Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
738/03.0TBSTR.E1.S3
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
BOA -FÉ
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Data do Acordão: 10/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º, p. 153, 160, 352 e ss.;
- FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 570;
- FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 96 e ss.;
- JOÃO AVEIRO PEREIRA, O ónus de concluir nas alegações de recursos em processo civil, O Direito, 2009, II, p. 316-317;
- MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, colaboração de Antunes Varela, ed. revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, 1ª ed.: 1956, p. 376;
- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Os princípios estruturantes na nova legislação processual civil, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 65-66.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.ºS 1, 2 E 3, 640.º, N.ºS 1 E 2 E 671.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 1006/12.2.TBPRD.P1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-09-2016, PROCESSO N.º 6617/07-5TBCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 1577/14, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2019, PROCESSO N.º 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
- DE 11-07-2019, PROCESSO N.º 334/16.2T8CMN-G-G1.S1.
Sumário :
I. Quando as Conclusões inscritas nas Alegações de Recurso (art. 639º, 1, CPC) apresentam irregularidades manifestas e censuráveis de acordo com o ónus processual da conclusão recursiva – nomeadamente, deficiência, obscuridade, complexidade e falta das especificações legais necessárias tendo em conta o exigido nos arts. 639º, 2, e 640º, 1 e 2, CPC –, o CPC, de acordo com o n.º 3 do art. 639º, oferece ao Relator do processo em sede de recurso o poder-dever de convidar o recorrente a sanar e/ou a corrigir as irregularidades detectadas e susceptíveis de afectarem a função delimitadora e identificadora das Conclusões.

II. Os Recorrentes, não se tendo determinado pelo que lhes é exigido no despacho de aperfeiçoamento, colocam-se na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso na parte afectada (logo, total ou parcialmente) pelo vício identificado, pois essa é a sanção cominada pelo art. 639º, 3, do CPC para a não apresentação tempestiva das novas Conclusões, reservando-se ulteriormente um juízo definitivo de ponderação ao tribunal.  

III. A cominação gravosa do art. 639º, 3 (não conhecimento do objecto do recurso) será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem um juízo de especial censura à parte inadimplente de acordo com os princípios processuais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessas hipóteses de actuação intolerável em face da expressão desses princípios encontraremos situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.

IV. Esse juízo implica, por um lado, a apreciação do conteúdo das Conclusões não obstante o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do convite ao aperfeiçoamento e, por outro, comporta saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva (apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida).

V. Se esta apreciação formal, concreta e referida aos princípios processuais aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, funcionará o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei, também plasmado no art. 639º, 3, do CPC

VI. Resultando o despacho de convite ao aperfeiçoamento do cumprimento de injunção do STJ ao Relator do processo de recurso de apelação na Relação, depois de os Recorrentes terem pugnando por evitar o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões com a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, incidia sobre as partes recorrentes uma diligência particularmente qualificada no cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento à luz da cooperação (e, complementarmente, da boa fé) processual e da auto-responsabilidade dos Recorrentes no processo. Não só no conteúdo da peça – no que toca, maxime, ao ponto decisivo da capacidade de síntese nas Conclusões a reformular –, mas também no preenchimento formalmente rigoroso do art. 639º, 3, do CPC, desde logo do seu prazo resolutivo. Neste se demonstraria o cumprimento minimamente diligente da resposta de aperfeiçoamento das Conclusões no âmbito do procedimento impugnatório.

VII. Quando as partes recorrentes apresentam nesse circunstancialismo processual a peça de aperfeiçoamento fora do prazo peremptório imposto pelo art. 639º, 3 CPC, não se comportam processualmente com esse mínimo de diligência e essa extemporaneidade por omissão justifica, numa situação extrema de aplicação da sanção do art. 639º, 3, CPC, a preclusão do conhecimento do mérito do recurso.

VIII. É admissível revista do acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento na intempestividade do cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento para apresentação de novas conclusões, previsto e cominado no art. 639º, 3, do CPC com a rejeição do recurso, uma vez configurar-se decisão final da Relação que põe «termo ao processo» por razões de natureza adjectiva (art. 671º, 1, CPC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

6.ª Secção


I. RELATÓRIO

1. Fazendo uso de acção declarativa, sob a forma de processo sumário, AA e marido, BB, intentando contra CC, DD e EE e mulher, FF, e tendo por base a qualidade dos Autores como arrendatários de imóvel-fracção autónoma, sito em ..., e a qualidade dos Réus como comproprietários do imóvel-prédio urbano onde se integra a fracção arrendada, vieram, litigando sobre o exercício de direito de preferência na venda desse imóvel e da celebração entre eles de contrato-promessa de compra e venda (com entrega de quantia a título de sinal) para exercício dessa preferência, pedir a declaração, com base na execução específica, do direito da Autora à propriedade do imóvel-prédio urbano e a condenação solidária dos Réus no pagamento de uma indemnização por danos morais e patrimoniais de valor a liquidar em execução de sentença.

