Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
808/08.9TTVCT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DUPLA CONFORME
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 11/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário : I - As alterações introduzidas pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, na disciplina dos recursos cíveis, visaram consagrar, por um lado e para além do mais, um regime monista, com a eliminação da distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo; e, por outro, a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando as suas funções de orientação e uniformização da Jurisprudência, sendo que, a introdução da regra da «dupla conforme» – art. 721.º, n.º 3 do CPC – tem esse específico escopo: tornar inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª Instância.

II - Sempre que o apelante obtenha procedência parcial do recurso na Relação, com uma decisão mais favorável do que a decisão recorrida, está-se perante duas decisões “conformes”, no sentido de impedirem que essa parte possa interpor recurso de revista para o STJ porquanto se a improcedência total da apelação obsta, por imposição do sistema da dupla conforme, à interposição da revista, então também a improcedência parcial dessa apelação não pode deixar de produzir, por idêntica razão, o mesmo efeito impeditivo.

III - Tendo sido julgada a apelação apenas procedente na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia relativa à indemnização por despedimento, que reduziu do montante de € 21.465,00 para € 15.327,00, mantendo, em tudo o mais, a sentença recorrida, e tendo a recorrente restringido expressamente o objecto do recurso às questões que o acórdão pretendido impugnar confirmou, sem qualquer voto de vencido, é inadmissível a revista para o STJ.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                         I –

   

1.

A R. «AA, Ld.ª», notificada do despacho de fls. 600-602 – em que, concluindo verificar-se uma situação de ‘dupla conforme’, se decidiu não conhecer do recurso – vem dele reclamar para a Conferência, alegando essencialmente que a questão em crise consiste em saber se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmou ou não a decisão da 1.ª Instância.

Alinhou as seguintes conclusões:

- O Acórdão recorrido alterou a decisão da 1.ª Instância, ainda que parcialmente;

- Não há confirmação da decisão da 1.ª Instância;

- Para que exista confirmação da decisão da 1.ª Instância é necessário que o Acórdão da Relação não altere nada, com excepção da fundamentação;

- Neste sentido, Acs. do S.T.J. de 7.7.2010 e de 29.10.2010, disponíveis no sítio www.dgsi.pt;

- O despacho reclamado violou o art. 721.º, n.º3, do C.P.C.

2.

A parte contrária respondeu no sentido da adesão aos fundamentos do despacho sob protesto, adiantando que, ainda que assim se não entendesse, o recurso nunca poderia ser admitido na parte em que a decisão foi unânime e irrestritamente confirmada pela Relação do Porto, devendo, nesse caso, restringir-se ao quantum indemnizatório devido pela ilicitude do despedimento.

3.

Colheram-se os vistos dos Exm.ºs Adjuntos.

Cumpre decidir.

O despacho sob reclamação é, na parte interessante, do seguinte teor:

‘As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, na disciplina dos recursos cíveis, visaram consagrar, por um lado e para além do mais – como expressamente se estampou no respectivo Preâmbulo –, um regime monista, com a eliminação da distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo; e, por outro, a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando as suas funções de orientação e uniformização da Jurisprudência.

A introdução da regra da «dupla conforme» – art. 721.º, n.º3 do C.P.C. – tem esse específico escopo: tornar inadmissível o recurso do Acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª Instância.

Acerca dos limites desta norma redutora coexistem duas sensibilidades: há quem propugne uma interpretação estrita, sustentando que só se verifica a ‘dupla conforme’ quando haja uma absoluta coincidência das decisões das Instâncias.

Vão nessa linha as reflexões de Ribeiro Mendes[1] e Cardona Ferreira[2], entre outros, e nesse sentido se orientou, v.g., o citado Aresto deste Supremo Tribunal, de 7 de Julho de 2010, tirado na Revista n.º 5/08.3TBGDL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

(Atente-se que este Acórdão versou sobre uma acção de reivindicação de imóvel, com pedido reconvencional dos RR. de reconhecimento do direito de propriedade a seu favor, com fundamento na usucapião).

Em sentido oposto se manifestam Miguel Teixeira de Sousa[3], Abrantes Geraldes e também Salazar Casanova[4].

Concretamente no âmbito das obrigações pecuniárias, em que o Acórdão da Relação não coincida com a decisão da 1.ª Instância apenas em termos quantitativos, absolvendo ou condenando em menor medida, pode tornar-se problemática a aferição da ‘conformidade’ ou ‘desconformidade’ das decisões das Instâncias.

