Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4216/22.0T8VCT.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
JUSTA CAUSA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – Por aplicação analógica do art. 186.º/2 do CSC (analogia legis), a deliberação prevista no art. 242.º/2 do CSC (a deliberação que dá azo à propositura da ação de exclusão com fundamento na cláusula geral de exclusão do art. 242.º/1 do CSC) deve ser tomada no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento por algum dos gerentes dos factos que fundam/permitem a exclusão.

II – Após o que, por analogia iuris, a ação de exclusão de sócio, prevista no art. 242.º/1 do CSC, deve ser proposta no prazo de 90 dias contados da deliberação (que, nos termos do art. 242.º/2 do CSC, determinou que a sociedade devia proceder à propositura de tal ação de exclusão judicial de sócio).

III – Temos pois – quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios – não um, mas dois prazos: um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; e um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da ação de exclusão judicial de sócio, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão.

IV - Prazos esses que, não sendo exercidos tempestivamente, farão o direito de exclusão caducar.

Decisão Texto Integral:

Proc. 4216/22.0T8VCT.. S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

AVIC – Autocarros e Viagens Irmãos Cunha, Ld.ª, identificada nos autos, intentou a presente ação declarativa contra AA, BB e CC, todos com os sinais nos autos, pedindo a exclusão judicial de sócio de cada um dos RR. e invocando, como fundamento, o comportamento gravemente desleal e perturbador do funcionamento da sociedade A. por parte dos RR., seus sócios, comportamento esse causador de instabilidade e de prejuízos para com a sociedade A..

Alegou, em síntese, que a A. é uma sociedade comercial por quotas, que tem como atividade a exploração da agência de viagens AVIC e da ... (...), sendo os RR. seus sócios; tendo sido convocada e realizada AG da A. no dia 21/09/2022, AG em que “foi deliberada a exclusão dos RR.”, bem como a propositura da presente ação judicial, uma vez que os RR., em comunhão de esforços com DD, familiar daqueles e concorrente direto da A., têm agido de forma desleal, de má-fé e contra os interesses da A. e em benefício da concorrência, tendo, com os referidos propósitos, movido contra a A. os processos judiciais n.º 734/18.3... (inquérito judicial), n.º 2212/19.4... (anulação de deliberações sociais) e n.º 2437/20.0... (anulação de deliberações judiciais), o que tem prejudicado a vida da A., por via da instabilidade que lhe traz e das despesas em que permanentemente tem de incorrer para impedir os intentos dos RR..

Os RR. contestaram, invocando, no que aqui (para a revista) interessa, estar a A. a exercer o pretenso direito exclusivo fora de prazo – os factos que constituem a causa de pedir eram conhecidos à data de 31/05/2022 pela sociedade e pelos sócios, nada sendo alegado que traduza que, após aquela data, hajam sido praticados atos por qualquer um dos RR. – uma vez que a ação “apenas” deu entrada em juízo em 20/12/2022, razão pela qual, segundo os RR., o pretenso direito da A. se encontra prescrito, exceção que pedem seja considerada verificada, com a consequente absolvição do pedido.

Foi exercido o contraditório, na audiência prévia, pugnando a A. pela improcedência de tal exceção, defendendo que os RR. agem de forma reiterada, continuada e permanente e, por outro lado, que deve ter-se em conta o prazo ordinário de prescrição de 20 anos do art. 309.º do CC ou, no mínimo, deve atender-se ao prazo de 5 anos previsto no art.º 174.º do CSC..

Entendendo-se que os autos permitiam conhecer de imediato tal exceção perentória, proferiu-se saneador-sentença com o seguinte dispositivo:

“julga-se procedente a invocada exceção perentória, declarando-se prescrito o direito da Autora a requerer a exclusão dos Réus de sócios, pelo que se absolvem estes últimos do respetivo pedido”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça (cfr. art. 678.º do CPC), visando a revogação do saneador- sentença recorrido e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a invocada exceção da prescrição e que, em consequência, determine o prosseguimento dos autos.

Terminou a A. a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

1.O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal “o quo”, a qual foi inteiramente desfavorável à Recorrente por ter julgado procedente a invocada exceção peremptória de prescrição, absolvendo os Recorridos com custas pela Recorrente, com a qual a Recorrente não se conforma, tanto mais que, a mesma padece de nulidade por omissão, erro de julgamento e decidiu em violação da lei.

2. O Tribunal “a quo” errou pois que os fundamentos da ação não ocorreram há mais de 90 dias, e, aliás, os mesmos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje.

3.A deliberação e a interposição da ação de exclusão judicial de sócio tinham que ser consideradas tempestivas e não verificada a exceção de prescrição.

4.O Tribunal “a quo” devia ter ordenado o prosseguimento da ação, para a produção da prova testemunhal e uma vez produzida a prova, então, poderia o Tribunal melhor aquilatar e decidir.

5.Na douta sentença recorrida o Tribunal “a quo” estribou-se em factos e em interpretações erradas dos mesmos.

6.O legislador o que pretendeu com a possibilidade da exclusão judicial de sócio, é proteger a empresa e protegê-la de sócios que lhe querem mal, que a querem prejudicar e ela e aos demais sócios e gerentes.

7. Na douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo” começa por aflorar o problema da caducidade vs prescrição, acontece que, o Tribunal “a quo” depois acabou por não apreciar e não decidir a questão da caducidade vs prescrição, incorrendo aqui, a douta sentença recorrida em erro de julgamento e/ou em nulidade por omissão de pronúncia.

8.A entender-se, como deveria ter entendido, o Tribunal “a quo” de que estamos perante uma situação que nos reconduz ao instituto da caducidade e não da prescrição (até por força do disposto no artigo 298º, nº 2 do Código Civil e 242º do Código das Sociedades Comerciais), tudo o mais que foi considerado e decidido pelo Tribunal “a quo” está, consequentemente, errado.

9. Na sentença recorrida o Tribunal “a quo” diz que estamos perante um caso omisso e diz que o prazo de 20 anos é incompatível, mas na verdade, sobre isso não fundamenta, nem em boa verdade decide, não explica, não responde. Incorre, logo, por aqui a douta sentença recorrida em nulidade por omissão de pronúncia e em erro de julgamento.

10. O art. 242º, do CSC, na verdade, não prevê em especial qualquer prazo.

11.Não se pode concluir que o legislador ao não prever um prazo especial para se intentar a ação de exclusão judicial de sócio, não o fez porque se esqueceu. Presume-se que o legislador soube legislar. Se o disse noutras situações no mesmo Código (e é um Código e não legislação avulsa) e não o diz no artigo 242º do CSC é porque efetivamente não pretendeu criar um prazo específico e especial para o efeito e pretendeu que se aplique o prazo geral ordinário.

12.Além de que se estivéssemos perante o dito vazio legislativo, e, em face da importância da matéria em causa, certamente que o legislador nas alterações legislativas tinha corrigido, mas, o que é certo é que nunca o fez, pela simples razão de que não tinha de o fazer pois, está bem legislado.

13.Existem múltiplos entendimentos jurisprudenciais e doutrinais a desconsiderar a aplicação analógica dos regimes mencionados na sentença recorrida, estabelecendo, em alternativa, o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º, do CC (por exclusão), ou o prazo de 5 anos previsto no art. 174º, n.º 1, do CSC .

14. Não há, no caso, nenhuma situação de vazio normativo que careça de ser preenchida por analogia e a douta sentença recorrida, ao enveredar pela aplicação analógica violou o artigo 10º do CC e 242º do CSC.

15.A douta sentença recorrida não explica, não fundamenta, porque é concluiu pela via da prescrição e da analogia, tal como não explica, não fundamenta, porque é que aplica 90 dias a contar do conhecimento mesmo quando estamos perante um comportamento continuado, permanente, nem, porque é conta o prazo a partir da deliberação em que o sócio tem conhecimento e muito menos porque é conta até à data da citação.

16. O entendimento seguido pela douta sentença recorrida não tem qualquer tradução, correspondência, com o elemento literal da norma, nem na sua interpretação sistemática, histórica e teleológica.

17. Do artigo 242º do CSC não resulta que o prazo para intentar ação de exclusão se conta do conhecimento dos factos pelo sócio, mas quanto muito, da deliberação de proposição da ação de exclusão.

18. Os “timings” societários de conhecimento dos factos, de formalização de convocatórias, de quóruns deliberativos, etc, não são compatíveis com a tese seguida na douta sentença recorrida.

