisão do acórdão da Relação que, revogando a sentença de 1.ª instância, excluiu a responsabilidade da Chamada «DD, S.A.», pugnando pela repristinação da condenação solidária da Ré e Chamada (por ela pedida no incidente de intervenção provocada, que faz fls. 287 e ss, no respectivo item 24.º; cfr. supra, ponto 6. do Relatório). Alega que a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 20/12/2015, que determinou a alienação ao DD de direitos e obrigações de diversa índole do BB, abrange as responsabilidades em discussão nos presentes autos e implica a condenação da DD.  

Argumenta a Recorrida DD, em síntese, que o corpo do nº 1 do anexo 3 dessa Deliberação restringe essa responsabilidade aos passivos registados na contabilidade, pelo que, não constando da contabilidade a responsabilidade agora em causa, à data da transferência deliberada, esta ficará excluída. E sempre seria de dar prevalência à exclusão do parágrafo (vii) do n.º 1, (b), do Anexo 3.

Apreciemos.

4.2.2. Em 19/12/2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou, ao abrigo do disposto nos n.os 1, 3, 5 e 9 do art. 145º-M do DL 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), “iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alíena a) do n.º 1 do artigo 145º-E do RGICSF ao BB, S.A.” (deliberação b), cfr. fls. 343-v e 344). Nos termos da referida deliberação (e as outras adoptadas nessa mesma data), o mesmo Conselho de Administração, em 20/12/2015, deliberou, ao abrigo do disposto nos arts. 145º-E, 145º-F, 145º-L, 145º-M, 145.º-S, 145.º-T e 145.º-AA, entre outras, “Alienar ao DD, S.A. os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do BB, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145º-M do RGICSF” (deliberação d), cfr. fls. 345v-346); mais tarde, por deliberações adoptadas em 4/1/2017, foram clarificados, ratificados, actualizados e consolidados os Anexos 2, 2B e 3 dessa deliberação de 20/12/2015 (reportando-se à “Clarificação, retificação e conformação dos perímetros de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniaise ativos sob gestão do BB –…, S.A., para a HH, S.A. e para o DD, S.A.”; cfr. fls. 410v e ss)[24].

Dispõe-se, no referido Anexo 3 sobre os “Direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do BB, S.A., transferidos para o DD, S.A.”, uma vez rectificada a subalínea (xii) pela deliberação M) adoptada em 4/1/2017, que:  

“1 – Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BB, registados na contabilidade, que, sem prejuízo dos parágrafos 3. e 4., são objeto de transferência para o adquirente, de acordo com os seguintes critérios:

(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BB são transferidos na sua totalidade para adquirentente, com exceção dos seguintes (…).  

(b) As responsabilidades do BB perante terceiros que constituam passivos ou       elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):

(…)

(vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;

(…)

(xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de atividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras atividades, com exceção das que hajam sido constituídas pelo BB no âmbito da sua normal atividade bancária (incluindo as obrigações do BB ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performances bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, ativos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação.  

(…)

6. A transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou em relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BB ou transferidos para o adquirente (…)”.

Dos termos da referida deliberação, e da sua conjugação com os preceitos relevantes do referido Anexo (e sua rectificação por mor da aludida deliberação superveniente), resulta, em síntese: (i) foram transferidos para a Chamada DD os direitos e obrigações que constituíssem activos, licenças, direitos (incluindo os de propriedade), passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da Ré BB; (ii) as responsabilidades da Ré BB perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente DD; (iii) dessa transferência estão excluídas, porém, entre outros passivos, as responsabilidades contingentes e litigiosas, a não ser que tivessem sido constituídas pela Ré BB no seio da sua “normal atividade bancária”, exercida em conexão com “áreas de negócio, ativos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação”, situações em que a responsabilidade observa o regime-regra de transferência.

            A 1.ª instância entendeu, confrontando-se com a transferência de responsabilidades da Ré BB para a Chamada DD no momento temporal da sua pronúncia (3/4/2018) e considerando o disposto no art. 145º-L, 2 e 7, do RGICSF:

            “O BB foi na verdade objecto de uma medida de resolução, mas até ao momento o BdP não determinou a revogação da autorização do réu nem se sabe que decisão tomará o BdP com fundamento no disposto na parte final do nº 7 do citado preceito legal.

