Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2272/05.5YYLSB-B.L1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
AVAL
PACTO DE PREENCHIMENTO
RELAÇÕES IMEDIATAS
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / INTERPOSIÇÃO E EFEITOS DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Doutrina:
- FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, p. 23, 215 E 526;
- OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, p. 173;
- PAULO SENDIM, Letra de Câmbio, II, p. 149;
- PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Revista de Direito Comercial, Aval em branco, 2018-03-09, p. 419.
Legislação Nacional:
LEI UNIFORME RELATIVA ÀS LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 10.º, 30.º, 32.º, N.º 1 E 47.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2 E 805.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 610.º, N.º 2, ALÍNEA B), 637.º, N.º 2, 639.º, N.º 1, 644.º, N.ºS 3 E 4, 713.º, 715.º, N.º 1 E 729.º, ALÍNEA E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 02-12-1982, IN BMJ, N.º 322, P. 315;
- DE 11-02-2003, PROCESSO N.º 02A4555, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-12-2003, PROCESSO N.º 03A3529, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-03-2005, PROCESSO N.º 04B3876, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-05-2005, PROCESSO N.º 05A1347, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-10-2005, PROCESSO N.º 05B179, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 06A2589;
- DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 06A2589, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2007, PROCESSO N.º 07A205;
- DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 08A727, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-09-2010, PROCESSO N.º 4688-B/2000.L1.S1;
- DE 22-02-2011, PROCESSO N.º 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1;
- DE 26-02-2013, PROCESSO N.º 597/11.0TBSSB-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-10-2013, PROCESSO N.º 4720/10.3T2AGD-A.C1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 06-10-2015, PROCESSO N.º 990/12.0TBLSA-A.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária.

II. O regular preenchimento, em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.

III. O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.

IV. Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento.

V. No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte.

VI. A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou, se tal não tiver sido convencionado no pacto de preenchimento.

VII. Quem deduz a excepção de preenchimento abusivo, normalmente o executado, é que tem o ónus da alegação dos factos em que se apoia e da sua prova.

Decisão Texto Integral:
2272/05.5YYLSB-B.L1 [1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I ─ AA e BB, por apenso à acção executiva n.º 2272/05.5 YYLSB, vieram deduzir oposição à execução contra CC, S.A., pedindo que a mesma seja julgada procedente e, por conseguinte extinta a execução.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a oposição à execução procedente, e, em consequência, determinou a extinção da instância executiva a que os presentes autos correm por apenso, no que diz respeito aos executados AA e BB.

Inconformada com a decisão, a Exequente interpôs recurso de apelação, com sucesso, já que a Relação julgou parcialmente procedente o recurso e consequentemente, julgou improcedente a oposição, excepto na parte respeitante ao cálculo de juros que deverão ser contados a partir da citação.

Desse acórdão vieram os oponentes interpor recurso, ora de revista, recurso que foi admitido.

Nas conclusões com que remata as suas alegações, dizem os recorrentes:

A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 19/0412018, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Exequente e, consequentemente, julgou improcedente a oposição deduzida, exceto na parte respeitante ao cálculo de juros que deverão ser contados a partir da citação.

B. Tal decisão não se pode manter na ordem jurídica.

C. Em 22/06/2016, os aqui Recorrentes interpuseram recurso a fls. 283 e segs. da douta decisão proferida, em 06/06/2016, que admitiu o "CC SA." a substituir nos presentes autos a posição ocupada pelo "Banco DD, S.A.".

D. Tal recurso foi admitido por douto despacho de 14/10/2016 e determinou que o mesmo subisse ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da forma prevista no art.º 644 n.os 3 e 4 do CPC e com efeito devolutivo.

E. Sucede que, os Recorrentes não interpuseram recurso da decisão final de primeira instância porque a mesma lhes foi favorável.

F. Deveria, assim, o citado recurso de fls 283 e sgs ter subido com aquele que foi interposto pelo Exequente "CC" - o que não aconteceu.

G. Não o tendo feito foi cometida nulidade por preterição de formalidade essencial e não conhecimento de questão que estava obrigado a conhecer (art°s 195 e 615 n.º 1, alínea d) do NCPC).