19. Com a tese da sentença recorrida, correm-se sérios riscos de afunilar de tal forma o regime, que, na prática deixa de ser viável a propositura de ações de exclusão de sócio, pois que na prática fica impossível cumprir o prazo de deliberar a proposição da ação e também a interposição da mesma (a vingar a tese da sentença recorrida).

20. A preocupação do legislador ao prever para um número reduzido situações a possibilidade de excluir um sócio, não foi seguramente a de permitir que um sócio contrário aos interesses da sociedade se possa manter na sociedade, por questões formais e de um prazo que o legislador, na verdade, não previu.

21.O legislador o que pretendeu com a possibilidade da exclusão judicial de sócio, foi proteger a empresa e protegê-la de sócios que lhe querem mal, que a querem prejudicar e ela e aos demais sócios e gerentes. Não foi seguramente a de branquear e perpetuar uma situação lesiva dos interesses da empresa e dos sócios, com base num aspeto formalístico e muito menos, com alegadas “analogias” que de analogia têm pouco ou nada e que têm como consequência pôr em risco a empresa, o seu fim e o seu bom funcionamento.

22.Ainda hoje, continua o relacionamento entes os Recorridos e o dito concorrente e os comportamentos dos Réus de repetidamente serem vistos com o dito concorrente, o qual tem apoiado e/ou financia as inúmeras diatribes dos Recorridos contra a Recorrente – seja no dia a dia da empresa, seja nas AG, seja por via de informações que tentam obter e passar para o concorrente, etc., portanto, há no caso, um comportamento dos Recorridos gravemente desleal, permanente e continuado contra a Recorrente com o intuito de a prejudicar e têm-na prejudicado e destabilizado.

23.Também por aqui erra a douta sentença recorrida pois que os fundamentos da ação e da deliberação não ocorreram há mais de 90 dias, e, os mesmos persistem, são permanentes e continuados.

24. Não tem nenhuma adesão à realidade normativa a tese seguida na sentença recorrida, quanto o Tribunal “a quo” resolveu considerar a data da citação em vez da data de entrada da ação, é, que o legislador em lado algum refere a data da citação e o que diz é apenas com a propositura da ação. A propositura da ação ocorre com a mera entrada em juízo da ação.

25. A considerar-se que há omissão do prazo de prescrição da ação de exclusão judicial de sócio prevista no art. 242º, do CSC (o que não se concede pelos motivos já expostos), qual o regime ( se é que há algum) que será aplicável ao caso? E, a verdade é que nenhum dos regimes acima identificados (incluindo o seguido pelo Tribunal “a quo” traduz-se num direito próprio da sociedade a ser exercido exclusivamente pela via judicial).

26.Em causa está a exclusão de um sócio devido a um “comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade” que “tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”. O legislador abarca situações que vão além daquilo que era possível prever na legislação e nos estatutos da sociedade, estabelecendo, desta forma, um nível adicional de proteção extra, e para segurança de ambas as partes, é fiscalizado por uma entidade judicial que apreciará, de forma imparcial, a concreta conduta dos sócios no sentido que deverá ser atribuído.

27.Não está em causa um direito que a sociedade pode exercer livremente, mediante deliberação sobre a atuação dos seus sócios, mas apenas, a intervenção do Tribunal para o apuramento da verdade material subjacente aos comportamentos dos seus sócios que extravasam aquilo que podia ficar previamente estabelecido na lei ou nos estatutos.

28.Aplicar o prazo de 90 dias a contar da deliberação para propor a ação de exclusão judicial de sócio ou do conhecimento, não se coaduna com ‘espírito do sistema’, porquanto debruçamo-nos, neste âmbito, sobre um prazo judicial.

29.Quanto ao prazo para propor a ação de exclusão judicial de sócio, deve atender-se, pelos motivos supra exposto ao prazo ordinário de 20 anos e, na pior das hipóteses, o prazo de 5 anos (previsto no art. 174º, do CSC) a contar da deliberação sobre a propositura da respetiva ação.

30.E, ainda por causa da questão da aplicação analógica, importa considerar que a ação de exclusão judicial do sócio tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral.

31.Tendo em conta que só a sociedade pode, após a deliberação dos sócios, exercer o direito de propor a exclusão judicial de um sócio, tal indica que o direito à exclusão de um sócio pertence somente à sociedade e não aos sócios, não podendo os direitos destes últimos confundirem-se com os da primeira. Assim, o conhecimento anterior pelos sócios de factos que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida ação. Logo, não se pode aplicar, por analogia, a um direito da sociedade, um prazo de prescrição que está associado a um direito individual dos sócios.

32.Neste sentido, seguimos o entendimento do citado Ac. do STJ, de 07-10-2003

33.Mesmo, na hipótese académica de que o prazo a adotar é de 90 dias, o que pelos motivos expostos não acolhe o nosso entendimento, a tese que sustenta a desconsideração da deliberação sobre a propositura da ação de exclusão para efeitos do prazo de prescrição anula a intenção formulada pelo legislador de salvaguardar o direito do sócio a participar, por outras vias que não o voto, na tomada de deliberações.

34.Uma vez que a deliberação para a exclusão deve verificar-se sempre, servindo, enquanto requisito fundamental para a promoção da ação de exclusão judicial de sócio, como mecanismo que impede a aplicação arbitrária deste instituto, a sua completa omissão não se compactua com os preceitos normativos que comandam o regime geral da prescrição. Não se pode, nestes termos, ceder à tese que promove a desconsideração da deliberação na contagem do prazo de prescrição da ação de exclusão judicial de sócio.

35.Estando o direito de promover a ação de exclusão do sócio dependente da deliberação dos sócios, o prazo da prescrição ( a existir e a ser aplicável ao caso) só pode começar a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do art. 306º, n.º 1, do CC.

36.A jurisprudência considera, ainda, outra solução para o mesmo problema similar aos dos autos, como se vê no Ac. do Tribunal da Relação de Évora, relatado pelo desembargador EE, proferido no Processo nº 2992/11.5..., em 18 de Outubro de 2012 (disponível em http://www.dgsi.pt/), no seu sumário: “I- nas sociedades por quotas o prazo para o exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio é de 90 dias a contar do conhecimento dos factos pelos sócios ou do termo da cessão da conduta infractora”.

37.Nos casos de exclusão judicial, o fundamento prende-se com a adoção de comportamentos nefastos para com a sociedade por parte do sócio, sendo que o critério de avaliação desse comportamento, nos termos do n.º 1 do art. 242º, do CSC, traduz-se numa conduta “desleal ou gravemente perturbadora do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.

38.Os comportamentos, concretamente identificados e descritos no doc. n.º 1 junto aos autos com a Petição Inicial, mantiveram-se durante um longo período de tempo, promovendo, de forma constante e significativa, um ambiente de profunda instabilidade e o incorrimento em despesas necessárias para impedir as indevidas pretensões dos réus.

39.A invocada da exceção perentória não deve proceder, porquanto o direito da sociedade foi exercido atempadamente, mesmo nos termos do regime geral da prescrição, previsto nos artigos 300º e seguintes do C. Civil. Além de que, os comportamentos, invocados na Petição Inicial e descritos no doc. n.º 1 junto aos autos, mantiveram-se e perpetuam-se ao longo do tempo, promovendo, além do mais, de forma constante e significativa, um ambiente de profunda instabilidade e o incorrimento em despesas necessárias para impedir as indevidas pretensões dos réus.

40.Quando foi interposta a presente ação (no dia 20-12-2022) ainda não havia decorrido o prazo de 20 anos e, de qualquer modo, a ação, atento o supra exposto, sempre foi intentada dentro do prazo de 90 dias.

41.Nestes termos, a exceção perentória invocada deveria ter sido julgada improcedente, com as legais consequências pelo que, com a devida vénia, é nosso entendimento que a douta sentença recorrida incorreu em vicio de fundamentação, em omissão de pronúncia e decidiu fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito e dos factos

Finalmente,

42.O presente recurso deve ser admitido, ao abrigo do artigo 678º do CPC como se tratasse de recurso de Revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, pois que, a decisão recorrida enquadra-se no artigo 644º, nº1 do CPC; o valor da causa é superior à alçada da Relação, não há recurso de qualquer despacho interlocutório e o recurso versa apenas sobre matéria de direito, o que se requer

43.E, caso, o recurso não venha a ser admitido como requerido, então, sempre deve o mesmo baixar à Relação a fim de aí ser apreciado e decidido como de Apelação (artigo 678º, nº 4 do CPC)

(…)”

Os RR. responderam, sustentando que o saneador-sentença recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

Os RR. AA e BB

“(…)

1. As presentes alegações de resposta reportam-se ao recurso per saltum interposto pela Recorrente da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente o pedido de exclusão judicial de sócios apresentado pela Autora e procedente a exceção invocada pelos Réus e, consequentemente, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados na ação.