Provavelmente o BdP não tomará qualquer determinação no sentido de considerar as obrigações emergentes desta acção como determinantes ou indispensáveis à preservação ou valorização do activo do réu. Mas sem decisão do BdP o tribunal não as pode considerar num sentido ou noutro e sempre terá que condenar o BB nos termos já brevemente referenciados supra.

O DD irá igualmente condenado nos mesmos termos do BB pois nos termos da deliberação do BdP para si foram transferidas as responsabilidades que foram constituídas pelo BB no âmbito da sua normal actividade bancária e tanto assim é que a autora paga as prestações dos empréstimos ao DD.”

Ao invés, o ac. recorrido da Relação de Lisboa, raciocinou diversamente:

“(…) constata-se que a obrigação decorrente dos autos não deriva nem da actividade bancária do BB, nem é anterior à resolução do Banco de Portugal, pelo que se tem de concluir pela não transmissão das responsabilidades decorrentes da nulidade ora decretada.

Com efeito, estão em causa nos autos dois contratos de compra e venda, no qual o BB assumiu a qualidade de vendedor, não se podendo dizer que o facto de o mesmo ser igualmente mutuário em tais contratos, com a constituição de hipotecas a seu favor, determina que estes contratos se insiram na sua actividade bancária.

Por outro lado ainda, levando a declaração de nulidade à restituição do que foi prestado por ambas as partes, entende-se que apenas o BB pode ser condenado nos efeitos decorrentes dessa nulidade (…).”

           

4.2.3. A “medida de resolução” (arts. 144º, b), 145º-C, RGICSF), tal como deliberada em 20/12/2015 e revista em 4/1/2017, implicou uma transmissão de direitos e uma assunção de dívidas e de responsabilidades impostas pela lei e independentemente de consentimento de terceiro – arts. 145º-E, 1, a) (“Alienação parcial ou total da atividade”), 145º-M, 1 («O Banco de Portugal pode determinar a alienação parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito objeto de resolução, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição, e da titularidade das ações ou outros títulos representativos do seu capital social.»), 3 («Para efeitos do disposto no n.º 1, o Banco de Portugal promove a transferência para um adquirente dos direitos e obrigações e da titularidade das ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução assegurando a transparência e exatidão da informação prestada, tendo em conta as circunstâncias do caso e a necessidade de manter a estabilidade financeira, promovendo a ausência de conflitos de interesses e a celeridade, não discriminando indevidamente potenciais adquirentes e maximizando, dentro do possível, o preço de alienação dos direitos e obrigações ou das ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução.»), 145º-N, 6 («A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objeto de resolução para o adquirente, sendo este considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações alienados.»), 8 («A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a alienação.») e 9 («A decisão de alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior não depende do consentimento dos acionistas ou titulares de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução, das partes em contratos relacionados com os direitos e obrigações a alienar nem de quaisquer terceiros, não podendo constituir fundamento para o exercício de direitos de vencimento antecipado, resolução, denúncia, oposição à renovação ou alteração de condições estipulados nos contratos em causa.»), sempre do RGICSF – e foi executada por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Neste caso, optou-se por uma das hipóteses legais (v. os arts. 145º-L, 7, 145º-M, 7, RGICSF): a alienação da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa, a DD.

A Autora propôs a acção contra a Ré BB em 22/1/2015, pelo que, à data da deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, estava pendente (e continua até trânsito em julgado) o litígio em que se discutia (e discute-se) a responsabilidade (restitutiva e indemnizatória) da Ré BB. Logo, em causa está uma responsabilidade submetida a juízo e, portanto, litigiosa – em rigor, a responsabilidade decorrente do reconhecimento de direitos aferidos em juízo contencioso, de acordo com o critério do art. 579º, 3, do CCiv. É à luz da respectiva disciplina prescrita pela deliberação do Banco de Portugal que se terá que apurar da assunção de responsabilidade litigiosa originariamente peticionada à Ré BB.