2. Na contestação, os Réus invocaram a excepção de caso julgado e impugnaram os factos alegados pelos Autores. Concluíram pedindo a  procedência das excepções invocadas e, subsidiariamente, a improcedência da acção com a consequente absolvição dos pedidos, para além da condenação da Autora como litigante de má-fé. A Autora replicou pedindo a improcedência das excepções e a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo como na petição inicial.

3. Uma vez julgada improcedente a excepção de caso julgado arguida pelos Réus por decisão do STJ, instância que a julgou a final (depois da decisão de 1ª instância em julgá-la procedente e consequente absolvição da instância), foi elaborado despacho saneador, com matéria assente e base instrutória, tendo sido objecto de reclamação, parcialmente atendida, e realizada a audiência de julgamento.

4. Foi proferida sentença de 1.ª instância que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos, assim como julgou improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé e, em consequência, absolveu-a de tal pedido.

5. Vieram os Autores interpor recurso de apelação, sustentando vício na valoração da prova feita pelo tribunal a quo e pedindo a declaração, com base na execução específica, do seu direito à propriedade do prédio urbano identificado. Nas contra-alegações vieram os réus afirmar que o recurso da autora deve ser julgado deserto, por falta de apresentação, juntamente com o requerimento de recurso, das respectivas alegações e conclusões. Os Autores apresentaram primeiro o requerimento de interposição de recurso (que faz fls. 841) e posteriormente apresentaram as suas alegações de recurso e respectivas conclusões, acompanhadas de novo requerimento de interposição de recurso (que fazem fls. 856-876).

Depois de dar cumprimento ao art. 655º, 2, CPC, o Senhor Juiz Relator da Relação de Évora, em despacho singular, decidiu não conhecer do objecto do recurso de apelação, por falta de apresentação das alegações e conclusões com o requerimento de interposição e, após reclamação para a conferência da decisão do Senhor Juiz Desembargador Relator, foi confirmado o despacho de rejeição do recurso em acórdão da Relação de Évora proferido em 9/2/2017 [doravante: Acórdão RE I].

6. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista para o STJ e este, através de acórdão prolatado em 5/9/2017, revogou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos à Relação para que se conhecesse do recurso de apelação, ressalvando a existência de “outro motivo ainda não apreciado” que motivasse a rejeição desse conhecimento. No respectivo Sumário consta que, “[t]endo os recorrentes apresentado dentro do prazo legal um requerimento em que pedem a admissão do recurso, mas sem que hajam sido juntas as alegações, pode o recurso ser rejeitado” (ponto II.); “[p]orém, se os recorrentes, ainda dentro do prazo legal para interposição, apresentarem segundo requerimento de interposição, desta vez acompanhado pelas respetivas alegações, deve este segundo requerimento ser admitido, não havendo qualquer regime de preclusão decorrente da apresentação do referido primeiro e irregular requerimento” (ponto III.).

7. Em cumprimento do aludido acórdão do STJ, baixados os autos, foi determinado pelo Senhor Juiz Relator o cumprimento do disposto no art. 655º, 1, do CPC, uma vez que as alegações de recurso não continham conclusões (pois estas eram uma mera transcrição ipsis verbis do conteúdo das alegações), sendo as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o (eventual) não conhecimento do objecto do recurso.

8. Na sequência, a Relação de Évora proferiu novo acórdão, em 22/3/2018 [doravante: Ac. RE II], no qual não se conheceu do objecto do recurso pelo facto de os Autores não terem formulado conclusões de recurso, de acordo com o exigido pelos arts. 641º, 2, b), e 639º, 1, do CPC.

9. Inconformado, o Ministério Público, através da Senhora Procuradora-Geral Adjunta, interpôs recurso para o STJ (nos termos do art. 3º, 1, f), da Lei 47/86), invocando o art. 671º, 2, b), CPC, tendo por base a oposição do acórdão recorrido com o acórdão do STJ de 9/7/2015, processo n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1.

10. Uma vez mais sem se resignarem, os Autores interpuseram novo recurso de revista para o STJ, em que, nas respectivas Conclusões, sustentaram:

“(…)

3. Nestas circunstâncias, perantes tais “conclusões” apresentadas, o Tribunal da Relação não poderá aplicar de imediato o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões.

4. Antes, deveria ser ajustada e adequada a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, nos termos e fundamentos do nº 3 do art. 639º do Código de Processo Civil, para o caso de se entenderem complexas ou prolixas. Só perante o não acolhimento daquele “despacho de aperfeiçoamento” pode operar a rejeição do recurso.

5. Acresce que, o entendimento contido no Acórdão recorrido, assimilando as “conclusões” assim deficientes como equivalendo à sua inexistência, conduzindo ao indeferimento do requerimento do recurso de apelação, viola o princípio constitucional da proporcionalidade e do acesso ao direito consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

6. Aliás, a forma não é um fim do processo, em si mesmo, mas antes um meio de proporcionar o acesso à justiça e à equilibrada composição dos litígios.

(…).”

11. O recurso mereceu decisão singular, nos termos do art. 656º do CPC, com data de 9/11/2018 (que faz fls. 1113 e ss): nela se revogou a rejeição da apelação decidida pelo Ac. RE II, determinando a remessa dos autos a essa 2ª instância a fim de convidar o Recorrente a aperfeiçoar as conclusões, ou seja, devidamente sintetizadas, em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 639º do CPC (no exercício do poder-dever que assiste ao Tribunal a quo de “ordenar aos Recorrentes que as corrijam, expurgando o entorse de que padecem: ausência de enunciação das ‘proposições sintéticas’ que objetivam de forma clara o objecto do recurso”).