2. A douta Sentença não só não comporta qualquer vício como não merece qualquer reparo ou juízo de censura, porquanto apreciou a matéria de facto provada em conformidade com a lei, numa correta interpretação do Direito aplicável.

3. Não tem, por isso, e por tudo quanto se expôs nestas alegações, qualquer fundamento o recurso ora interposto.

4. A Recorrente conforma-se com os factos dados como provados na Sentença e, ainda que insista no pretenso carácter continuado do alegado comportamento dos sócios ora Réus, hipoteticamente fundante da decisão de exclusão judicial de sócios, a verdade é que o mesmo não ficou, de forma alguma, provado e a matéria provada não foi impugnada em sede de recurso.

5. Como não resultou provado o alegado comportamento dos sócios, que a Autora alegou ter prejudicado a vida da empresa, por via da instabilidade que lhe trouxe e das despesas em que permanentemente teve de incorrer para impedir os intentos dos mesmos.

6. Assentes que estão tais factos, a apreciação de Direito feita pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo.

7. Antes disso, no entanto, cumpre igualmente esclarecer que a Sentença não enferma de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal recorrido não deixou de se pronunciar sobre todas as questões que estava obrigado a conhecer e apreciar.

8. A questão da caducidade, em particular, que a Recorrente alega ter a Sentença omitido, não está abrangida pelo dever de pronúncia que impendia sobre o Tribunal a quo, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

9. E é assim, desde logo, porque não foi suscitada qualquer exceção de caducidade, mas de prescrição, e, por outro lado, porque o prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio é efetivamente de prescrição e não de caducidade, pelo que esta questão não carecia de ser conhecida e apreciada pelo Tribunal, mesmo que oficiosamente.

10. A questão efetivamente suscitada pelas partes (in casu, pelos Réus), a título de exceção perentória, foi a prescrição, sobre a qual a Sentença discorre desenvolvida e fundamentadamente, não se vislumbrando também, nesta parte, qualquer vício por falta de fundamentação, nem qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

11. De todo o modo, verifica-se até que a questão da caducidade foi também ponderada pelo Tribunal a quo.

12. Decidiu, bem o Tribunal a quo que, atendendo aos factos provados, se encontrava e encontra prescrito o alegado direito de exclusão judicial de sócios, previsto no artigo 242.º do CSC, não existindo qualquer erro de julgamento de Direito ou vício de violação de lei.

13. E isto porque o direito de exclusão judicial de sócios, ainda que o artigo 242.º do CSC não preveja o prazo prescricional aplicável, é um direito que se encontra, pela sua natureza, na livre disponibilidade da sociedade e, por isso, sujeito a prescrição extintiva, nos termos do artigo 298.º do Código Civil.

14. Assente a prescritibilidade do direito, apreciou e decidiu o Tribunal recorrido quanto ao prazo prescricional a aplicar. A este respeito, e desde logo, decidiu bem o Tribunal a quo rejeitar liminarmente a aplicação do prazo ordinário de prescrição, previsto no artigo 309.º do Código Civil, porquanto incompatível com as exigências de celeridade próprias e conhecidas do direito comercial.

15. Além disso, não parece aceitável que, durante 20 anos, qualquer sócio possa ter sobre si a ameaça da sua hipotética exclusão, ainda que o seu comportamento, fundante dessa exclusão, tenha já cessado há muitos anos.

16. Mais a mais, a vida societária e os interesses do direito e das relações comerciais não se compadecem com estas incertezas.

17. Além de que se em causa está, como tem de estar, um comportamento desta natureza e teor, e visando esta norma a proteção da integridade da sociedade, não é concebível, nem mesmo credível, que a mesma sociedade, a partir do momento em que conhece os factos, continue passivamente a permitir a presença do sócio na vida societária, e possa vir a tolerar uma situação dessas (grave e causadora ou suscetível de causar prejuízos, reitera-se) durante anos!

18. Motivo pelo qual, é de rejeitar liminarmente a aplicação ao direito previsto no artigo 242.º do CSC o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (art. 309.º, do Código Civil).

19. Aliás, o mencionado prazo, assim como o prazo de 5 anos previsto no artigo 174.º do CSC que a Recorrente sugere aplicar, são insustentáveis e incoerentes face às soluções legal e expressamente previstas no CSC para casos análogos, pelo que devem ambos ser rejeitados.

20. O entendimento jurisprudencial e os segmentos doutrinais que a Recorrente invoca, por defenderem a aplicação ou do prazo ordinário prescrito no art. 309.º do CC ou do prazo de 5 anos previsto no art. 174.º, n.º 1, do CSC, em detrimento do recurso à analogia, nem são bastantes, nem, salvo o devido de respeito, devem ser seguidos.

21. Desde logo, o acórdão que sozinho alicerça toda a argumentação da Recorrente data de 2003, não se podendo ignorar a multiplicidade de acórdãos proferidos nos últimos 20 anos em sentido totalmente oposto, sufragando, tal como a Sentença, a aplicação analógica do disposto nos artigos 186.º, n.º 2 e 254.º, n.º 6 do CSC e revelando à saciedade que aquela decisão de 2003 não firmou jurisprudência e que, pelo contrário, se estabeleceu uma sólida opinião doutrina e jurisprudencial em sentido oposto.

22. Constituindo a situação do exercício do direito de exclusão judicial do sócio da sociedade por quotas, na parte relativa ao prazo prescricional, um caso omisso, há que recorrer, como recorreu a Sentença e como defende FF, à analogia, desde logo por exigências de igualdade.

23. De facto, existindo, como existem, casos análogos ao artigo 242.º do CSC, não se admite, como defende a Recorrente, valorar o silêncio do legislador num sentido que ignore o contexto sistemático, teleológico e actualista da norma em causa e despreze a exigência de igualdade que funda o recurso à analogia, retirando da não previsão de um prazo prescricional na norma do art. 242.º do CSC a aplicação sem mais dos prazos gerais ordinários, previstos quer no Código Civil quer no CSC.

24. Perante a existência de casos análogos, nos termos melhor definidos por GG, e não sendo conveniente, como não é, a aplicação dos referidos prazos gerais, cabia ao Tribunal a quo recorrer, como recorreu, à analogia.

25. Assim como resulta praticamente una você da jurisprudência dos tribunais superiores, deve ser feita a aplicação analógica dos artigos 186.º, n.º 2 do CSC e 254.º, n.º 6 do CSC ao artigo 242.º do CSC, quanto ao prazo prescricional.

26. A norma ínsita no art. 254.º do CSC, relativa aos gerentes das sociedades por quotas, prevê um prazo prescricional de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade (n.º 6), findo o qual se encontra prescrito o direito da sociedade de destituir o gerente com justa causa e de pedir a indemnização pelos prejuízos que em razão da atuação daquele a sociedade sofra.

27. A norma do artigo 186.º do CSC, no seu número 2, prevê igual e expressamente, quanto às sociedades em nome coletivo, que o direito de exclusão de sócio prescreve nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão.

28. Tanto nas normas dos artigos 186.º e 254.º do CSC, como na norma do artigo 242.º do CSC, está em causa o direito próprio da sociedade de excluir/destituir um sócio/gerente com justa causa, isto é, um comportamento de um sócio/gerente grave e censurável, atentatório dos interesses da sociedade e suscetível de lhe causar prejuízo, e o direito da sociedade a, com esse fundamento, excluí-lo.

29. De facto, está em causa, nos vários casos, tanto quanto ao artigo 241.º, n.º 2 do CSC, que remete para a norma do artigo 234.º do CSC, como quanto ao art. 254.º, n.º 6 do CSC e ao art. 186.º, n.º 2 do CSC, um enquadramento e um conflito de interesses muito semelhante, que justifica por inteiro, desde logo por exigências de coerência normativa e justiça relativa, a mesma solução legal por parte do legislador.

30. Na base de todos eles, e como seu pressuposto, estará, desde logo, a exclusão do sócio ou gerente em razão do seu comportamento grave e violador dos interesses da sociedade, que com isso é (ou fica suscetível de ser) prejudicada. Particularmente análogo se revela o caso previsto no art. 254.º do CSC, que, tal como no caso sub judice a Recorrente alega ter ocorrido, se reporta à atuação do gerente em benefício direto de um concorrente.