Ora, do parágrafo (xii) do n.º 1, al. (b), do Anexo 3 à referida deliberação de 20/12/2015, uma vez rectificado-clarificado em 4/1/2017, resulta que as responsabilidades litigiosas se excluem da transferência ope legis a não ser que respeitem à “normal actividade bancária” e esta se tenha desencadeado a pretexto do desenvolvimento (“na medida em que respeitem”) a “áreas de negócio, ativos, direitos ou responsabilidades transferidas para o adquirente em resultado da presente deliberação…”. In casu, se as indemnizações pedidas pela Autora em juízo, por um lado, se circunscrevem como efeito da invalidação e consequente frustração da execução de negócios relativos a activos patrimoniais (imóveis) da propriedade da Ré BB, com intervenção como vendedora na área instrumental ou conexa do negócio imobiliário, por outro lado, nessas compras e vendas a Ré interveio, a propósito e a pretexto da viabilização desses negócios, com a realização de operações bancárias de crédito (mútuos garantidos com hipoteca e fiança) – actividade bancária principal e autorizada de acordo com o art. 4º, 1, b), do RGICSF, em conjugação com os arts. 362º e 363º do CCom., o art. único do DL 32 765, de 29 de Abril de 1943, e os regimes do DL 255/93, de 15 de Julho, e 58/2013, de 8 de Maio). Assim, julgamos que as excepções da referida alínea (xii), tendo como âmbito de aplicação o nexo de instrumentalidade entre a actividade bancária típica e os negócios celebrados como proprietária dos imóveis, se aplicam e, portanto, a responsabilidade litigiosa perante terceiros, a aqui Autora e Recorrente, se transfere para a esfera jurídica da «DD», com a consequente exclusão de tal responsabilidade da esfera jurídica da Ré BB.

Esta disciplina excepcional é, portanto e daí resultam as consequências óbvias, de natureza especial em relação à disciplina de não transmissão do parágrafo (vii) do n.º 1, al. (b), do Anexo 3.

Deste modo, revogando também neste segmento o acórdão recorrido, concede-se provimento ao recurso no sentido de condenar a «DD» pelos montantes julgados procedentes para restituição e indemnização pela sentença de 1.ª instância nos seus segmentos decisórios (1) b), (2), (3) e (4), julgando-se improcedentes as contra-alegações da Recorrida DD.

4.2.4. Tal provimento não pode deixar de ter como resultado e efeito processuais, nesta instância recursiva e depois de reconhecida a transferência de responsabilidade para a Chamada-Interveniente Principal por força dos efeitos jurídicos da lei (RGICSF) e das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal ocorridas após a entrada em juízo da acção, a absolvição da Ré BB dos pedidos que se concluíram julgar procedentes em 1.ª instância e nesta instância (uma vez repristinado o segmento decisório pertinente da 1.ª instância, revogado pelo ac. recorrido).

Não briga com esse efeito da revista o alcance do princípio do dispositivo (em íntima conexão com o princípio do pedido), com consagração genérica no art. 3º, 1, do CPC, que impediria que o âmbito decisório nesta sede fosse diverso do que se delimitara objectiva e subjectivamente na pretensão (impulso processual) da Autora como objecto do processo (cfr. art. 609º, 1, CPC). Isto porque se impede que o tribunal decida ultra ou extra petitum – o que se respeita na íntegra – mas não impede (nomeadamente quando o tribunal se confronta com «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa» (art. 5º, 2, b), CPC)) que se profira decisão que, ainda que integralmente fora da disposição inicial (condenação solidária de Ré e Interveniente Principal), justificada pela verdade material e efectividade adjectiva que o dever de gestão processual (com sentido material) também almeja (art. 6º CPC)[25] e, sublinhe-se, desde que respeitada a causa de pedir, se inscreva no âmbito da pretensão formulada e do efeito jurídico a obter com a providência jurisdicional requerida[26] – o que é o caso do que se aqui se decide a final com o efeito jurídico subjectivamente decretado e, ainda como questão de «indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (art. 5º, 3, CPC), adequado à justa composição da situação litigiosa.