H. Nulidade que aqui se deixa alegada para todos os efeitos legais e como tal deve ser declarada, apreciando-se, em consequência, o referido recurso de fls 283 a 304 dos autos.

Sem prescindir,

I. O Venerando Tribunal entendeu que a necessidade de interpelação prévia do avalista como condição de preenchimento da livrança, não se traduz em qualquer exigência legal e nem se demonstra que decorra do pacto de preenchimento.

J. Ora, entendem os Recorrentes que a atuação do Exequente foi precisamente em sentido contrário a tal entendimento, demonstrativa da necessidade contratual de tal interpelação (cfr. art°s 34 e 35 da contestação dos embargos e art°s 27 e 28 da Oposição; cfr fls. 77 e 78 dos autos).

K. Ou seja, não pode deixar de se entender que entre Credor/Devedor e Avalistas tinha sido acordado que se impunha ao Banco a obrigação de comunicar ao avalista, aqui recorrentes, antes do preenchimento do título que o contrato em causa tinha sido resolvido.

L. Na verdade, o Exequente assumiu tal obrigação de interpelação prévia (ainda que tal não conste expressamente do documento de fls 74 e ss), não obstante, posteriormente, não a ter cumprido, contrariando as garantias razoáveis que podem ser exigidas ao devedor em nome de um princípio de tutela da confiança, pondo em causa o equilíbrio de interesses das partes contratantes, sendo excessiva, desproporcionada e desequilibrada e, por isso, contrária à boa fé.

M. Assim, os aqui avalistas podem opor ao credor/recorrido essa exceção que, efetivamente, violou o acordado.

N. Por todo o exposto, deve o Douto acórdão ora em crise ser revogado, por erro de interpretação do disposto nos art°s 342, 762 n.º 2 e 782 do C. C. e substituído por outro que julgue no sentido antes defendido, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

Houve contralegações, defendendo a bondade do decidido.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

II.A. De Facto

II.A.1. Foram dados como assentes, na 1.ª instância, os seguintes factos:

1.– No dia 12/01/2005, a exequente deu à execução a livrança caução constante de fls. 43 dos autos de execução, nela figurando como Subscritora a sociedade comercial EE, Lda., e como avalistas os opoentes AA e BB, que apuseram as suas assinaturas no verso daquela livrança, por baixo dos dizeres " Bom por aval ao subscritor".

2.– A livrança de fls. 43 foi emitida em Lisboa no dia 18/05/1998, tem como vencimento a data de 30/09/2004, nela foi aposto o valor de € 88.292,29, e também nela constava que a sede da subscritora EE, Lda. se situava na Rua ....

3.– A relação comercial subjacente ao preenchimento da livrança que serve de base à execução foi um Contrato de financiamento celebrado entre o exequente e a sociedade comercial EE, Lda., nos termos do qual aquele concedeu a esta um empréstimo no valor de Esc. 30.000.000$00, para apoio de tesouraria, nos termos do documento de fls. 74 a 75 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais.

4.– Como garantia do cumprimento desse acordo, a EE, Lda. entregou ao exequente uma livrança por si subscrita e avalizada pelos ora opoentes, com montante e data do vencimento em branco, a qual foi acompanhada da respectiva autorização de preenchimento, na qual consta a assinatura dos aqui opoentes, na qualidade de avalistas, por baixo da declaração do seguinte teor: "Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes da facilidade de crédito em conta empréstimo no valor de Esc. 30.000.000S00 em nome de EE, Lda., à data do seu termo inicial ou das suas prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora, junto remetemos livrança subscrita por EE, Lda. e avalizada por (...) AA, BB (...), livrança esta, cujo montante e data de vencimento se encontra em branco para que esse Banco a fixe preenchendo a livrança na data que julgar conveniente, assim como proceda ao seu desconto.

Todos os intervenientes dão o seu assentimento à remessa desta livrança nos termos e condições em que ela é feita, pelo que assinam connosco esta autorização. Lisboa, 18 de Maio de 1998"

5.– O opoente AA nunca foi sócio ou gerente da sociedade comercial EE, Lda., embora tenha aposto a sua assinatura na livrança que serve de base à execução, na parte destinada à assinatura do subscritor, e também no documento de fls. 74 e 75, no qual a EE, Lda. deu o seu acordo às cláusulas relativas ao contrato de financiamento referido em 3 (três) dos factos provados, bem como na " autorização de preenchimento "de fls. 76, na parte destinada à vinculação da EE, Lda. enquanto subscritora tendo declarado de todas essas vezes que actuava "P’ A Gerência"

6.– Arts. 30º e 31º da oposição à execução, provado apenas que os opoentes são casados entre si.