31. É certamente com base neste pensamento que a jurisprudência tem sido praticamente unânime, no sentido de aplicar analogicamente o regime dos artigos 186.º, n.º 2 e 254.º, n.º 6 do CSC e de entender ser de 90 dias o prazo para a sociedade proceder à exclusão judicial de sócio a contar do conhecimento dos factos pela sociedade.

32. Como melhor se descreve no corpo destas alegações, consideram alguns tribunais que a prescrição ocorre quando a deliberação de intentar a ação de exclusão judicial de sócio não é adotada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento pela sociedade do facto que motiva a exclusão e a ação judicial não é intentada no mesmo prazo, a contar da adoção da deliberação, e outros que a prescrição ocorre quando a ação de exclusão judicial de sócio não é intentada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento pela sociedade do facto que motiva a exclusão.

33. Seja qual for a via seguida, no concreto caso, sempre o direito da Recorrente se encontra prescrito.

34. E isto porque a deliberação para exclusão judicial do sócio foi adotada fora do prazo de 90 dias a contar do conhecimento pelos sócios dos factos que servem de fundamento à exclusão (que eram conhecidos da Autora desde pelo menos 15 de Março de 2018, cfr. arts. 57.º a 62.º da Contestação). Consequentemente, também a ação foi intentada 90 dias após o conhecimento dos factos que alegadamente motivam a exclusão no caso sub judice.

35. E também porque a citação dos Recorridos para a ação foi feita mais de 90 dias após a aprovação da deliberação para exclusão judicial dos mesmos.

36. Aplicando as regras gerais da prescrição e, em concreto, o art. 323.º, n.º 2 do Código Civil, em decorrência da aplicação analógica das referidas normas, a prescrição deste direito só seria interrompida 1) com a citação dos Réus, ou, se a citação não ocorrer em momento anterior (como não ocorreu) por causa não imputável à Recorrente, 2) com o decurso do prazo dos cinco dias contados da data da interposição da ação (ou seja, na data de 25 de Dezembro de 2022), altura em que o direito já se encontrava prescrito, porquanto ultrapassados os 90 dias contados da data da deliberação (21 de Setembro de 2022), terminados no dia 21 de Dezembro de 2022.

37. Motivos pelos quais se encontra, por uma e outra via, irremediavelmente prescrito o direito de exclusão judicial de sócios, nos termos, aliás, decididos pela Sentença.

38. Face a todo o exposto, decidiu bem o Tribunal a quo, devendo o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada a douta Sentença recorrida.

(…)”

O R. CC:

“(…)

I.A sentença recorrida fez a correta interpretação do direito, não merecendo qualquer censura, ao contrário, deve ser mantida.

II. A Ré fundamenta que existiu na sentença que pretende revogada, errada apreciação da matéria de facto, no sentido que, segundo expõe, o “Tribunal “a quo” errou, pois, os fundamentos ocorreram há mais de 90 dias, e, aliás, os mesmos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje (conclusão 2).

III. Ou seja, pretende o recorrente que seja reapreciada a matéria de facto, o que veda o recurso per saltum, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 artigo 678º do CPC.

IV. Na petição inicial a Autora não alegou o que em sede de recurso vem alegar, pois não articulou quaisquer factos ou até conclusões no sentido que os mesmos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje.

V. Entre nós vigora o princípio da estabilidade da instância – cfr artigo 260º do CPC -sendo que, após a citação do Réu, a mesma deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

VI. Não tendo os RR. feito qualquer confissão nesta (e noutras) matéria, aliás, totalmente impugnada por eles, deve considerar-se não escrita ou rejeitada a possibilidade do conhecimento da alegação destempada que a conduta dos Réus / Recorridos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje.

VII. Não houve omissão de pronúncia, pois o Tribunal pronunciou-se expressamente pela ocorrência no caso da prescrição.

VIII. A jurisprudência dos últimos 20 anos vem decidindo exatamente no sentido da sentença recorrida, tendo reposto a jurisprudência do Ac. do STJ 11.11.1997, para a qual a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos (artº 309º do Cod. Civil), deve ter-se como liminarmente rejeitada, por ser de todo incompatível com as exigências de celeridade que são próprias do direito comercial, sendo de 90 dias o prazo entre a data do conhecimento dos factos e da deliberação da exclusão e o mesmo prazo entre esta e data da (presumida) citação para ação de exclusão – cfr entre outros o Ac. TRG de 25/05/2016, processo n.º 3160/13.7TBBRG.G1, o Ac. TRC de de 12/07/2022, processo n.º 2999/21.4T8CBR-A.C1, o Ac. TRP de 14/12/2022, processo n.º 5367/20.1T8VNG-A.P1 e quanto à doutrina no mesmo sentido, segue CAROLINA CUNHA, Código das Sociedades Comerciais em Comentário. (coord. Jorge M. Coutinho de Abreu), Vol. III, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2016, p. 579 e s.

XIX. Resulta da matéria provada que a) entre a data documentalmente provada por ata do conhecimento dos factos pela A. (31 de maio de 2022) até à data da deliberação de exclusão (21 de setembro de 2022) decorreram mais de 90 dias, exatamente 113 dias; b) Entre a data deliberação de exclusão (21 de setembro de 2022) e a data de 25/12/2022 em que se considera efetuada a interrupção da prescrição da ação entrada em juízo em 20/12/2022 decorreram mais de 90 dias, mais exatamente 95 dias.

XX. Ou seja, o alegado direito dos encontra-se precludido pelas duas vias, quer pelo esgotamento do prazo entre a data do conhecimento dos factos e da deliberação da exclusão, quer pelo esgotamento do prazo entre a data da citação e da presumida interrupção da prescrição. (…)”

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação

II – A – Elementos factuais relevantes

a) A Autora é, desde 21.04.2017 uma sociedade comercial por quotas, da qual são sócios, além de outros, os Réus com as seguintes participações: CC detém € 10,00, o que corresponde a 0,002% do capital; BB detém € 15.000,00, o que corresponde a 3,01% do capital; AA detém € 1.975,00, o que corresponde a 0,4% do capital.---

b) Nos termos da Ata da Assembleia Geral de sócios da Autora realizada aos 31.05.2022, na qual estiveram presentes ou representados os sócios detentores de 82,975% do capital social, ficou expresso:---

«Tomou novamente a palavra o Presidente da Mesa da Assembleia Geral para instar o sócio e também gerente HH a fazer uma apreciação, a título meramente informativo, sobre as ações judiciais instauradas contra a empresa nos últimos anos.---

Tomou então a palavra o sócio e gerente HH para informar os sócios que entre 2018 e 2020 foram movidos contra a empresa os seguintes processos judiciais, esclarecendo que foram todos julgados a favor da AVIC:---*734/18.3... – inquérito judicial--*2212/19.4... – anulação de deliberações sociais---*2437/20.0... – anulação de deliberações judiciais---

Foi então interrompido pelo sócio II para pedir à gerência mais esclarecimentos sobre o tema dessas ações e a pessoa ou pessoais que as instauraram.---

Em resposta a essa interpelação, e continuando com a informação que vinha prestando, o sócio HH esclareceu que nessas ações judiciais, muito embora, formalmente, o autor seja sempre o mesmo sócio CC que detém uma quota de 10 € (dez euros) que corresponde a 0,002% do capital. Sendo que essa quota de 10 € lhe adveio, não por compra, mas por doação da sua Mãe, percebe-se que os seus dois irmãos – AA e BB fazem parte de uma estratégia de atuação conjunta, em que, um deles figura como Autor (e não figuram os três como Autores) para que os outros dois sejam “testemunhas”, mas na verdade, fazem os três parte de um todo e de uma atuação conjunta, circunstâncias que os Juízos disso já se têm apercebidos nos diversos julgamentos havidos.---

Também nos julgamentos tem-se percebido a lealdade e ligação com grande proximidade da Mãe (ex-sócia) e dos seus três filhos para com DD, que detém empresas concorrentes da AVIC – a saber agência de viagens A.... e a ....---

Aliás, percebe-se que os ditos três irmãos sócios andam sempre e repetidamente, sob o falso pretexto de um pretenso direito à informação, a tentar obter informações e documentação que uma vez nas suas mãos, rapidamente podem chegar às mãos do referido concorrente.---

Sendo de todos sabida e conhecida a fixação que esse concorrente tem com a empresa AVIC.---

No processo de inquérito judicial já referido, o Tribunal percebeu a relação dos referidos três sócios entre eles e com o dito concorrente e reconheceu à gerência o direito de não responder a determinadas questões e pedidos de informação, por causa do risco de essas informações/documentos, uma vez na posse de tais sócios poderem ir parar às mãos do referido concorrente.---

O sócio II tomou novamente a palavra para exortar a empresa a tomar todas as cautelas adequadas a prevenir os riscos derivados dos factos acabados de enunciar.---

Pediu a palavra o sócio BB para questionar o sócio HH a fim de esclarecer se a informação que prestou foi em seu nome pessoal, da empresa ou da gerência, uma vez que as mesmas contêm declarações que considera insultuosas e nas quais não se revê, respondendo o sócio HH que tinha agido em nome da gerência».---

c) Nos termos da Ata da Assembleia Geral de sócios da Autora realizada aos 21.09.2022, foram votadas e aprovadas, com votos representativos de 82,97% das participações/capital social, as deliberações de exclusão dos sócios ora Réus, bem como a propositura da competente ação judicial.---

d) Em cumprimento das deliberações em sujeito, veio a Autora intentar a presente ação para exclusão judicial dos sócios AA, BB e CC, tendo a petição inicial dado entrada aos 20.12.2022 e tendo aqueles sido citados, respetivamente, aos 04.01.2023, 03.02.2023 e 07.03.2023.---

*

II – B - De Direito

Tratam os autos da exclusão de sócios duma sociedade por quotas, mais concretamente, sobre a exclusão dos RR. de sócios da A..