Por outro lado, o que se assim se decide não desrespeita a valência do princípio do contraditório, com tradução genérica no art. 3º, 3, do CPC. Na verdade, sobre a questão da transmissão da responsabilidade operada pela Deliberação do Banco de Portugal, em execução da disciplina legal do RJICSF, todas as partes, nomeadamente a Ré e a Chamada Interveniente Principal, tiveram a oportunidade de se pronunciarem, de se defenderem e de esgrimirem todos os argumentos em vários momentos do processo, nomeadamente em sede recursiva de apelação e de revista. Não há qualquer desconformidade com tal princípio nem o aqui disposto representa uma decisão surpreendente para qualquer das partes, em particular e designadamente para a Recorrida «DD, S.A.”.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em:

não conhecer da questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;

admitir a desistência do recurso (art. 632º, 5, CPC),  no que respeita ao pedido de indemnização relativo ao montante peticionado pela recorrente a título de danos não patrimoniais;

— no restante objecto recursivo em julgamento, julgar procedente a revista quanto:

1) ao pedido de indemnização relativo ao montante peticionado pela Recorrente e julgado em sede de responsabilidade pré-contratual, repristinando na íntegra o segmento correspondente ao ponto (2) da decisão proferida pela sentença de 1.ª instância quanto à condenação no montante global de €15.493,72;

2) à condenação da Chamada-Interveniente Principal «DD. S.A.» nos segmentos correspondentes aos pontos (1) b), (2), (3) e (4) da decisão proferida pela sentença da 1.ª instância, por força da transmissão ope legis e independente de consentimento da responsabilidade litigiosa peticionada, decretada pela Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20/12/2015, no exercício dos poderes atribuídos e disciplina prevista pelos arts. 144º, b), 145º-C, 145º-E, 1, a), 145º-M, 1 e 3, e 145º-N, 6, 8 e 9 do GICSF, com a consequente absolvição quanto à condenação nesses pontos da Ré «BB, S.A.».


*

Custas pelas Recorridas na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

STJ/ Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Ricardo Costa (Relator por Vencimento)

Assunção Raimundo

Raimundo Queirós (Vencido)

SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
_______________________

Declaração de voto vencido:

Discordo do acórdão na parte em que condena o Réu por responsabilidade civil pré-contratual, pelas razões que seguem:

 A Recorrente apelou do acórdão da Relação na parte em que este, revogando a decisão da 1ª instância, entendeu não haver lugar à indemnização pelos danos por ela sofridos com a celebração do contrato, relativos a impostos, taxas e outras despesas.

A presente acção foi intentada com vista à declaração de nulidade das escrituras de compra e venda em causa nos autos, pedindo a A. a condenação do R. BB no pagamento de várias quantias, fundando o seu pedido indemnizatório na declaração de nulidade (cfr. arts. 19° a 65° da petição inicial).

Como resulta dos autos, as instâncias declararam a nulidade dos contratos por violação do art. 54°, n° 7 do DL 39/2008, de 7 de Março que aprovou o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, e que determina que deve fazer parte dos contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural, uma cópia simples do titulo constitutivo devidamente registado, cópia simples do título que habilita a entidade exploradora à exploração e administração do empreendimento turístico e ainda, a indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, nos termos do titulo constitutivo.

Com efeito, decorre da factualidade provada que essas cópias e menção do valor da prestação não constam nas escrituras públicas de compra e venda, o que determinou a sua nulidade, que se tem por assente, já que nenhuma das partes a contesta.

Nos termos do artº 289º do CC a declaração de nulidade tem efeitos retroactivos, levando à reposição das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que se tiver prestado.

Assim, na sequência da declaração de nulidade incumbe às partes a restituição do locado e do gozo entretanto fruído e restituição dos pagamentos efectuados, como foi decidido, em concordância, por ambas as instâncias.

Porém, no que concerne ao pedido indemnizatório, a sentença condenou o R. no seu pagamento, fundando esse pedido num dever de indemnizar pelo dano negativo, modificando assim a qualificação jurídica efectuada pela A., nos termos do art. 5°, nº 3 do CPC, decisão que veio a ser revogada pela Relação.

Decorre do artº 227º do CC que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Consagra-se neste dispositivo a responsabilidade por culpa in contrahendo, por violação das regras de boa fé, e tem sido entendido pela Jurisprudência e pela Doutrina que este preceito se aplica não só nos casos de ruptura das negociações antes da celebração do contrato, mas também nos casos de invalidade do contrato, nomeadamente quando os deveres de informação, esclarecimento e lealdade tenham sido violados.[1]

A obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.