12. Por despacho do Senhor Juiz Relator da Relação de Évora (fls. 1127), com data de 7/12/2018, foi cumprida a decisão singular do STJ e, assim, determinou-se que “os Att. sejam notificados para apresentarem novas conclusões de recurso, atento o disposto no art. 639º, n.º 3, do CPC, devidamente sintetizadas, em não mais de 10 pontos e 4 páginas – cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 29/2/2000, 7.ª Secção, Sumários, 38.º-53”.

13. Esta decisão foi notificada aos mandatários por via postal registada, constando do rosto da notificação a data de elaboração, certificada pelo Citius, de 10/12/2018 (fls. 1128-1129)[1].

14. Os Autores apresentaram novas Conclusões de recurso, “devidamente sintetizadas”, a 7/1/2019 (fls. 1132 e ss). Os Réus/Recorridos apresentaram requerimento pedindo o desentranhamento do requerimento de apresentação de novas conclusões, por extemporâneo (violação do prazo previsto no art. 639º, 3, do CPC), e consequente indeferimento do recurso (fls. 1144-1145).

15. Confrontada, a Relação de Évora proferiu um outro acórdão, em 31/1/2019 [doravante: Ac. RE III], no qual não se conheceu do objecto do recurso (com recurso ao art. 652º, 1, h), CPC) pelo facto de, considerando os Autores notificados em 13/12/2018 do despacho enunciado sob 11., “o n.º 3 do citado art. 639º é bem explícito, estipulando o prazo de 5 dias para a apresentação das novas conclusões de recurso, o qual, por isso, terminava em 18/12/2018. Todavia, o referido acto ainda podia ser praticado nos 3 dias úteis seguintes, ou seja, até ao dia 21/12/2018, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa (cfr. art. 139º nº5 do C.P.C.). Todavia, da análise dos autos, constata-se que apenas em 7/1/2019 vieram os AA. apresentar as suas novas conclusões de recurso, pelo que[,] forçoso é concluir que as mesmas são totalmente extemporâneas! Acresce que o mencionado art. 639º [correcção nossa] nº 3 determina qual a cominação que deverá ser aplicada ao recorrente se não apresentar em prazo – de 5 dias – as novas conclusões de recurso sintetizadas: o não conhecimento do recurso (sublinhado nosso)”.

De acordo, sumariou-se: “Face ao disposto no art. 639º [correcção nossa, por manifesto lapso de escrita] nº 3 do C.P.C., não tendo os AA. apresentado as novas conclusões de recurso devidamente sintetizadas no prazo de 5 dias, nem nos 3 dias úteis seguintes (mediante o pagamento de uma multa), forçoso é concluir que não é possível conhecer do objecto de tal recurso”.

16. Os autores interpuseram novo recurso de revista para o STJ, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, tendo por base a violação dos arts. 639º, 3, e 641º, 2, b), do CPC, “sendo deferido e recebido o recurso de apelação oportunamente interposto pelos autores, ora recorrentes, ordenando-se que os autos voltem ao Tribunal da Relação de Évora para apreciação e decisão do objecto de recurso”.

Para esse efeito, apresentaram as seguintes Conclusões:

I – Salvo o devido respeito que é, aliás, muito, a douta Sentença recorrida, incorre em erro na aplicação do direito ao caso concreto, incorrendo assim, numa decisão contrária à lei.
II – Na verdade, o que está em causa é saber se o Tribunal recorrido pode deixar de conhecer o objecto do recurso de apelação oportunamente interposto, ainda que os aqui recorrentes, possam ter apresentado as respectivas conclusões sintetizadas em desrespeito pelo prazo estatuído pelo art. 690º, nº 3 do C.P.C.
III – Os ora recorrentes, inconformados com a Sentença de primeira instância, dela interpuseram oportunamente recurso de apelação, tendo também por objecto a reapreciação da matéria de facto e da prova gravada, nos termos dos arts. 638º, nº7, 640º e 662º todos do C.P.C. e, por outro lado, “ … que seja declarado, com base na execução específica, o seu direito à propriedade do prédio urbano devidamente identificado nos autos”.
IV – Sucede que, decorre claramente da leitura integral do douto Acórdão ora colocado em crise que, o Venerando Tribunal «a quo», entendeu perfeita, integral e inequivocamente a pretensão dos Autores/Recorrentes, bem assim como a respectiva delimitação do objecto do respectivo recurso de apelação oportunamente interposto, designadamente como resulta da forma sucinta, mas absolutamente rigorosa, como o próprio Tribunal recorrido vem resumir, quer a referida pretensão, quer o objecto do recurso em causa, quando discorre que: “Inconformados com tal decisão vieram os autores interpor recurso da mesma, sustentando nas suas alegações, por um lado, a incorrecta valoração da prova feita pelo tribunal “a quo” (pontos 40, 41 3 43 a 46 dos factos provados e pontos 2 e 3 dos factos não provados) e, por outro, que seja declarado, com base na execução específica, o seu direito à propriedade do prédio urbano devidamente identificado nos autos.”
V – Por outro lado, ainda, importa reafirmar e realçar que, a pretensão dos recorrentes incidiu também sobre o recurso da matéria de facto. Por isso, a impugnação recursória deve observar “sob pena de rejeição” as rigorosas, e complexas regras estatuídas no art. 640º do C.P.C., motivo pelo qual, a este propósito, tem-se polemizado se as “especificações” e indicações apontadas neste citado preceito legal devem constar do corpo das alegações e também das conclusões que afinal, marcam a matéria a apreciar em sede de recurso, circunstâncias em que o esforço de síntese será mais complicado.
VI – Assim, e devendo tais pontos constar expressamente, nas conclusões, entendemos que, apesar de eventualmente prolixas, conforme do resulta do supra exposto, as “conclusões” em questão, enunciam de forma bem entendível os pontos controversos a submeter a recurso, designadamente na preocupação de satisfazer as extensas exigências do art. 640º, nº1 e 2 do C.P.C.
VII – Exactamente a este propósito e, com total pertinência para o caso concreto, na nossa modesta opinião, pronunciou-se o Acórdão do STJ de 09-06-2016, Proc.6617/07.5TBCSC.L1.S1, Relator Abrantes Geraldes, in IGFEJ, Bases Jurídicas-Documentais, assim sumariado: “I. Ao abrigo do art. 671°, n° 1 do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC. II. O despacho do relator que, ao abrigo do n° 3 do art. 639° do CPC, convida o apelante a sintetizar as conclusões do recurso de apelação constitui um mero despacho preparatório; a impugnação deve incidir sobre o posterior acórdão da Relação que, com fundamento no incumprimento de tal despacho, decida não conhecer do objecto do recurso de apelação. III. Se o recorrente, na enunciação das conclusões do recurso de apelação, seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto e de direito, nos termos dos arts. 639º e 640º do CPC, é vedado à relação abster-se de apreciar o mérito do recurso de apelação.”
VIII – Acresce que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, o que interessa é aferir da qualidade das ditas “conclusões” se, embora extensas ou prolixas, contêm as questões submetidas ao Tribunal de Recurso, de forma minimamente claras (Os sublinhados são nossos).
IX – Assim e, porquanto, a forma não é um fim do processo, mas um meio de conferir às partes o acesso à justiça e a equilibrada composição dos litígios, no caso em apreço, o entendimento contido no Acórdão recorrido, conduzindo ao indeferimento do requerimento do recurso de apelação, viola a regra da proporcionalidade contida no princípio do Estado de Direito e a garantia constitucional do processo equitativo, consagrado nos nos 2 e 4 do art. 20º da C.R.P.”.

17. O recurso de revista foi admitido pelo Senhor Juiz Relator da Relação de Évora (fls. 1168), com a nota de que importava realçar que “o acórdão recorrido (…) se limitou, tão somente, a cumprir a decisão emanada do STJ em 9/11/2018 (sendo certo que a recorrente não cumpriu, de todo, o prazo de 5 dias para apresentar as novas conclusões de recurso a que alude o art. 639º n.º 3 do C.P.C.)”.
18. Não houve contra-alegações nos autos.

       Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.    

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Admissibilidade e objecto do recurso
1.1. O acórdão recorrido absteve-se de conhecer do mérito do recurso de revista de apelação e, com isso, colocou «termo ao processo». Este é o que resulta relevante para efeitos de admissibilidade do recurso de revista à luz do critério previsto no art. 671º, 1, do CPC.
Na verdade, ainda que a prescrição aluda tão-só a esse «termo» com a «absolvição da instância», é de considerar essa alusão como exemplificativa e não excludente quanto aos fundamentos de extinção da instância ou do processo para efeitos de interposição da revista. Neles se incluem, tendo em conta “o resultado declarado no próprio acórdão da Relação”, aqueles casos em que se “põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva”, nomeadamente por extemporaneidade ou pela falta de pressupostos ou requisitos legais – v., neste sentido, Acs. do STJ de 28/1/2016[2], 9/9/2016[3], 13/7/2017[4] e de 7/3/2019[5]-[6].
Logo, ao abrigo do art. 671º, 1, do CPC, é admissível revista do acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento na intempestividade do cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento para apresentação de novas conclusões, previsto e cominado no art. 639º, 3, do CPC com a rejeição do recurso (tendo ainda o acórdão recorrido referido o art. 652º, 1, h), do CPC).

1.2. Delimitadas pelas Conclusões desta revista (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1, CPC), e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
(i) Deve o recurso de apelação ser rejeitado sem conhecimento do seu  objecto se, uma vez proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos do art. 639º, 3, do CPC, as partes recorrentes apresentam novas conclusões em violação do prazo contemplado nesse art. 639º, 3?
(ii) A rejeição do recurso de apelação fundada no art. 639º, 3, do CPC viola o preceituado no art. 20º, 2 e 4, da CRP e está ferida de inconstitucionalidade?