Exclusão de sócio que é um direito atribuído por lei ou pelo estatuto à própria sociedade, direito que, quanto às sociedades por quotas, está previsto nos artigos 204.º, 212.º/1, 214.º/6, 241.º e 242.º do CSC, ou seja, além de causas específicas de exclusão do sócio, em que a exclusão ocorre por deliberação da sociedade (cfr. art. 241.º e 246.º/1/c) do CSC), a lei prevê, no art. 242.º do CSC, uma cláusula geral de exclusão, em que a exclusão do sócio ocorre por decisão judicial.

É justamente este último o caso dos autos: não se invoca pois, como fundamento para a exclusão dos RR., factos que se encontrem especificados em disposições legais ou no contrato de sociedade (causas legais ou causas estatutárias de exclusão de sócios), mas “apenas” a causa legal genérica de exclusão de sócio contida (como cláusula geral) no art. 242.º/1, segundo a qual: “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.

Temos pois, de acordo com tal art. 242.º/1 do CSC, que, para o sócio ser excluído, têm que ficar demonstrados comportamentos dos sócios que sejam qualificados ou como desleiais ou como gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade; e, além disso, têm tais comportamentos dos sócios que ter causado ou possam vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.

Exclusão esta que, embora efetuada por via judicial (e não por deliberação dos sócios, como sucede, de acordo com o já referido art. 246.º/1/c) do CSC, em relação às causas legais ou causas estatutárias), não prescinde de ser previamente decidida pelo órgão deliberativo interno, ou seja, de prévia deliberação tomada pela sociedade (como resulta expressamente do art. 242.º/2 e se extrai do art. 246.º/1/g) do CSC); deliberação essa que tem por objeto a proposição da ação e em que “não basta alegar, como fundamento da deliberação, de modo genérico, comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, devendo ser especificados os factos que podem receber tal qualificação, (…) [sendo] que tais factos limitam a causa de pedir da ação de exclusão, pois o representante da sociedade deve propor a ação com os fundamentos da deliberação e não outros, sobre os quais não tenha recaído a apreciação dos sócios”1.

Sendo exatamente aqui – quer na tempestividade de tal deliberação do órgão deliberativo interno sobre a propositura da ação de exclusão judicial quer na tempestividade da subsequente propositura da ação de exclusão social – que se situa o objeto da revista.

Efetivamente, a sentença recorrida considerou que o exercício pela sociedade do direito de exclusão de sócio está sujeito a um prazo prescricional de 90 dias, “a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, (…) sendo que ocorrerá a prescrição do direito à exclusão do sócio se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento pelos sócios do facto que serve de fundamento à exclusão e se, após a deliberação, a ação não for intentada no prazo de 90 dias”; pelo que, ainda segundo a sentença recorrida, “quando ocorreu a deliberação de 21.09.2022, o direito da A. já se encontrava prescrito (…) [e] entre a data da deliberação (21.09.2022) e o decurso do prazo de cinco dias contados da data de interposição da ação (20.12.2022) com pedido de citação dos Réus (25.12.2022) já havia igualmente decorrido mais de 90 dias”, tendo a sentença recorrida, em conclusão, julgado procedente a invocada exceção perentória da prescrição, declarando prescrito o direito da A. a requerer a exclusão dos RR. de sócios (e absolvendo estes últimos do pedido), visando-se assim, com a presente revista, a reversão de tal decisão, ou seja, que não seja declarada a extinção do direito de exclusão dos RR. por tal direito ter sido exercido fora de prazo.

Enfim, encurtando razões, está em causa – é o cerne da questão de direito a que cumpre dar resposta na presente revista – o prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios.

E coloca-se tal questão por, como é evidente, a lei (designadamente, no art. 242.º do CSC) não aludir a qualquer prazo, por a lei nada dizer quanto ao prazo de que a sociedade por quotas dispõe para exercer o direito de excluir o sócio.

O que, só por si, não permite dizer, automaticamente, que se está perante uma lacuna: nem todas as omissões de regulamentação legal significam verdadeiras lacunas, porém, no caso, estamos mesmo perante uma omissão que constitui uma patente lacuna jurídica, na medida em que a questão da existência de um prazo para exercer o direito de excluir o sócio é algo que é exigido pela ordem jurídica.

A lei – atenta a teleologia e coerência do complexo normativo – não pode deixar de conter um prazo para uma sociedade por quotas exercer o direito de excluir um seu sócio; aliás, a lei contém um tal prazo em relação ao caso paralelo da exclusão do sócio nas sociedades em nome coletivo (cfr. art. 186.º/2 do CSC) e a ordem jurídica, salvo quanto aos direitos indisponíveis e aos direitos declarados imprescritíveis, estabelece, “como regra”, que todos os direitos devem ser exercidos dentro de certo prazo (cfr. art. 298.º do C. Civil) e não que os mesmos possam ser exercidos sem qualquer limite temporal.

Temos pois como indiscutível que estamos perante uma patente lacuna legal.

E dizer isto também significa dizer, ao contrário do que a A. sustenta na sua conclusão 11, que o legislador não pretendeu – não teve como vontade legislativa – que ao caso fosse aplicado o prazo geral ordinário de 20 anos (do art. 309.º do C. Civil)2.

É sabido que o direito comercial, como direito privado especial, é fragmentário e que está aberto ao recurso direto ao direito privado comum na disciplina das relações comerciais, dentro da ideia de que o direito civil é direito subsidiário em relação ao direito comercial (cfr. arts. 2.º do CSC e 3.º do C. Comercial), o que significa que, por vezes, é precisamente no direito civil que se encontra regulado determinado aspeto de uma relação jurídica comercial (pelo que nem se tratará de preencher uma lacuna por intervenção duma norma de direito civil, mas sim de este regular diretamente o ponto em questão), todavia, não é isto que no caso se verifica.

Estamos aqui claramente perante um caso omisso, a ser suprido por analogia: estamos perante a falta de uma disposição que regule especialmente o caso, sendo que a deficiência/incompletude terá que ser suprida mediante outra norma tirada por analogia.

Efetivamente, nos termos do art. 10.º/1 do C. Civil o julgador deverá aplicar (por analogia) aos casos omissos as normas que diretamente contemplam casos análogos e só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o art. 10.º/3 do mesmo C. Civil; sendo que dois casos se dizem análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo ou semelhante, de modo a que o critério valorativo adotado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (art. 10.º/2 do C. Civil).

“(…) A analogia consiste na aplicação dum princípio jurídico que a lei põe para certo facto a outro facto não regulado, mas semelhante, sob o aspeto jurídico, ao primeiro.

Perante casos de que o legislador não cogitou, o intérprete busca regulá-los no sentido em que o legislador os teria decidido se neles tivesse pensado. E como procurando bem no sistema se podem descobrir casos análogos já regulados, extrai-se por um processo de abstração a disciplina jurídica que vale para esses, alargando-se até compreender os casos não previstos mas cuja essência jurídica é a mesma.

O procedimento por analogia radica no conceito de que factos de igual natureza devem ter igual regulamentação, e se um de tais factos encontra já no sistema a sua disciplina, esta forma o tipo do qual se deve inferir a disciplina jurídica geral que há de governar os casos afins. (…)

A analogia é, pois, uma aplicação correspondente dum princípio ou dum complexo de princípios a casos juridicamente semelhantes.

Base da analogia pode ser: ou uma só disposição (analogia legis) ou um complexo de princípios jurídicos, a síntese deles, e mesmo o espírito de todo o sistema (analogia iuris).

