Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5080/18.0T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONCORRÊNCIA DE CULPA E RISCO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA DO LESADO
ATROPELAMENTO
PEÃO
CULPA GRAVE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PARTICIPAÇÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. — O art. 505.º do Código Civil deve ser objecto de uma interpretação actualista, admitindo-se o concurso da culpa do lesado com o risco do veículo.

II. — Face à interpretação actualista do art. 505.º do Código Civil, a exclusão da responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art. 503.º restringe-se aos casos em que haja dolo ou por culpa grave do lesado, ou em que o facto do lesado deva considerar-se como causa exclusiva do acidente.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA instaurou a presente acção contra Liberty Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €31.614,63, dos quais:

I. — 10.000,00 euros para compensação dos danos não patrimoniais;

II. — 21,614,63 euros para compensação dos danos patrimoniais [1], a que deveria acrescer a indemnização a fixar com base na equidade para compensação dos danos futuros, “tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento”.


2. A Ré Liberty Seguros, S.A., contestou, pugnando pela improcedência da acção.


3. O Tribunal de 1.ª instãncia julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré Liberty Seguros, S.A., a pagar à Autora AA

I. — a quantia de €5.583,83, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;

II. — a quantia de €10.000,00, acrescida de juros de mora a contar da data da sentença até integral pagamento.


4. Inconformadas, Autora e Ré interpuseram recurso de apelação.


5. A Autora AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Entende a A./Recorrente que a douta sentença labora em erro na fixação dos danos patrimoniais indemnizáveis em consequência directa e necessária do acidente sub judice, bem como no seu quantum indemnizatório, uma vez que, o tribunal a quo não atendeu a todas as repercussões que as lesões sofridas por aquela têm e terão de forma permanente para o resto da sua vida;

2. A A./Recorrente não concorda nem aceita o cálculo realizado pelo tribunal a quo;

3. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento e a fixação da matéria de facto provada nos termos em que foi, não permite concluir, como concluiu o julgador a quo, que in casu não se verificam lucros cessantes e ou perdas de rendimentos e que não se verifica uma afectação da sua capacidade de angariação de ganho em razão da sua incapacidade funcional;

4. As concretas circunstâncias do caso concreto e que resultaram como matéria assente e provada impunham que in casu, além da indemnização pelo dano biológico, fosse igualmente calculada e atribuída à A./Recorrente indemnização pelo dano patrimonial futuro em razão da incapacidade funcional permanente que esta ficou comprovadamente a padecer;

5. A A./Recorrente tem direito a ser indemnizada por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente, prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição de rendimentos do trabalho;

6. O facto de a A./Recorrente se encontrar desempregada à data do acidente tal circunstância não ceifa o seu direito à indemnização por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente;

7. Ainda que a A./Recorrente não tenha sofrido no imediato uma perda de capacidade de ganho - atendendo a que à data do acidente estava desempregada, como se disse - não pode deixar de ser indemnizada pela perda de aptidão física expressa numa IPP de 3 pontos e que lhe causou - no presente e futuro - lesões irreversíveis que se repercutirão na sua vida activa laboral expectável e na sua longevidade;

8. A douta sentença focou a questão da ressarcibilidade dos danos patrimoniais exclusivamente na perspectiva da situação actual da A./Recorrente e somente na afectação da vida pessoal desta, o que salvo melhor opinião, desrespeita a teoria da diferença como critério indemnizatório;

9. A incapacidade parcial permanente, afectando ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro que tem igualmente de ser considerado e indemnizado;

10. No cálculo da indemnização, impunha-se que o julgador a quo considerasse como critério definidor do montante da indemnização o valor do salário mínimo nacional, à data do acidente, enquanto critério objectivo que sustenta o recurso à equidade, critério esse que tem sido largamente defendido na jurisprudência;

11. O julgador a quo na fixação da indemnização por danos patrimoniais, ponderou somente o dano biológico, excluindo inexplicavelmente o dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade funcional para o trabalho;

12. O cálculo da indemnização efectuado pelo julgador a quo está incorrecto face às circunstâncias do caso concreto, designadamente os factos dados como assentes e provados, que impõem um diferente quantum indemnizatório a titulo de danos patrimoniais;

13. Entende a A./Recorrente que os factos dados como provados na sentença, concretamente os pontos 18, 20, 21, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, estão em contradição insanável com a fundamentação e decisão, incorrendo assim a douta sentença em nulidade, ex vi do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea c), do CPC, uma vez que, a matéria de facto provada impõe decisão diversa quanto aos diferentes danos patrimoniais indemnizáveis e respectivo quantum de indemnização, o que aqui expressamente se invoca e argui;

14. Entende a A./Recorrente que face aos factos dados como assentes e provados, impunha-se ao julgador, na ponderação e fixação dos danos patrimoniais, a fixação de uma indemnização a título de dano futuro pela afectação irreversível da sua capacidade de ganho;

15. O julgador a quo ao ponderar os danos futuros, fixou o montante da indemnização apenas e só com base na afectação pessoal da A./Recorrente, isto é, na repercussão das lesões assente no pressuposto de que estando esta desempregada à bastante tempo não se verifica in casu uma afectação a nível laboral;

16. In casu, o erro radica no facto de o julgador a quo ter apreciado a questão apenas da perspectiva do dano biológico, olvidando que questão diversa é a incapacidade funcional da A./Recorrente e que deve igualmente ser indemnizada como dano patrimonial futuro;

17. A IPP de 3 pontos que a A./Recorrente ficou a padecer afectará necessária e de forma irreversível a sua capacidade de ganho, diminuirá as opções profissionais que se adeqúem à sua nova e limitada condição física e que se repercutirá numa perda de rendimentos já que não poderá exercer toda e qualquer actividade profissional em consequência do sinistro;

18. A afectação da A./Recorrente não lhe permitirá jamais que esta tenha um trabalho/profissão que implique estar muitas horas em pé, subir e descer escadas com frequência, caminhar de um lado para o outro, que implique uso da força física, um esforço acrescido com o pé direito;

19. A A./Recorrente em consequência directa e necessária do acidente sub judice não poderá exercer profissões como costureira, empregada de balcão, de supermercado, lojista, repositora de stocks, empregada de limpeza, e demais do mesmo género em razão das limitações físicas e funcionais permanentes que ficou a padecer;

20. A A./Recorrente à data do acidente tinha 53 anos de idade e não possui um grau académico que lhe permita um “trabalho de escritório”, com maior incidência de esforço a nível intelectual ao invés do físico;

21. A A./Recorrente está irremediável e definitivamente afectada na sua capacidade de ganho, de angariação de rendimentos, pela dificuldade de não puder exercer toda e qualquer profissão e as que eventualmente possa exercer acarretarão necessariamente um esforço acrescido em razão da IPP de 3 pontos;

22. A A./Recorrente não poderá - em consequência dessa incapacidade - retomar as tarefas que anteriormente executava enquanto doméstica, ao menos com a celeridade e capacidade com que as fazia;

23. A verificação da incapacidade permanente A./Recorrente implica sempre uma perda de capacidade de ganho de rendimentos, ou seja, tem consequências patrimoniais para esta;

24. A afectação da capacidade de ganho é em si um dano futuro, que não pode apenas ser apreciada e ponderada por mera referência à situação actual de desempregada da lesada, nem a mesma está subordinada à condição de «empregada» ou «desempregada», atendendo a que as lesões são permanentes e como tal a situação futura da lesada terá sempre que ser ponderada;

25. Tem vindo a ser jurisprudencialmente pacífico o entendimento de que o quantum indemnizatório dos danos patrimoniais emergentes de uma perda ou diminuição da capacidade de trabalho, deve ser calculado em função do tempo provável da vida activa do lesado, de forma a representar um capital que, com rendimento gerado e com a comparticipação do próprio capital, compense, até ao seu esgotamento, a vítima dos ganhos do trabalho que durante esse tempo irá perder;

26. E tem sido igualmente pacífico o entendimento de que, mesmo que a vítima não exerça ou não exerça ainda qualquer actividade remunerada nem por isso o dano deixará de ser ressarcido já que nesta última hipótese foi precisamente o evento danoso a frustrar a aquisição futura de ganhos;

27. Para o cálculo da indemnização a arbitrar por este dano futuro atende-se, normalmente, ao vencimento auferido pelo lesado à data do acidente em discussão;

28. “nos casos em que o lesado à data do acidente se encontra desempregado, e na falta de outro critério que com teor de probabilidade e verosimilhança permita encontrar o quantum da indemnização, atender-se-á, ao valor do salário mínimo nacional em vigor à data do sinistro, como critério objectivo de cálculo deste dano futuro” (veja-se a titulo meramente exemplificativo, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/2008, Revista n.º 939/08 - 7.ª Secção, relator Alberto Sobrinho, consultável in www.dgsi.pt);

29. O que releva neste tipo de casos é que, mesmo não exercendo o lesado uma profissão à data do acidente, deve ser indemnizado se ficou em razão do mesmo incapacitado, uma vez que, a incapacidade de que ficou a padecer constitui em si um dano futuro, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/05/2021, revista 2818/03, consultável in www.dgsi.pt).

30. A./Recorrente ficou a padecer de uma IPP de 3 pontos, suportou e continua suportar dores, ficou a padecer de dificuldades ao aninhar, subir e descer escadas, fazer o levante, na marcha e apresenta inclusive fenómenos dolorosos no pé direito e posturas e edemas agravados pelos esforços, O que se irá repercutir até ao fim dos seus dias, atento o carácter permanente das lesões, o que até é provável que venha a agravar-se com o avançar da idade;

31. A./Recorrente nasceu em 04/05/1964, sendo previsível que pudesse trabalhar pelo menos até aos 70 anos de idade, isto face a actual e previsível vida activa de uma pessoa, como tem entendido a jurisprudência, como v.g. os recentes acórdãos do STJ de n.º SJ200610120025812 de 12/10/2006 e n.º SJ200701310043016 de 31/01/2007, publicados in www.dgsi.pt;

32. A./Recorrente está irremediavelmente afectada para os restantes 27 anos de vida que se estima que terá (de acordo com a esperança média de vida para as mulheres até aos 82 anos) e 17 anos de vida laboral/activa que é previsível que tenha;

33. O julgador a quo não ponderou a afectação da capacidade de ganho da A./Recorrente, ao fixar o quantum de indemnização pelos danos futuros;

34. O julgador a quo ao ponderar o quantum de indemnização a fixar, socorreu-se do critério da equidade - ut artigo 566.º, n.º 3, do CC, mas não ponderou como se impunha a afectação da capacidade de ganho que padece a A./Recorrente, tendo por referência o valor do salário mínimo nacional, por ser este o critério orientador defendido pela jurisprudência quanto o lesado à data do acidente não aufere quaisquer rendimentos;

35. O raciocínio lógico dedutivo do julgador a quo assentou no pressuposto errado e até contrário às regras da lógica e da experiência comum quando parte da condição de desempregada da A./Recorrente, que julgou ser de longa data, para daí fundamentar a ausência do direito à indemnização pela perda de rendimentos,

36. O facto de a A./Recorrente se encontrar desempregada à bastante tempo na data do acidente tal não demonstra que esta condição se manterá inalterável para futuro;

37. Independentemente do tempo que a A./Recorrente possa continuar na condição de desempregada, tal não determina que esta não tenha direito a ser indemnizada pelo dano patrimonial futuro que pondere a sua irreversível incapacidade funcional;

38. Entende a A./Recorrente que a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho (Vide a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/01/2004, revista 4083/03, consultável in www.dgsi.pt);

39. O julgador a quo além de fixar uma indemnização pelo dano biológico devia igualmente ter    ponderado e fixado uma indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade parcial permanente com impacto na sua capacidade funcional, nos termos peticionados na petição inicial o que expressamente se requer;

40. A contradição insanável em que labora a douta sentença radica no facto de a mesma ter dado como assente e provado que a A./Recorrente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico- psíquica de 3 pontos, com repercussões nas actividades diárias, mas ao mesmo tempo e apesar dessa prova não calculou nem atribuiu uma indemnização em concreto para a perda e ou diminuição da sua capacidade funcional;

41. A repercussão futura dos danos não pode cingir-se somente à vida pessoal do lesado, mas abarcar com igual grau e ponderação as demais repercussões dinâmicas da sua vida e que resultaram necessariamente afectadas negativamente, mormente a nível funcional e com evidente repercussão em desempenhos profissionais futuros;

42. A A./Recorrente tem direito a ser indemnizada pelo período de incapacidade temporária e até à consolidação final e médico-legal das lesões, pese embora a sua situação de desemprego na data do acidente;

43. Não pode, nem deve, confundir-se o período dos 254 dias de défice funcional com a situação subsequente a esse período em que a A./Recorrente, infelizmente, se manteve desempregada e se verificou eventual dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo;

44. A A./Recorrente não pediu qualquer montante relativo a perda de chance mas apenas e só indemnização pelo período em que efectivamente ficou parada e impedida de trabalhar em razão da sua convalescença;

45. A A./Recorrente sofreu um prejuízo patrimonial efectivo no período de convalescença;

46. A./Recorrente padeceu de IPP e se viu totalmente impossibilitada de trabalhar, realizar todas as lides domésticas, pelo que padeceu nessa medida de um prejuízo de 5.764,95 (557,00 x 9 salários + proporcionais de subsídio de férias e de natal), de que deve ser ressarcida e cujo pagamento se requer mas que o tribunal denegou;

47. Deve alterar-se a douta sentença agora recorrida e ser substituída por decisão que condene a R. a pagar à A./Recorrente indemnização salarial que esta deixou de auferir pelo período em que esteve parada para convalescença, sendo a mesma calculada com base no salário mínimo nacional e apesar da sua situação concreta de desemprego na data do acidente;

48. Lida e relida a douta fundamentação vertida na sentença proferida, não se evidencia qual o critério objectivo e orientador sufragado pelo julgador a quo e que sustentou o recurso à equidade - ut artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil - para fixar como fixou a indemnização pelo dano biológico no montante de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);

49. É possível alterar o critério da equidade adoptado pela instância se o mesmo se afastar, de forma injustificada dos padrões que em termos genéricos o caso concreto convoca, o que, salvo melhor opinião, se verifica in casu, uma vez que, o mesmo está desconforme face às orientações e padrões que a jurisprudência tem seguido para idênticos casos de fixação de indemnização por danos patrimoniais decorrentes de acidente de viação;

50. O Direito não pode nem deve decidir os casos que lhe são submetidos a juízo com um grau de subjectividade tal que torne imperceptível, para idênticos casos, a solução a adoptar;

51. A dificuldade de fixação de um quantum de indemnização embora esteja sempre dependente de uma apreciação casuística, de análise de diferentes factores concretos do caso em análise, deve sempre partir de critérios reais e uniformizadores que permitem delimitar, ainda que em abstracto, mínimos e máximos desse quantum;

52. O critério orientador que largamente tem sido defendido e aplicado pela jurisprudência dos tribunais superiores é o de que mesmo que o lesado não exerça ou não exerça ainda uma qualquer actividade remunerada, tal não implica que não haja lugar à indemnização pela frustração da aquisição futura de ganhos ou pela sua limitação e ou diminuição cf. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/09/2008, consultável in www.dgsi.pt);

53. Sendo igualmente critério orientador aquele segundo o qual a atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado (cf. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/06/2017, consultável in www.dgsi.pt);

54. Entende a A./Recorrente que os critérios supra referidos e que têm sido largamente defendidos na jurisprudência são aplicáveis ao caso sub judice, impondo-se que o cálculo das indemnizações a atribuir a esta - pelo dano biológico e pelo dano patrimonial futuro em razão da incapacidade funcional - encontre fundamento nestes e não pelo critério seguido pelo julgador a quo;

55. Toda e qualquer solução judicial que colida frontalmente com os critérios supra referidos, produz decisão «surpresa», contrária ao princípio geral e uniformizador da boa aplicação do direito;

56. Deve alterar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que em conformidade reconheça o direito da A./Recorrente a ser indemnizada, além do dano biológico, pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade funcional permanente que se reflectirá de forma irreversível na sua capacidade de angariação de ganho, calculado com base no salário mínimo nacional à data do acidente, julgando-se procedentes os pedidos formulados na p.i. por serem justos e adequados aos critérios em uso pela jurisprudência dominante;

57. O montante fixado de é absolutamente minimalista e desajustado às circunstâncias concretas do caso;

Termos em que, e nos que Vossas Excelências superiormente suprirão, deve ser julgada verificada a arguida nulidade, impõe- se a revogação da douta sentença ora recorrida e a sua substituição por acórdão que em conformidade julgue nos termos peticionados supra pela ora recorrente.


6. A Ré Liberty Seguros, S.A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. A matéria de facto a que se referem os factos constantes das alíneas a), c, na parte em que deu como não provado que o veículo se imobilizou com a traseira a cerca de cinco metros do local onde a autora se encontrava, g), i) e j) dos factos não provados da douta sentença foi erradamente apreciada pelo douto Tribunal recorrido.

B. Encontra-se gravada toda a prova produzida, razão pela qual a resposta a tal matéria deve ser alterada de acordo com o acima alegado e requerido.

C. Dão-se aqui por reproduzidos os depoimentos acima transcritos, de cuja audição resulta sem margem para dúvidas que a matéria das alíneas atrás referidas dos factos não provados da sentença a quo devem ser alterados.

D. A matéria da alínea a) dos factos não provados deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: Quando a Autora iniciou a travessia o veículo automóvel ...-DT-... encontrava-se a uma distância não concretamente apurada, mas não superior a 10 metros.

E. A matéria da alínea c) dos factos não provados deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: O veículo seguro na Ré imobilizou-se com a traseira a cerca de cinco metros do local onde se encontrava a Autora.

F. A matéria da alínea g) dos factos não provados deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: A Autora não se certificou previamente que podia atravessar a via em segurança.

G. A matéria da alínea i) dos factos não provados deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: O condutor do veículo automóvel de matrícula ...-DT-... não teve nem tempo nem espaço para o poder deter antes de se dar o embate entre o veículo e a Autora.

H. A matéria da alínea j) dos factos não provados deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: O veículo automóvel ...-DT-... encontrava- se a uma distância não concretamente apurada, mas não superior a 10 metros quando a Autora invadiu a faixa de rodagem.

I. Dos depoimentos de forma resumida e acima descritos parece poder concluir-se de forma segura como o acidente dos autos se processou. A Autora pretendia atravessar a via por onde circulava o DT, seguro na ora recorrente. Segundo disse olhou para ao seu lado esquerdo de onde se aproximava o DT. Viu-o, mas, apesar disso, pensou que teria tempo para atravessar a via antes de o DT passar. Só olhou aquela vez para a sua esquerda. Foi tudo muito rápido. Iniciou a travessia da via em passo normal e percorrido um metro desta deu-se o embate. A parte frontal direita do DT embateu-lhe. Rodopiou da parte frontal do DT para o lado direito deste, caindo ao chão. A passadeira para peões existente no local situava-se a 45,10 metros do local onde a Autora ficou caída. O DT após o acidente imobilizou-se a cerca de 5 metros do local onde a Autora ficou caída.

J. Nas circunstâncias dos autos, dada a curta distância a que a Autora se lhe atravessou na via e, não obstante a velocidade reduzida, por inferior ao limite legal, o condutor do DT nada pode fazer para evitar o embate. Ao contrário, a Autora tinha todas as condições para se comportar de tal modo que não se desse o embate entre ela e o DT. Desde logo tinha que ter consciência das suas limitações, pelo menos, auditivas e as decorrentes da dislexia de que padecia. Na verdade, para além das obrigações de qualquer peão médio, nomeadamente a de se assegurar com a toda a certeza de que pode atravessar uma via onde circulam automóveis sem perigo, o que implica verificar se há trânsito a circular, e, em caso afirmativo a distância a que o mesmo se encontra e qual a eventual rapidez a que se aproxima do local, apenas decidindo a atravessar se não lhe restam dúvidas de que o pode fazer com segurança e, no caso de não poder ter essa certeza, aguardar que o trânsito passe e só depois iniciar a travessia da via, a Autora, pessoa surda e com dislexia, teria de rodear os seus cuidados de forma ainda mais exigente.

L. Não era, como não foi, suficiente julgar que tinha tempo. Não lhe bastava olhar apenas uma vez. Tinha obrigação de olhar mais que uma vez, de modo a avaliar com segurança a distância a que o veículo estava e qual a “rapidez” com ia galgando essa distância, de modo que pudesse tomar uma decisão segura. Bastaria isso para que quando estivesse em condições de decidir já o DT teria com certeza passado, pois, a distância a que se encontrava em escassos segundos seria, como foi percorrida.