2. Factualidade
Os factos considerados relevantes são os que já constam do Relatório antes exposto.

3. O direito aplicável
3.1. Depois de todas as vicissitudes processuais que a apelação da decisão de 1.ª instância na Relação de Évora revela nos autos (cfr. Relatório, itens 5. e ss) – em síntese:

a) o Ac. RE I julga uma primeira vez a rejeição do recurso, mantendo o despacho singular do Relator em não conhecer do objecto do recurso por falta de apresentação das alegações e conclusões com o requerimento de interposição;

b) o Ac. RE II julga uma segunda vez a rejeição do recurso, decretando o não conhecimento do recurso pelo facto de os Autores/Recorrentes não terem formulado conclusões de recurso, de acordo com o exigido pelos arts. 641º, 2, b), e 639º, 1, do CPC, uma vez que essas conclusões eram uma mera transcrição ipsis verbis do conteúdo das alegações (acórdão proferido depois da procedência da revista do Ac. RE I junto do STJ, que determinou o conhecimento do recurso pela Relação, uma vez que, brevitatis causa, a apresentação de um segundo requerimento de interposição da apelação, com as alegações necessárias e em falta no primeiro requerimento, deve ser admitido desde que apresentado no prazo legal para interposição do recurso); 

c) o Ac. RE III, aqui impugnado, julga uma terceira vez a rejeição do recurso, agora não conhecendo do seu objecto por não se ter cumprido o aperfeiçoamento para o qual os Recorrentes foram “convidados”, com novas Conclusões do recurso, no prazo de 5 dias previsto no art. 639º, 3, do CPC, nem no prazo adicional dos 3 dias úteis seguintes mediante o pagamento de multa nesse prazo de complacência (resultando tal despacho de “convite ao aperfeiçoamento” do cumprimento pelo Senhor Juiz Relator da Relação de Évora do despacho singular do Senhor Juiz Relator do STJ, proferido no âmbito do recurso de revista do Ac. RE II para o STJ nos termos do art. 656º do CPC («decisão liminar do objeto do recurso»), que revogou a rejeição da apelação e determinou a remessa dos autos à Relação de Évora a fim de convidar o Recorrente a aperfeiçoar as Conclusões nos termos desse art. 639º, 3) –,

confronta-se uma vez mais este STJ e esta Secção com o sucesso desta apelação em sede adjectivo-formal: os Recorrentes foram “convidados” para apresentar novas Conclusões de recurso e apresentaram-nas, independentemente da análise do seu conteúdo e da respectiva habilitação para se identificar e delimitar o objecto recursivo, mas fora do prazo previsto no art. 639º, 3, do CPC (e no art. 139º, 5, do CPC). Assim tendo sido nesta terceira oportunidade, teve razão o acórdão recorrido em convocar a cominação para essa apresentação intempestiva, isto é, o não conhecimento/rejeição do recurso?

            Analisemos, cruzando uma visão geral-abstracta do normativo com os dados concretos do caso sub judice.
3.1.1. As Conclusões são absolutamente necessárias, por força da lei, para identificar e delimitar (positiva e negativamente) o objecto do recurso. Devem, no núcleo conclusivo recursório, elencar-se os fundamentos que justificam um resultado diverso do atingido pela decisão recorrida, respeitando-se, quando se verse sobre matéria de direito, as alíneas do art. 639º, 2, e, quando se debruce sobre matéria de facto, as alíneas do art. 640º, 1 e 2, do CPC. Porém, quando as Conclusões apresentem irregularidades manifestas e censuráveis de acordo com o ónus processual da conclusão recursiva – nomeadamente, deficiência, obscuridade, complexidade e falta das especificações legais necessárias tendo em conta o exigido nos arts. 639º, 2, e 640º, 1 e 2, CPC –, o sistema oferece ao relator do processo em sede de recurso o poder-dever de convidar o recorrente a sanar e/ou a corrigir as irregularidades detectadas e susceptíveis de afectarem a função delimitadora e identificadora das Conclusões.
         É isso que o art. 639º, 3, do CPC contempla e foi isso que aconteceu por último nestes autos: em cumprimento de despacho singular e liminar provindo do STJ (no contexto de recurso de revista) – que o fundamentou no poder-dever do tribunal a quo “ordenar aos Recorrentes que as [Conclusões] corrijam, expurgando o entorse de que padecem: ausência de enunciação das ‘proposições sintéticas’ que objectivam de forma clara o objecto do recurso”, decidindo, pois e sumariamente, que o Tribunal da Relação convidasse o Recorrente a aperfeiçoar as Conclusões –, o Relator da Relação veio, sendo identificada a irregularidade de serem as Conclusões uma reprodução das Alegações, solicitar aos Recorrentes a apresentação de novas Conclusões “devidamente sintetizadas, em não mais de 10 pontos e 4 páginas”, sanando-se por essa via a irregularidade que tinha motivado, no Ac. RE II, a rejeição da apelação. Estavam reunidas as condições processuais para dar à parte recorrente uma oportunidade definitiva para uma reformulação bastante e sanante, depois das vicissitudes que tinham impedido o conhecimento do mérito da apelação, de modo a poder finalmente conhecer-se do recurso. Os Recorrentes assim fizeram: aproveitaram a oportunidade – sem agora curar do conteúdo substancial – mas desaproveitaram o prazo para essa oportunidade – apresentaram-nas intempestivamente, tendo em conta o prazo legalmente determinado para o efeito.