A primeira forma é a mais fácil. Decide-se um caso não regulado, segundo a norma que preside a um caso afim já decidido (…). Trata-se de uma aplicação por semelhança.

Outras vezes não aparece disposição para um caso afim, e então é preciso reconstituir a norma pela combinação de vários casos regulados, que se mostram aplicações dum princípio geral não expresso. (…)”3

Enfim, a questão de direito a que cumpre dar resposta na presente revista passa pelo recurso à analogia, passa por encontrar a norma existente no sistema que regule um caso semelhante/paralelo/análogo e/ou passa, na falta de caso análogo, pela elaboração de uma norma “ad hoc” dentro do espírito do sistema.

E no caso – se é certo que não há que esgotar previamente as possibilidades de analogia dentro do direito das sociedades comerciais e só depois recorrer à analogia dentro do direito civil – é no CSC que encontramos normas que regulam hipóteses afins do caso omisso em apreço, ou seja, normas que visam compor interesses que de perto se assemelham aos que estão em jogo no caso sub-judice.

É o caso da hipótese regulada na já referido norma do art. 186.º/2 do CSC, em que, a propósito da exclusão de sócio nas sociedades em nome coletivo, se estabelece que a exclusão deve ser deliberada “nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão”.

Estamos em ambos os casos – na hipótese prevista em tal art. 186.º/2 do CSC e no nosso caso, previsto no art. 242.º do CSC – perante a exclusão de sócios, perante o exercício do direito potestativo extintivo do qual é titular a sociedade, exercício que supõe um ato de livre vontade – vontade formada no seio do órgão deliberativo interno que é a coletividade de sócios e expressa através de uma deliberação (cfr. art. 246.º/1/c) – que, só por si, nuns casos, ou integrado por uma decisão judicial, noutros casos, produz um efeito jurídico (a perda de qualidade de sócio, ou seja, a extinção da relação jurídica que permanentemente liga o sócio à sociedade) que inelutavelmente se impõe ao sujeito passivo, isto é, ao sócio excluído.

Sendo que em ambos os casos – como nos outros casos de exclusão de sócios previstos no CSC, como são os casos dos arts. 186.º/3 e 241.º – o reconhecimento do direito potestativo de exclusão do sócio exprime, verificando-se os casos previstos na lei e/ou no contrato, a prevalência atribuída (no conflito de interesses que opõe o interesse do sócio em permanecer na sociedade ao interesse da sociedade em afastar o sócio) ao interesse da sociedade em detrimento do interesse do sócio.

Prevalência essa, do interesse da sociedade, que encontra a sua justificação material – comum a todas as hipóteses que determinam a constituição de um direito de exclusão dum sócio – na ocorrência de factos, relativos à pessoa do sócio (ao seu comportamento ou à situação em que se encontra), que tornam inexigível à sociedade que continue a suportar o sócio no seu seio.

Efetivamente, sem prejuízo de nas sociedades por quotas, denotando o peso da sua vertente capitalística, ser decisiva a avaliação da prejudicialidade que o comportamento do sócio acarreta para a sociedade, somos sempre e identicamente colocados (nas hipóteses dos arts. 186.º/2 e 3, 241.º e 242.º) perante condutas dos sócios – condutas passíveis de um juízo de desvalor, quer por violarem princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade – que tornam inexigível que a sociedade continue a suportar a permanência do sócio no seu seio.

Como refere Coutinho de Almeida (Curso de Direito Comercial, Vol. II, pág. 428), “em geral – descontando um ou outro caso, menos exigente, estabelecido no estatuto social – os factos que possibilitam a exclusão circunscrevem-se a um fundamento: ao comportamento ou à situação pessoal do sócio que impossibilite ou dificulte a prossecução do fim social, tornando por isso inexigível que o ou os restantes sócios suportem a permanência daquele na sociedade”.

E terá sido por isto – por estarem em causa comportamentos que perturbam a vida e convivência societárias, por estarem em causa comportamentos que geram situações de incerteza e que o decurso do tempo só faz agravar – que o legislador estabeleceu, no referido art. 186.º/2 do CSC, um curto prazo de 90 dias para a sociedade manifestar a sua vontade de exercer o direito potestativo de exclusão.

O que – não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar – é um “princípio” que está bem patente noutras hipóteses em que identicamente estão em causa comportamentos que de algum modo podem colocar em crise o funcionamento da sociedade e a prossecução do fim social, hipóteses para as quais o legislador fixa o prazo de 90 dias para sociedade “manifestar a sua vontade”: como é o caso do art. 234.º/2 do CSC em que, a propósito da amortização da quota na sociedade por quotas, se diz que a deliberação de amortização “deve ser tomada no prazo de 90 dias contados do conhecimento por algum gerente da sociedade do facto que permite a amortização”; e como é o caso do art. 254.º/5 do CSC em que, a propósito da destituição do gerente por exercício de atividade concorrente com a sociedade, se diz que o direito à destituição por parte da sociedade prescreve “no prazo de 90 dias a contar do conhecimento da atividade exercida pelo gerente (…)”.

Hipóteses estas a cuja aplicação analógica a nossa jurisprudência tem recorrido, fixando, quer por aplicação analógica do art. 254.º/6 do CSC (prazo para a destituição de gerente com justa causa)4, quer por aplicação analógica dos arts. 241.º/2 e 234.º/2 do CSC (regime da exclusão baseada em fundamento contratualmente especificado)5, um prazo de 90 dias, a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes, para a sociedade adotar a deliberação que dá azo à propositura da ação de exclusão com fundamento na cláusula geral de exclusão do art. 242.º do CSC (o caso/hipótese sub-judice).

Concorda-se com a conclusão – com a fixação do prazo de 90 dias para a adoção da deliberação – mas, sem prejuízo do referido princípio (não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar) estar também presente nos referidos arts. 254.º/6, 241.º/2 e 243.º/2, entendemos que a “melhor” proporção, paralelismo, semelhança e analogia é encontrada, para o caso sub-judice, no art. 186.º/2 do CSC6.

Sendo convocável para aplicação analógica preceito que também diz respeito, como é o nosso caso, ao mesmo conflito de interesses (de exclusão de sócio por parte da sociedade), afigura-se-nos menos adequado apelar à aplicação analógica de uma disposição (como é o caso do art. 254.º/6 do CSC) que diz respeito a um diferente conflito de interesses (de destituição dum gerente pela sociedade).

O mesmo, reconhece-se, não pode ser dito do art. 241.º/2 do CSC que diz que “quando houver lugar à exclusão por força do contrato, são aplicáveis os preceitos relativos à amortização de quotas”, sendo depois aqui, no preceito respeitante à amortização da quota (art. 234.º/2 do CSC, em que se diz que a deliberação de amortização “deve ser tomada no prazo de 90 dias contados do conhecimento de algum gerente da sociedade do facto que permite a amortização”), que se vai obter o prazo de 90 dias para a adoção da deliberação por parte da sociedade.

Sucede – é o aspeto que nos leva a inclinar para a “melhor” analogia, para o caso sub-judice, estar no art. 186.º/2 do CSC – que a remissão do art. 241.º/2 para o regime da amortização de quotas se destina a operar na fase seguinte à tomada da deliberação de exclusão pela coletividade de sócios (apenas a partir desse instante o regime próprio da exclusão estatutária é insuficiente: a eficácia da deliberação de exclusão tem como consequência a perda da qualidade de sócio, pois ao excluído é retirada a titularidade da participação social, o que origina a questão de saber qual será o destino da quota, questão em que a “resposta” está na remissão para o art. 241.º/2 do CSC), pelo que aplicar o prazo de amortização de 90 dias previsto no art. 234.º/2 do CSC à exclusão de sócio prevista no art. 241.º configura já uma aplicação analógica e não algo que esteja verdadeiramente contido na remissão do art. 241.º/2 do CSC (para além de tal remissão não incluir a hipótese de exclusão de sócio por facto especificado em disposição legal).

Seja como for, não pode deixar de concordar-se, existe algum paralelismo e semelhança com a hipótese e o prazo de 90 dias estabelecido para a deliberação de amortização da quota, não sendo despiciendo salientar – atestando tal paralelismo e semelhança – que a amortização compulsiva e com fundamento estatutário relativo à pessoa ou a comportamento do sócio se identifica com a exclusão de sócio com fundamento estatutário e este (o fundamento estatutário) até pode ser um dos comportamentos desleais ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade que preenchem a cláusula geral de exclusão prevista no art. 242.º do CSC, pelo que, é onde se pretende chegar, por uma questão de igualdade, de harmonia, de coerência normativa e de justiça relativa, tem o mesmo prazo – de 90 dias, a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes, para a sociedade adotar a deliberação que desencadeia a exclusão de sócio – que ser aplicável a todas as referidas situações (sob pena de, sendo outro o entendimento, termos diferentes prazos para um mesmo, em termos factuais, comportamento do sócio).