Segundo Antunes Varela[2], a responsabilidade pré-contratual com a amplitude que lhe dá a redacção do artigo 227º do CC abrange os danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, de esclarecimento e de lealdade em que se desdobra o amplo espectro negocial da boa fé. Trata-se, portanto, da boa fé objectiva que abrange a cobertura das legítimas expectativas criadas no espírito da outra parte.

Como se escreveu no acórdão do STJ de 31.03.2011[3], “a relação pré-negocial cria obrigações e deveres entre as partes que decorrem da confiança recíproca que se criou e vai desenvolvendo entre as partes a partir da observância desses deveres e da consciência crescente de que as responsabilidades das partes aumentam à medida que as negociações avançam, a ponto de a violação de qualquer daqueles deveres e obrigações acarretar necessariamente a violação da confiança da outra parte no prosseguimento e na conclusão das negociações”.

Paulo Mota Pinto[4] propõe que o “interesse”, nesses casos, seja analisado na perspectiva de ausência de lesão, ou seja, o “interesse” seria a situação em que estaria o credor prejudicado sem a ocorrência do evento lesivo.

A construção desta situação hipotética, para o apuramento e quantificação do dano, poderá fazer-se de dois modos: ou pela adição de algum elemento (interesse positivo) ou pela abstracção de algo que aconteceu (interesse negativo). Assim, ou se levará em conta a situação em que o credor prejudicado estaria caso o contrato tivesse sido cumprido – ou seja, com a adição de um elemento –; ou a situação em que ele estaria caso não tivesse celebrado o contrato que foi incumprido – ou seja, com a abstracção de um elemento.

Deste modo, a indemnização pelo interesse contratual negativo corresponde às vantagens que a parte lesada teria obtido, somadas aos danos e despesas que teria evitado, se não tivesse iniciado as negociações injustificadamente interrompidas pela parte desistente; a indemnização pelo interesse contratual positivo corresponde, por outro lado, aos exactos proveitos que a parte lesada conseguiria se o contrato se tivesse concluído e tivesse sido regularmente cumprido[5].

Como sublinham Almeida Costa e Henrique Sousa Antunes, em anotação ao acórdão deste STJ de 31.03.2011 acima citado[6], na doutrina e na jurisprudência portuguesas prevalece o critério da indemnização do dano da confiança, o mesmo é dizer a indemnização pelo interesse contratual negativo (vejam-se, por exemplo, Galvão Telles[7], Antunes Varela[8], Almeida Costa[9] e Oliveira Ascensão[10], e, na jurisprudência, os recentes acórdãos deste STJ de 27.04.2017 e de 06.12.2018, respectivamente, nos processos nºs 4154/15.3TBLSB.L1.S1 e 3407/15.5T8BRG.G1.S2).

No caso dos autos está apenas em causa a indemnização pelo interesse contratual negativo ou interesse de confiança, por forma a que sejam reparados os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato.

Porém, não tendo a A. intentado a acção com vista à atribuição de indemnização por violação dos deveres contratuais do vendedor, a indemnização pelo dano negativo apenas pode ser atribuída, no caso dos autos, se a mesma resultar da violação de deveres que tenham conduzido à nulidade dos contratos.

Como resulta da sentença, confirmada pelo acórdão nesta parte, os contratos de compra e venda foram declarados nulos por violação do artº 54º, nº 7 DL 39/2008, de 7 de Março que determina que deve fazer parte dos contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural, “uma cópia simples do titulo constitutivo devidamente registado, cópia simples do titulo jurídico que habilita a entidade exploradora à e exploração e administração do empreendimento turístico e ainda, a indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, nos termos do titulo constitutivo”. Foi a falta desta formalidade ad substantiam que feriu de nulidade os contratos celebrados.

E, como salienta o acórdão recorrido, embora o R., na qualidade de vendedor tivesse a obrigação de juntar aos contratos os referidos elementos, o certo é que a notária, responsável pela celebração da escritura, deveria ter recusado a sua feitura, por falta daqueles elementos. Assim, a causa da nulidade dos contratos, fixada pelas instâncias, reside na falta de cumprimento daquela formalidade e não no comportamento culposo do R. na formação do contrato.