M. Mas mais do que isso, a Autora devia, se fosse minimamente prudente, utilizar a passadeira para peões, não muito longe do local onde iniciou a travessia da via. Tal passadeira encontrava-se a menos de 50 metros desse local e mesmo que não estivesse a Autora, com as suas limitações devia apenas fazer a travessia da via pública utilizando as passadeiras. Parece manifesto que o acidente dos autos se ficou a dever de modo exclusivo ao comportamento negligente e imprudente da Autora.

N. A factualidade apurada é, pois, suficiente para determinar que o comportamento da Autora foi decisivo para a eclosão do acidente. Ao condutor do DT não era exigível que actuasse de outro modo.

O. Em consequência, com as respostas alteradas nos termos atrás sugeridos, os quais correspondem aos exactos sentidos dos depoimentos efectuados pelas testemunhas, deve ser alterada a sentença proferida, absolvendo-se a ora recorrente.

P. Mas mesmo que assim não se venha a entender ou seja mesmo que o Tribunal entenda não proceder à alterações da matéria de facto, a verdade é que o acidente deve ser também nesse caso a responsabilidade ser atribuída à recorrida. De facto, a tentativa de travessia da via após a Autora ter visualizado o DT a aproximar-se e a ocorrência do embate logo após a Autora ter percorrido apenas um metro da via, tem se significar que o DT estava já muito próximo da Autora quando ela iniciou a travessia e que o Juízo que ela fez de que “julgava que tinha tempo” foi manifestamente errado e causal do acidente.

Q. Atento o exposto, entende a ora recorrente que deve ser proferida decisão a julgar a acção improcedente e a absolver a recorrente do pedido.

R. O valor atribuído a título de danos não patrimoniais é excessivo e deverá ser reduzido para € 5.000,00, valor este que em termos de equidade se apresenta bem mais adequado aos danos sofridos pela recorrida.

S. A sentença recorrida não fez a melhor e mais correcta aplicação do direito, tendo violado o disposto nos arts. 101.º do Código da Estrada,483º, 487.º, 494.º, 496.º, 503º e 566.º do C. Civil.

Termos em que o recurso interposto pela Ré deve ser julgado provado e procedente e por via disso revogada a sentença a quo e absolvida a ora recorrente, dando-se por não provado e improcedente o recurso interposto pela Autora.


7. Cada uma das partes respondeu ao recurso interposto pela contraparte, pugnando pela sua improcedência.


8. O Tribunal da Relação ...:

I.  — julgou improcedente o recurso interposto pela Autora;

II. — julgou procedente o recurso interposto pela Ré, revogando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e absolvendo a Ré do pedido.


9. Inconformada, a Autora AA interpôs recurso de revista.


10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Com a devida vénia, o douto acórdão proferido, padece de erros na interpretação e na aplicação de direito e incorreu mesmo em nulidades;

2. A A./Recorrente pediu a reforma do acórdão não existindo na presente data qualquer decisão, sendo que o pedido reforma do Acórdão não interrompe nem suspende o prazo de recurso nos termos gerais (art. 617.º, do CPC);

3. A A./Recorrente apresenta o presente recurso de revista, mantendo o interesse na apreciação da reclamação/reforma do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação;

4. Do Acórdão ad quem pede-se revista ex vi artigo 671.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1, al. a) e c), ambos do CPC, por se entender que o mesmo incorreu em diversas violações de normas de carácter substantivo, princípios e incorreu em nulidade;

5. Os meios de comunicação social deram especial atenção à presente decisão no meio de milhares e milhares de decisões produzidas pelos tribunais em cada ano judicial E entre outras, forma publicadas as seguintes notícias sobre o aresto agora sindicado:

Relação do Porto anula indemnização por atropelamento a mulher surda – ... (...pt)

Relação do Porto retira indemnização a surda atropelada em ... (...pt)

Tribunal de Recurso anula indemnização a mulher surda que foi atropelada a 50 metros da passadeira (...pt)

Tribunal da Relação revoga indemnização a mulher surda atropelada em ... - ... (...pt)

6. O acórdão recorrido incorreu uma violação de lei substantiva e processual, bem como do erro na apreciação das provas, por se verificar ofensa a disposições expressas de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nos termos do deposto no artigo 674.°, n.° 1, alíneas a) e c) e n.° 3 do CPC;

7. O acórdão recorrido enferma ainda de erro na aplicação do direito, nomeadamente das disposições legais vertidas nos artigos 620.º, 625.º, 635.º, n.º 4 e 5, 662.º, n.º 3, al. c), todos do CPC e artigos 349.º, 351.º e 503.º, todos do CC, os princípios reformatio in pejus e reformatio in melius, devendo por isso o tribunal ad quem apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação das referidas normas;

8. Entende a A./Recorrente que os Ex.mos Sr.s Juízes Desembargadores proferiram acórdão cuja apreciação e pronúncia excedeu manifestamente o objecto e âmbito de cada um dos recursos apresentados pela A. e R., ambos delimitados pelas respectivas conclusões e excedeu também os limites legalmente impostos quanto à apreciação oficiosa da matéria de facto não suscitada/impugnada pelas partes;

9. A ampliação da matéria de facto operada pelos Ex.mos Sr.s Juízes Desembargadores além de inadmissível, redundou numa violação do caso julgado formal e concretamente na violação das normas jurídicas contidas nos artigos 620.º, 625.º e 635.º, n.º 4 e 5, todos do CPC;

10. A operada ampliação da matéria de facto violou igualmente o disposto no artigo 640.º, n.º 1, a), do CPC, decidindo à revelia das referidas normas, dando às mesmas sentido e alcance contrário ao espírito e letra da lei, o que jamais pode soçobrar;

11. A arte de julgar não pode jamais admitir interpretações e decisões antagónicas, interpretando e aplicando a lei no sentido que mais convém ao julgador e às suas convicções pessoais;

12. A violação das normas jurídicas supra referidas, que redundou numa incorreta aplicação do direito ao caso sub judice, resultando desde logo do facto de o tribunal ad quem ter ampliado a matéria de facto provada, aditando os factos sob os pontos 45, 46, 47, 48 e 49 do elenco da matéria de facto provada em violação crassa das normas jurídicas que estabelecem as regras para a dita ampliação;

13. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do mesmo, pelo que o tribunal superior não pode apreciar as questões que não sejam de conhecimento oficioso, nem conhecer e alterar a matéria de facto provada ou não provada e que a parte recorrente não impugnou porque com ela se conformou;

14. Nem a A./Recorrente nem a R./Recorrida impugnaram a matéria de facto provada, pelo que a mesma não foi objecto de recurso - ut. artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC;

15. O tribunal ad quem olvidou por completo que a A./Recorrente e a R./Recorrida não impugnaram nenhum dos pontos da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância;

16. O Venerando tribunal ad quem não se apercebeu que a R./Recorrida não impugnou os factos provados, concretamente e no que aqui importa, os factos vertidos sobre os pontos 10, 12, 13, 14, 15 e 16 do elenco da matéria de facto e que são contraditórios e necessariamente incompatíveis com os factos que pretendia aquela ver julgados provados,

17. Razão pela qual, desde logo por esta razão, não podia jamais ter sido procedente a apelação quanto à modificação da decisão sobre a matéria de facto julgada provada e não provada ante o trânsito em julgado dos factos ínsitos nos pontos 10, 12, 13, 14, 15 e 16;

18. Isto porque a ré seguradora ao não impugnar a matéria de facto provada, isto é, não tendo sido objecto de recurso, formou-se sobre tal matéria caso julgado formal, nos termos e para os efeitos do disposto no número 5, do artigo 635.º, do CPC;

19. Pelo que, estava totalmente vedada ao tribunal ad quem a apreciação da matéria que não foi objecto de impugnação e recurso e que ficou definitivamente transitada em julgado por não ter sido objecto de recurso;

20. Sendo que, pretendendo a ré seguradora que os factos vertidos sob as alínea a), c), g), l) e j) do elenco da matéria de facto dada como não provada fossem julgados como matéria provada, teria necessária e forçosamente que impugnar toda a factualidade julgada provada o que não aconteceu e, por isso, é totalmente incompatível com o julgamento positivo desses pontos;

21. A primeira instância, ao julgar estes factos e ao não terem sido os mesmos contrariados por nenhuma das partes através de recurso sedimentou-se tal decisão com caso julgado formal;

22. A norma do artigo 635.º, n.º 5, do CPC com a interpretação dada pelo tribunal ad quem foi frontalmente violada;

23. A norma do artigo 635.º, n.º 5, do CPC deve ser interpretada no sentido de que toda a matéria não impugnada forma caso julgado, não sendo susceptível de ulterior alteração/pronúncia após a formação desse «caso julgado»;

24. No processo civil vigoram os princípios da proibição da reformatio in melius e da reformation in pejus, ou seja, o tribunal não pode conceder ao recorrente mais do que ele pede no recurso interposto, assim como a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida;

25. O douto acórdão recorrido andou mal ao apreciar ex officio matéria não impugnada, e violou os princípios reformatio in pejus e reformatio in melius, já que a decisão vertida no douto acórdão concedeu à R./Recorrida mais do que aquilo que a parte suscitou nas suas alegações;

26. O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não se limitou a fundamentar a apreciação dos concretos pontos da matéria de facto indicada pela R./Recorrida no seu recurso, mas também e para além disso a repristinar o julgamento dada aos pontos 10, 13, 14 e 16, da matéria de facto provada e que não foram objecto de recurso;

27. As conclusões delimitam a esfera de atuação do Tribunal ad quem exercendo uma função semelhante à do pedido da petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC e que in casu tais normas foram expressamente violadas;

28. A norma do artigo 635.º, n.º 4, do CPC deve ser interpretada no sentido de que o tribunal ad quem pode apenas apreciar o julgamento da matéria de facto, quanto aos concretos pontos impugnados pelo recorrente no recurso, e apenas pode exceder esse âmbito quando seja para cumprir o disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 662.º, do CPC, isto é, sanar uma eventual contradição;

29. Se o julgador ad quem ampliou a apreciação da matéria de facto julgada provada e não provada, fora do âmbito da alínea c), do n.º 3, do artigo 662.º, do CPC, não se limitou a fundamentar a apreciação dos concretos pontos da matéria de facto indicada pela R./Recorrida no seu recurso, deu sentido e alcance distinto a esta norma, violando-a cabalmente, como sucedeu in casu;

30. O decidido no acórdão está ferido de violação do caso julgado formal, previsto no artigo 620.º do CPC, na justa medida que o Tribunal no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, que não foram objecto de recurso pelas partes, voltou a decidir sobre a mesma questão, emitindo pronúncia sobre aquilo que não foi pedido nesse mesmo contexto processual, decidindo de forma diversa;

31. A R./Recorrida não impugnou, a distância a que se encontrava a A. do veículo quando iniciou a travessia (ponto 10 dos factos provados), número de metros percorridos pela A. quando se deu o embate (ponto 13 dos factos provados), local do modo do embate (ponto 14 dos factos provados), a que distância se encontrava a A. prostrada no chão face à passadeira para peões (ponto 16 dos factos provados) e mesmo assim o tribunal ad quem emitiu pronúncia quanto à mesma em matéria de excepção confundido essa matéria com uma alegada e errada “diferente fundamentação da decisão”;

32. A norma do artigo 620.º, do CPC, visa impedir que sobre uma mesma questão, já apreciada e decidida, volte a recair uma decisão de mérito e in casu, o Venerando Tribunal ad quem, à revelia desta norma jurídica voltou apreciar e emitir decisão de mérito sobre factos não impugnados;

33. Se o recurso da ré seguradora foi apresentado de forma deficiente e ou incompleta, porque suscitou a reapreciação da matéria de facto não provada (alíneas a), c), g), l) e j)) sem impugnar ao mesmo tempo os pontos da matéria de facto provada e que com estes são expressamente contraditórios, não podia jamais o tribunal ad quem substituir-se à parte que os aceitou e não recorreu e colmatar tal deficiência, mas antes se impondo decisão de improcedência;

34. Até porque se a parte não impugnou determinada decisão é porque se conformou com a mesma;

35. A norma do artigo 620.º, do CPC, deve ser interpretada no sentido de que uma questão já julgada, apreciada e transitada em julgado não pode ser ulteriormente objecto de pronúncia;

36. Entende a A./Recorrente que as modificações a introduzir na matéria de facto pelo Tribunal da Relação devem, em princípio e em consonância com o princípio do dispositivo, respeitar o conteúdo da impugnação do recorrente, dado que é a respectiva síntese conclusiva do recurso;

37. Fazendo-se a delimitação objectiva do recurso em função das conclusões da alegação dos recorrentes, o tribunal superior acha-se, pois, impedido de apreciar questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não se encontrem compreendidas em tais proposições finais, sob pena de incorrer no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, Cfr. posição defendida pelo Acórdão do       Supremo Tribunal de        Justiça, de 19-06-2019, processo n.º 7439/16.8T8STB.E1.S1 - 7.ª Secção, disponível www.dgsi.pt..

38. No caso sub judice, tendo o Venerando Tribunal, sindicado matéria de facto, alterado parcialmente o conteúdo de um facto provado sem que qualquer impugnação a tal respeito houvesse sido deduzida, ou qualquer outra razão o justificasse, extravasou indevidamente os seus poderes cognitivos, perpetrando a nulidade por excesso de pronúncia, nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, dos factos supra mencionados que não se podem manter, impondo-se “repristinar” a sua anterior formulação;

39. In casu ocorreu um excesso de pronúncia que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos, sendo o acórdão recorrido, nesse segmento, nulo (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi artigo 666.º do referido diploma),

40. O douto acórdão cuja revista se pede, ao conhecer do facto vertido sob o ponto 49 da matéria de facto provada, sem que o mesmo tenha sido objecto de recurso/impugnação, incorreu em violação frontal do princípio do dispositivo, violação essa que teve clara influência no exame e na decisão da causa, constituindo, por isso e também, uma nulidade face ao disposto no artigo 615.º, alínea e) do Código de Processo Civil ex vi artigo 666.º do referido diploma, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos;

41. Entende a A./Recorrente que o douto acórdão proferido ao conhecer de factos não impugnados pela R./Recorrida e ao aditar os mesmos ao elenco da matéria de facto provada, extravasou os limites impostos pela norma do artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do CPC, violando-a expressamente;

42. O douto acórdão decidiu em violação do disposto no artigo 662.º, n.º 3, al. c), do CPC,

isto porque:

43. Pese embora seja lícito à 2.ª instância, oficiosamente, apreciar outros pontos da matéria de facto não impugnada pelas partes, tal ocorre apenas e só dentro dos limites e com a finalidade prevista na parte final da alínea c), do número 3, do artigo 662.º, na justa medida em que tal visa obviar uma eventual contradição entre os factos dados como provados ou não provados, na sequência da ampliação que venha a ser determinada;

44. Concretizando, a 2.ª instância não é livre de apreciar toda a matéria de facto julgada pela 1.ª instância, nem de sindicar e reapreciar o silogismo judiciário efectuado pelo julgador a quo, independentemente da pronúncia requerida pela parte recorrente, uma vez que, por um lado, a lei refere expressamente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões e, por outro, aquela instância só lhe é lícito apreciar outros factos com a finalidade de evitar contradições dentro do elenco da matéria de facto julgada provada ou não provada;

45. In casu, a ampliação levada a cabo pelo douto acórdão, ampliando a matéria de facto dada como provada pelo aditamento de factos cujo pedido a ré seguradora não efectuou, não visou obviar uma eventual contradição entre factos provados, uma vez que, o tribunal ad quem manteve, apesar da douta fundamentação, inalterado todo o elenco da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, limitando-se aditar factos que, pela 1.ª instância tinham sido julgados como matéria não provada;

46. E em razão da operada ampliação do elenco da matéria de facto provada, aditando-se novos factos (pontos 45 a 49), os Ex.mos Sr.s Juízes Desembargadores proferiram acórdão que encerra insanável contradição entre os factos dados como provados, concretamente, os factos provados sob os números 10 e 16 estão em contradição insanável com os factos provados (aditados) sob os pontos 45 e 49;

47. Os factos vertidos sob os pontos 10, 16, 45 e 49 não podem ser todos julgados como provados, porque os primeiros transitaram em julgado e os segundos são contraditórios com eles,

isto porque:

48. Na parte final do ponto 10 refere-se “a distância não concretamente apurada” e o ponto 45 refere “a distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros”;

49. O ponto 16 refere “a 45,10 metros de uma passadeira para a travessia de peões” e o ponto 49 refere “a autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira de peões, existente a poente”;

50. Os pontos 10 e 16 não foram impugnados pela ré seguradora no douto recurso apresentado pelo que quanto a estes se formou caso julgado - ut artigo 635.º, n.º 5, do CPC;

51. E havendo caso julgados contraditórios, cumpre-se o que se tiver formado em primeiro lugar e que in casu é a douta decisão proferida em 1.ª instância - artigo 625.º, do CPC;

52. A norma do artigo 625.º, do CPC, deve ser interpretada no sentido de que uma questão já julgada, apreciada e transitada em julgado não pode ser ulteriormente objecto de pronúncia e, sendo eventualmente apreciada, a primeira decisão a formal caso julgado prevalece, não podendo ser derrogada;

53. O douto acórdão proferido nos termos em que o foi violou expressamente o disposto no artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do CPC já que só lhe era lícito apreciar e decidir quanto a outros concretos pontos da matéria de facto não impugnada pelas partes para evitar uma contradição entre factos, o que não sucedeu in casu pelas razões aduzidas nos pontos supra;

54. A norma do artigo 662.º, n.º 3, al. c), do CPC deve ser interpretada no sentido de ser apenas licito apreciar e decidir quanto a outros concretos pontos da matéria de facto não impugnada pelas partes para evitar uma contradição entre factos, o que não sucedeu in casu, uma vez que, o elenco da matéria de facto provada pela 1.ª instância foi mantido na íntegra;

55. A este propósito veja-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/11/2019, processo n.º 2929/17.8T8ALM.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt: “Não se compreenderia, na verdade, desde logo, por razões de justiça material, que o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação e da formação do seu próprio juízo probatório sobre cada um dos pontos de facto objecto de impugnação, não pudesse interferir noutros pontos da matéria de facto cujo conteúdo se viesse a revelar afetado pelas respostas dadas àqueloutros por forma a evitar contradições, tal como acontece na situação prevista na parte final da alínea c), do n.º 3, do artigo 662.º, do CPC;

56. A manter-se o douto acórdão nos termos em que foi proferido, está o mesmo em violação cabal do disposto nos artigos 620.º, 625.º e 635.º, n.º 5, todos do CPC o que jamais poderá manter-se;

57. As contradições existentes na matéria de facto dada como provada configuram uma manifesta nulidade, com a decisão proferida ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) ex vi artigo 666.º ambos do CPC, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos;

58. O acórdão que se recorre incorreu na violação de lei substantiva ao invocar presunções judiciais quando tal não lhe era consentido ou, pelo menos, nos termos e com os limites com que o fez;

59. Aliás, é o próprio Acórdão que admite e escreve expressamente que a matéria apurada em 1.ª instância foi escassa mas em vez de julgar a causa em conformidade com o regime legal de escassez da matéria de facto estabelecido pelo legislador (que vai mesmo à responsabilidade pelo risco isenta de culpa), desatou em desenfreada e injustificada corrida de presunções fazendo prova de uma prova que não existe e nunca existiu;

60. O acórdão recorrido, no uso das presunções, não teve em conta os documentos juntos dos autos, nomeadamente, o auto de participação de acidente de viação, que de per si, tem força probatória plena, nem as demais provas e sobretudo a ausência de prova cabal, objectiva, esclarecedora;

61. O documento em causa a ser devidamente valorado, permite-nos concluir que, efetivamente, a utilização das presunções nos termos em que foi realizada é ilógica e contra legem, para além de contrariar a força probatória plena do referido documento, no que concerne aos danos do veículo, distância a que a autora se encontrava da passadeira que lhe é conferida por força do disposto no artigo 376. ° do Código Civil;

62. O tribunal ad quem, ao decidir como decidiu, relativamente à operada ampliação da matéria de facto provada e aditamento oficioso a esse mesmo elenco, violou expressamente o regime das «presunções judiciais», previsto nos artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil;

63. O tribunal ad quem interpretou e aplicou incorrectamente o regime das presunções judiciais, violando a ratio e limites das normas previstas nos artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil, uma vez que, o regime legal das presunções judicias não permite ao julgador da 2.ª instância presumir factos, partindo de factos desconhecidos e ou não firmados pela 1.ª instância;

64. Entende a A./Recorrente que o tribunal ad quem fez um uso indevido das «presunções», partindo de factos não conhecidos nem firmados pela 1.ª instância para inferir outros factos, excedendo os limites das normas previstas nos artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil, ao decidir nos termos e com os limites em que o fez;

65. Ao Supremo Tribunal de Justiça é lícito censurar o recurso a presunções judiciais pelo Tribunal da Relação se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados, o que sucedeu in casu e por isso se pede revista;

66. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil.