Concluindo pois neste ponto, temos como seguro, por aplicação analógica do art. 186.º/2 do CSC (analogia legis), que a deliberação prevista no art. 242.º/2 do CSC (a deliberação que desencadeia a exclusão de sócio, a deliberação que dá azo à propositura da ação de exclusão com fundamento na cláusula geral de exclusão do art. 242.º/1 do CSC) deve ser tomada no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento por algum dos gerentes dos factos que fundam/permitem a exclusão.

Mas, aqui chegados, efetuada tal analogia legis, ainda não temos, como é evidente, uma resposta completa para a questão de direito a que cumpre dar solução na presente revista.

Como é sabido e já foi referido, além da exclusão do sócio por deliberação da sociedade, o CSC prevê e regula a exclusão do sócio por decisão judicial:

- no caso das sociedades por quotas, a exclusão efetua-se por deliberação dos sócios quando é causada por factos que se encontram especificados ou em disposições legais ou no contrato de sociedade (art. 241.º do CSC); e efetua-se por via judicial quando a causa da exclusão está apenas genericamente formulada na lei (art. 242.º/1 do C. Civil);

- no caso das sociedades em nome coletivo, tipo a que pertence o preceito (art. 186.º/2) aplicado analogicamente, as coisas não se passam exatamente do mesmo modo, sendo que apenas na hipótese prevista no art. 168.º/3 (em que se diz que “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles, com fundamento nalgum dos factos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, só pode ser decretada pelo tribunal”) se exige o recurso à via judicial.

Significa isto que o exercício do direito de exclusão do sócio previsto no art. 168.º/2 do CSC se basta, no caso de sociedade ter mais de dois sócios, com a vontade formada no seio do órgão deliberativo interno que é a coletividade de sócios, vontade essa expressa através de uma deliberação (cfr. art. 246.º/1/c), não necessitando, para produzir efeitos jurídicos, de ser integrada por uma decisão judicial; e que, ao invés, o exercício do direito de exclusão do sócio previsto no art. 242.º do CSC só produz efeitos se a vontade formada no seio do órgão deliberativo interno vier a ser integrada por uma decisão judicial, isto é, se for proposta uma ação de exclusão pela sociedade contra o sócio a excluir, dependendo a propositura da ação – di-lo expressamente o art. 242.º/2 do CSC – de deliberação, com esse objeto, previamente tomada pela sociedade.

Sucedendo que é apenas em relação a esta deliberação – que, no caso do art. 168.º/2 do CSC, produz todo o efeito jurídico pretendido (a exclusão do sócio) – que se verifica e é convocável e aplicável, em pura lógica, a analogia legis referida.

A partir daqui não encontramos no sistema uma norma/prazo aplicável a um caso análogo: até encontramos um caso análogo no art. 257.º/3 do CSC – o caso do sócio com direito especial à gerência, em que, após uma prévia deliberação da sociedade, tem que ser proposta a ação de destituição – mas também neste caso se omite o prazo aplicável (ou, porventura mais exatamente, os prazos aplicáveis).

Há pois, nos termos do art. 10.º/3 do C. Civil, “dentro do espírito do sistema”, que elaborar a norma ad hoc aplicável, ou seja, a regra geral e abstrata que contemple o tipo de casos em que se integra o caso omisso.

Como refere Manuel de Andrade7, “(…) embora o direito positivo não apresente disposição especial para certa matéria ou caso, há nele, porém, capacidade e força latente para a elaborar, e contém os germes de uma série indeterminada de normas não expressas, mas ínsitas e vigentes no sistema. Com efeito, se duma só disposição ou dum grupo de normas se deduz um princípio jurídico mais amplo, é de concluir, na dúvida, que, visto ter aplicado semelhante princípio no caso particular, a ordem jurídica o aprova na sua generalidade, e portanto todas as consequências que do princípio derivam.

Não se encontrando, como é o caso, uma disposição aplicável a um caso afim, a norma a constituir tem que se inspirar do que se extrai dos vários casos regulados, tem que corresponder à aplicação dum princípio geral não expresso.

E, claramente, podemos afirmar que perpassa por todo o “espírito do sistema” e por todos os casos regulados uma “aversão” em relação ao protelamento de situações de incerteza: as tomadas de posição da sociedade e dos sócios– a vontade de amortizar, de se exonerar, de excluir e de destituir – têm que ser tomadas rapidamente, num prazo repetidamente fixado em 90 dias (cfr. 184.º/5, 185.º/3, 186.º/2, 234.º/2, 240.º/3 e 254.º/6, todos do CSC).

O que impõe a fixação de um curto lapso de tempo entre a deliberação prévia prevista no art. 242.º/2 do CSC e a propositura da ação deliberada; e afasta de todo, a nosso ver, que a sociedade, manifestada a vontade de excluir o sócio (no já referido prazo de 90 dias), não tenha prazo e, mais do que isso, não tenha que ter, repete-se, um prazo limitado para intentar a exclusão judicial.

Só assim, aliás, se conferindo sentido útil ao direito de exoneração conferido pelo art 240.º/1/b) e 3 do CSC, segundo o qual, havendo justa causa de exclusão de um sócio, outro sócio pode, caso a sociedade não promova a respetiva exclusão social, pedir a sua exoneração de sócio nos 90 dias seguintes à não promoção da exclusão social (do sócio em relação ao qual havia justa causa de exclusão).

Ademais, importa ter presente, como já se referiu, que a deliberação prévia prevista no art. 242.º/2 do CSC (a deliberação que tem por objeto a proposição da ação) não pode ser uma deliberação em que, de modo genérico, se imputa ao sócio a excluir um “comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade”, devendo antes ser especificados, em tal deliberação, os concretos factos que podem merecer tal qualificação (e os concretos factos que hão de ser especificados na deliberação limitam a causa de pedir da ação de exclusão, tendo esta que ser proposta com base nos fundamentos da deliberação e não noutros, sobre os quais não recaiu sequer a apreciação dos sócios), o que significa, é onde se pretende chegar, que a fixação de um prazo limitado para intentar a exclusão judicial não colocará sequer especiais dificuldades à sociedade (uma vez que o objeto da ação já está ponderado/delimitado na deliberação prévia).

De tal modo é assim que não repugnaria ficar pela analogia legis supra referida, ou seja, considerar-se que a sociedade tem 90 dias, a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão e para, nos mesmos 90 dias (a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes), intentar a subsequente ação judicial8, ou seja, no mesmo e único prazo de 90 dias, teria a sociedade que acomodar as duas tomadas de posição: a deliberação e a propositura da ação.

Há, porém, que reconhecer que não é a mesma coisa: para a ação de exclusão poder ser proposta dentro de tal único prazo de 90 dias, terá a prévia tomada de posição da sociedade no sentido da exclusão que ser tomada em menos de 90 dias e, então, não se estará a respeitar a aplicação analógica do art. 186.º/2 do CSC, que permite que a tomada de posição da sociedade no sentido da exclusão se estenda até ao nonagésimo dia.

Enfim, a especialidade da hipótese sub-judice (exigindo o exercício do direito de exclusão do sócio previsto no art. 242.º do CSC, para além de uma tomada de posição da sociedade no sentido da exclusão, a propositura de uma ação de exclusão pela sociedade contra o sócio a excluir), em relação à hipótese do art. 186.º/2 do CSC9, impõe – não se encontrando no sistema, a propósito da subsequente proposição da ação exclusão, uma norma/prazo aplicável a um caso análogo – que, nos termos do art. 10.º/3 do C. Civil, “dentro do espírito do sistema”, se extrai/elabora a seguinte norma ad hoc aplicável (por analogia iuris): a exclusão judicial de sócio prevista no art. 242.º/1 do CSC deve ser proposta no prazo de 90 dias contados da deliberação que, nos termos do art. 242.º/2 do CSC, determinou que a sociedade devia proceder à propositura de tal ação de exclusão judicial de sócio.

Temos pois – quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios – não um, mas dois prazos: um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; e um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da ação de exclusão judicial de sócio, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão10.

Prazos estes que, não sendo exercidos tempestivamente, farão o direito de exclusão caducar, ou seja, o direito de exclusão de sócio, ultrapassados tais prazos, não se extingue por prescrição (no que, com todo o respeito, discordamos da generalidade da jurisprudência das Relações e deste Supremo) mas sim por caducidade.