A nulidade dos contratos determina a reposição das coisas no estado anterior, isto, é, a restituição dos imóveis e do correspondente preço, não tendo por consequência o reembolso das despesas realizadas com a celebração dos contratos e dos danos sofridos com essa realização, pelo que a indemnização em causa extravasa o âmbito do artº 289º do CC[11].

Com efeito, para que nasça o dever de indemnizar por responsabilidade pré-contratual nos termos do artº 227º, nº 1 do CC é necessário demonstrar que a parte contratual adoptou uma conduta violadora das regras da boa fé e da lealdade, causando culposamente danos à outra parte.

A presente acção foi intentada com vista à declaração de nulidade das escrituras de compra e venda em causa nos autos, pedindo a A. a condenação do R. BB, no pagamento de várias quantias, fundando o seu pedido indemnizatório na declaração de nulidade (cfr. os arts. 19° a 65° da petição inicial). 

Porém, a A. não articulou os factos constitutivos da indemnização, pressupostos necessários para a sua atribuição .

Com efeito, cabia à A. o ónus de alegar e provar os factos constitutivos da indemnização, delimitando-os e concretizando-os, dando oportunidade ao R. para se defender. Ou seja, paralela e autonomamente com o pedido de nulidade, com fundamento na falta dos elementos exigidos no acto da escritura, a A. deveria ter fundamentado o seu pedido indemnizatório na violação culposa dos deveres contratuais por parte do R. BB, alegando e demonstrando os respectivos factos integradores dessa violação. Na verdade, a obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.

Assim, não tendo a A. alegado nem provado os factos demonstrativos da responsabilidade pré-contratual por parte do R. BBB, o Tribunal não poderia concluir pela sua condenação.

Deste modo, neste segmento, teria concluído pela improcedência da revista.

Lisboa, 10/12/2019

Raimundo Queirós

[1] Neste sentido, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, pág. 274 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 14ª edição, pág. 350; Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1ª edição, pág. 222; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação ao artº 227º do CC; acórdão do STJ de 06-12-2018, revista 3407/15, in www.dgsi.pt
[2] Ob. cit. p. 268.
[3] No processo n.º 3682/05.3TVSLB.L1.S1 (Conselheiro Fernando Bento), disponível em www.dgsi.pt.
[4]Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, 2008, p. 1207 e ss.
[5] Cfr. Enzo Roppo, “O Contrato”, p. 108.
[6] Em RLJ, Ano 141º, n.º 3974, p. 327.
[7]Manual dos Contratos em Geral”, 2002, p. 207.
[8] Ob. Cit., p. 270 e seguintes.
[9] “Direito das Obrigações”, edição de 2009, páginas 298 e seguintes.
[10] “Direito Civil - Teoria Geral”, 2ª edição, Volume II, página 449.
[11] Entre muitos, vide Revista nº 2026/11, Relator Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt.