67. O tribunal da Relação socorreu-se de fotografias do google maps - que não estão juntas aos autos - nem garantem que na data do acidente o local estava exatamente igual ao que se encontra na data dessas fotografias (julho de 2020), para daí aferir o «local exato de onde a autora saiu do supermercado»;

68. A presunção judicial estabelecida pelo Tribunal da Relação de que, tendo a autora saído do supermercado ... e por referências às alegadas fotografias google maps existia aí nesse local uma passadeira para os clientes passarem do logradouro da área comercial para o passeio, estando ambos os espaços separados por um canteiro com vegetação que obriga as pessoas a saírem por um único ponto deixado livre pelo canteiro que corresponde às medições registadas na participação policial, para daí aferir o local exato onde se encontra aquele e medir a sua distância face á passadeira para peões, configura uma presunção ilegal;

69. O Tribunal da Relação utilizou uma presunção judicial ilegal, por ser contra legem, uma vez que, não se provou in casu que a A./Recorrente quando saiu do supermercado ... tenha realizado exatamente o percurso que o tribunal ad quem sufragou no douto acórdão recorrido, nem é possível determinar ou provar;

70. O facto base utilizado pelo Tribunal da Relação não é um facto legalmente admissível para inferir ou firmar um facto presumido nos termos do disposto nos referidos preceitos normativos porque não é um facto que conste da matéria de facto dada como provada nem as invocadas fotografias do Google Maps constam da prova junta aos autos, e porque é apenas uma mera hipótese onde cabem tantas outras mas que não resulta da prova produzida;

71. Não consta dos factos provados que a A./Recorrente após sair do hipermercado ... tomou a direção sufragada pelo tribunal ad quem;

72. A porta de saída do hipermercado tem vários e largos metros o que só por si inviabiliza aferir se esta saiu do lado direito ou do lado esquerdo de tal porta e, por outro lado, após sair, não se sabe se esta tomou a direcção da esquerda, em frente, ou direita da dita porta;

73. Não havendo um facto conhecido, objectivo, assente não se pode partir e presumir um facto desconhecido;

74. O julgador de primeira instância não foi nem é destituído e caso tivesse factos conhecidos que lhe permitissem formar presunções tê-lo-ia feito por dever de ofício e não existindo falta o pressuposto da existência de um facto conhecido, objectivo, para se poder firmar um ulterior facto desconhecido,

75. A jurisprudência de que agora se pede revista é até perigosa do ponto de vista jurídico e da aplicação da justiça porque enxertou uma série de presunções em cima de presunções, ao invés de assentar presunções em cima de factos conhecidos;

76. O Tribunal da Relação não cumpriu o disposto nos artigos 349.° e 351.° do Código Civil para a determinação e admissibilidade de uma presunção judicial como meio de prova indirecto;

77. O julgador da 1.ª instância ao fundamentar a decisão quanto a esta concreta questão partiu de uma silogismo lógico e coerente com a prova firmada nos autos, uma vez que, pelos danos causados no carro - frente direta, portas dianteira e traseira direitas - concluiu aquele (e bem!) que a A./Recorrente foi colhida e, desse ponto onde foi colhida, rodopiou para trás ao longo de todo o veículo, razão pela qual o ponto onde foi colhida dista uma maior distância da passadeira para peões face ao local onde ficou prostrada no chão;

78. O tribunal de 1.ª instância, ao contrário do tribunal ad quem, partiu de um facto base, concatenado pela prova (auto de participação de acidente de viação e croquis policial), foi possível concluir que a A./Recorrente iniciou a travessia da faixa de rodagem em local que distava mais de 45,10 metros da passadeira;

79. Isto porque, a A./Recorrente ficou prostrada no solo na área assinalada como 2) do croquis, que fica a mais de 45,10, sendo que, este ponto em concreto está mais próximo da passadeira do que o local onde foi colhida e depois de ter rodopiado para trás vários metros nos termos da prova apurada,

80. Como se apurou em primeira instância, com o embate ocorrido na frente direita do veículo a A./Recorrente foi ulteriormente projectada para o lado e para trás e não para a frente;

81. De acordo com a percepção das testemunhas, a vítima de atropelamento foi colhida nas pernas que terão levantado com o impacto e ulteriormente foi rodopiando da frente pela lateral direita do veículo até ficar prostrada no solo;

82. Esta foi a percepção das testemunhas que permitiu a prova em 1.ª instância, mas que facto conhecido permitiu afinal ao tribunal agora recorrido “presumir” que neste estado de coisas a vítima teria necessariamente que ser projectada para a frente do veículo?!?

83. Porque não podia a vítima, como acontece infelizmente em milhares de atropelamentos, bater no capot e/ou no vidro frontal do veículo e após isso rolar para a lateral direita do veículo?

84. Que facto conhecido, ao arrepio do depoimento das únicas testemunhas presenciais que testemunharam o acidente, permitiu ao julgador da Relação concluir que a vítima teria, necessariamente que ter sido projectada para a frente do veículo como presumiu?

85. Que lei da física determina que alguém que é colhido pela frente de um veículo ao nível inferior das pernas como foi a A. é necessariamente projectado para a frente do veículo?!?

86. Apesar da prova plena (ut artigo 376.º, do CC e também porque não impugnada), o julgador ad quem decidiu, em violação expressa desta norma, aplicando incorrectamente o regime legal das presunções judiciais como se expôs supra, alterar a matéria de facto de que a A., após o embate, não rodopiou na lateral direita do veículo no sentido da traseira deste mas antes foi projectada para a frente do mesmo;

87. O regime das presunções judicias não permite ao julgador ad quem decidir em ofensa a normas jurídicas, como sucedeu in caso;

88. A presunção judicial estabelecida pelo Tribunal da Relação de que, de que a frente dos veículos ..., “são muito redondas”, que têm apenas dois pára-choques, o da frente e o de trás e que, por isso, dizendo na participação “pára-choques direito”, tal deve ser interpretada como «frente, do lado direito», para daí inferir que a A./Recorrente foi com o canto do veículo e não com a frente configura uma presunção totalmente ilegal;

89. O Tribunal ad quem utilizou uma presunção judicial ilegal, por ser contra legem, uma vez que, a prova produzida e não impugnada (auto de participação de acidente de viação a fls... dos presentes autos) e a matéria dada como assente e provada, demonstram que existiam danos na frente direita do veículo DT;

90. Não se provou in casu que os danos no veículo fossem somente no “canto direito” do veículo nem tal facto consta dos factos assentes e provados;

91. O facto base utilizado pelo Tribunal da Relação não é um facto legalmente admissível para inferir ou firmar um facto presumido nos termos do disposto nos referidos preceitos normativos porque não é um facto que conste da matéria de facto dada como provada nem as invocadas fotografias do veículo constam da prova junta aos autos, a R./Recorrida nem tão pouco impugnou o auto de participação do acidente de viação e que faz menção à existência dos danos;

92. O acórdão recorrido no uso das presunções não teve em conta os documentos juntos entre os quais, o auto de participação de acidente de viação e croquis policial, - não impugnado pela ré seguradora - que de per si têm força probatória plena, além do mais, com a descrição dos danos visíveis no automóvel (frente direita) e que permite daí inferir o modo como a A./Recorrente foi colhida pelo carro;

93. Atentos os danos na frente direita, lateral direita e pára-choques direito do automóvel DT, é ilógica, perigosa mesmo, a presunção de que a A./Recorrente foi colhida pelo veículo e projectada para a frente do mesmo, por mera presunção contrária aos danos da viatura, aos depoimentos testemunhais, numa palavra contrária as regras da lógica e da experiência comum;

94. O facto base do tribunal ad quem não configura um facto conhecido, na acepção do disposto no artigo 349.º, do Código Civil;

95. In casu, o Tribunal da Relação não cumpriu o disposto nos artigos 349. ° e 351.° do Código Civil para a determinação e admissibilidade de uma presunção judicial como meio de prova indirecto e, apenas por via disso, as alterações perpetradas à matéria de facto terão de ser reapreciadas e anuladas por este supremo tribunal;

96. A presunção judicial estabelecida pelo Tribunal da Relação de que, a partir de fotografias do Google Maps se afere a existência de um ponto por onde os clientes do supermercado acedem do logradouro deste ao passeio e após à estrada, ponto esse a 45 metros da passadeira para peões, para daí inferior que o local em que a A./Recorrente iniciou a travessia face à passadeira para peões é inferior a 45 metros configura uma presunção ilegal;

97. O Tribunal ad quem utilizou uma presunção judicial ilegal, por ser contra legem, uma vez que, nenhum dos factos provados permite que se infira que a A./Recorrente quando saiu do supermercado ... tenha realizado exatamente o percurso que o tribunal ad quem sufragou no douto acórdão recorrido;

98. Dos factos dados como provados pela primeira instância resulta somente que a A./Recorrente antes de iniciar a travessia se encontrava parada na berma, cfr. pontos 9 e 10 do elenco da matéria de facto provada;

99. O facto base utilizado pelo Tribunal da Relação não é um facto legalmente admissível para inferir ou firmar um facto presumido nos termos do disposto nos referidos preceitos normativos porque não é um facto que conste da matéria de facto dada como provada nem as invocadas fotografias do Google Maps constam da prova junta aos autos, e porque é apenas uma mera hipótese (jamais um facto conhecido) onde cabem tantas outras mas que não resulta da prova produzida;

100. Não se produziu qualquer prova que permita com segurança afirmar que a A./Recorrente, antes de iniciar a travessia se encontrava parada no ponto por onde os clientes do supermercado acedem do logradouro deste ao passeio e após à estrada, para que a partir deste facto o julgador ad quem tenha presumido que estava aquela a uma distância inferior a 45 metros face à passadeira para peões;

101. Não consta dos factos provados que a A./Recorrente após sair do hipermercado ... tomou a direção sufragada pelo tribunal ad quem;

102. O tribunal ad quem olvidou que o julgador a quo tomou posição quanto à distância a que se encontrava a reclamante face à passadeira de peões e levou tal facto ao elenco da matéria de facto provada (ponto 16 do elenco da matéria de facto provada), mas dai não se segue nem é possível inferir onde foi iniciada em concreto a travessia e daí também inferir de novo por mera presunção que o local onde foi colhida é seguramente mais próximo da passadeira para peões face ao local onde depois ficou prostrada no solo, e com base nisso aditar os factos 45 e 49 ao elenco da matéria de facto provada;

103. As presunções judiciais são licitas enquanto meio de prova indirecto, mas tal meio de prova não pode jamais servir para afastar outras provas igualmente admissíveis e não impugnadas;

104. A douta decisão que agora se pede revista “fartou-se” de presumir em cima de meras presunções ao invés de presumir em cima de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos, inaugurando uma jurisprudência grave, perigosa, injusta, ao arrepio das soluções legais sufragadas pelo legislador para este tipo de casos de ausência de prova – a do risco;

105. As presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas sim ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme decorre do artigo 349. ° Código Civil; No entanto, pressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece.

106. A parte a quem as referidas presunções favoreciam, não provou um único facto dos que invocou, pelo que nem sequer há qualquer base para a presunção;

107. É igualmente ilegal a presunção realizada pelo tribunal ad quem relativamente à velocidade a que seguia o veículo DT, uma vez que, não foi produzida qualquer prova na concreta velocidade a que seguia;

108. A ausência de prova da concreta velocidade, permite tirar diferentes e até contraditórias conclusões, as que atenta a falta de prova positiva não pode jamais o julgador ad quem dar como certa uma dessas versões;

109. O julgador ad quem partiu do facto “ausência de marcas de travagem” para concluir que o veículo DT circulava a reduzida velocidade, mas o mesmo facto permite igualmente concluir que o condutar circulava manifestamente desatento, alheio à marcha do trânsito e só com o embate é que se apercebeu que atropelou a A./Recorrente, desconhecendo-se se o veículo tinha ou não ABS para deixar/não deixar marcas e travagem, etc;

110. E o mesmo facto base, permite ainda que se presuma que o condutor do veículo DT atropelou a A./Recorrente logo que esta percorreu um metro da via porque circulava em velocidade excessiva, isto é, não logrou parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente numa zona especialmente solícita à entrada/saída e travessia de peões como é a de uma entrada de um supermercado;

111. As presunções judiciais só são legítimas quando não alterem os factos que a prova haja fixado, isto é, se o facto desconhecido foi objeto de prova e das respostas do julgador, o sentido destas, em relação a esse facto, não pode ser alterado;

112. No caso dos autos, o facto desconhecido foi objeto de prova, que foi devidamente valorada pelo julgador de 1ª. Instância, mas da qual resultou a resposta negativa;

113. A velocidade do veículo DT e a distância a que a A./Recorrida se encontrava da passadeira para peões, nomeadamente, a distância inferior a 45,10 foram objecto de resposta negativa;

114. O tribunal a quo, fazendo apelo a inexistentes presunções judiciais, alterou de forma manifesta os factos provados relevantes para a decisão da causa, o que a nosso ver excede manifestamente o alcance dos artigos 349.° e 351.°, ambos do CC, bem como do artigo 662.° do CPC;

115. O Tribunal da Relação tem um papel meramente residual de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador da 1.ª instância, o que não ocorreu no caso em apreço, porquanto toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa foi alterada, tendo por base, apenas e só as referidas e ilícitas presunções judiciais, ceifando por completo o entendimento do julgador da 1.ª instância,

116. O tribunal ad quem olvidou que para a formação da convicção entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência;

117. Ao tribunal de segunda jurisdição não compete ir à procura de uma nova convicção, aliás, tal está-lhe completamente vedado, já que lhe cabe apenas averiguar se a convicção expressa pelo tribunal da 1ª instância fez uma correta apreciação da prova produzida e livremente apreciada e in casu o Tribunal da Relação excedeu, assim, manifestamente os seus poderes;

118. Ao alterar a decisão da matéria de facto alterou igualmente o Tribunal ad quem o julgamento de direito, no que diz respeito à imputação da responsabilidade pelo sinistro sub judice;

119. A A./Recorrente intentou a ação judicial contra a R./Recorrida e peticionou que esta fosse condenada quer com base em responsabilidade civil extracontratual (artigo 483.º, do CC) quer, subsidiariamente, com fundamento no risco (artigo 508.º, do CC);

120. O tribunal ad quem olvidou que quando não se encontra fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, afastada que esteja a culpa dos intervenientes no acidente ajuizado, cabe aferir se a obrigação de indemnizar se fundamenta em facto danoso gerador de responsabilidade objectiva, porque incluído na zona de riscos a cargo de pessoa diferente do lesado.

121. Nota dominante da responsabilidade pelo risco, temo-la no facto de a lei prescindir daquele elemento subjectivo, da culpa, pelo que o fundamento da responsabilidade não reside agora no propósito de um acto culposo, mas sim no controle de um risco, ou talvez, com maior rigor, no controle de potenciais danos, aliado ao princípio da justiça distributiva, segundo a qual quem tiver o lucro ou em todo o caso, o beneficio de uma certa coisa, deve suportar os correspondentes encargos - ubi commodum ibi incommodum;

122. O tribunal ad quem ao decidir como decidiu, com base em inadmissíveis presunções judiciais, partindo de factos verdadeira e totalmente desconhecidos para firmar factos conhecidos aditando-os à base instrutória, violou expressamente a norma do artigo 508.º, do Código Civil, Devendo por isso este Magnânimo Tribunal apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação dos artigos 349.º, 351.º, 506.º e 508.º, todos do Código Civil;

123. Impõe-se a este Supremo Tribunal suprimir os factos presumidos pela violação das normas jurídicas, particularmente os artigos 349.º, 351.º e 506.º, todos do Código Civil, bem como o artigo 662.° do CPC, uma vez que o tribunal de 2ª instância procedeu a um errado juízo dedutivo e presuntivo sobre factos que ofenderam as supra referidas normas legais;

124. O tribunal da Relação não procedeu a uma adequada e integral utilização dos meios que o artigo 662° do CPC faculta na apreciação da impugnação da decisão de facto;

125. Vem sendo entendido, de forma pacífica, que a interpretação do artigo 662.° do CPC, apesar da irrecorribilidade prevista no seu n.° 4, reserva ao Supremo “uma margem de intervenção para situações em que o resultado final ao nível da decisão da matéria de facto foi prejudicada por errada aplicação da lei de processo", podendo ser exercida censura sobre o uso que a Relação fez dos seus poderes de anulação;

126. Entende a A./Recorrente, tendo ainda em consideração a ratio do artigo 682.°, n.° 3, do CPC, que se deve anular a decisão da Relação sobre a matéria de facto pelo constado uso ilegal e indevido de presunções assentes em factos desconhecidos e meramente ficcionados;

127. A sindicância do uso das presunções judiciais, porque feito em violação da lei, é matéria de direito que cabe na alçada do STJ;

128. O STJ pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação para averiguar se esse uso e as subsequentes consequências ofenderam qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados como aconteceu no caso vertente

129. Os Venerandos Desembargadores, violaram de forma clamorosa o n,° 3 do artigo 674.° do CPC na medida em que fundamentaram a sua decisão apenas e só em presunções judiciais, quando existem factos provados por documentos com força probatória plena (auto de participação de acidente de viação) e demais elementos de prova dos autos tidos em conta pelo julgador de primeira instância que foram ignorados, isto para ficcionar factos e depois fazer assentar presunções judiciais em cima desses ficcionados factos;

130. A prova por presunção efetuada pelo tribunal de 2ª instância não é uma prova totalmente aberta e plena, aliás, como não o é a livre convicção;

131. Se, de facto, o recurso às presunções judiciais constitui uma das formas lícitas do julgador poder extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto, certo é que existem limites para tal; Sendo que a jurisprudência tem entendido que não se pode suprir por via judicial da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento, uma vez que, se tal acontecesse, se estaria a violar o princípio do dispositivo;

132. Não é possível determinar um facto por presunção judicial, se o quesito que visava o mesmo facto mereceu resposta negativa e não existe facto firmado assente para se poder presumir como, infelizmente, aconteceu no caso dos autos, já que a presunção operou em relação a factos não provados;

133. Entende A./Recorrente que o douto acórdão assim proferido violou também os princípios da proibição da reformatio in melius e reformatio in pejus, segundo os quais não pode o tribunal conceder ao recorrente mais do que ele pede no recurso interposto, assim como a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais favorável ao recorrente do que a decisão recorrida;

134. Ao decidir nos termos em que decidiu o tribunal ad quem extravasou o âmbito do recurso, apreciando matéria de facto coberta por caso julgado e fora do âmbito/objecto de cada um dos recursos interpostos pela A. e R. e nessa medida ofendeu os referidos princípios jurídicos;

135. Ainda que por mera hipótese de raciocínio o julgador ad quem entendesse anular a decisão da primeira instância, porque no seu entendimento fosse a mesma deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando e se considerasse indispensável a ampliação desta, impunha-se nesta hipótese o cumprimento do disposto no número 3, do artigo 662.º, do CPC, o que não sucedeu e nessa medida foi igual e fatalmente violado de forma expressa;

136. Isto porque, quando muito, deveria o tribunal ad quem ter ordenado a baixa do processo para eventual renovação da prova com repetição de julgamento no que respeita à invocada parte viciada da sentença, o que não sucedeu;

137. Ao invés de dar cumprimento ao disposto no artigo 662.º, número 3, do CPC, o tribunal ad quem partiu de impossíveis e ilegais presunções judiciais para colmatar as alegadas insuficiências, obscuridades e incompletudes do silogismo judiciário do julgador a quo, alterando a matéria de facto em total atropelo da lei;