3.1.2. O convite a que se refere o art. 639º, 3, do CPC é feito uma só vez. Está na livre disponibilidade da parte recorrente responder com plenitude ao despacho do juiz Relator, atendendo às irregularidades expressas para sanação nesse despacho. Assim, sujeita-se a parte recorrente, que não o acatar ou o cumprir defeituosamente ou fora de tempo, à consequência do incumprimento[7]não conhecimento do recurso na parte afectada (logo, total ou parcialmente) pelo vício identificado[8]
         No entanto, deve considerar-se que essa é uma cominação processual a extrair in extremis se a apreciação recursiva for de todo comprometida com o incumprimento, mesmo que, não tendo usado da faculdade de apresentar novas conclusões, ocorra prejuízo para o intuito de a parte recorrente inverter a decisão recorrida[9]. Em particular, a falta de menção das normas violadas e/ou do sentido em que deveriam ser interpretadas as normas que serviram de fundamento à decisão não é em absoluto insuprível: a sua presença não terá um efeito de revelação do direito ao juiz, desde que o restante conteúdo (mesmo que imperfeito e lacunoso) das conclusões ainda permita a cognição do tribunal ad quem dentro de um certo objecto; a sua omissão ou incompletude ou obscuridade, em desconformidade com os ónus centrais da peça recursiva, prejudicará o resultado pretendido e sibi imputet[10]. Por outro lado, a falta de resposta ao convite ao aperfeiçoamento ou a resposta não sanante dos vícios identificados deve dar origem à rejeição de todo o objecto do recurso, nos termos do art. 639º, 3, CPC, se o julgador estiver em condições de fazer equivaler as conclusões manifestamente irregulares (que motivaram o convite ao aperfeiçoamento) a total omissão de conclusões – o que associaria tal efeito letal à sanção decorrente da aplicação do art. 641º, 2, b), do CPC.[11]

            Não sendo de extrair automaticamente o efeito gravoso da rejeição /não conhecimento do objecto do recurso pelo relator ou colectivo do tribunal ad quem na circunstância de resposta insuficiente ou inexistente[12], tal efeito não está excluído, sob pena de desvirtuamento da própria ratio legis do art. 639º, 3 (v. supra, ponto 3.1.1.). De facto, uma vez recebida, ou não, a resposta do recorrente, ou recebida fora de prazo, “o relator deve ponderar de novo, dentro do seu prudente critério e com recurso aos princípios gerais do processo civil, qual a solução que mais se ajusta à concreta situação” – como enfatiza ABRANTES GERALDES[13]. E a cominação gravosa do art. 639º, 3, será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem como inevitável decretar um juízo de especial censura à parte inadimplente à luz dos princípios processuais mais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessa hipótese de actuação intolerável em face da expressão desses princípios, individual ou coligadamente analisados em concreto, poderemos estar nas referidas situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.

            Não se tratará apenas de saber se e como deve ser conhecido o recurso em face das insuficiências, deficiências, obscuridades e omissões das Conclusões, para o fim de o julgador apreender de forma clara, inteligível e concludente o tema recursivo, mesmo que, ainda que em prejuízo do resultado pretendido pela parte, o faça por dedução ou simples percepção das questões de facto ou de direito que o recorrente suscita e que cabe ao tribunal superior solucionar – apreciação do conteúdo das Conclusões não obstante o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do convite ao aperfeiçoamento. Trata-se, antes disso e previsivelmente a montante de chegarmos ao conteúdo da peça (até porque pode não haver peça), de saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva – apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida. Se esta apreciação, concreta e referida aos princípios aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, então estaremos em condições de fazer funcionar o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei[14], também plasmado, por isso, no art. 639º, 3, do CPC.

            Para este efeito, note-se, o facto de o art. 639º, 3, do CPC impor um prazo peremptório ou resolutivo – 5 dias – faz com que se aplique o art. 139º, 3, do CPC: «O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o acto». O que significa que, extinto o direito, não deve ser considerada a peça apresentada e a conduta da parte recorrente equipara-se pura e simplesmente ao incumprimento do despacho judicial, como se tivesse omitido a resposta ao convite, colocando-se igualmente na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso em função do juízo definitivo do julgado.

3.1.3. Vejamos em concreto.

A conduta dos Recorrentes de apelação, que motivou três acórdãos da Relação de Évora, em especial a que deu origem aos últimos dois acórdãos, chama de imediato à colação dois princípios relativos à conduta processual.

            Por um lado, o princípio da cooperação, que, tendo consagração legal no art. 7º do CPC, aspira e exige a colaboração reciprocamente leal e razoável dos diversos intervenientes processuais para a realização da função do processo em cada uma das suas fases. O convite ao completamento, esclarecimento, sintetização ou concretização das conclusões da alegação de recurso pode ser visto como reflexo desse princípio, enquanto manifestação, na doutrina de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, de um poder-dever de prevenção assistencial do juiz, destinado a instar as partes à clarificação dos respectivas posições jurídicas e ao suprimento das deficiências ou insuficiências das suas alegações e pedidos[15]. Mas é óbvio que a boa fé processual exigirá que o cumprimento desse poder-dever seja correspondido com lealdade e lisura pela parte que dele beneficia e dele se aproveita para melhor concretizar o resultado pretendido com a impugnação recursiva.