____________________
[1] V. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Artigos 546º a 1085º, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 671º, págs. 174, 175, 176, sub art. 673º, pág. 192.
[2] Por todos, em apoio, v. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A eficácia da composição da acção”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 572, 578-579.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º, pág. 370; enfatizado nosso.
[4] V. J. Pinto Furtado, Recursos em processo civil (de acordo com o CPC de 2013), 2.ª ed., Nova Causa/Edições Jurídicas, Braga, 2017, págs. 111-112.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos… cit. e loc. cit., sublinhado como no original.
[6] V., por todos, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II cit., sub art. 671º, pág. 178.
[7] V. ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 632º, págs. 95-96. Na jurisprudência do STJ, ainda que antes do CPC 2013, v. o Ac. de 2/2/2010, processo n.º 3128/07.2TVPRT-A.S1, Rel. Hélder Roque, in www.dgsi.pt: “(…) a desistência do recurso não está sujeita a limitações, pois não depende do assentimento do recorrido, uma vez que o recurso interposto por uma parte não aproveita à parte contrária (…). Quer isto dizer que o recorrente pode exercer, livremente, o direito de desistir do recurso, sem carecer da anuência, nem da contra-parte, nem do recorrente, subordinado ou adesivo, eventualmente, existente. Por outro lado, a lei não estabelece qualquer exigência de forma para a desistência do recurso, que pode exprimir-se, através de simples requerimento, ou por qualquer outro modo, processualmente, admissível. (…) O direito de recorrer como faculdade de submeter as decisões judiciais a uma nova apreciação, por um outro Tribunal, que, eventualmente, as revogue ou altere, não se esgota no acto de interposição e de apresentação de alegações, mas, igualmente, no de abdicar a essa pretensão a uma nova reapreciação judicial, já porque, entretanto, se conformou com o decidido, já porque veio a obter, por outra via, o efeito que pretendia alcançar com o recurso, conforme vem alegado pelos recorridos”.
[8] V. por todos os Acs. do STJ de 18/12/2002, processo n.º 1610/07.0TMSNT.L1.S1, Rel. António Piçarra, e de 10/9/2019, processo n.º 462/15.1T8VFR.P1.S2, Rel. Henrique Araújo, sempre in www.dgsi.pt.
[9] Sem prejuízo de a responsabilidade pré-contratual poder também servir para ressarcir o interesse contratual positivo, desde que, fundamentado na violação de um dever de âmbito pré-contratual e concretizado no evento que constitui o dano sofrido em concreto e susceptível de reparação (e, portanto, ainda abrangido pela resposta normativa do art. 227º do CCiv.): desenvolvidamente, PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1189 e ss, em esp. 1191-1192.
[10] V. PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual…, Volume II cit., págs. 1115-1116.
[11] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2005 (reimp.), págs. 270, 271-272, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil Português, I, Parte geral, Tomo I, Introdução. Doutrina geral. Negócio jurídico, 3.ª ed, Almedina, Coimbra, 2009 (reimp.), págs. 504 e ss, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, págs. 491-492, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume I, Introdução. Da constituição das obrigações, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, págs. 373-375.
[12] «Quando a propriedade e a exploração turística não pertençam à mesma entidade ou quando o empreendimento se encontre em regime de propriedade plural, a entidade exploradora deve obter de todos os proprietários um título jurídico que a habilite à exploração da totalidade das unidades de alojamento.»
[13] V. CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 127.
[14] V. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos: conceito, fontes, formação, I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 230 e ss, em esp. 234-235, NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 227 e ss, em ligação com o anteriormente referido em relação à “protecção da confiança” a pág. 223.
[15] V. PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual…, Volume II cit., pág. 1266.
[16] V. ainda PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual…, Volume II cit. pág. 1266-1268, 1271-1272.
[17] Que não briga nem se confunde para este efeito com a negociação em concreto das cláusulas dos contratos (como se verifica ter acontecido pelo teor dos factos provados XX), ZZ) AAA), BBB) e CCC), pois não é nessa discussão que se afigura comunicado o aludido “regime legal específico”.
[18] “Cláusula do razoável”, Obra dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991, págs. 543-544, sublinhado nosso.
[19] Da boa fé no direito civil, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 584, enfatizado da nossa responsabilidade.