138. A este propósito, diga-se ainda, que a lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção e a arte de julgar não é a arte de supor ou presumir;

139. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção - princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova;

140. In casu, o tribunal ad quem ao alterar a decisão da matéria de facto, ampliando a mesma, sem ordenar a baixa do processo para a repetição do julgamento na parte que considerou viciada, violou o princípio da imediação, pela fadada proximidade do julgador ad quem aos dados objectiváveis, mormente, à prova produzida em audiência de discussão e julgamento;

141. E é necessariamente para acautelar a imediação que a própria lei prevê que nos casos em que seja necessário ampliar a matéria de facto - como in casu efectivamente sucedeu com os pontos 45 a 49 do elenco da matéria de facto provada - tal importa a repetição do julgamento na parte viciada;

142. A omissão deste concreto ato previsto na lei (artigo 662.º, n.º 3, al. c), do CPC) foi geradora da nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, que aqui expressamente se invoca e argui;

143. Deve, por isso e nos termos expostos, este Supremo Tribunal de Justiça apreciar a violação das normas e princípios jurídicos supra mencionadas e suprimir os factos presumidos pela violação das normas supra referidas, uma vez que o tribunal de 2ª instância procedeu a um errado juízo dedutivo e presuntivo sobre factos que ofenderam as supra referidas normas legais;

144. Com o devido respeito pelo doutamente decidido, entende a A./Recorrente que o  douto acórdão ao emitir pronúncia sobre concretos pontos da matéria de facto (ponto 49 aditado), bem como sobre o silogismo judiciário efectuado pelo julgador a quo quanto à matéria de facto provada, cuja pronúncia não lhe foi solicitada pelas partes, excedeu os limites de pronúncia, incorrendo em nulidade nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do número 1, do artigo 615.º, do CPC, e que aqui expressamente se invoca e argui;

145. O tribunal ad quem além de emitir pronúncia sobre os concretos pontos da matéria de facto indicada pela ré recorrente (alíneas a), c), g), l) e j) da matéria de facto não provada), estendeu tal pronúncia à matéria de facto provada, mormente aos pontos 10, 13, 14 e 16, bem como emitiu pronúncia quanto ao silogismo judiciário efectuado pelo julgador a quo quanto ao julgamento positivo destes pontos, pelo que conheceu ex officio de questões que não foram objecto de recurso e que inclusive e cuja matéria está coberta por caso julgado - ut artigo 635.º, n.º 5, do CPC;

146. Ademais, tal excesso de pronúncia não está sequer a coberto da finalidade prevista na alínea c), do número 3, do artigo 662.º, do CPC porque o julgador ad quem limitou-se a aditar os pontos 45 a 49 do elenco da matéria de facto provada, mantendo na íntegra toda a demais matéria julgada como provada pela 1.ª instância;

147. Entende também a A./Recorrente que a ampliação da matéria de facto, com o aditamento dos pontos 45 a 49 do elenco da matéria de facto provada redundou na prolação de acórdão também eivado de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c), do número 1, do artigo 615.º, do CPC, na justa medida em que se verifica contradição insanável entre os factos 10 e 16 face aos pontos 45 e 49, todos do elenco da matéria de facto provada, pois uns e outros não podem ser ao mesmo tempo julgados como provados;

148. E tendo sido assim decidido no douto acórdão é o mesmo, nesta parte, ininteligível e ou obscuro não sendo perceptível o seu alcance, o que redunda em nulidade nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c), do número 1, do artigo 615.º, do CPC, nulidade essa que aqui expressamente se invoca e argui;

149. O douto acórdão proferido padece também de nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por ter omitido a prática de um ato previsto na lei, concretamente, por não ter cumprido e ordenado o disposto na alínea c), do número 3, do artigo 662.º, do CPC, já que tal omissão influi decisiva e definitivamente no desfecho e julgamento da lide;

150. Entendendo o julgador ad quem que a decisão da primeira instância fosse deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou considerando indispensável a ampliação desta, impunha-se nesta hipótese o cumprimento do disposto no número 3, do artigo 662.º, do CPC, o que não sucedeu e nessa medida foi igualmente violado de forma expressa;

151. Isto porque, deveria o tribunal ad quem ter ordenado a baixa do processo para eventual renovação da prova com repetição de julgamento no que respeita à invocada parte viciada da sentença, o que não sucedeu;

152. Ao invés de dar cumprimento ao disposto no artigo 662.º, número 3, do CPC, o tribunal ad quem partiu de inadmissíveis presunções judiciais para colmatar as alegadas insuficiências, obscuridades e incompletudes do silogismo judiciário do julgador a quo, alterando a matéria de facto em total atropelo da lei;

153. A omissão deste concreto ato previsto na lei (artigo 662.º, n.º 3, al. c), do CPC) é gerador da nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, que aqui expressamente se invoca e argui;

154. Impõe-se julgar verificadas as arguidas nulidades do douto acórdão e, em consequência, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro em conformidade;

155. Impunha-se ao julgador ad quem apreciar o objecto do recurso de apelação interposto pela A./Recorrente, ao invés, de o rejeitar e julgar improcedente, nos termos em que o fez, sem sequer o apreciar em conformidade;

156. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), aplicável ex vi do disposto no artigo 679.º, do mesmo diploma, impõe-se a este douto Tribunal anular o douto acórdão proferido, por todas as razões já aduzidas supra e, em consequência, seja apreciado o recurso apresentado pela A./Recorrente, que ficou totalmente prejudicado pelo conhecimento do recurso interposto pela R./Recorrida e subsequente alteração da decisão da 1.ª instância;

157. O julgador ad quem quis enxertar nos autos a sua mundividência e inequívoco juízo de censura ao peão vítima do atropelamento, mas falta nos autos, primeiro a prova de qualquer infracção estradal porque não tinha sido possível aferir em concreto o local do atropelamento, isto é, a eventual violação estradal por parte do peão e faltava também a prova do nexo causal entre a eventual infracção e o atropelamento;

158. Sem o ilícito recurso às apontadas presunções e ficções de se firmar um facto conhecido a parti de factos desconhecidos e também eles presumidos, não pode firmar-se nem uma nem outra das conclusões e que, por isso, andou bem a primeira instância a imputar a questão do atropelamento ao risco do automóvel em consonância com o estatuído pelo legislador;

159. Presumida que foi toda esta matéria fáctica, de forma ilícita como se alegou, falta ainda a questão do nexo causal entre a eventual infracção e o atropelamento, isto é, ainda que de facto a A. tivesse atravessado a faixa de rodagem nos termos presumidos (que não provados) sempre se seguiria dai igualmente a falta de nexo causal entre a falta de travessia na passadeira (a muitos metros de distância) e o atropelamento que não foi realizada a qualquer título;

160. In casu não é possível a constatação de que, neste caso, será de afastar a culpa do condutor do automóvel;

161. Qualquer condutor deve adoptar especiais cautelas à entrada de uma escola, de uma igreja ou de um supermercado, isto é, sempre que seja previsível o cruzamento normal e regular com peões na via;

162. Mas mesmo que se afaste a eventual culpa do condutor não se afasta de todo o risco inerente à circulação automóvel e a possibilidade de causar danos como os ocorridos nos autos sub judice;

163. Verdade inultrapassável é que numa zona de travessia normal e regular de peões como é o caso de uma entrada de um hipermercado o condutor não imobilizou o veículo no espaço livre e visível à sua frente e foi atingir com a frente do seu automóvel um peão que já circulava na via no momento do embate;

164. Isto é, sem saber em que sítio concreto da estrada partiu o percurso do peão, a que velocidade circulava este a pé (se vagarosamente se numa marcha apressada), sem se saber a forma abrupta ou não que este possa ter iniciado o atravessamento não é igualmente formar juízo de prognose sobre a sua culpa concreta, mormente culpa exclusiva como aconteceu no aresto agora sindicado;

165. A A./Recorrente já tinha sido prejudicada pela decisão de primeira instância ao não lhe ter sido reconhecida qualquer indemnização pelo tempo que esteve impedida de trabalhar em convalescença e pela ausência de fixação de indemnização quanto aos danos a nível laboral futuro e foi agora fatalmente prejudicada por estas sucessivas camadas de ficções e ilícitas presunções que a deixaram deficiente para toda a vida e desprovida, sem qualquer justiça, de qualquer indemnização;

166. A A./Recorrente é deficiente e esta decisão prejudica-a profundamente no caso concreto das dificuldades que são, há muitos anos, o seu dia-a-dia da sua vida pelo que urge fazer-se verdadeira e não presumida justiça;

167. O uso indevido de presunções partindo de factos desconhecidos acabou por ditar diferente resultado e obstar à apreciação do recurso apresentado de forma consentânea com o da Companhia de Seguros R., obstando ao conhecimento do mesmo;

168. Entende a A./Recorrente que a douta sentença laborou em erro quanto à fixação dos danos patrimoniais indemnizáveis decorrentes do acidente sub judice bem como quanto ao seu quantum concreto, por referência aos factos provados e não provados;

169. Entende a A./Recorrente que face aos factos dados como assentes e provados, impunha-se ao julgador, na ponderação e fixação dos danos patrimoniais, a fixação de uma indemnização a título de dano futuro pela afectação irreversível da sua capacidade de ganho;

170. O julgador a quo ao ponderar os danos futuros, fixou o montante da indemnização apenas e só com base na afectação pessoal da A./Recorrente, isto é, na repercussão das lesões assente no pressuposto de que estando esta desempregada à bastante tempo não se verifica in casu uma afectação a nível laboral;

171. In casu, o erro radica no facto de o julgador a quo ter apreciado a questão apenas da perspectiva do dano biológico, olvidando que questão diversa é a incapacidade funcional da A./Recorrente e que deve igualmente ser indemnizada como dano patrimonial futuro;

172. Ao fixar o montante da indemnização pelo dano biológico, pese embora o julgador pondere e faça referência (ainda que em abstrato) na douta fundamentação da sentença às diferentes e variáveis dinâmicas - laboral, sexual, social, sentimental - a final, na fixação do quantum indemnizatório, não ponderou como se impunha as reais repercussões negativas dos danos permanentes naquelas diferentes variáveis, mormente a sua capacidade funcional que está irremediavelmente afectada;

173. A IPP de 3 pontos que a A./Recorrente ficou a padecer afectará necessária e de forma irreversível a sua capacidade de ganho, diminuirá as opções profissionais que se adequem à sua nova e limitada condição física e que se repercutirá numa perda de rendimentos já que não poderá exercer toda e qualquer actividade profissional em consequência do sinistro;

174. É experiência comum que qualquer cidadão com dificuldades permanentes na marcha, em aninhar-se, subir e descer escadas, fazer o levante e que apresenta fenómenos dolorosos em determinadas posturas e esforços não poderá exercer toda e qualquer actividade profissional;

175. A afectação da A./Recorrente não lhe permitirá jamais que esta tenha um trabalho/profissão que implique estar muitas horas em pé, subir e descer escadas com frequência, caminhar de um lado para o outro, que implique uso da força física, um esforço acrescido com o pé direito;

176. A A./Recorrente não poderá jamais exercer profissões como costureira, empregada de balcão, de supermercado, lojista, repositora de stocks, empregada de limpeza, e demais do mesmo género pelas limitações físicas e funcionais permanentes que ficou a padecer em consequência do sinistro;

177. A A./Recorrente à data do acidente ter 53 anos de idade e não possuir um grau académico que lhe permita um “trabalho de escritório”, com maior incidência de esforço a nível intelectual ao invés do físico;

178. A A./Recorrente ficou irremediável e definitivamente afectada na sua capacidade de ganho, de angariação de rendimentos, pela dificuldade de não puder exercer toda e qualquer profissão e as que eventualmente possa exercer acarretarão necessariamente um esforço acrescido em razão da IPP de 3 pontos;

179. A A./Recorrente não poderá – em consequência dessa incapacidade – retomar as tarefas que anteriormente executava enquanto doméstica, ao menos com a celeridade e capacidade com que as fazia;

180. A verificação de uma incapacidade permanente implica sempre uma perda de capacidade de ganho de rendimentos, ou seja, tem consequências patrimoniais;

181. A afectação da capacidade de ganho é em si um dano futuro, que não pode apenas ser apreciada e ponderada por mera referência à situação actual de desempregada da lesada, nem a mesma está subordinada à condição de «empregada» ou «desempregada», atendendo a que as lesões são permanentes e como tal a situação futura da lesada terá sempre que ser ponderada;

182. A apreciação da afectação ou não da capacidade de ganho da lesada, da sua menor aptidão para angariação de rendimentos, em razão de acidente de viação, não pode em caso algum ser declinada com base no facto de o lesado estar, à data do acidente desempregada, como sucedeu in casu;

183. Tem vindo a ser jurisprudencialmente pacífico o entendimento de que o quantum indemnizatório dos danos patrimoniais emergentes de uma perda ou diminuição da capacidade de trabalho, deve ser calculado em função do tempo provável da vida activa do lesado, de forma a representar um capital que, com rendimento gerado e com a comparticipação do próprio capital, compense, até ao seu esgotamento, a vítima dos ganhos do trabalho que durante esse tempo irá perder;

184. E tem sido igualmente pacífico o entendimento de que, mesmo que a vítima não exerça ou não exerça ainda qualquer actividade remunerada nem por isso o dano deixará de ser ressarcido já que nesta última hipótese foi precisamente o evento danoso a frustrar a aquisição futura de ganhos;

185. É experiência comum, que o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, pelo que deverá o tribunal julgar os mesmos de forma equitativa dentro dos limites que tiver por apurados em conformidade com o disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC;

186. Para o cálculo da indemnização a arbitrar por este dano futuro atende-se, normalmente, ao vencimento auferido pelo lesado à data do acidente em discussão;

187. Aquilo que tem vindo a ser defendido pela jurisprudência é que “nos casos em que o lesado à data do acidente se encontra desempregado, e na falta de outro critério que com teor de probabilidade e verosimilhança permita encontrar o quantum da indemnização, atender-se-á, ao valor do salário mínimo nacional em vigor à data do sinistro, como critério objectivo de cálculo deste dano futuro” (Veja-se a titulo meramente exemplificativo, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/09/2008, Revista n.º 939/08 - 7.ª Secção, relator Alberto Sobrinho, consultável in www.dgsi.pt);

188. O que releva neste tipo de casos é que, mesmo não exercendo o lesado uma profissão à data do acidente, deve ser indemnizado se ficou em razão do mesmo incapacitado, uma vez que, a incapacidade de que ficou a padecer constitui em si um dano futuro, Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2021, revista 2818/03, consultável in www.dgsi.pt);

189. In casu, resultou provado que à data do acidente a A./Recorrente não padecia de qualquer problema de saúde permanente; Tinha 53 anos; Gozava de boa saúde; Estava desempregada; Realizava todas as tarefas domésticas do lar;

190. Mais se provou que em consequência directa e necessária do acidente sub judice, a A./Recorrente ficou a padecer de uma IPP de 3 pontos, suportou e continua suportar dores, ficou a padecer de dificuldades ao aninhar, subir e descer escadas, fazer o levante, na marcha e apresenta inclusive fenómenos dolorosos no pé direito e posturas e edemas agravados pelos esforços, o que se irá repercutir até ao fim dos seus dias, atento o carácter permanente das lesões, o que até é provável que venha a agravar-se com o avançar da idade;

191. A A./Recorrente nasceu em 04/05/1964, sendo previsível que pudesse trabalhar pelo menos até aos 70 anos de idade, isto face a actual e previsível vida activa de uma pessoa, como tem entendido a jurisprudência, como v.g. os recentes acórdãos do STJ de n.º SJ200610120025812 de 12/10/2006 e n.º SJ200701310043016 de 31/01/2007, publicados in www.dgsi.pt;

192. A A./Recorrente está irremediavelmente afectada para os restantes 27 anos de vida que se estima que terá (de acordo com a esperança média de vida para as mulheres até aos 82 anos) e 17 anos de vida laboral/activa que é previsível que tenha;

193. Apesar desta prova positiva, o julgador a quo não ponderou a afectação da capacidade de ganho da A./Recorrente, ao fixar o quantum de indemnização pelos danos futuros;

194. O julgador a quo ao ponderar o quantum de indemnização a fixar, socorreu-se do critério da equidade - ut artigo 566.º, n.º 3, do CC, mas não ponderou como se impunha a afectação da capacidade de ganho que padece a A./Recorrente, tendo por referência o valor do salário mínimo nacional, por ser este o critério orientador defendido pela jurisprudência quanto o lesado à data do acidente não aufere quaisquer rendimentos;

195. O raciocínio lógico dedutivo assenta no pressuposto errado e até contrário às regras da lógica e da experiência comum quando parte da condição de desempregada da A./Recorrente, que julgou ser de longa data, para daí fundamentar a ausência do direito à indemnização pela perda de rendimentos, partindo igualmente do pressuposto errado de que estando a A./Recorrente desempregada há muito tempo tal se manterá inalterável para futuro;

196. O infortúnio da A./Recorrente que infelizmente à data do acidente se encontrava desempregada não demonstra por si que no futuro e até durante toda a idade e ou tempo de vida activa estará desempregada;

197. Mas mesmo que assim fosse ou que haja dúvidas sobre o tempo que a A./Recorrente possa continuar nessa condição, tal não determina que esta não tenha direito a ser indemnizada pelo dano patrimonial futuro que pondere a sua irreversível incapacidade funcional;

198. Entende a A./Recorrente que a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho (Vide a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/01/2004, revista 4083/03, consultável in www.dgsi.pt);

199. O julgador a quo além de fixar uma indemnização pelo dano biológico devia igualmente ter ponderado e fixado uma indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade parcial permanente com impacto na sua capacidade funcional, nos termos peticionados na petição inicial o que expressamente se requer;

200. A douta sentença proferida laborou em contradição insanável entre os factos dados como assentes e provados, concretamente os pontos 18, 20, 21, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, fundamentação e decisão, contradição essa geradora de nulidade ex vi do disposto na alínea c), do número 1, do artigo 615.º, do CPC que aqui expressamente se invoca e argui;

201. A contradição radica no facto de a douta sentença ter dado como assente e provado que a A./Recorrente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com repercussões nas actividades diárias, mas ao mesmo tempo e apesar dessa prova não calculou nem atribuiu uma indemnização em concreto para a perda e ou diminuição da sua capacidade funcional;

202. Mesmo que se prove que não existe uma perda de rendimentos, a IPP deve ser indemnizada como dano patrimonial, porque aquela situação (inexistência de perda no presente) resultará necessariamente numa perda de rendimentos e ou acarretará esforços suplementares que o incapacitado parcial terá de fazer para obter rendimentos (Veja-se a este propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/09/2018, consultável in www.dgsi.pt);

203. A repercussão futura dos danos não pode cingir-se somente à vida pessoal do lesado, mas abarcar com igual grau e ponderação as demais repercussões dinâmicas da sua vida e que resultaram necessariamente afectadas negativamente, mormente a nível funcional e com evidente repercussão em desempenhos profissionais futuros;

204. Na fundamentação da douta sentença, fez o julgador a quo uma reflexão sobre as repercussões das comprovadas lesões na vida da lesada, sufragando o entendimento de que as mesmos têm impacto em diferentes variáveis da sua vida - laboral, pessoal, sentimental, sexual - mas apesar disso não refletiu tal raciocínio na decisão final que fixou o montante de danos patrimoniais a atribuir à A./Recorrente;

205. Entende a A./Recorrente que a douta sentença labora em contradição insanável, entre os factos provados, fundamentação e a própria decisão, contradição essa geradora de nulidade ex vi do disposto na alínea c), do número 1, do artigo 615.º, do CPC que aqui expressamente se invoca e argui;

206. Não concorda a A./Recorrente com o entendimento sufragado pelo julgador a quo, uma vez que, no período de incapacidade temporária e até à consolidação final e médico-legal das lesões, tem esta o direito a ser indemnizada, pese embora a sua situação de desemprego na data do acidente;

207. Não pode, nem deve, confundir-se o período dos 254 dias de défice funcional com a situação subsequente a esse período em que a A./Recorrente, infelizmente, se manteve desempregada e se verificou eventual dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo;

208. A A./Recorrente não pediu qualquer montante relativo a perda de chance mas apenas e só indemnização pelo período em que efectivamente ficou parada e impedida de trabalhar em razão da sua convalescença;

209. Nesse período sofreu prejuízo patrimonial efectivo de que, ao contrário do decidido pelo douto aresto agora sindicado, tem que ser indemnizada;