7.– Arts. 33º a 38º da oposição à execução, provado apenas que o opoente AA detinha uma participação social na sociedade "FF, Lda.", a qual, através de contrato-promessa celebrado em 25/07/2000, foi prometida ceder a GG, que por sua vez prometeu adquiri-la, tendo o contrato definitivo sido formalizado por escritura pública outorgada no dia 27/11/2000, tendo-se o aqui opoente obrigado a renunciar à gerência que vinha desempenhando na sociedade "FF, Lda.”

8.– No requerimento executivo o exequente indicou como sendo a morada da executada/opoente a Rua ..., e a morada do executado/opoente na Av. ....

9. – Só em 24/01/2006 os autos foram pela primeira vez conclusos, tendo o Sr. Magistrado Judicial nessa mesma data proferido o seguinte despacho: "Citem-se os executados – art. 812º, nº 6, do CPC.

10.– Em Junho e Setembro de 2006, veio o Sr. AE informar que se havia frustrado a citação dos executados na morada indicada no requerimento executivo, tendo as cartas sido devolvidas com a informação "mudou-se", e, nessa sequência, foram pedidas as devidas autorizações para aceder às bases de dados disponíveis a fim de apurar novas moradas dos executados, o que foi deferido por despacho proferido em 8/10/2007, notificado ao Sr. AE em 24/10/2007.

11.– Os executados foram citados no dia 08/04/2010, por via postal com aviso de recepção, na Av. ...

12.– Arts. 27º da oposição e e 34º da contestação, provado apenas que o exequente redigiu as cartas de fls. 77 e 78, datadas de 08 de Setembro de 2004, dirigidas aos oponentes, nelas constando, no que diz respeito ao opoente, que a sua morada era na Av. ..., e, em relação à opoente, que a sua morada era na Rua ..., onde informa, além do mais, que havia preenchido a livrança que havia caucionado as responsabilidades assumidas, pelo capital e juros calculados até 30/09/2004, data em que foi fixado o vencimento, tudo no valor de 688.292,29, e que a livrança se encontrava a pagamento até 30/09/2004, e no caso de não ser liquidada iria proceder judicialmente contra eles”

II.B. De Direito

II.B.1. De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação dos recorrentes pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – cf. acórdãos do S.T.J. de 2.12.82, BMJ, n.º 322, p. 315; de 15.3.2005, n.º 04B3876 e de 11.10.2005, n.º 05B179, ambos publicados em www.dgsi.pt, importando ainda decidir, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 608.º, n.º 2, também do CPC.

II.B.2. Suscitam os recorrentes duas questões:

a) Nulidades do acórdão, por não conhecimento do recurso interposto a fls 283 e ss, onde se questionava a admissão do CC, como substituto do primitivo exequente o DD S.A;

b) Entendimento sufragado no acórdão de que a interpelação prévia dos avalistas, como condição do preenchimento da livrança, não é exigida por lei, nem decorre de imposição decorrente do pacto de preenchimento.

Colhidos os vistos, cabe apreciar e decidir.

II.B.3. Quanto à primeira questão é facto que os ora recorrentes interpuseram recurso da decisão de 1.ª instância que admitiu o CC como substituto processual do BANCO DD.

Tal recurso interposto interlocutoriamente foi admitido, nos termos do artigo 644.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.

Tendo os oponentes visto a sua pretensão deferida na 1ª instância, só poderiam, se não houvesse recurso da parte vencida, pugnarem pelo conhecimento desse recurso, nos termos do n.º 4 do artigo citado do CPC.

Não o tendo feito e, tendo o CC apelado da decisão de mérito, poderiam, ainda, os oponentes, recorrerem subordinamente, como forma de se oporem a uma decisão da Relação, sobre o mérito, contrária à da 1.ª instância.

De facto, tendo ficado vencedores na 1.ª instância não poderiam recorrer da decisão de mérito, nem sustentarem o interesse no recurso interlocutório.