…Qualquer decisão da Relação que seja mais favorável ao apelante do que a decisão da 1.ª Instância – isto é, ainda nas palavras daquele insigne Professor, qualquer decisão da Relação que lhe ‘dê mais’ ou que lhe ‘tire menos’ do que a decisão da 1.ª Instância – é uma decisão «conforme» a esta última decisão.

Sempre que o apelante obtenha procedência parcial do recurso na Relação, com uma decisão mais favorável do que a decisão recorrida, está-se perante duas decisões ‘conformes’, no sentido de impedirem que essa parte possa interpor recurso de Revista para o S.T.J.

A justificação é incontornável: não faz qualquer sentido, sendo por isso absurdo, que a parte não possa recorrer se a Relação confirmar integralmente a condenação da 1.ª Instância, mas já possa fazê-lo se tiver obtido (parcial) ganho de causa!

Dito de outro modo, usando ainda as palavras do autor citado:

 Se a improcedência total da apelação obsta, por imposição do sistema da dupla conforme, à interposição da revista, então também a improcedência parcial dessa apelação não pode deixar de produzir, por idêntica razão, o mesmo efeito impeditivo

O dispositivo unânime do Acórdão pretendido impugnar, transcrito no precedente despacho, a que nos reportamos, julgou a apelação apenas procedente na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia relativa à indemnização por despedimento, que reduziu do montante de € 21.465,00 para € 15.327,00.

Em tudo o mais se manteve a sentença recorrida.

A recorrente, restringindo expressamente o objecto do recurso às questões que o Acórdão pretendido impugnar confirmou, sem qualquer voto de vencido, não pode, conforme sobredito, interpor Revista para este Supremo Tribunal.

Termos em que, verificando-se uma situação de dupla conforme – e não obstante o despacho provisório de fls. 541, que, como já consignámos supra, não forma caso julgado – não pode conhecer-se do recurso, o que se decide.

Custas incidentais pela impetrante’.

4.

Como se verifica – e se disse já – o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto pretendido impugnar confirmou, sem dissonância, a sentença aí recorrida, apenas julgando parcialmente procedente a apelação na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia relativa à indemnização por despedimento, reduzindo-a de € 21.465,00 para € 15.327,00.

A R. – como se conferiu e plasmou logo no despacho de fls. 581 – não se insurge, no recurso interposto para este Supremo Tribunal, contra o único segmento do Aresto da Relação que rectificou/revogou a sentença recorrida, antes limitando a sua reacção às questões que o Acórdão que pretende impugnar confirmou, sem qualquer voto de vencido.

Persistindo no entendimento, já conhecido, de que a ‘dupla conforme’ apenas se verifica quando exista confirmação unânime e irrestrita, pela Relação, do julgado da 1.ª Instância, pretende, a coberto deste argumento formal, ver sindicada a deliberação da Relação no que concerne às questões sobre que aquele Colectivo ajuizou uniformemente, confirmando a sentença da comarca.

Não tem razão, contudo.

Os argumentos e a solução adiantados no despacho singular, ora sujeito a esta Conferência, são inteiramente de manter.

O Acórdão da Relação em causa, rectificando, para menos e favoravelmente à R., o montante da condenação na indemnização por despedimento – …que não constitui sequer o segmento da decisão contra que reage, repete-se – não pode deixar de entender-se como integrante da situação de ‘dupla conforme’.

Entender-se o contrário seria frustrar, claramente, in casu, a teleologia da norma, como sobredito já de modo e em termos que não justificam outras delongas.

                                         III –

Em face do exposto, delibera-se indeferir a reclamação.

Custas pela reclamante.

                               

Lisboa, 16 de Novembro de 2011

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

_______________________
[1] ‘Recursos em Processo Civil’, Reforma de 2007, pgs. 144-145.
[2] ‘Guia de Recursos em Processo Civil’, 5.ª edição, pg. 261.
[3] No local referido no nosso primeiro despacho e in ‘Cadernos de Direito Privado’, n.º21, pg. 21/ss.
[4] Respectivamente in ‘Recursos em Processo Civil’, Novo Regime, e ‘Revista da Ordem dos Advogados’, 68 (2008), I, pg. 49/ss.