210. Resulta dos factos provados nos pontos 19 a 31 que durante período de 12/07/2017 e 23/03/2018 a A./Recorrente padeceu de IPP e se viu totalmente impossibilitada de trabalhar, realizar todas as lides domésticas, pelo que padeceu nessa medida de um prejuízo de 5.764,95 (557,00 x 9 salários + proporcionais de subsídio de férias e de natal), de que deve ser ressarcida e cujo pagamento se requer mas que o tribunal denegou;

211. Invoca-se em abono de tudo o quanto se acaba de alegar o decidido no Acórdão do STJ, de 12-12-2017, publicado in www.dgsi.pt/, onde aquele superior Tribunal denegou ao aí A. o pedido de “perda de chance” pelo desemprego posterior ao período de convalescença mas lhe reconheceu indemnização por perdas salariais estando este desempregado durante o mesmo período de convalescença;

212. Entende a A./Recorrente que deve alterar-se a decisão agora recorrida e ser substituída por outra que condene a R. a pagar aquela indemnização salarial que esta deixou de auferir pelo período em que esteve parada para convalescença, sendo a mesma calculada com base no salário mínimo nacional e apesar da sua situação concreta de desemprego na data do acidente;

213. Lida e relida a douta fundamentação vertida na decisão, não se evidencia qual o critério objectivo e orientador sufragado pelo julgador a quo e que sustentou o recurso à equidade - ut artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil - para fixar como fixou a indemnização pelo dano biológico no montante de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);

214. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (Cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/01/2021, consultável in www.dgsi.pt);

215. De acordo com a jurisprudência supra citada só será possível, alterar o critério da equidade adoptado pela instância se o mesmo se afastar, de forma injustificada dos padrões que em termos genéricos o caso concreto convoca, o que, salvo melhor opinião, se verifica in casu;

216. Sem embargo da livre apreciação que ao julgador a quo cabe nos termos da lei e que aqui não se cuida de sindicar, sempre se dirá que o critério seguido in casu está desconforme face às orientações e padrões que a jurisprudência tem seguido para idênticos casos de fixação de indemnização por danos patrimoniais decorrentes de acidente de viação;

217. O Direito não pode nem deve decidir os casos que lhe são submetidos a juízo com um grau de subjectividade tal que torne imperceptível, para idênticos casos, a solução a adoptar;

218. A dificuldade de fixação de um quantum de indemnização embora esteja sempre dependente de uma apreciação casuística, de análise de diferentes factores concretos do caso em análise, deve sempre partir de critérios reais e uniformizadores que permitem delimitar, ainda que em abstracto, mínimos e máximos desse quantum;

219. No que ao caso sub judice diz respeito, entende a A./Recorrente que o critério orientador que largamente tem sido defendido e aplicado pela jurisprudência dos tribunais superiores é o de que mesmo que o lesado não exerça ou não exerça ainda uma qualquer acitvidade remunerada, tal não implica que não haja lugar à indemnização pela frustração da aquisição futura de ganhos ou pela sua limitação e ou diminuição Cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/09/2008, consultável in www.dgsi.pt);

220. Sendo igualmente critério orientador aquele segundo o qual a atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado (Cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/06/2017, consultável in www.dgsi.pt);

221. Entende a A./Recorrente que os critérios supra referidos e que têm sido largamente defendidos na jurisprudência são aplicáveis ao caso sub judice, impondo-se que o cálculo das indemnizações a atribuir a esta - pelo dano biológico e pelo dano patrimonial futuro em razão da incapacidade funcional - encontre fundamento nestes e não pelo critério seguido pelo julgador a quo;

222. Toda e qualquer solução judicial que colida frontalmente com os critérios supra referidos, produz decisão «surpresa», contrária ao princípio geral e uniformizador da boa aplicação do direito;

223. Em razão do que antecedem face aos fundamentos expostos supra e por referência à jurisprudência supra citada, deve alterar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que em conformidade reconheça o direito da A./Recorrente a ser indemnizada, além do dano biológico, pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade funcional permanente que se refletirá de forma irreversível na sua capacidade de angariação de ganho, calculado com base no salário mínimo nacional à data do acidente, julgando-se procedentes os pedidos formulados na p.i. por serem justos e adequados aos critérios em uso pela jurisprudência dominante;

Termos em que, e nos que Vossas Excelências superiormente suprirão, deve conceder-se revista do douto acórdão ora recorrido e substituir-se o mesmo por outro que declare as arguidas nulidades e violações de normas jurídicas e princípios e, em consequência, que seja o douto acórdão revogado nos termos supra expostos como é de JUSTIÇA!


11. A Ré Liberty Seguros, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


12. Em acórdão de conferência de 24 de Fevereiro de 2022, o Tribunal da Relação:

I. — indeferiu a reclamação autónoma deduzida pela Autora, agora Recorrente;

II. — indeferiu o requerimento autónomo de reforma do acórdão recorrido;

III. — pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição das nulidades.


13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o Tribunal da Relação podia ter ampliado oficiosamente a matéria de facto — ao abrigo do art. 662.º do Código de Processo Civil; — em caso de resposta afirmativa a I,

II. — se a ampliação oficiosa da matéria de facto é causa de excesso de pronúncia — relevante para efeitos do art. 615.º, alínea e), do Código de Processo Civil;

III. — se a ampliação oficiosa da matéria de facto é causa de ofensa de caso julgado, determinante da aplicação do art. 625.º do Código de Processo Civil;

IV. — se há contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 15 e 16 e os factos aditados pelo Tribunal da Relação, dados como provados sob os n.ºs 45 a 49; — em caso de resposta afirmativa a IV:

V. — se a contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 15 e 16 e os factos aditados pelo Tribunal da Relação, dados como provados sob os n.ºs 45 a 49 determina a ambiguidade ou obscuridade da decisão — relevante para efeitos do art. 615.º, alínea e), do Código de Processo Civil;

VI. — se o auto de participação de acidente de viação tem força probatória plena; — em caso de resposta afirmativa a VI:

VII. — se as presunções judiciais convocadas pelo Tribunal da Relação contrariam a força probatória plena do auto de participação de acidente de viação;

VIII. — se o acórdão recorrido infringiu as disposições de direito probatório material, ao inferir factos desconhecidos de factos não provados;

IX. — se deve considerar-se que a culpa do condutor do veículo segurado pela Ré, agora Recorrida, contribuiu para o acidente; — em caso de resposta negativa a IX,

X. — se deve concluir-se que o risco do veículo segurado pela Ré, agora Recorrida, contribuiu para o acidente; — em caso de resposta afirmativa a IX ou a X,

XI. — se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro na avaliação dos danos patrimoniais, por não ter atendido às perdas salariais da Autora, agora Recorrente;

XII. — se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro na avaliação dos danos patrimoniais, por não ter atendido às repercussões patrimoniais da incapacidade parcial permanente da Autora, agora Recorrente.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


            OS FACTOS


14. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1. No dia 12 de Julho de 2017, cerca das 17 horas e 25 minutos, na Avenida ..., União das freguesias ..., concelho ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-DT-..., pertencente a BB e na altura por ele conduzido e autora, como peão.

2. O condutor do veículo automóvel com a matrícula ...-DT-... circulava pela referida via, no sentido poente-nascente, pela metade direita da via, atento o seu sentido de marcha.

3. O local onde se deu o sinistro é constituído por uma recta com mais de 40 metros e é antecedida de cruzamento e curva no sentido de marcha do veículo de matrícula ...-DT-...

4. A referida via é ladeada por passeios, habitações, lojas comerciais e o hipermercado ... e encontra-se inserida em espaço urbano onde habitualmente ocorre uma grande afluência e movimentação de peões, quer nos passeios, quer na travessia da via.

5. A via, no local onde ocorreu o sinistro, tem uma largura de 6,40 metros.

6. No dia do sinistro o local apresentava-se com piso em bom estado e a meteorologia assinalava céu limpo.

7. O limite de velocidade máxima instantânea permitido no local é de 50km/h porque dentro do aglomerado urbano da União de freguesias ....

8. Por volta das 17 horas, a autora deslocou-se ao hipermercado ..., sito na Avenida ..., tendo o marido da mesma ficado a aguardar no veículo sua pertença, parado na berma da referida Avenida no sentido nascente/poente.

9. Após abandonar o hipermercado ..., a autora parou na berma destinada ao estacionamento situada do lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

10. Ainda na berma, antes de iniciar a travessia, a autora olhou para o lado direito e viu que se encontrava livre e olhou para o lado esquerdo onde visualizou o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... a distância não concretamente apurada.

11. A autora é surda e não consegue ouvir os ruídos do motor e do veículo.

12. A autora iniciou a travessia da faixa de rodagem, em passo normal, para se dirigir ao veículo do seu marido que se encontrava estacionado do outro lado da faixa de rodagem.

13. Nesse intuito a autora percorreu cerca de 1 metro da hemifaixa de rodagem.

14. Tendo o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... ido embater na autora com a frente direita e fez com que esta “rodopiasse” na frente e lateral direita (frente, porta dianteira e traseira) do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

15. E foi projectada para o chão, ficando prostrada na mesma hemifaixa onde foi colhida, a cerca de 0,40 metros da berma.

16. E a 45,10 metros de uma passadeira para a travessia de peões.

17. O embate ocorreu na metade direita da via, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

18. Em resultado do embate, a autora sofreu trauma do membro superior esquerdo, anca esquerda e do pé direito.

19. A autora foi socorrida e transportada pelos Bombeiros Voluntários ... para o Hospital ....

20. Foi-lhe colocada tala gessada no pé direito.

21. A autora manteve gesso no pé e perna direita durante cerca de seis semanas, locomovendo-se com a ajuda de muletas durante esse período e algumas semanas após lhe ser retirado o gesso do pé e perna direita.

22. Durante esse período, a autora foi observada/acompanhada pela médica de família, a Dra. CC, no Serviço USF de ..., tendo, nos dias 20.07.2017 e 11.09.2017, aí se deslocado queixando-se de fortes dores ao nível do pé direito e assistida.

23. Em 06.10.2017, a autora iniciou tratamento em fisioterapia, tendo sido assistida em 159 sessões de fisioterapia.

24. As sessões de fisioterapia necessárias à recuperação física da autora duraram cerca de 8 meses, tendo sido incomodativas, cansativas e dolorosas.

25. A autora foi igualmente assistida em 9 consultas de fisiatria.

26. Em virtude das lesões sofridas no embate, a autora teve de tomar vários medicamentos, designadamente para aliviar as dores.

27. Durante o período de convalescença, a autora necessitou de ajuda de familiares para fazer a sua higiene pessoal, arrumar a casa, cozinhar e sair de casa, o que a deixou impaciente.

28. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora tem dificuldades em aninhar-se e a subir e descer escadas, a fazer o levante, na marcha e fenómenos dolorosos no pé direito agravados pelos esforços e posturas e edema do pé agravados pelos esforços.

29. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: cicatrizes hipocrómicas localizadas na face dorsal do pé e terço inferior da perna, a maior das quais medindo 3x2cm; dogitopressão dolorosa dos 3º, 4º e 5º metatarsianos, bem como inversão e eversão do pé.

30. A data da consolidação médico-legal das lesões da autora é fixável em 23.03.2018.

31. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora suportou um período de défice funcional temporário parcial de 254 dias.

32. As supra descritas sequelas acarretam para a autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com repercussões nas actividades da vida diária.

33. O quantum doloris é fixável no grau 3/7.

34. O dano estético no grau 1/7.

35. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora suportou e continuará a sofrer dores.

36. Por via disso, a autora vai necessitar de tomar ocasionalmente medicação analgésica e anti-inflamatória.

37. Os factos descritos provocaram e provocam tristeza, angústia e desgosto à autora.

38. À data do embate, a autora gozava de boa saúde, sem apresentar qualquer problema físico permanente que de alguma forma afectasse a sua marcha ou locomoção.

39. A autora nasceu no dia .../.../1964, conforme certidão de assento de nascimento junta a fls. 26v e cujo teor se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos.

40. À data do embate, a autora encontrava-se desempregada, não auferindo qualquer subsídio de desemprego, ocupando-se de todas as lides domésticas para o agregado familiar.

41. Em consequência do embate, a autora realizou várias despesas medicamentosas na quantia de € 26,83.

42. Nas deslocações para as sessões de tratamento de fisioterapia e consultas de fisiatria na Clínica ..., situada a uma distância de 8 km, despendeu cerca de € 960,00.

43. Ainda em virtude deste sinistro esta teve de despender a quantia de € 100,00 com uma consulta médica de ortopedia.

44. À data do embate, o proprietário do veículo automóvel de matrícula ...-DT-... havia transmitido para a ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através da Apólice nº ...00, válida e em vigor.


15. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

a. quando a autora iniciou a travessia o veículo automóvel de matrícula ...-DT- ... encontrava-se a 15 metros;

b. a autora percorreu cerca de 1,70m da hemifaixa de rodagem e quando se apercebeu da aproximação do veículo seguro na ré tentou recuar na travessia dano um passo atrás;

c. o condutor do veículo seguro na ré não travou nem abrandou a velocidade, tendo apenas imobilizado o referido veículo quando a autora já se encontrava prostada no chão e com a traseira a cerca de cinco metros do local onde a mesma se encontrava;

d. o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... circulava a uma velocidade superior a 50 Km/hora;

e. a autora perdeu oportunidades de emprego em consequência do embate;

f. em consequência do embate, a autora ficou a padecer de claudicação na marcha;

g. a autora não se certificou previamente que podia atravessar a via em segurança;

h. a autora saiu do passeio existente no lado direito da via, atento o sentido do veículo automóvel de matrícula ...-DT-... passando por entre dois dos veículos estacionados na zona a tal destinada e invadiu a faixa de rodagem praticamente no preciso momento em que o referido veículo ali passava;

i. o condutor do veículo automóvel de matrícula ...-DT-... não teve nem tempo nem espaço para o poder deter antes de se dar o embate entre o veículo e a autora;

j. o veículo encontrava-se a menos de 10 metros quando a autora invadiu a faixa de rodagem;

k. o condutor do veículo travou mal a autora invadiu a faixa de rodagem de tal modo que se imobilizou logo após a autora ter nele embatido.


16. O Tribunal da Relação aditou ao elenco de factos provados os seguintes:

i) «Quando a Autora entrou para a faixa de rodagem para a atravessar, o veículo encontrava-se a uma distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros».

ii) «Após o atropelamento o veículo imobilizou-se à frente do local onde se encontrava a autora».

iii) «Quando a autora iniciou a travessia da via não havia condições para fazer o atravessamento em segurança.»

iv) «Nessas circunstâncias, não foi possível ao condutor imobilizar o veículo antes de se dar o embate entre o veículo e a autora».

v) «A autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira para peões, existente a poente».


17. Em consequência, o acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. No dia 12 de Julho de 2017, cerca das 17 horas e 25 minutos, na Avenida ..., União das freguesias ... concelho ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-DT-.., pertencente a BB e na altura por ele conduzido e autora, como peão.

2. O condutor do veículo automóvel com a matrícula ..-DT-.. circulava pela referida via, no sentido poente-nascente, pela metade direita da via, atento o seu sentido de marcha.

3. O local onde se deu o sinistro é constituído por uma recta com mais de 40 metros e é antecedida de cruzamento e curva no sentido de marcha do veículo de matrícula ..-DT-...

4. A referida via é ladeada por passeios, habitações, lojas comerciais e o hipermercado ... e encontra-se inserida em espaço urbano onde habitualmente ocorre uma grande afluência e movimentação de peões, quer nos passeios, quer na travessia da via.

5. A via, no local onde ocorreu o sinistro, tem uma largura de 6,40 metros.

6. No dia do sinistro o local apresentava-se com piso em bom estado e a meteorologia assinalava céu limpo.

7. O limite de velocidade máxima instantânea permitido no local é de 50km/h porque dentro do aglomerado urbano da União de freguesias ....

8. Por volta das 17 horas, a autora deslocou-se ao hipermercado ..., sito na Avenida ..., tendo o marido da mesma ficado a aguardar no veículo sua pertença, parado na berma da referida Avenida no sentido nascente/poente.

9. Após abandonar o hipermercado ..., a autora parou na berma destinada ao estacionamento situada do lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula ..-DT-...

10. Ainda na berma, antes de iniciar a travessia, a autora olhou para o lado direito e viu que se encontrava livre e olhou para o lado esquerdo onde visualizou o veículo automóvel de matrícula ..-DT-.. a distância não concretamente apurada.

11. A autora é surda e não consegue ouvir os ruídos do motor e do veículo.

12. A autora iniciou a travessia da faixa de rodagem, em passo normal, para se dirigir ao veículo do seu marido que se encontrava estacionado do outro lado da faixa de rodagem.

13. Nesse intuito a autora percorreu cerca de 1 metro da hemifaixa de rodagem.

14.Tendo o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... ido embater na autora com a frente direita e fez com que esta “rodopiasse” na frente e lateral direita (frente, porta dianteira e traseira) do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

15. E foi projectada para o chão, ficando prostrada na mesma hemifaixa onde foi colhida, a cerca de 0,40 metros da berma.

16. E a 45,10 metros de uma passadeira para a travessia de peões.

17. O embate ocorreu na metade direita da via, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

18. Em resultado do embate, a autora sofreu trauma do membro superior esquerdo, anca esquerda e do pé direito.

19. A autora foi socorrida e transportada pelos Bombeiros Voluntários ... para o Hospital ....

20. Foi-lhe colocada tala gessada no pé direito.

21. A autora manteve gesso no pé e perna direita durante cerca de seis semanas, locomovendo-se com a ajuda de muletas durante esse período e algumas semanas após lhe ser retirado o gesso do pé e perna direita.

22. Durante esse período, a autora foi observada/acompanhada pela médica de família, a Dra. CC, no Serviço USF de ..., tendo, nos dias 20.07.2017 e 11.09.2017, aí se deslocado queixando-se de fortes dores ao nível do pé direito e assistida.

23. Em 06.10.2017, a autora iniciou tratamento em fisioterapia, tendo sido assistida em 159 sessões de fisioterapia.

24. As sessões de fisioterapia necessárias à recuperação física da autora duraram cerca de 8 meses, tendo sido incomodativas, cansativas e dolorosas.

25. A autora foi igualmente assistida em 9 consultas de fisiatria.

26. Em virtude das lesões sofridas no embate, a autora teve de tomar vários medicamentos, designadamente para aliviar as dores.

27. Durante o período de convalescença, a autora necessitou de ajuda de familiares para fazer a sua higiene pessoal, arrumar a casa, cozinhar e sair de casa, o que a deixou impaciente.

28. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora tem dificuldades em aninhar-se e a subir e descer escadas, a fazer o levante, na marcha e fenómenos dolorosos no pé direito agravados pelos esforços e posturas e edema do pé agravados pelos esforços.

29. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: cicatrizes hipocrómicas localizadas na face dorsal do pé e terço inferior da perna, a maior das quais medindo 3x2cm; dogitopressão dolorosa dos 3º, 4º e 5º metatarsianos, bem como inversão e eversão do pé.

30. A data da consolidação médico-legal das lesões da autora é fixável em 23.03.2018.

31. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora suportou um período de défice funcional temporário parcial de 254 dias.

32. As supra descritas sequelas acarretam para a autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com repercussões nas actividades da vida diária.

33. O quantum doloris é fixável no grau 3/7.

34. O dano estético no grau 1/7.

35. Em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora suportou e continuará a sofrer dores.

36. Por via disso, a autora vai necessitar de tomar ocasionalmente medicação analgésica e anti-inflamatória.

37. Os factos descritos provocaram e provocam tristeza, angústia e desgosto à autora.

38. À data do embate, a autora gozava de boa saúde, sem apresentar qualquer problema físico permanente que de alguma forma afectasse a sua marcha ou locomoção.

39. A autora nasceu no dia .../.../1964, conforme certidão de assento de nascimento junta a fls. 26v e cujo teor se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos.

40. À data do embate, a autora encontrava-se desempregada, não auferindo qualquer subsídio de desemprego, ocupando-se de todas as lides domésticas para o agregado familiar.

41. Em consequência do embate, a autora realizou várias despesas medicamentosas na quantia de €26,83.

42. Nas deslocações para as sessões de tratamento de fisioterapia e consultas de fisiatria na Clinica ..., situada a uma distância de 8 km, despendeu cerca de €960,00.