A reactivação do seu recurso exigiria uma posição activa dos apelados, recorrendo subordinadamente.

Não o tendo feito, não há outro recurso de que a Relação devesse conhecer, não se verificando as invocadas nulidades.

II.B.4. O aval é uma garantia bancária que, embora com natureza jurídica semelhante à da fiança, não pode confundir-se com esta.

Ao aval somente são aplicáveis os princípios da fiança que não contradigam o seu carácter cambiário.

O aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores – art. 30.º da LULL.

A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la.

O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada – art. 32.º, n.º 1, da LULL.

O que significa, nas palavras de FERRER CORREIA, (Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, p. 215) “antes de tudo, que o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável, e na mesma medida em que ele o seja”.

A responsabilidade do avalista não é, no entanto, subsidiária da do avalizado, posto que não goza aquele do benefício de excussão prévia, antes respondendo solidariamente com os demais subscritores, cf. art.º 47.º, § 1º, da LULL.

Além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista, conforme assinala igualmente FERRER CORREIA, “não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma. Embora dependente da última quanto ao aspecto formal”.

Pois que se mantém, ainda que a obrigação garantida seja “nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”, cf. citado art.º 32.º, § 2.º.

O qual “é… apenas aquele que prejudica a aparência formal do título…tem pois o título que exibir/apresentar uma certa configuração externa, ou seja «determinados requisitos formais indicados na lei para que o seu particular regime jurídico lhe seja aplicável»”(ob. cit. p. 23).

No mesmo sentido vai OLIVEIRA ASCENSÃO, (Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, p. 173) para quem “nem podemos dizer que o aval é uma fiança nem sequer, em rigor, que é uma garantia. No regime legal, funciona como uma obrigação autónoma”.

Tal significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.

Por isso, sendo o aval prestado a favor do subscritor, como é o caso, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-‑se ao avalista, para medir a sua responsabilidade (Ac. STJ de 11.2.03, proc. 02A4555 e Ac. STJ de 11.12.03, proc. 03A3529, ambos em www.dgsi.pt).

É, normalmente, indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança.

Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor.

O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança.

O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.

E o aval, como autêntico acto cambiário origina, como já deixámos dito, uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Porém, no caso vertente, os executados, ora oponentes, foram intervenientes no acordo relativo ao preenchimento da livrança e, por a mesma não ter sido transmitida, podem invocar as excepções pessoais decorrentes da violação do referido pacto.

A divergência entre as decisões refere-se ao entendimento divergente das instâncias sobre se do pacto de preenchimento decorria uma necessidade de interpelação prévia.

Disse-se no acórdão recorrido:

“A sentença recorrida determinou a extinção da execução, por não se ter feito a prova de ter existido a interpelação prévia dos oponentes, enquanto avalistas.

Ora, quanto a esta necessidade de interpelação prévia do avalista como condição de preenchimento da livrança, não se traduz em qualquer exigência legal e nem se demonstra que decorra do pacto de preenchimento.

Não se afigura assim, que estejamos perante uma situação de inexigibilidade da obrigação exequenda, como foi entendido pela 1.ª instância.

O requisito de exigibilidade da obrigação exequenda, prescrito no art. 713.º do CPC, reveste a natureza de um pressuposto processual inerente à chamada exequibilidade intrínseca daquela obrigação e contempla as obrigações sujeitas a condição suspensiva ou as obrigações sinalagmáticas dependentes de uma prestação do credor ou de terceiro, como se alcança do disposto no art. 715.º, n.º 1, do Código. Nem tão pouco a falta de interpelação para efeitos de vencimento da obrigação exequenda se inclui naquela categoria de inexigibilidade, já que fica suprida pela citação do executado, conforme decorre dos arts. 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, al. b), do CPC.

Considerando-se que a obrigação de aval dada à execução se constituiu validamente e que se encontra vencida, não se verifica, manifestamente, qualquer situação de inexigibilidade que releve nos termos dos arts. 713.º e 729.º, al. e), do CPC.”

Este acórdão remete para a jurisprudência deste Tribunal Acórdão de 25.05.2017, processo n.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1 que ora se transcreve parcialmente:

«“A qualidade de mero avalista não legitima a oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo, se não subscreveu o pacto de preenchimento. Isto porque a prestação do aval estará então condicionada ao conhecimento e aceitação pelo avalista do montante a avalizar e data de vencimento.