Como acima já referimos, estão em causa, na exclusão de sócio (quer do art. 242.º, quer do art. 241.º, quer do art. 186.º/2 e 3), comportamentos que perturbam a vida e convivência societárias, comportamentos que geram situações de incerteza, que, segundo o legislador, não se podem protelar no tempo, sendo justamente este o fundamento do instituto da caducidade.

Como referia o Prof. Manuel de Andrade11, “(…) o fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes”; enquanto “o fundamento específico do instituto prescricional (…) é a inércia do respetivo titular, que ou significa renúncia ao seu direito ou de qualquer maneira o torna indigno de proteção jurídica”.

É certo que hoje não se pode invocar, como critério distintivo, que a prescrição extintiva é própria dos direitos subjetivos e que a caducidade é caraterística dos direitos potestativos (como é o caso do direito de exclusão de sócio) e a partir daí afirmar que, sendo assim, estamos perante prazos de caducidade, porém, o critério trazido pelo art. 298.º/2 do C. Civil – segundo o qual “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” – aponta no caso no sentido referido12, ou seja, de estarmos perante prazos da caducidade (estabelecidos, já de vê, em matéria não excluída da disponibilidade das partes).

Aqui chegados, aplicando tal direito – os prazos de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios com fundamento no art. 242.º/1 do CSC – ao alegado pela A., impõe-se considerar que a A. deixou extinguir, pelo seu não exercício tempestivo, o invocado/pretenso direito de excluir os três RR. de sócios.

Propôs, é certo, a presente ação de exclusão judicial de sócio no prazo de 90 dias a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão, porém, antes disso, não adotou tal deliberação (a que alude o art. 242.º/2 do CSC) no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes.

Tendo a deliberação sido adotada em 21/09/2022, o prazo limite para a propositura da presente ação era o dia em que a mesma foi interposta (20/12/2022), razão pela qual o segundo prazo, acima referido, não foi excedido; efetivamente, ao contrário do que sucede com a prescrição – que, via de regra, apenas com a citação se interrompe (sem prejuízo da ficção legal constante do art. 323.º/2 do C. Civil) – impede a caducidade a prática do ato (art. 331.º do C. Civil), ou seja, a propositura da presente ação, em 20/12/2022, impediu a verificação da caducidade em relação ao segundo prazo, de 90 dias, acima referido.

Outro tanto, porém, não se verificou em relação ao primeiro prazo, de 90 dias, acima referido; pelo seguinte:

O que se alega na presente ação é uma reposição do que a A. alegou (e revelou conhecer) nos articulados do Inquérito Judicial 743/18 e das ações de anulação de deliberação social 2.212/19 e 2.437/20, sendo que foi dada notícia, pelo gerente HH, de tais processos na AG de 31/05/2022 (ponto c) dos factos provados).

Aliás, muito sintomaticamente, a nosso ver, a A. não situa no tempo os comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade imputados aos RR.: a PI não tem sequer uma única data, como se o tempo em que os factos ocorreram seja uma alegação irrelevante e dispensável.

E como, sem uma única data, nada há que revele a “novidade” de tais comportamentos (em relação ao alegado nos articulados do Inquérito Judicial 743/18 e das ações de anulação de deliberação social 2.212/19 e 2.437/20), vem agora a A. dizer que tais comportamentos “persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje”, mas, claro, isto – independentemente da sua relevância para a questão da tempestividade em apreciação – era para ser dito e constar da própria PI (concretizando-se quais eram os concretos comportamentos que persistiam até à data da deliberação).

Há pois que considerar que, face ao alegado na PI, os comportamentos dos RR. foram do conhecimento de um gerente da A. desde, pelo menos, 31/05/2022, o que significa que a A./sociedade podia adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão até ao dia 29/08/2022, razão pela qual tal deliberação, tendo sido adotada apenas em 21/09/2022, não respeitou o primeiro prazo, de 90 dias, referido.

O que leva a considerar, como já se antecipou, que a A. deixou extinguir, pelo seu não exercício tempestivo, o invocado/pretenso direito de excluir os três RR. de sócios.

Em vez de ser por prescrição – como foi invocado pelos RR. e determinado na sentença recorrida – a extinção do invocado/pretenso direito de excluir os três RR. ocorreu por caducidade, sendo que nenhum obstáculo processual existe para operar a convolação jurídica (de prescrição para caducidade).

Não são, quer a prescrição, quer a caducidade (no caso), de conhecimento oficioso, isto é, têm que ser invocadas por aquele a quem aproveita, mas o que tem que ser invocado – e foi invocado pelos RR. (quer o decurso do primeiro prazo, quer o decurso do segundo prazo, cfr., v. g., art. 45.º da contestação) – é a extinção, por exercício fora de prazo, do invocado/pretenso direito de excluir os três RR., podendo o tribunal “requalificar” juridicamente (cfr. art. 5.º/3 do CPC) o que foi invocado, em termos de exceção perentória, pela parte.

Aliás, é isto mesmo (a possibilidade de requalificação jurídica do que foi, em termos de exceção perentória, invocado) que acaba por ser reconhecido pela A. na sua conclusão 7.ª, quando invoca a nulidade por omissão de pronúncia, por “o Tribunal “a quo” começar por aflorar o problema da caducidade vs prescrição e depois acaba por não apreciar e não decidir a questão da caducidade vs prescrição”.

Nulidade essa que, porém, como as demais invocadas, não se verifica.

Efetivamente:

Segundo a alínea b) do art. 615.º/1 do CPC, constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente, ou seja, a menor densidade fundamentadora da sentença, a propósito do afastamento do prazo geral de 20 anos, não configura de modo algum a invocada nulidade de sentença.

Segundo a alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC, ou seja, ficam excluídas as questões cuja decisão ficou prejudicada, como, de acordo com a sentença, passava/ou a ser a questão da caducidade (se na sentença se considerou que o prazo era prescricional, passava/ou a ficar prejudicada a apreciação da questão da caducidade).

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Em conclusão final, a revista tem que ser negada: os RR. foram bem absolvidos do pedido por o invocado/pretenso direito de excluir os três RR. ter sido exercido fora de prazo pela A., o que, porém, aconteceu por se verificar a exceção perentória de caducidade (e não, como se sentenciou, a exceção perentória de prescrição).

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III - Decisão

Nos termos expostos, nega-se a revista.

Custas da presente Revista pela A./recorrente.

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Lisboa, 16/01/2024

António Barateiro Martins (Relator)

Maria Olinda Garcia

Luís Espírito Santo

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1. Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. II, pág. 62.↩︎

2. Não podemos pois concordar com o que se decidiu no Ac. do STJ de 07/10/2003 (revista n.º 323/03), citado/invocado pela recorrente.↩︎

3. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 158/9.↩︎

4. Cfr., v. g., Ac. STJ de 11-11-1997, in CJ, 1997, Tomo III, pág. 126.↩︎

5. Cfr., v. g., Ac. Rel. Coimbra de 12/07/2022, disponível in ITIJ.↩︎

6. O que também significa dizer que nenhuma proporção, paralelismo e semelhança existe com as situações previstas no art. 174.º do CSC, em que estão em causa hipóteses bem diversas, como, designadamente, as obrigações de entrada ou de prestações suplementares, a responsabilidade perante a sociedade, a responsabilidade dos transmitentes de quotas ou ações e as obrigações emergentes de atos praticados em nome da sociedade irregular por falta de forma ou registo.↩︎

7. Local citado, pág. 157.↩︎

8. Como foi decidido, v. g, no Ac. deste STJ de 10/10/2002, no Ac. da Rel. de Guimarães de 25/05/2016, no Ac. da Rel. Évora de 18/10/2012 e no Ac. da Rel. do Porto de 14/12/2022, disponíveis in ITIJ.↩︎

9. Assim como em relação à hipótese do art. 241.º/2 e 234.º/2.↩︎

10. Como, aliás, tem também sido entendido jurisprudencialmente: cfr. Ac. Relação de Coimbra de 03/05/2016 e Ac. Relação do Porto de 13/07/2021, ambos disponíveis in ITIJ.↩︎

11. Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 464.↩︎

12. No sentido de se tratar de prazo caducidade o prazo “afim” do art. 234.º/2 do CSC, Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. I, 1987, pág. 704/5 e António Soares, O novo regime da amortização de quotas, pág. 89, a propósito do caso, próximo, do prazo de amortização da quota do art. 234.º/2 do CSC.↩︎