43. Ainda em virtude deste sinistro esta teve de despender a quantia de €100,00 com uma consulta médica de ortopedia.

44. À data do embate, o proprietário do veículo automóvel de matrícula ...-DT-... havia transmitido para a ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através da Apólice n.º ...00, válida e em vigor.

45. Quando a Autora entrou para a faixa de rodagem para a atravessar, o veículo encontrava-se a uma distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros.

46. Após o atropelamento o veículo imobilizou-se à frente do local onde se encontrava a autora.

47. Quando a autora iniciou a travessia da via não havia condições para fazer o atravessamento em segurança.

48. Nessas circunstâncias, não foi possível ao condutor imobilizar o veículo antes de se dar o embate entre o veículo e a autora.

49. A autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira para peões, existente a poente.


        O DIREITO


18. A primeira questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, consiste em determinar se o Tribunal da Relação podia ter ampliado oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do art. 662.º do Código de Processo Civil.


19. O problema da ampliação oficiosa da matéria de facto põe-se exclusivamente para o facto dado como provado sob o n.º 49:

A autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira para peões, existente a poente.


20. O art. 662.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2. — A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.a instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.


21. Em consonância com o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve “formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” [2].


22. Entre os pontos consensuais está o de que “Os poderes atribuídos à Relação pelo artigo 662.º só podem ser exercidos a propósito das questões de facto impugnadas, ou seja, dentro do âmbito do recurso, definido pelo recorrente; ressalva-se, todavia, a eventual necessidade de ‘mexer’ em outros pontos, com o objectivo de evitar contradições com as alterações que eventualmente a Relação venha a introduzir — vejam-se os casos paralelos da repetição de julgamento previstos nas als. b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º” [3].


23. Em concreto, a Ré, agora Recorrida, referiu-se à distância entre o lugar em que a Autora, agora Recorrente, entrara na faixa de rodagem, com a intenção de a atravessar, e o lugar em que estava a passadeira para peões nas conclusões J, L, M e N do recurso de apelação:

J. Nas circunstâncias dos autos, dada a curta distância a que a Autora se lhe atravessou na via e, não obstante a velocidade reduzida, por inferior ao limite legal, o condutor do DT nada pode fazer para evitar o embate. Ao contrário, a Autora tinha todas as condições para se comportar de tal modo que não se desse o embate entre ela e o DT. Desde logo tinha que ter consciência das suas limitações, pelo menos, auditivas e as decorrentes da dislexia de que padecia. Na verdade, para além das obrigações de qualquer peão médio, nomeadamente a de se assegurar com a toda a certeza de que pode atravessar uma via onde circulam automóveis sem perigo, o que implica verificar se há trânsito a circular, e, em caso afirmativo a distância a que o mesmo se encontra e qual a eventual rapidez a que se aproxima do local, apenas decidindo a atravessar se não lhe restam dúvidas de que o pode fazer com segurança e, no caso de não poder ter essa certeza, aguardar que o trânsito passe e só depois iniciar a travessia da via, a Autora, pessoa surda e com dislexia, teria de rodear os seus cuidados de forma ainda mais exigente.

L. Não era, como não foi, suficiente julgar que tinha tempo. Não lhe bastava olhar apenas uma vez. Tinha obrigação de olhar mais que uma vez, de modo a avaliar com segurança a distância a que o veículo estava e qual a “rapidez” com ia galgando essa distância, de modo que pudesse tomar uma decisão segura. Bastaria isso para que quando estivesse em condições de decidir já o DT teria com certeza passado, pois, a distância a que se encontrava em escassos segundos seria, como foi percorrida.

M. Mas mais do que isso, a Autora devia, se fosse minimamente prudente, utilizar a passadeira para peões, não muito longe do local onde iniciou a travessia da via. Tal passadeira encontrava-se a menos de 50 metros desse local e mesmo que não estivesse a Autora, com as suas limitações devia apenas fazer a travessia da via pública utilizando as passadeiras. Parece manifesto que o acidente dos autos se ficou a dever de modo exclusivo ao comportamento negligente e imprudente da Autora.

N. A factualidade apurada é, pois, suficiente para determinar que o comportamento da Autora foi decisivo para a eclosão do acidente. Ao condutor do DT não era exigível que actuasse de outro modo.


24. O Tribunal da Relação ... pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“… estamos em condições de analisar a dinâmica do acidente de que tratam os autos.

Para o efeito socorremo-nos não apenas dos depoimentos da autora e do marido, mas igualmente do documento junto com a petição inicial que corresponde à participação policial do acidente onde se inclui a descrição do acidente feita pelo condutor do veículo e, segundo menção da participação, escrita pelo próprio, o que permite o seu aproveitamento por haver segurança suficiente quanto à autoria e correspondência à vontade do autor da declaração.

Refira-se que as fotografias que acompanham a participação são do local do acidente, mas não o retratam tal como ele existia à data do acidente. Trata-se de cópias de fotografias tiradas pela Google e que constam da ferramenta Google Maps. Todavia, como consta na base das fotografias estas foram tiradas pela Google em Maio de 2014, enquanto o acidente ocorreu em Julho de 2017 (por exemplo, nas fotografias o supermercado ainda estava em construção e na data do acidente a autora deslocou-se ao supermercado, sinal de que ele estava acabado e em funcionamento). É por isso necessário consultar o Google Maps na data de hoje para visualizar as fotografias do local tal como ele ficou depois da construção do supermercado (as fotografias apresentadas hoje naquele sítio estão datadas de Julho de 2020, são posteriores ao acidente).

Esta observação permite compreender em que ponto exacto a autora saiu do supermercado, atravessou o passeio e a zona destinada a estacionamento de veículos paralelamente à estrada para depois atravessar a estrada. Nas fotografias existe um espaço assinalado com passadeira para os clientes passarem do logradouro da área comercial para o passeio, estando ambos os espaços separados por um canteiro com vegetação que obriga as pessoas a saírem por um único ponto deixado livre pelo canteiro que corresponde às medições registadas na participação policial.

Esta ferramenta informática permite ainda verificar o local onde existia um semáforo por onde o veículo teve de passar e a passadeira destinada aos peões, bem como medir a distância entre a passadeira e o ponto onde a autora podia sair do logradouro do supermercado para o passeio e deste para a estrada (uma vez que o marido estava à espera dela do outro lado da estrada dentro do veículo do casal, parado nesse local) e, assim concluir que embora houvesse dúvidas sobre a distância a que se encontrava a passadeira ela estava de facto a menos de 50 metros daquele ponto”.


“Ainda em sede de matéria de facto, existe um aspecto que é importante para a decisão de mérito e que urge tornar explicitar, o que pode e deve ser feito oficiosamente por se tratar de um facto alegado e a que não foi dada resposta clara.

No artigo 14.º da contestação a ré alegou que existia uma «passadeira para a travessia de peões», «cerca de 45 metros antes do local onde se deu o embate». Nos pontos 15 e 16 da fundamentação da matéria de facto apenas é reflectido que existia uma «passadeira para a travessia de peões» a 45,10 metros do ponto onde a autora ficou prostrada no chão.

Nos factos não provados não é, pois, incluído o facto que vinha alegado pela ré, ou seja, o alusivo à distância entre o local onde existe a passadeira e o local onde foi iniciada a travessia, que é aquele que releva para saber se o peão incumpriu a obrigação estradal de usar a passadeira para a finalidade que pretendia.

Todavia, na motivação da decisão é referido que «não foi realizada qualquer prova segura e cabal da distância a que se encontrava a autora da passadeira para peões quando iniciou a travessia da via, afigurando-se-nos que tinha necessariamente que ser superior aos 45,10 metros alegados pela ré, porquanto a autora, com o embate, não foi projectada para a frente, tendo antes rodopiado sobre a frente e a parte lateral direita do veículo, indo cair no chão, conforme foi relatado pela mesma e é confirmado pela versão apresentada pelo condutor do veículo junto da PSP». Portanto, a Mma Juíza a quo formou a convicção no sentido da não prova do facto alegado, mas não o levou ao elenco dos factos não provados, o que urge sanar por se tratar de um facto alegado e determinante para a apreciação da culpa.

À motivação da Mma. Juíza a quo pode opor-se de imediato uma objecção. O facto de a autora ter rodopiado sobre o lado direito do veículo não determina necessariamente que o local onde ela caiu ao chão seja mais próximo da passadeira que o local onde ela foi colhida; é necessário contar com a inércia do veículo; a acção da deslocação do veículo pode perfeitamente ter feito rodar o corpo e em simultâneo provocado a sua deslocação no sentido que o veículo levava, isto é, para a frente, não para trás (para que se perceba o que queremos dizer, veja-se o exemplo do pião – o brinquedo de madeira – que uma vez lançado roda a elevada velocidade e praticamente não sai do mesmo lugar).

Como quer que seja, usando as fotografias do Google Maps e a ferramenta de medição de distâncias disponível no respectivo sítio na internet é fácil de apurar que a distância entre a passadeira e o ponto por onde os clientes do supermercado acedem do logradouro deste ao passeio e após à estrada (como se referiu antes, assinalado no logradouro por uma «passadeira» e dispondo de uma passagem entre o canteiro de vegetação destinado a servir de limite ou obstáculo à passagem e o espaço destinado à entrada e saída de veículos) é precisamente de 45 metros (de notar que se a autora tivesse cortado caminho e saído pelo espaço destinado à entrada/saída de veículos a distância seria ainda menor, mas isso não resulta dos autos).

Face à relevância deste facto, adita-se oficiosamente à fundamentação de facto da decisão ainda o seguinte facto:

v) “‘A autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira para peões, existente a poente’”.


25. A Autora, agora Recorrente, alega que o acórdão recorrido não podia ampliar oficiosamente a matéria de facto.


26. O Tribunal da Relação ..., em acórdão de conferência, pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

A afirmação da [Autora] de que ‘ao conhecer do facto vertido sob o ponto 49 da matéria de facto  provada, sem que o mesmo tenha sido objecto de recurso/impugnação, incorreu em … nulidade face ao disposto no artigo 615.º, alínea e) do Código de Processo Civil’ também não merece acolhimento.

O que se passou foi o seguinte. A Relação detectou que um facto alegado nos articulados não havia recebido uma resposta clara. No artigo 14.º da contestação a ré alegou que existia uma «passadeira para a travessia de peões», «cerca de 45 metros antes do local onde se deu o embate», mas nos pontos 15 e 16 dos factos provados apenas foram mencionado que existia uma «passadeira para a travessia de peões» a 45,10 metros do ponto onde a autora ficou prostrada no chão». Portanto, estava alegado um facto e tinha-se respondido a um facto diverso. Todavia, na motivação da decisão vinha dito que «não foi realizada qualquer prova segura e cabal da distância a que se encontrava a autora da passadeira para peões quando iniciou a travessia da via», o que revela que a Mma. Juíza a quo aparentemente formou a convicção no sentido da não prova do facto alegado ou de um facto muito próximo, mas não o levou ao elenco dos factos não provados.

Perante isso, a Relação entendeu fixar a decisão sobre o facto concreto alegado. Fê-lo ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que reza assim: «a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Fazendo um mínimo de esforço intelectual para interpretar este preceito, vemos que ele prevê duas situações distintas: a da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto se mostrar deficiente, obscura ou contraditória e a de ser necessário ampliar a matéria de facto.

Perante esta última situação a Relação tem o poder de, mesmo oficiosamente, anular a decisão a fim de que o tribunal de 1.ª instância proceda à instrução e julgamento dos factos que a Relação mande aditar aos já antes julgados.

Perante a primeira situação, aquela com que nos defrontámos, a Relação goza igualmente poder de, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1.ª instância para que esta elimine ou sane as deficiências, obscuridades ou contradições indicadas pela Relação. Todavia, a Relação apenas poderá essa fazer essa anulação se não constarem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida, isto é, não constar do processo o registo de todos os meios de prova atendidos e a atender na decisão. À contrário sensu, se esses elementos constarem do processo a Relação não pode anular a decisão da 1.ª instância e deve proceder ela mesma à eliminação ou sanação das deficiências, obscuridades ou contradições que encontrar.

Foi só isso que se passou e que, repete-se, a norma consente à Relação fazer de modo oficioso, isto é, mesmo que a questão não tenha sido suscitada pelas partes. E essa solução justifica-se pela razão óbvia de que a subsunção jurídica deve recair sobre matéria de facto cuja composição, redacção ou motivação não deixe dúvidas, seja clara, não enferme de contradições de modo que se possa saber com segurança jurídica se a mesma preenche as estatuições legais e está sujeita à respectiva consequência jurídica. E ainda pela razão de que sendo a Relação a última instância de fixação da matéria de facto nenhum problema coloca a possibilidade de ela o fazer directamente quando no processo já se encontram todos os meios de prova a atender.

Não se vê, pois, que o Acórdão recorrido possa ser por isso nulo por excesso de pronúncia e, muito menos, por ter condenado em objecto diverso do pedido, como pretende a recorrente ao citar não a alínea d) mas a alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.


27. Os termos em que estão redigidas as conclusões J, L, M e N do recurso de apelação interposto pela Ré, agora Recorrente, deixam claro que os poderes atribuídos ao Tribunal da Relação pelo art. 662.º do Código do Processo Civil foram exercidos a propósito das questões de facto impugnadas, ou seja, dentro do âmbito do recurso.


28. O facto de a Ré, agora Recorrida, não ter requerido expressamente o aditamento de um facto correspondente àquele que o Tribunal da Relação deu como provado sob o n.º 49 é em concreto irrelevante.


29. O art. 662.º do Código de Processo Civil deve interpretar-se no sentido de que, “[d]eparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, a Relação fá-lo sem necessidade de enviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite” [4].


30. Ora, em concreto, o Tribunal da Relação considerou que a resposta era de reputar deficiente e que a reapreciação dos meios de prova era adequada e suficiente para sanar a deficiência.


31. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que o Tribunal da Relação podia ter ampliado oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do art. 662.º do Código de Processo Civil.


32. Face à resposta dada à primeira questão, ficam prejudicadas a segunda e aa terceira questões:

II. — se a ampliação oficiosa da matéria de facto é causa de excesso de pronúncia — relevante para efeitos do art. 615.º, alínea e), do Código de Processo Civil;

III. — se a ampliação oficiosa da matéria de facto é causa de ofensa de caso julgado, determinante da aplicação do art. 625.º do Código de Processo Civil.


33. A quarta questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, consiste em determinar se há contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 15 e 16  e os factos aditados pelo Tribunal da Relação, dados como provados sob os n.ºs 45 a 49.


34. Os factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 12 a 16 são os seguintes:

10. Ainda na berma, antes de iniciar a travessia, a autora olhou para o lado direito e viu que se encontrava livre e olhou para o lado esquerdo onde visualizou o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... a distância não concretamente apurada.

12. A autora iniciou a travessia da faixa de rodagem, em passo normal, para se dirigir ao veículo do seu marido que se encontrava estacionado do outro lado da faixa de rodagem.

13. Nesse intuito a autora percorreu cerca de 1 metro da hemifaixa de rodagem.

14.Tendo o veículo automóvel de matrícula ...-DT-... ido embater na autora com a frente direita e fez com que esta “rodopiasse” na frente e lateral direita (frente, porta dianteira e traseira) do veículo automóvel de matrícula ...-DT-...

15. E foi projectada para o chão, ficando prostrada na mesma hemifaixa onde foi colhida, a cerca de 0,40 metros da berma.

16. E a 45,10 metros de uma passadeira para a travessia de peões.


35. Os factos dados como provados sob os n.ºs 45 a 49 são os seguintes:

45. Quando a Autora entrou para a faixa de rodagem para a atravessar, o veículo encontrava-se a uma distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros.

46. Após o atropelamento o veículo imobilizou-se à frente do local onde se encontrava a autora.

47. Quando a autora iniciou a travessia da via não havia condições para fazer o atravessamento em segurança.

48. Nessas circunstâncias, não foi possível ao condutor imobilizar o veículo antes de se dar o embate entre o veículo e a autora.

49. A autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira para peões, existente a poente.


36. A Autora, agora Recorrente, alega que

47. Os factos vertidos sob os pontos 10, 16, 45 e 49 não podem ser todos julgados como provados, porque os primeiros transitaram em julgado e os segundos são contraditórios com eles,

isto porque:

48. Na parte final do ponto 10 refere-se “a distância não concretamente apurada” e o ponto 45 refere “a distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros”;

49. O ponto 16 refere “a 45,10 metros de uma passadeira para a travessia de peões” e o ponto 49 refere “a autora entrou para a faixa de rodagem com intenção de a atravessar num ponto que distava 45 metros de uma passadeira de peões, existente a poente”;

50. Os pontos 10 e 16 não foram impugnados pela ré seguradora no douto recurso apresentado pelo que quanto a estes se formou caso julgado - ut artigo 635.º, n.º 5, do CPC.


37. O Tribunal da Relação ..., em acórdão de conferência, pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“… não há… qualquer contradição entre esses pontos e os pontos de facto já julgados provados pela 1.ª instância. A recorrente, aliás, bem sabendo que o faz, treslê os factos provados para inventar contradições que não existem nos mesmos.

O ponto 10 dá como ‘não concretamente apurada’ a distância entre o ponto onde a autora se encontrava quando olhou e viu o veículo e o ponto onde se encontrava o veículo nesse instante.

O ponto 16 (em conjugação com o ponto 15) dá como demonstrada a distância entre o ponto onde a autora ficou ‘prostrada na … hemifaixa’ depois do atropelamento e a ‘passadeira para a travessia de peões’ (45,10 metros).

O ponto 45 dá como ‘não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metro’ a distância entre o ponto onde o veículo se encontrava quando a autora entrou para a faixa de rodagem e a posição desta nesse instante.

O ponto 49 dá como provada a distância entre o ponto onde a autora entrou para a faixa de rodagem e a passadeira para peões, existente a poente (45 metros).

Qualquer leitor minimamente interessado concluirá que os factos em questão são distintos e não apenas não são contraditórios como são absolutamente compatíveis entre si”.


38. Os argumentos deduzidos pelo Tribunal da Relação ... no acórdão de conferência devem subscrever-se sem reserva.


39. Os factos dados como provados sob os n.ºs 10, 15, 16, 45 e 49 referem-se a factos diferentes, localizados em circunstâncias de tempo distintas:

I. — o facto dado como provado sob o n.º 10 dá-se antes de a Autora iniciar a travessia; atende ao local em que a Autora viu o veículo;

II. — o facto dado como provado sob o n.º 45, dá-se depois do facto dado como provado sob o n.º 10; atende ao local em que a Autora entrou para a faixa de rodagem;

III. — os factos provados sob os n.ºs 15 de 16, dão-se depois dos factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 45; atendem ao local em que a Autora ficou prostrada.


40. Estando em causa factos diferentes, localizados em circunstâncias de tempo distintas, não há nenhuma contradição.


41. Em resposta à quarta questão, dir-se-á que não há contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 12-16 e os factos aditados pelo Tribunal da Relação, dados como provados sob os n.ºs 45 a 49.


42. Face à resposta dada à quarta questão, fica prejudicada a quinta questão:

V. — se a contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 15 e 16 e os factos aditados pelo Tribunal da Relação, dados como provados sob os n.ºs 45 a 49 determina a ambiguidade ou obscuridade da decisão — relevante para efeitos do art. 615.º, alínea e), do Código de Processo Civil.


43. A sexta e sétima questões suscitada pela Autora, agora Recorrente, consistem em determinar:

VI. — se o auto de participação de acidente de viação tem força probatória plena; — em caso de resposta afirmativa a VI:

VII. — se as presunções judiciais convocadas pelo Tribunal da Relação contrariam a força probatória plena do auto de participação de acidente de viação.


44. O facto de o auto de participação de acidente de viação ser um documento autêntico não significa que tenha força probatória plena em relação aos factos referidos.