            Por outro lado, o princípio da auto-responsabilidade das partes, que, sendo intervenientes no processo e estando nele disponíveis os meios de ataque e defesa no litígio, incluindo os meios de impugnação das decisões judiciais, terão que suportar as consequências adversas de uma conduta processual “inconsiderada, omissiva ou inconclusiva, em suma ineficaz”[16], tendo em vista a necessidade de obter decisões favoráveis no desenvolvimento da instância (também a recursiva). Sentenciava MANUEL DE ANDRADE: “As partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.”[17] E, neste domínio, é disso exemplo crítico a inobservância de prazos peremptórios ou preclusivos, que corre por conta e risco das partes se omitem o cumprimento desses prazos, pois desse incumprimento já não há suprimento judicial possível e plausível.


*

            Ora, verifica-se que as partes recorrentes devem ser consideradas como não tendo apresentado Conclusões e, destarte, sujeitar-se ao juízo superveniente de ponderação crítica do julgador, tendo como norte a sorte residual da rejeição do recurso.

            Verifica-se que o despacho de convite ao aperfeiçoamento resulta da injunção processualmente determinada ao Relator da Relação pela sua instância superior em sede de recurso.

            Verifica-se, acima de tudo, que essa injunção do STJ visava a correcção das Conclusões, em benefício do conhecimento do mérito do recurso pretendido, “expurgando o entorse de que padecem: ausência de enunciação das ‘proposições sintéticas’ que objetivam de forma clara o objecto do recurso”, tal como, recorde-se, assim se fundamentou.

Verifica-se, por fim, que as partes recorrentes, no recurso de revista do Ac. RE II que deu origem a essa decisão singular e sumária do STJ, pugnaram justamente por evitar o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões e suscitar a “prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, nos termos e fundamentos do nº 3 do art. 639º do Código de Processo Civil”. “Só perante o não acolhimento daquele ‘despacho de aperfeiçoamento’ pode operar a rejeição do recurso”, concluíram então.

            E atente-se que o objecto do presente recurso não passa por saber se as Conclusões originariamente apresentadas, ainda que reprodução do invocado e descrito no corpo das alegações (em violação do art. 639º, 1, CPC), mas formalmente arrumadas com independência dessas alegações, servem ainda, mesmo não sendo substancialmente autónomas, para apreender a essência dos temas/questões a serem confrontadas junto das partes recorridas e a decidir pelo tribunal, possibilitando-se ainda o exercício do contraditório e a delimitação do objecto do recurso. Esse foi o objecto de apreciação do recurso de revista do Ac. RE II, com a decisão já conhecida deste STJ, que, portanto, se debruçou sobre o conteúdo da peça recursória deficiente em face do objecto decidendo para ordenar à 2.ª instância o despacho de aperfeiçoamento (não havia caso, segundo a última instância, para equivaler a falta de conclusões e fazer aplicar a cominação do art. 641º, 2, b), do CPC)

            Estamos neste recurso um passo mais à frente, ainda que processualmente num momento distinto. Em rigor, agora e aqui, o objecto da questão primeiramente identificada a solucionar é saber se a forma de cumprimento desse despacho ordenado pelo STJ, equivalendo a um não cumprimento, deve ser valorado como fundamento para a rejeição do recurso, tal como fez o acórdão recorrido.


*

            Neste circunstancialismo processual – e relembre-se que já antes a apresentação das alegações e conclusões em momento distinto do requerimento de interposição do recurso motivara a pronúncia do STJ em face do Ac. RE I em benefício dos Autores/Recorrentes –, é manifesto que, como termo desta disputa perante o Juiz Relator da Relação, competente para apreciar a apelação dos autos, incidia sobre as partes recorrentes uma diligência particularmente qualificada no cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento à luz da cooperação (e, complementarmente, da boa fé) processual e da auto-responsabilidade dos Recorrentes no processo. Não só no conteúdo da peça – no que toca, maxime, no ponto decisivo da capacidade de síntese nas Conclusões a reformular –, mas também – e não de somenos – no preenchimento formalmente rigoroso do art. 639º, 3, do CPC, desde logo do seu prazo resolutivo. Neste se demonstraria o cumprimento minimamente diligente da resposta de aperfeiçoamento das Conclusões enquanto momento fulcral, de acordo com as vicissitudes em concreto do recurso, do cumprimento geral dos pressupostos a observar no procedimento adjectivo do meio impugnatório usado para colocar em crise a decisão de 1.ª instância. Assim, ao falhar nesse mínimo de diligência quando apresentam a peça de aperfeiçoamento fora de prazo peremptório, essa extemporaneidade e consequente inatendibilidade do que tanto as partes pugnaram em juízo recursivo, é de aceitar que essa atitude omissiva só pode ter efeitos preclusivos. Estamos, portanto, numa circunstância concreta que permite afastar de um patamar de juízo excessivo o não conhecimento do objecto do recurso cominado, tal como julgou o acórdão recorrido.