   Convergentes, para a intensidade e extensão relativas às entidades bancárias e financeiras, os Acs. do STJ de 22/1/2009, processo n.º 08B3301, Rel. Santos Bernardino (“Na culpa in contrahendo assumem primordial relevância os deveres de informação e de esclarecimento, respeitantes, antes de mais, ao clausulado contratual pretendido, e, particularmente, quando estamos perante sujeitos com poder contratual desequilibrado, com conhecimentos e experiências negociais e jurídicas desiguais, revestindo tais deveres, neste caso, maior amplitude, intensidade e extensão para a parte que detém a posição negocial mais forte, que lhe permite impor à contraparte, mais inexperiente ou menos esclarecida, cláusulas de que esta, por força dessa sua debilidade contratual, não logra colher o verdadeiro significado ou de que, pela mesma razão, nem sequer toma conhecimento.” – ponto 3. do Sumário), e de 10/12/2009, processo n.º 3795/04.9TVLSB.S1, Rel. Salazar Casanova, sempre disponíveis in www.dgsi.pt.
[20] V., na doutrina e em sentido dominante, entre outros, CARLOS MOTA PINTO, Cessão da posição contratual, Almedina, Coimbra, 1982 (reimp. da ed. de 1970), págs. 350-351; ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I cit., págs. 271-272; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no direito civil cit., pág. 585; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997 (reimp. 2014), págs. 71-72, 75-76 (“obrigação de – no caso de se chegar a contratar – fazê-lo correctamente, sem vícios que invalidem o negócio ou deficiências que o privem de eficácia, ou outras irregularidades que (…) envolvam contudo sacrifício para um dos contraentes”); LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume I cit., pág. 377 (ainda que sem aplicação em bloco da disciplina respectiva); CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos: conceito, fontes, formação, I cit., págs. 244-245; na jurisprudência do STJ, v. o Ac. de 16/12/2010, processo n.º 1212/06.0TBCHV.P1.S1, Rel. Fonseca Ramos, e de 24/6/2014, processo n.º 4806/07.1TVLSB.L1.S1, Rel. Ana Paula Boularot, sempre in www.dgsi.pt.
[21] “A parte que dê causa a essa invalidade, ineficácia ou sacrifício é responsável perante a outra pelos prejuízos que daí lhe advenham”: INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações cit., págs. 75-76.
[22] Para os grupos de casos de culpa in contrahendo por força de contratação defeituosa, onde se integra a invalidade, total ou parcial, do contrato celebrado, v. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral… cit., págs. 494-495: “[s]e a invalidade for imputável a conduta culposa de uma das partes, contrária à boa fé, deve essa parte indemnizar o interesse contratual negativo, isto é, o dano em que a outra tiver incorrido por ter celebrado um contrato que é, total ou parcialmente, inválido”. Também CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos: conceito, fontes, formação, I cit., págs. 227-228, refere como “caso-padrão” os contratos inválidos ou ineficazes em que se justifica a responsabilidade pré-contratual “quando o fator de invalidade, de ineficácia ou de inexistência seja consequência da violação de deveres de lealdade e de desrespeito, por ação ou omissão, de deveres de informação ou de diligência”.
[23] Neste sentido, v., com interesse exemplar para o caso dos autos (embora não seja de todo líquida a exclusão in limine dos “lucros cessantes”), o Ac. do STJ de 31/3/2001, processo n.º 3682/05.3TVSLB.L1.S1, Rel. Fernando Bento, in www.dgsi.pt: “a indemnização pelo dano negativo deve cobrir apenas a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a situação patrimonial que existiria se o contrato, válido ou inválido, não tivesse sido celebrado ou se as negociações não tivessem ocorrido”;apenas estarão cobertos pelo interesse negativo do contrato, os danos que não teriam sido sofridos se o lesado não tivesse confiado na conclusão do contrato pelo que se impõe a reconstituição da situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando o lesado das despesas que efectuou na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teria efectuado se não tivesse confiado)”; “o conteúdo da obrigação de indemnizar pelo interesse negativo do contrato cobre os gastos que se fizeram em vistas da celebração de um contrato determinado, sempre que sejam específicos (…)”.
[24] V., independentemente da documentação integrante dos autos, https://www.bportugal.pt/page/deliberacoes-e-informacoes-do-banco-de-portugal.
[25] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Os princípios estruturantes da nova legislação processual civil”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 69, 88-89, MIGUEL MESQUITA, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno Processo Civil – Anotação ao Acórdão de 8 de Julho de 2010 do Tribunal da Relação do Porto”, RLJ n.º 3983, Ano 143.º, 2013, págs. 145 (“a gestão material conduz a uma interferência judicial ao nível do fundo, conteúdo ou mérito da acção, sendo susceptível de influenciar o conteúdo da sentença”), 150 (“o interesse público da boa Administração da justiça” implica “a intervenção do juiz destinada a alcançar a maior efectividade das sentenças”). 
[26] V. LOPES DO REGO, “O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs.789-790, 793-796 (em sede de, numa visão substancialista, “convolação” ou “reconfiguração jurídica” para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa), FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 80-81 e, em esp., nt. 127. Na jurisprudência do STJ, v. o Ac. de 11/2/2015, processo n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1, Rel. Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt (ponto I. do Sumário).