45. Como se diz no acórdão do STJ de 28 de Novembro de 2013 — processo n.º 161/09.3TBGDM.P2.S1, “o auto de participação do sinistro, ainda que seja tido como documento autêntico, no sentido em que dá conta da ocorrência de um acidente pela autoridade pública, não faz prova plena dos factos nele referidos respeitantes ao sinistro e demais elementos, pois ‘ainda que adquirido por perceção direta, nomeadamente as circunstâncias do acidente, são apenas indicações coadjuvantes ou indicativas, que não têm força probatória plena, pela simples razão de que não é da competência da entidade policial fazer um registo de caráter tabeliónico do acidente, nem a ele foi deferido um poder de julgamento da matéria de facto’ (Ac. do S.T.J. de 6-4-2006, rel. Bettencourt Faria, revista n.º 3970/05); ou, como se refere no Ac. do S.T.J. de 18-5-2006, rel. Afonso Correia, revista n.º 1135/06, "o documento também não prova plenamente a sinceridade ou veracidade dos factos atestados, nem a validade e eficácia jurídica dos atos e declarações documentados” […]”


46. Em todo o caso, ainda que o auto de participação de acidente de viação tivesse força probatória plena em relação aos factos referidos, a Autora, agora Recorrente, não demonstrou que houvesse contradição entre o auto de participação de acidente de viação e as presunções judiciais convocadas pelo Tribunal da Relação.


47. A oitava questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, consiste em determinar se o acórdão recorrido infringiu as disposições de direito probatório material, ao inferir factos desconhecidos de factos não provados.


48. O acórdão recorrido explica / justifica a alteração da matéria de facto nos seguintes termos:

“A autora afirmou expressamente na petição inicial e no seu depoimento que antes de entrar para a estrada olhou e viu o veículo a vir na sua direcção. Não precisou a que distância ele se encontrava nem a que velocidade ele viria a circular, limitando-se a referir repetidamente que «pensou que dava tempo para passar» e que «foi tudo muito rápido».

Ao contrário do que é sustentado na resposta às alegações de recurso, esta afirmação não se referiu nunca à velocidade do veículo mas sim à rapidez com que aconteceu o atropelamento, ao escasso lapso de tempo que passou entre ela estar a sair do supermercado, olhar para onde vinha o veículo, entrar para a estrada e ser atropelada.

Segundo consta da participação, o veículo apresentava danos (sinais do efeito do embate) no pára-choques direito, guarda-lamas direito e em ambas as portas do lado direito. Daqui se extrai necessariamente que a autora não foi colhida quando já se encontrava na frente do veículo porque se isso tivesse sucedido a acção do veículo em movimento tê-la-ia projectado para a frente (para um ponto mais ou menos lateralizado mas posterior à frente do veículo) ou tê-la-ia levantado do chão e projectado pelo capô e pelo pára-brisas, fazendo-a cair num ponto mais ou menos lateralizado mas sempre atrás do veículo.

Fazendo uma busca na internet, encontram-se com facilidade fotografias de veículos de marca ... e modelo ... construídos no ano de 2007 (hoje encontra-se precisamente a fotografia de um cuja matrícula, ..-DT-.., só difere num número do veículo segurado na ré, ..-DT-..) que nos permitem ver que a frente deste veículo é muito redonda, que o pára-choques da frente (só existem dois, o da frente e o de trás, pelo que a referência na participação ao pára-choques direito deve ser interpretada como da frente, do lado direito) se prolonga já para o lado, em curva.

Ora a autora declarou que quando foi colhida deu uma cambalhota, andou pelo ar e rodopiou ao longo do lado direito do veículo. Por outro lado, a autora não sofreu lesões traumáticas nos ossos das pernas ou dos braços, mas apenas em três dedos de um pé. Daí se extrai com segurança suficiente que a autora não foi colhida com muita força e, sobretudo, que o seu pé cujos dedos ficaram fracturados ficaram debaixo de uma das rodas do lado direito do veículo.

Por fim, a participação policial não menciona o local de imobilização do veículo («já não se encontrava no local») mas também não menciona qualquer rasto de travagem ou outro sinal que indicie velocidade. A autora e o marido dizem que o veículo não travou antes do atropelamento, só depois, imobilizando-se «mais à frente».

Sopesando estes dados de forma conjugada e apelando às leis da física é seguro concluir que a autora foi colhida assim que se aproximou do espaço para circulação do veículo e foi colhida na zona do veículo onde o pára-choques da frente faz uma curva e se liga à chapa do lado direito pois só desse modo o corpo da autora podia ter sido feito rodopiar (tinha de ser apanhado de lado, não de frente) sem se afastar muito do veículo e um dos pés da autora acabar pisado por uma das rodas do lado direito, causando-lhe apenas a fractura de três dedos e de nenhum outro osso do corpo, designadamente ao nível dos membros. Por outras palavras, a autora não colhida com a frente do veículo, foi colhida com o canto do veículo do lado da frente/direito.

É possível concluir igualmente que quando a autora iniciou a travessia da estrada o veículo tinha de se encontrar já muito próximo do local onde se deu o atropelamento (o que está em linha com a afirmação da autora de que «foi tudo muito rápido» e bem assim com a descrição do condutor de que foi a autora que «veio contra o veículo»). Para não ser assim, o veículo teria de circular a uma velocidade elevada em resultado da qual teria causado à autora danos mais extensos e ter-se-ia imobilizado bem mais à frente, o que não se verificou. Por outras palavras, o veículo circulava a uma velocidade reduzida e estava já muito próximo do local onde se deu o atropelamento.

Outra conclusão forçosa é a de que a autora calculou mal ou não avaliou convenientemente a distância a que se encontrava o veículo e/ou o tempo de que dispunha para atravessar a estrada antes de aquele se aproximar do local de travessia, apesar de dispor de total visibilidade para o local donde provinha o veículo e de, segundo as suas próprias declarações, o ter visto a deslocar-se e, por conseguinte, ter a obrigação de avaliar convenientemente esses aspectos e, na dúvida, imobilizar-se para o deixar passar.

Matematicamente a conversão de quilómetros por hora em metros por segundo é feita através da divisão 3,6. Daí resulta que um peão a caminhar à velocidade de 6 km/hora (velocidade de caminhada normal para um adulto) percorre, num segundo, a distância de 1,66 metros. E resulta que um veículo a circular a 50 km/hora percorre, num segundo, a distância de 13,9 metros.

No caso a faixa de rodagem tinha a largura de 6,40 metros (cf. participação policial), pelo que o veículo dispunha de 3,20 metros para se deslocar. Se a autora tivesse percorrido 1,66 metros estaria já depois do meio dessa hemifaixa e teria sido colhida totalmente com a frente do veículo, o que, como vimos, não sucedeu. Podemos, pois, considerar que a autora demorou menos de um segundo a entrar para a faixa de rodagem de rodagem onde circulava o veículo.

Considerando que a velocidade de 50 km/hora já é compatível com a causação de danos bem superiores aos que a autora sofreu, que o ponto de colisão entre o veículo e a autora evitou danos maiores, que o veículo «parou mais à frente» e que entre o aparecimento da autora na faixa de rodagem e a reacção do condutor, por mais atento que vá, ainda demora algum tempo, logo leva o veículo a percorrer uma maior distância, consideramos suficientemente demonstrado, por dedução e por recurso às leis da física que regem a velocidade, que o veículo se encontrava aproximadamente a 10 metros de distância quando a autora iniciou a travessia.

Tendo presentes estas ideias, decide-se julgar provados os seguintes factos que se aditam à fundamentação de facto da decisão:

i) «Quando a Autora entrou para a faixa de rodagem para a atravessar, o veículo encontrava-se a uma distância não concretamente apurada, mas de cerca de 10 metros».

ii) «Após o atropelamento o veículo imobilizou-se à frente do local onde se encontrava a autora»

iii) «Quando a autora iniciou a travessia da via não havia condições para fazer o atravessamento em segurança.»

iv) «Nessas circunstâncias, não foi possível ao condutor imobilizar o veículo antes de se dar o embate entre o veículo e a autora».


49. O acórdão recorrido deduziu os factos aditados do depoimento da Autora, agora Recorrente, coordenado com o auto de participação do acidente, com as características do veículo e com as características das lesões da Autora, agora Recorrente.


50. Ora, as presunções judiciais podem aassentar em factos essenciais [5] ou em factos innstrumentais, desde que “resultem do processo ou da instrução da causa” [6], ainda que não tenham sido alegados pelas partes [7].

“Em regra, bastará que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, quando o juiz analisa criticamente as provas produzidas e exterioriza o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares” [8].


51. Em resposta à oitava questão, dir-se-á que o acórdão recorrido não infringiu as disposições de direito probatório material.


52. A nona e a décima questões consiste em determinar:

IX. — se deve considerar-se que a culpa do condutor do veículo segurado pela Ré, agora Recorrida, contribuiu para o acidente; — em caso de resposta negativa a IX,

X. — se deve concluir-se que o risco do veículo segurado pela Ré, agora Recorrida, contribuiu para o acidente.


53. Embora estejam em causa questões essenciais, a Autora, agora Recorrente, dedica-lhes um número relativamente reduzido das suas 223 (duzentas e vinte e três) conclusões.


54. Quanto à nona questão, a Autora, agora Recorrente, alega que:

109. O julgador ad quem partiu do facto “ausência de marcas de travagem” para concluir que o veículo DT circulava a reduzida velocidade, mas o mesmo facto permite igualmente concluir que o condutar circulava manifestamente desatento, alheio à marcha do trânsito e só com o embate é que se apercebeu que atropelou a A./Recorrente, desconhecendo-se se o veículo tinha ou não ABS para deixar/não deixar marcas e travagem, etc;

110. E o mesmo facto base, permite ainda que se presuma que o condutor do veículo DT atropelou a A./Recorrente logo que esta percorreu um metro da via porque circulava em velocidade excessiva, isto é, não logrou parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente numa zona especialmente solícita à entrada/saída e travessia de peões como é a de uma entrada de um supermercado;


55. O problema está em que os factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 45 dizem que a distância a que se encontrava o veículo quanto a Autora, agora Recorrente, iniciou a travessiva não foi concretamente apurada — e que, desde que a distância a que se encontrava o veículo não tenha sido concretamente apurada, não é possível concluir-se se o condutor do veículo tinha, ou não, a distância de segurança necessária para travar no espaço livre e visível à sua frente.


56. Como se diz no acórdão recorrido, “… ao condutor do veículo automóvel […] não é possível atribuir a violação de qualquer regra de condução rodoviária ou mesmo regra de cuidado no exercício dessa condução que permita fazer recair sobre ele qualquer juízo de censura normativa passível de encerrar a afirmação de culpa ou negligência.

O veículo circulava na sua faixa de rodagem, podendo fazê-lo e não se provou que o fizesse a uma velocidade que excedesse o limite de velocidade máxima instantânea.

Apesar de ter havido o atropelamento não pode considerar-se violada sequer a regra geral da velocidade que obrigava o condutor a circular a uma velocidade que lhe permitisse executar, em condições de segurança, as manobras cuja necessidade fosse de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (artigo 24.º).

Com efeito, esta norma remete para um critério de previsibilidade, normalidade, devir com o qual se deve contar. O condutor tem de contar com o que vê ou tem a obrigação de ver e, face a essa observação, é previsível segundo critérios de normalidade e simultaneamente de prudência.

Desde que os veja ou deva ver com antecedência, o condutor tem de guardar para os peões com que depara distância suficiente para os evitar, precavendo, nessa hipótese, a possibilidade de o peão ter algum movimento irregular. No caso, se o condutor visse ou devesse ver o peão numa altura em que ainda lhe seria possível, procedendo com destreza, ajustar a sua posição e/ou deslocação para o evitar, o condutor teria parte da culpa no atropelamento mesmo que o peão não pudesse estar naquele local.

Contudo, se o peão está na berma o condutor não tem a obrigação de prever que ele irá cometer uma infracção a uma regra rodoviária e passar a ocupar a faixa de rodagem sem antes ver se vem algum veículo a ocupar essa faixa e, reparando que vem, deixá-lo passar.

No caso, tendo o atropelamento ocorrido na sequência da invasão da faixa de rodagem pelo peão quando o veículo estava a cerca de 10 metros, ou seja, havendo apenas um espaço entre 1 a 2 segundos para a reacção deste e a imobilização do veículo, teremos de concluir que nesse momento já não é possível ao condutor, mesmo procedendo com destreza, desviar-se para a esquerda e evitar a colisão com o peão.

Pode perguntar-se se um condutor correspondente ao homem médio, colocado na posição deste condutor, ao ver o peão ainda na berma, devia ter equacionado a possibilidade de este, mesmo estando-lhe vedado e/ou sem verificar se tinha segurança para isso, passar para a faixa de rodagem a qualquer momento e, nessa medida, devia de imediato reduzir a velocidade para o caso de se dar essa eventualidade.

Cremos que também nesse caso a resposta tem de advir da aplicação de critérios de normalidade, de justa medida, da prudência necessária, não se podendo atribuir culpa a um agente relativamente a consequências totalmente imprevistas para um homem médio, sob pena de a actuação humana passar a determinar riscos incomensuráveis que dificultarão sobremaneira o desenvolvimento da vida.

O peão era uma mulher adulta, não era uma criança ou uma pessoa com alguma incapacidade ou dificuldade  física  observável, relativamente aos quais fosse de admitir a possibilidade de um comportamento menos reflectido, inexperiente, desatento. Por isso, cremos que segundo critérios de normalidade, mesmo o condutor médio não teria, no caso concreto, de configurar aquela possibilidade e por isso não lhe seria censurável a não adopção de um cuidado acrescido”.


56. Em resposta à nona questão, dir-se-á que os factos dados como provados não são suficientes para que se sustente que houve culpa do condutor do veículo.


57. Quanto à décima questão, a Autora, agora Recorrente, alega que:

119. A A./Recorrente intentou a ação judicial contra a R./Recorrida e peticionou que esta fosse condenada quer com base em responsabilidade civil extracontratual (artigo 483.º, do CC) quer, subsidiariamente, com fundamento no risco (artigo 508.º, do CC);

120. O tribunal ad quem olvidou que quando não se encontra fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, afastada que esteja a culpa dos intervenientes no acidente ajuizado, cabe aferir se a obrigação de indemnizar se fundamenta em facto danoso gerador de responsabilidade objectiva, porque incluído na zona de riscos a cargo de pessoa diferente do lesado.

121. Nota dominante da responsabilidade pelo risco, temo-la no facto de a lei prescindir daquele elemento subjectivo, da culpa, pelo que o fundamento da responsabilidade não reside agora no propósito de um acto culposo, mas sim no controle de um risco, ou talvez, com maior rigor, no controle de potenciais danos, aliado ao princípio da justiça distributiva, segundo a qual quem tiver o lucro ou em todo o caso, o beneficio de uma certa coisa, deve suportar os correspondentes encargos - ubi commodum ibi incommodum;

122. O tribunal ad quem ao decidir como decidiu, com base em inadmissíveis presunções judiciais, partindo de factos verdadeira e totalmente desconhecidos para firmar factos conhecidos aditando-os à base instrutória, violou expressamente a norma do artigo 508.º, do Código Civil. Devendo por isso este Magnânimo Tribunal apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação dos artigos 349.º, 351.º, 506.º e 508.º, todos do Código Civil.


58. O problema está em que os factos dados como provados sob os n.ºs 47 e 48 dizem-nos que, “quando a autora iniciou a travessia da via não havia condições para fazer o atravessamento em segurança” [9], pelo que “não foi possível ao condutor imobilizar o veículo antes de se dar o embate entre o veículo e a autora” [10].


59. Como se diz no acórdão recorrido, “… é efectivamente possível imputar ao peão um juízo de censura resultante da violação não justificada de duas regras rodoviárias, mais propriamente, a regra que a obrigava a usar a passadeira situada a não mais de 50 metros para atravessar a faixa de rodagem (artigo 101.º, n.º 3) e a regra que a impedia de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem sem se certificar previamente que, tendo em conta a distância que a separava do veículo e a respectiva velocidade, o podia fazer sem perigo de acidente (artigo 101.º, n.º 1).

Estamos perante duas infracções cujo cometimento é totalmente imputável à esfera de autodeterminação do peão. Com efeito, ficou provado que antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, a autora viu o veículo automóvel a dirigir-se na sua direcção. Apesar de padecer de surdez, a autora possui o sentido da visão. Não se tratou, portanto, de uma mera desatenção, de uma actuação irreflectida repentina, não antecedida do cuidado que normalmente deve ser adoptado; pelo contrário, se ela olhou e viu só pode ter incorrido em defeito de avaliação das circunstâncias.

Acresce que a autora é uma mulher adulta, com experiência de vida e capacidade para adoptar comportamentos razoáveis e prudentes, pelo que a circunstância de ter visto o veículo antes de iniciar o atravessamento e mesmo assim ter iniciado essa manobra apesar de a distância a que o veículo se encontrava não lhe permitir realizá-la em segurança, obriga a concluir que ela teve um comportamento particularmente negligente.

Com efeito, o veículo automóvel estava já muito perto, tinha prioridade de passagem e a autora ia invadir a faixa de rodagem destinada ao trânsito daquele. Nessas condições, a autora tinha a obrigação, inerente a um dever de cuidado básico, de aguardar a passagem do veículo antes de invadir a faixa de rodagem uma vez que as normas a obrigavam a assegurar-se previamente que podia fazer tal movimentação em segurança, sem colocar em risco a sua própria integridade e a integridade dos outros utentes da faixa de rodagem”.


60. O art. 505.º do Código Civil determina que, “sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo” [11].


61. Em ruptura com a doutrina e a jurisprudência dominantes até ao final do século XX, de acordo com a qual devia excluir-se o concurso da culpa (do lesado ou do terceiro) com o risco do veículo [12], o acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 —  foi sensível aos argumentos de Sinde Monteiro [13], de Brandão Proença [14] e, sobretudo, de Calvão da Silva [15] para concretizar na jurisprudência algo que foi descrito como uma “revolução teórica e prática no direito da responsabilidade civil, em particular por acidentes de viação” [16] [17].


62. O sumário do acórdão de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 — dizia, expressamente, que “o texto do art. 505.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.


63. Embora a ruptura haja sido confrontada com alguma resistência [18], o critério do acórdão de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 — consolidou-se na doutrina [19] e na jurisprudência, designadamente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [20] [21].


64. O sumário do acórdão do STJ de 1 de Junho de 2017 — processo n.º 1112/15.1T8VCT.G1.S1  — diz, de forma exemplar, que

I. — O regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505.º e 570.º do Código Civil deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura.

II. — Compete ao Tribunal formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente.


65. Face à interpretação actualista do art. 505.º do Código Civil, a exclusão da responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art. 503.º restringe-se (tem-se restringido) a dois casos:

I. — àqueles em que haja dolo ou culpa grave do lesado [22]

II. — ainda que não haja nem dolo, nem culpa grave, àqueles em que o facto do lesado deve considerar-se como causa exclusiva do acidente [23].


66. O acórdão recorrido considera que há culpa grave da Autora, agora Recorrente, e que, ainda que não houvesse culpa grave, sempre o facto da Autora, agora Recorrente, deveria considerar-se como causa exclusiva do acidente.


67. Em primeiro lugar, o acórdão recorrido considera que há culpa grave da Autora, agora Recorrente:

“Não o tendo feito [i.e., não se tendo assegurado de que podia atravessar a faixa de rodagem em segurança, sem colocar em risco a sua própria integridade e a integridade dos outros utentes da faixa de rodagem, e não tendo atravessado a faixa de rodagem na passadeira para peões situada a menos de 50 metros], [a Autora] não só cometeu uma infracção rodoviária como actuou com grave negligência, uma vez que nada se encontra provado que justifique o seu erro de avaliação ou a incapacidade de avaliar correctamente as circunstâncias com que se deparava e que lhe impunham outro comportamento”.

“estamos perante o atropelamento de um peão de idade adulta que viu o veículo a aproximar-se e que não obstante isso tomou a decisão de invadir a faixa de rodagem por onde aquele circulava. […]

A autora sustentou que por ser surda não conseguia ‘ouvir o ruído do motor e do veículo’ e por isso ‘não conseguia estimar a velocidade’, ou seja, não tinha capacidade para avaliar correctamente a velocidade e de tomar uma decisão conscienciosa em função desse elemento.

Este facto tem relevo porque o barulho produzido por um mecanismo a funcionar fornece elementos para que o nosso cérebro, habituado que está a ligar o barulho à velocidade ou à força do mecanismo, use esse elemento para estimar a velocidade, embora nem sempre essa estimativa conduza a dados correctos por ser cada vez menor o barulho produzido pelos veículos automóveis.