Não pode, em consequência, excepcionar o preenchimento abusivo, cujo “onus probandi” cabe ao obrigado cambiário (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil) já que integra um facto modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito. (cfr., “inter alia”, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – e, desta Conferência – de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589), salvo se também tiver subscrito o pacto de preenchimento.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.2.2011, Proc. 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, in www.dgsi.pt.

Também neste sentido, que corresponde à jurisprudência prevalente neste Tribunal, decidiu o Acórdão de 23.9.2010 – Proc. 4688-B/2000.L1.S1 – acessível na referida base de dados: “1. Em execução fundada em título de crédito, invocado pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui verdadeira causa de pedir da acção executiva – e mostrando-se respeitados os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo, – não carece o exequente de alegar complementarmente, no requerimento executivo, os factos atinentes à relação causal ou subjacente à emissão daquele título cambiário, sendo, porém, lícito ao executado/embargante opor ao exequente/embargado excepções fundadas nesta relação, desde que nos situemos no plano das relações imediatas.

2. Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de letra subscrita e avalizada em branco, e tendo a avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o sacador, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção”.

Pode, pois, no caso, o avalista opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, não é condição de exequibilidade do título, que antes de o portador do título o completar, informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, onde não foi parte.

Ademais, no caso em apreço, esta pretensão colide, até, com o paradigma da actuação de boa-fé, do ponto em que, não constando do pacto de preenchimento que o tomador teria de informar o garante cambiário da situação de incumprimento do avalizado, o banco credor informou o ora recorrente avalista da falta de pagamento das prestações de juros, nos termos acordados com a exequente, comunicou à sociedade mutuária “CC Lda.” e aos avalistas AA e DD a resolução do contrato e o vencimento imediato da dívida bem como o preenchimento da livrança pelos valores em dívida tudo nos estritos termos do pacto de preenchimento (…).

Fê-lo por cartas datadas de 3 de Abril de 2013 remetidas para “CC Lda.” e AA e DD.

Para além do envio das cartas, provou-se, que a exequente encetou diversos contactos telefónicos com os responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda no sentido de regularizarem a situação de incumprimento, evitando a instauração da presente acção executiva, sem sucesso, pelo que não restou alternativa senão a via judicial.

O banco recorrido diligenciou no sentido de contactar o ora recorrente para o informar do incumprimento, mas não para com ele discutir o incumprimento da relação fundamental: foram vãs essas tentativas.

Não almejando tal comunicação, preencheu o título e deu-o à execução contra o avalista que, tendo dado o seu aval e autorizado que fosse preenchida a livrança em branco em caso de incumprimento, não pode alegar violação das regras da boa-fé, por parte do portador exequente, nem efeito surpresa por só tomar conhecimento da sua responsabilidade aquando da citação para a execução: a sua qualidade de avalista de um título cambiário em branco, pré anunciava a eventualidade, ou o risco, de poder ser demandado como garante, em caso de incumprimento da subscritora avalizada.

Como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.10.2013. Proc. 4720/10.3T2AGD-A.C1 –, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Alves Velho:

“Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada! – arts. 10º e 32º-2 cit. (P. Sendim, “Letra de Câmbio”, II, 149). Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que “co-aceitantes” e, com ele, responsáveis solidários (cfr. Ferrer Correia, ob. cit., 526).”.

O regime é idêntico para o avalista do subscritor, no caso da livrança: a lei cambiária não impõe ao portador que, antes de accionar, dê informação ao avalista acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que ele avalista autorizou.

Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 6.10.2015 – Proc. 990/12.0TBLSA-A.C1 – in www.dgsi.pt – relatado pelo Desembargador Henrique Antunes:

“Com a entrega da letra assinada em branco o subscritor – v.g., o avalista - confere, necessariamente, à pessoa a quem faz a entrega o poder de a preencher e, portanto, o acto de preenchimento tem o mesmo valor que teria se fosse praticado pelo subscritor ou se já tivesse sido praticado no momento da subscrição, e portanto, que aquilo que se escreve na letra em branco considera-se escrito pelo subscritor, sendo, assim, de presumir que o conteúdo da letra representa a vontade daquele, embora esta presunção possa ser ilidida pelo subscritor através da demonstração de que houve abuso no preenchimento. A lei cambiária não impõe, como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste.”