3.2. Não tendo os Recorrentes cumprido tempestivamente o despacho de aperfeiçoamento e, de tal modo, sido confrontados com a decisão de rejeição do recurso, não se vislumbra que possam invocar a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do art. 639º do CPC, por violação dos princípios consagrados nos n.os 2 e 4 do art. 20º da CRP – desde logo quando estes preceitos, invocados pelos Recorrentes, se referem aos direitos à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário, a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade e, finalmente, a «que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
Como é entendimento aceite, o legislador tem um poder de conformação amplo em matéria processual, neste caso aplicado ao regime dos meios impugnatórios recursivos, sem que com que ele brigue um suposto direito ilimitado ao recurso. Antes a CRP garante um direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que não foi de todo comprimido ou negado. Porém, para que ele se concretize efectiva e plenamente, também as partes devem seguir a aparelhagem legalmente constituída com a cooperação e a auto-responsabilidade exigíveis. Assim, ao invés, todo o circunstancialismo processual ocorrido e acima descrito, finalizado com a rejeição de recurso assim sancionada por lei, não configura qualquer ablação ou limitação dos direitos dos recorrentes em desconformidade com preceito constitucional.

III. Decisão

Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista.  

Custas pelos Recorrentes.

STJ/Lisboa, 29 de Outubro de 2019

Ricardo Costa (Relator)

Ascensão Raimundo

Ana Paula Boularot

SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC)


          

________________________
[1] Uma vez que se tratou de despacho manuscrito no processo, a notificação seguiu via postal registada ao invés da via electrónica: cfr. art. 25º, 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, com a redacção da Portaria n.º 267/2018, de 20 de Setembro.

[2] Processo n.º 1006/12.2.TBPRD.P1-A.S1, Rel. Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 6617/07-5TBCSC.L1.S1, Rel. Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, Rel. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, Rel. Rosa Tching, in www.dgsi.pt.
[6] Com desenvolvimento, na doutrina, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º, págs. 352 e ss. Convergente: FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 570 (“decisão final da Relação, seja ela de mérito ou possua mero conteúdo processual”).
[7] V., mais longínquo, o Ac. do STJ de 14/11/2006, processo n.º 06A1986, Rel. Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt (em referência ao ponto III. do Sumário).
[8] V. o Ac. do STJ de 26/11/2014, processo n.º 649/10.3TBABF.E1.S1, Rel. Orlando Afonso, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções cíveis, 2014, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf O recorrente, não se tendo determinado pelo que lhe foi exigido, através do mecanismo processual previsto no art. 685.º-A do CPC (actual art. 639.º do NCPC (2013)), colocou-se na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso (…).(ponto II. do Sumário).
[9] V., mais recentemente, o Ac. do STJ de 19/10/2017, processo n.º 1577/14, Rel. Rosa Coelho, in www.dgsi.pt (“Vem, desde há muito, sendo cimentado na jurisprudência deste STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões, após convite dirigido pelo relator à parte, deve dar lugar ao não conhecimento do recurso.”).
[10] Em sentido próximo, v. JOÃO AVEIRO PEREIRA, “O ónus de concluir nas alegações de recursos em processo civil”, O Direito, 2009, II, págs. págs. 316-317.
[11] Nestes sentidos, v., muito recentemente e com o mesmo Relator do presente recurso, o Ac. do STJ de 11/7/2019, processo n.º 334/16.2T8CMN-G-G1.S1.
[12] Neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 640º, págs. 153, 160 (“Na verdade, o despacho de convite não está coberto pela força do caso julgado, nem se esgotam com a sua prolação os poderes do juiz na apreciação da situação e dos efeitos que devem ser determinados. Assim, se acaso o relator se tiver precipitado na identificação de um determinado vício ou se, malgrado a sua confirmação e manutenção, verificar, numa análise mais profunda, que o efeito da rejeição total ou parcial se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar.”); na jurisprudência do STJ, v. o Ac. de 7/10/2014, processo n.º 118/08.1TVPRT.P2.S2, Rel. Fernandes do Vale, in www.dgsi.pt (“O despacho de convite ao aperfeiçoamento , previsto no art. 639.º, n.º 3, do NCPC (2013), não está coberto pela força do caso julgado, podendo o relator, não obstante, em reflexão e ponderação mais profunda, não aplicar a sanção, aí, contemplada.”: ponto I do Sumário).
[13] Recursos… cit., sub art. 639º, pág. 160.
[14] V. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 97 e ss. em esp. 100, onde se refere expressamente como situação de preclusão o não acatamento do despacho de aperfeiçoamento das conclusões nos termos do art. 639º, cuja omissão conduz à rejeição/indeferimento do recurso.
[15] V. “Os princípios estruturantes na nova legislação processual civil”, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 65-66.
[16] Na formulação de FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I cit., pág. 96.
[17] Noções elementares de processo civil, colaboração de Antunes Varela, ed. revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976 (1ª ed.: 1956), pág. 376.