Todavia, para além de não se tratar de um elemento decisivo, sobretudo em espaço urbano ocupado por muitas e diversas fontes de barulho que perturbam a descoberta instantânea da sua origem ou fonte, não é um elemento bastante para modificar a circunstância de a autora ter visto o veículo e a dedução de que nessa circunstância, tratando-se de um adulto que certamente não se depara com essa situação pela primeira vez na vida nesta ocasião (não foi alegado que ela seja surda apenas de algum tempo a esta parte) lhe era então exigível maior cuidado na tomada de decisão uma vez que a surdez não a priva de inteligência, raciocínio, experiência de vida, poder de observação e de ajustamento.

No mínimo era-lhe exigível que, consciente das suas limitações, não avançasse para a faixa de rodagem sem tornar a ver o veículo e aferir por último e em melhores condições a distância deste e a existência de condições para fazer o atravessamento antes da sua chegada. Não resulta demonstrado que a autora tenha tido esse cuidado e a circunstância de ter sido colhida logo após, pelo canto dianteiro direito do veículo e pisada por das rodas do lado direito deste, demonstra que se ela tivesse adoptado esse cuidado elementar o atropelamento não se teria dado tal era já a proximidade do veículo”.


68. Em segundo lugar, o acórdão recorrido considera que ainda que não houvesse culpa grave, sempre o facto da Autora, agora Recorrente, deveria considerar-se como causa exclusiva do acidente:

“O processo causal que gerou os danos foi desencadeado exclusivamente pelo comportamento do peão, não tendo sido ampliado ou reforçado por qualquer circunstância relativa ao veículo e aos riscos que a sua circulação envolve. […] na génese desse comportamento está uma decisão consciente do peão ou, ao menos, uma decisão tomada por um adulto na posse da informação relevante e em função da qual um homem médio, ainda que surdo, não teria adoptado semelhante decisão por a mesma representar uma exposição consciente a um risco acentuado ou grave. Por isso, afigura-se-nos ser de excluir qualquer responsabilidade pelo risco baseada no regime do artigo 503.º do Código Civil, e de afastar a responsabilidade do condutor do veículo por aplicação do artigo 505.º do mesmo diploma”.


69. Examinar-se-á, em primeiro lugar, se há culpa grave da Autora, agora Recorrente.


70. O critério de apreciação da culpa do lesado relevante para efeitos do art. 505.º do Código Civil deverá ser um critério abstracto ou objectivo, ainda que flexibilizado pela ponderação de factores pessoais do lesado, como a sua deficiência [24].


71. Em causa estará tão-só uma culpa qualificadadolo ou culpa grave.


72. A culpa grave ou culpa lata designa a negligência grosseira, escandalosa, intolerável, em que só cai um homem anormal ou extraordinariamente descuidado [25].

 Sinde Monteiro convoca a fórmula adoptada por Frey para distinguir a negligência leve e a negligência grave: “A negligência é leve quando dizemos ‘isso pode acontecer’” e é grave, grosseira, quando temos de dizer “não se admite que tal aconteça” [26].


72. Embora em abstracto fácil de definir, em concreto o conceito de culpa grave é difícil de aplicar — subsistindo “dúvidas, hesitações e divergências […] no que respeita à precisa definição do conceito de culpa grave, susceptível de tornar o sinistro exclusivamente imputável ao lesado e eliminar a responsabilidade objectiva decorrentes dos riscos de circulação da viatura” [27].


73. O ponto é absolutamente decisivo, atendendo-se — como deve atender-se — a que “um critério de aferição da culpa grave excessivamente exigente faz com que se corra o risco de, na prática, acabar por esvaziar o efeito útil do novo entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do binómio risco / culpa do lesado, por todas as infracções e omissões do dever de cuidado acabarem por ser configuradas como implicando, em última análise, culpa grave da vítima, susceptível de funcionar como causa exclusiva do acidente” [28].


74. Ora, “a flexibilização do critério abstracto de apreciação da culpa do lesado encontra a sua zona de eleição na actuação dos lesados jovens, idosos ou portadores de anomalias físicas, na medida em que a conduta do cego, do surdo ou do deficiente […] deverá ser apreciada por confronto com o cuidado e a diligência normais que teria tido uma pessoa com as mesmas debilidades[29].


75. Entre os corolários de uma flexibilização do critério abstracto de apreciação da culpa do lesado deverá estar, p. ex., o de se admitir “um tratamento mais favorável, mas sem exclusão de ‘culpa’, [d]aquelas imprevidências que poderiam ter sido evitadas com um maior esforço, diligência ou atenção, apesar do estado psíquico do lesado […]” [30].


76. Esclarecidas as coordenadas de uma apreciação da culpa da Autora, agora Recorrente, afigura-se-nos que não haverá nem dolo, nem culpa grave.


77. O facto da Autora, agora Recorrente, ainda que culposo, não exprime uma negligência grosseira, escandalosa ou intolerável — embora a imprevidência pudesse ter sido evitada com uma maior diligência ou com um maior esforço, é ainda algo que de que dizemos “isso pode acontecer”, e não já algo de que digamos “não se admite que tal aconteça”.


78. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do STJ de 24 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 —, dir-se-á que a conduta da Autora, agora Recorrente, “se configura mais como desatenção decorrente da quotidiana convivência com a fonte de perigo do que como uma deliberada exposição a um risco grave, justificante da total exclusão da eventualmente concomitante responsabilidade pelo risco”.


79. Excluída a culpa grave, examinar-se-á, em segundo lugar, se o facto da Autora, agora Recorrente, deverá considerar-se como causa exclusiva do acidente.


80. A declaração de voto do Exmo. Senhor Conselheiro João Bernardo no acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 — sugeria “a fonte da indemnização já não devesse buscar-se, dogmaticamente, ou à culpa ou ao risco”, e sim ao facto da circulação de veículos, “conjugada com as regras do seguro obrigatório”.


81. Independentemente de se atender ao facto da circulação de veículos, sem mais [31], ou de se atender à força cinética resultante da velocidade, do volume e da massa do veículo [32], deve entender-se que o risco do veículo contribuiu para o acidente ou sinistro.


81. O problema põe-se no plano da ponderação entre os factores relevantes para a decisão: intensidade da contribuição causal dos perigos ou dos riscos do veículo, intensidade da contribuição causal do comportamento do lesado pelos perigos ou riscos do veículo e gravidade da culpa.


82. Maria da Graça Trigo, p. ex., propõe um modelo de decisão em que se distinga consoante haja ou não culpa do lesado no acidente:

I. — a conduta concausal não culposa do lesado só poderia determinar uma redução da indemnização em “percentagem diminuta” [33]; II. — a conduta concausal imputável ao lesado por culpa leve faria aumentar a percentagem da redução da indemnização, não excedendo o limite de 50% do total dos danos [34]; e — III. — a conduta concausal imputável ao lesado por culpa grave faria aumentar a percentagem da redução, excedendo o limite de 50% do total [35].


82. As circunstâncias do caso concreto são semelhantes às dos casos apreciados e decididos pelos acórdãos do STJ de 24 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 — e de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2992/18.4T8AVR.P1.S1:

I. — no caso apreciado e decidido pelo acórdão de 24 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 —, o STJ pronunciou-se sobre um embate entre uma viatura automóvel, que circulava sem qualquer violação das regras estradais, e um peão, em consequência de o peão ter começado a circular pela faixa de rodagem “sem previamente se assegurar que o podia fazer sem perigo”;

II. — no caso apreciado e decidido pelo acórdão de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2992/18.4T8AVR.P1.S1 —, o STJ pronunciou-se sobre um embate entre uma viatura automóvel (veículo pesado de mercadorias) e um velocípede sem motor, “em que o velocípede sem motor se atravessou à frente do veículo pesado de mercadorias, não permitindo evitar a colisão; em que tal ocorreu depois de o velocípede ter entrado na faixa de rodagem, de forma desgovernada, em ziguezague, em direcção ao eixo da via, em consequência de desequilíbrio anterior da tripulante, provocado por razões não apuradas; e em que não houve culpa do condutor do veículo pesado”.


  Em cada um dos dois casos, foi excedido o limite dos 50% — no primeiro caso, a indemnização foi reduzida em 60% e, no segundo caso, em 70%.


83. Face à semelhança do caso concreto com o caso apreciado e decidido pelo acórdão do STJ de 24 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 —, a solução mais adequada está em aplicar ao caso sub judice iguais percentagens — ou seja, em decidir que o detentor do veículo automóvel deve suportar 40% e o peão, 60% do total do dano.


84. Em resposta à décima questão, dir-se-á que os factos dados como provados são suficientes para que se sustente que houve contribuição do risco do veículo segurado pela Ré, agora Recorrida, para o acidente, devendo imputar-se-lhe 40% da responsabilidade. 


85. A décima primeira e a décima segunda questões consistem em determinar se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro na avaliação dos danos patrimoniais sofridos pela Autora, agora Recorrente

I. — por não ter atendido às perdas salariais da Autora, agora Recorrente;

II. — por não ter atendido às repercussões patrimoniais da incapacidade parcial permanente da Autora, agora Recorrente.


86. O Tribunal da Relação ... não se pronunciou sobre nenhuma das duas questões, dando-as como prejudicadas.


87. O art. 679.º do Código de Processo Civil determina que “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com excepção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes”.


88. O art. 665.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

2. — Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

89. O resultado da coordenação sistemática entre os arts. 679.º e 665.º do Código de Processo Civil é o de que o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer das questões que o Tribunal da Relação considerou prejudicadas.

Como se diz, designadamente, no acórdão do STJ de 9 de Março de 2022 — processo n.º 974/19.8T8AVR.P1.S1 —, “dado que o art. 679.º exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no art. 665.º, ambos do Código de Processo Civil, tal significa que foi retirada a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação. Daí que quando o acórdão da Relação não estiver afetado por uma nulidade, mas dele emergir apenas que não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, uma vez revogado o acórdão, impõe-se a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciadas as questões omitidas”.

90. Em consequência, os autos devem ser remetidos ao Tribunal da Relação, para que se pronuncie sobre as questões suscitadas no recurso de apelação interposto pela Autora.


III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, nos seguintes termos:

I. — condena-se a Ré, agora Recorrida, Liberty Seguros, S.A., a indemnizar a Autora, agora Recorrente, AA, na proporção de 40% do total dos danos;

II. — determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para que se pronuncie sobre as questões suscitadas no recurso de apelação interposto pela Autora, agora Recorrente, AA.


Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 5 de Maio de 2022


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Os 21,614,63 euros para compensação dos danos patrimoniais correspondiam à soma de 5.764,95 euros a título de perdas salariais, 14.738,22 euros a título de incapacidade parcial permanente e de 1.111,46 a título de outros danos patrimoniais.

[2] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 636.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 287-288.

[3] Cf. acórdão do STJ de 8 de Março de 2022 — processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1.

[4] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 662.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 283-313 (311).

[5] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 662.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 291: “… podem assentar em factos essenciais que tenham sido considerados provados ou que resultem plenamente dos autos”.

[6] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 662.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 291 — esclarecendo que, “relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação de outros factos por via de presunções judiciais, para além de não se mostrar necessária a sua alegação [art. 5.º, n.º 2, alínea a)] e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (arts. 410.º e 516.º), nem sequer terão de ser objecto de um juízo probatório específico na 1.ª instância”.

[7] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 662.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 291: “… tenham ou não sido alegados pelas partes”

[8] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 662.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 291:

[9] Cf. facto dado como provado sob o n.º 47.

[10] Cf. facto dado como provado sob o n.º 48.

[11] Sobre a interpretação do art. 505.º do Código Civil, vide por todos Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 505.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 517-519; Ana Prata, anotação ao art. 505.º, in: Ana Prata (coord.), Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 1250.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 666-667, ou Raul Guichard, anotação ao art. 505.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 413-421.

[12] Cf. designadamente Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 505.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, cit., págs. 517-519; ou João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2000, págs. 686-687. 

[13] Cf. Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Responsabilidade por culpa, responsabilidade objectiva, seguro de acidentes (Propostas de alteração ao Código Civil e ao D.L. n.º 408/79, de 25 de Setembro; considerações em torno da criação de um seguro social de acidentes de trabalho e de trânsito)”, in: Revista de Direito e Economia, 1980/1981, págs. 139-154 .

[14] Cf. José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, esp. nas págs. 811-826; José Carlos Brandão Proença, “Acidentes de viação e fragilidade por menoridade (para uma nova conformação normativa)”, in: Juris et de jure. Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa — Porto, Universidade Católica Editora, Porto, 1998, págs. 95-115; ou José Carlos Brandão Proença, “Ainda sobre o tratamento mais favorável dos lesados culpados no âmbito dos danos corporais por acidentes de viação”, in: Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 809-837; ou José Carlos Brandão Proença, “Responsabilidade pelo risco do detentor do veículo e conduta do lesado – a lógica do ‘tudo ou nada’? – Anotação ao acórdão do STJ de 6 de Novembro de 2003, processo n.º 565/03”, in: Cadernos de direito privado, n.º  7 — 2004, págs. 19-31.

[15] Cf. João Calvão da Silva, “Acidentes de viação: Concorrência do risco com a culpa do lesado (art. 505.º); limites máximos da responsabilidade objectiva (art. 508.º) e montantes mínimos obrigatórios do seguro; indemnização e juros de mora (arts. 506.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3) — Anotação ao acórdão do STJ de 1 de Março de 2001”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 134.º (2001), págs 102-128.

[16] Expressão de Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 467-497 (497) — ainda que atenuando o alcance da afirmação ao qualificar a revolução como possível e ao sugerir que a revolução, que a possível revolução, tem como medida a contestação da doutrina e da jurisprudência mais anrigas (“… na medida em que se admite a contestação aberta à orientação tão divulgada na nossa jurisprudência de que a responsabilidade pela culpa afasta liminarmente a responsabilidade pelo risco”).

[17] Sobre o acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 —, vide, por todos, João Calvão da Silva, “Concorrência entre risco do veículo e facto do lesado: o virar de página? — Anotação ao acórdão do sTJ de 4 de Outubro de 2007”, in: Revista de legislação e de jurisprudência, ano 137.º (2007), págs. 35-64.

[18] Cf. acórdãos do STJ de 6 de Novembro de 2008 — processo n.º 08B3331 —, de 1 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 00A2208 —, de de 14 de Janeiro de 2014 — processo n.º 284/07.3TCGMR.G3.S1 — ou de 9 de Setembro de 2014 — processo n.º 121/10.1TBPTL.G1.S1 —, em cujos sumários se escreve que “[a] interpretação conjugada do disposto nos artigos 505º e 570º, nº 1, ambos do Código Civil não permite a conclusão de haver concurso entre a culpa exclusiva do lesado e a responsabilidade pelo risco de circulação do titular da direcção efectiva do veículo automóvel”, ou que “[a] lei civil apenas concebe situações de concorrência de culpa — cfr artigo 570º do Código Civil — e não quaisquer outras, como a de culpa e risco”.

[19] Cf. designadamente Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 638; Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Direito dos seguros e direito da responsabilidade civil. Da legislação europeia sobre o seguro automóvel e sua repercussão no regime dos acidentes causados por veículos. A propósito dos Acórdãos Ferreira Santos, Ambrósio Lavrador (e o.) e Marques de Almeida, do TJUE”, in: Revista de legislação e de jurisprudência, ano 142.º (2012), págs. 82-131; Ana Prata, “Responsabilidade civil: duas ou três dúvidas sobre ela”, in Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 345-352; Mafalda Miranda Barbosa, Do nexo de causalidade ao nexo de imputação. Contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual, vol. II, Principia, Cascais, 2013, págs. 802-803 (nota n.º 1760); Mafalda Miranda Barbosa, “A aplicação analógica das hipóteses de responsabilidade pelo risco”, Estudos a propósito da responsabilidade objectiva, Principia, Cascais, 2014, págs. 116-117 (nota n.º 204); Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação», Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 467-497; e, por último, Rui Ataíde / António Barroso Rodrigues, “Acidentes de viação. Responsabilidade subjectiva, presunções de culpa e responsabilidade objectiva”, in: Julgar, n.º 46 — 2022, págs. 14-32 (esp. nas págs. 30-31).

[20] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 2009 — processo n.º 08A3807 —, de 22 de Janeiro de 2009 — processo n.º 08B3404 —, de 17 de Maio de 2012 — processo n.º 1272/04.7TBGDM.P1.S1 —, de 5 de Junho de 2012 — processo n.º 100/10.9YFLSB —, de 1 de Junho de 2017 — processo n.º 1112/15.1T8VCT.G1.S1 —, de 14 de Dezembro de 2017 — processo n.º 511/14.0T8GRD.D1.S1 —, de 11 de Janeiro de 2018 — processo n.º 5705/12.0TBMTS.P1.S1 —, de 10 de Março de 2019 — processo n.º 5173/15.5T8BRG.G1.S1 —, de 28 de Março de 2019 — processo n.º 954/13.7TBPMS.C1.S1 —, de 27 de Junho de 2019 — processo n.º 589/14.7T8PVZ.P1.S1 —, de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 15385/15.6T8LRS.L1.S1 —, de 29 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 —, de 13 de Abril de 2021 — processo n.º 4883/17.7T8GMR.G1.S1 —, de 25 de Maio de 2021 — processo n.º 3883/18.4T8FAR.E1.S1 —, de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2992/18.4T8AVR.P1.S1 —, de 19 de Outubro de 2021 — processo n.º 7007/16.4T8PRT.P1-A.S1 —, de 9 de Março de 2022 — processo n.º 974/19.8T8AVR.P1.S1 — ou de de 15 de Março de 2022 — processo n.º 23399/19.0T8PRT.P1.S1.

[21] Sobre a evolução da jurisprudência do STJ, vide por último Carlos Lopes do Rego, “A problemática da concorrência da responsabilidade objectiva, decorrente dos riscos dos acidentes de viação, com a culpa do lesado”, in:  Julgar, n.º 46 — 2022, págs. 33-67.

[22] Cf. acórdãos do STJ de 1 de Junho de 2017 — processo n.º 1112/15.1T8VCT.G1.S1 — e de 11 de Janeiro de 2018 — processo n.º 5705/12.0TBMTS.P1.S1.

[23] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 2009 — processo n.º 08A3807 —, de 22 de Janeiro de 2009 — processo n.º 08B3404 —, de 3 de Dezembro de 2009 — processo n.º 81/08.9TBFLG.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2012 — processo n.º 1272/04.7TBGDM.P1.S1 — , de 11 de Julho de 2013 — processo n.º 97/05.7TBPVL.G2.S1 —, de 5 de Novembro de 2013 — processo n.º 8/10.8TBTNV.C1.S1 —, de 27 de Março de 2014 — processo n.º 136/07.7TBTMC.P1.S1 —, de 14 de Dezembro de 2017 — processo n.º 511/14.0T8GRD.D1.S1 —, de 27 de Junho de 2019 — processo n.º 589/14.7T8PVZ.P1.S1 —, de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 15385/15.6T8LRS.L1.S1 —, de 29 de Setembtro de 2020 — processo n.º 1572/14.8TBVNG.P1.S1 —, de 13 de Abril de 2021 — processo n.º 4883/17.7T8GMR.G1.S1 —, de 19 de Outubro de 2021 — processo n.º 7007/16.4T8PRT.P1-A.S1 — ou de de 15 de Março de 2022 — processo n.º 23399/19.0T8PRT.P1.S1.

[24] Expressão de José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, cit., págs. 578-584.

[25] Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.º ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pág. 342.

[26] Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, pág. 567.

[27] Carlos Lopes do Rego, “A problemática da concorrência da responsabilidade objectiva, decorrente dos riscos dos acidentes de viação, com a culpa do lesado”, cit., pág. 61.

[28] Carlos Lopes do Rego, “A problemática da concorrência da responsabilidade objectiva, decorrente dos riscos dos acidentes de viação, com a culpa do lesado”, cit., pág. 63.

[29] José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, cit., pág. 581.

[30] José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, cit., pág. 583.

[31] Como sugere o acórdão do STJ de 25 de Maio de 2021 — processo n.º 3883/18.4T8FAR.E1.S1.

[32] Como sugerem os acórdãos do STJ de 24 de Setembro de 2020 — processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1 — ou de de 9 de Março de 2022 — processo n.º 974/19.8T8AVR.P1.S1.

[33] Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, cit., págs. 491-492.

[34] Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, cit., pág. 492: “se se tratar de uma conduta culposa da vítima, então poderia avaliar-se – recorrendo-se à ideia de sistema móvel, aplicável aos pressupostos da responsabilidade civil – tanto a intensidade da contribuição causal dos perigos do veículo versus conduta do lesado, como o grau de culpa deste”.

[35] Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, cit., pág. 492.