Salvo o devido respeito, não se aplica, in casu, o regime do art. 610º, nº2, b) do Código de Processo Civil, “Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação”, porquanto o avalista, sendo responsável da mesma maneira que o avalizado, não é alvo de quaisquer procedimentos que, em relação àquele não sejam de observar: só assim não seria se, porventura, no pacto de preenchimento, o credor tomador do título, se tivesse obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, mormente do incumprimento, ou se o avalista fosse parte nessa relação contratual; de outro modo, não existiria a igualdade jurídica afirmada no art. 32º da LULL, quanto à solidariedade entre o avalista e o avalizado. A responsabilidade do avalista, em regra, afere-se pela do avalizado.

“A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.2.2013 – Proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1-, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Azevedo Ramos.

A certeza a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva. O regime daquele normativo do Código de Processo Civil é aplicável aos casos de inexigibilidade da obrigação a postular prévia interpelação, que aqui se não exige: são distintos os conceitos de exigibilidade e vencimento.»

No acórdão deste Tribunal supra transcrito de 25.05.2017, o Relator remete para um seu acórdão anterior que cita erradamente quanto à data, onde defendeu posição contrária, por, neste caso, existir uma obrigação expressa do pacto de preenchimento, a impor ao credor a comunicação ao avalista do subscritor ou do sacador, antes do preenchimento do título, que tinha resolvido o contrato.

E é a este acórdão que os recorrentes se arrimam, sendo certo que sem razão, como se verá.

De facto, no referido acórdão (que parcialmente transcrevemos, com sublinhado da nossa responsabilidade), datado de 13/04/2011, proferido no processo n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1) a decisão diversa derivava de o pacto de preenchimento impor ao credor “a prova não só do incumprimento do contrato de financiamento, como também do cumprimento da parte final do estabelecido na Cláusula 16.3, ou seja, que tinha, por escrito, comunicado que as obrigações incumpridas seriam imediatamente exigíveis e só após essa formalidade lhe era lícito considerar exigível a obrigação incumprida prevista no contrato, fosse ela qual fosse”

Não há qualquer similitude entre a referida situação e a destes autos

Não pode inferir-se do facto de o credor ter enviado cartas aos avalistas que tivesse ficado estipulada uma vinculação a um qualquer tipo de interpelação prévia, como decorre, de resto, da argumentação do acórdão de 2017, onde não apenas se entendeu que inexistia por parte do credor qualquer obrigação desse teor como se questionava da compatibilidade de um entendimento nesse sentido com o respeito do princípio da boa-fé citado: “não é condição de exequibilidade do título, que antes de o portador do título o completar, informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular”.

O entendimento subscrito nos acórdãos citados e particularmente o do acórdão de 2017 foi defendido doutrinalmente por PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Revista de Direito Comercial, “Aval em branco“,2018-03-09, p. 419 e respectivamente de rodapé que o cita como exemplo: “… é jurisprudência pacífica que quem deduz a exceção de preenchimento abusivo, normalmente o executado, é que tem o ónus da alegação dos factos em que se apoia e da sua prova. Foi também decidido, com acerto, que ao preencher a letra ou livrança, o portador não tem de informar o obrigado cambiário nem de discutir com ele o preenchimento, se tal não tiver sido convencionado no pacto de preenchimento."

Acontece que os oponentes não provaram que houvesse violação do pacto de preenchimento, prova que lhe competia, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC (jurisprudência uniforme deste Tribunal de que se citam, exemplificativamente, os Acs. de 24 de Maio de 2005, 14 de Dezembro de 2006 ou de 17 de Abril de 2008, procs. n.os 05A1347, 06A2589 e 08A727, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt).

Sem violação do pacto de preenchimento, dado que nada nesse sentido foi alegado e demonstrado pelos recorrentes, não interessa discutir algo mais relativamente ao acórdão recorrido que se apresenta isento de mácula.

III. Termos em que se acorda em negar a revista.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 13 de Novembro de 2018

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[1] N.º 1029
 Relator:    Paulo Sá
 Adjuntos: Garcia Calejo e
                    Roque Nogueira