Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
765/13.0TBESP.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONCLUSÕES
REQUISITOS
REJEIÇÃO DO RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / ATOS DOS MAGISTRADOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – TRIBUNAIS / DECISÕES DOS TRIBUNAIS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, p.144;
-Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Volume V, p. 359;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 1972, p. 299.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 154.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, ALÍNEA B), 639.º, N.ºS 1 E 3 E 663.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADA PELA LEI Nº 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 24.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-12-2012, PROCESSO N.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - De harmonia com o disposto no art. 639, nº1 do CPC, incumbe ao recorrente, de forma sintética, enunciar as razões que o levam a impugnar a decisão proferida;

II – Para efeitos do disposto no art. 639º, nº3, do CPC, o tribunal não deve utilizar um critério estritamente quantitativo, mas um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. A Herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de AA e de BB, representada por todos os herdeiros, CC e DD, instaurou a presente ação contra “Agência de Gestão e Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE” pedindo a condenação da ré:

– A entregar à autora a quantia de EUR 30.462,85, correspondente ao valor do resgate dos certificados de aforro identificados no art. 3º, da p.i., que titulam o negócio celebrado e com referência à data de 15.12.2011, acrescida de juros à taxa legal, vencidos desde 15.12.2011 até integral pagamento;

Subsidiariamente:

- A entregar à autora – ao abrigo do disposto no art. 7º, do DL nº 172-B/86, de 30/6 - a quantia de EUR 15.233,93, correspondente à meação pertencente à interessada BB, falecida em 2012, acrescida de juros à taxa legal, vencidos desde 15.12.2011 até integral pagamento;

- A reconhecer os representantes da herança como herdeiros dos falecidos e a entregar à herança, nos termos gerais do direito sucessório, a restante quantia, no montante de EUR 15.233,93, acrescida de juros à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento.

2. Na contestação, a ré, defendendo-se por exceção, invocou a incompetência do tribunal em razão do território e a prescrição; além disso, impugnou a factualidade articulada pela autora.

3. A autora replicou e a ré respondeu, ao abrigo do art. 3º, do CPC.

4. Foi proferido saneador-sentença nos seguintes termos:

“a) Não julgo inconstitucional o art. 7º, do Dec.-Lei nº 172-B/86, de 30 de Junho e os arts. 18º e 19º, do Dec. nº 43454, de 30 de dezembro de 1960, enquanto normas que preveem a prescrição legal do direito a requerer a transmissão ou resgate dos certificados de aforro;

b) Julgo inconstitucionais os arts. 18º e 19º, do Decreto 43454, de 30 de dezembro de 1960 e o art. 7º, do Dec.-Lei nº 172-B/86, de 30 de Junho, por violação dos arts. 13º e 62º, da CRP, quando referem o prazo de prescrição de cinco anos para requerer a transmissão ou resgate dos certificados de aforro;

c) Julgo verificada a exceção perentória da prescrição e, consequentemente, absolvo a ré dos pedidos.”

5. Inconformada com esta decisão, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ….

6. A ré contra-alegou.

7. Na Relação, a Exma. Desembargadora Relatora, entendendo que as conclusões do recurso se mostravam confusas e complexas, aflorando matéria de direito e de facto não devidamente encadeadas, não permitindo descortinar as questões que a apelante queria ver apreciadas, convidou a recorrente, ao abrigo do disposto no nº3, do art. 639º, do CPC, a “esclarecer ou sintetizar as suas conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do objeto do recurso”.

8. Notificada deste despacho, a autora apresentou “novas” alegações, assim concluindo:

1 A A. intentou a presente ação por não concordar com a decisão da Agenda de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, EPE proferida no âmbito do processo administrativo n.°1103/2001 (constante dos documentos 8 e 10 juntos com a PI.) em resposta ao pedido de resgate dos certificados de aforro discriminados no artigo 30 da PI e apenas destes, efetuado em 15/12/2011. 0 Tribunal decidiu do mérito da causa no despacho saneador com o seguinte dispositivo:

a)     Não julgo inconstitucional o artigo 70 do Dec. -Lei n.0172-8/86, de 30 de Junho e os art°s 18° e 19° do Decreto 43454, de 30 de dezembro de 1960, enquanto normas que preveem a prescrição legal do direito a requerer a transmissão ou resgate dos certificados de aforro;

b)      Julgo inconstitucionais os artigos 18° e 19° do Decreto 43454, de 30 de dezembro de 1960 e o art° 7° do Dec. Lei n.0172-8/86, de 30 de Junho, por violação dos artigos 13° e 62°, articuladamente, quando referem o prazo de prescrição de cinco anos para requerer a transmissão ou resgate dos certificados de aforro;

c)       Julgo verificada a exceção perentória da prescrição e, consequentemente, absolvo o R., Agenda de Gestão da Tesouraria e da Divida Pública - IGCP. EPE, dos pedidos contra si formulados pela Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA e BB.

2 - A A. recorre da decisão proferida pelo Tribunal a quo por entender que a mesma enferma de vários vícios, devendo ser alterada. Versando o presente recurso sobre matéria de Direito e também impugnando a decisão relativa a matéria de facto considerada como provada no saneador-sentença.

Assim,

3 - Tendo em conta que a prescrição não é do conhecimento oficioso (303º do CC), que a R. apenas invocou a prescrição de cinco anos prevista na versão originária dos artigos 18° e 19º, do DL n.°43454 de 30/12/1960 (CA Série A) e artigo 7º do DL 172-B/86 de 30/06 (CA Série B) e que é esta a norma aplicável ao presente caso à luz do princípio tempus regit actum (e não a redação do DL 122/2002 de 04/05) - ao julgar o prazo de cinco anos inconstitucional e aplicar oficiosamente um prazo de dez anos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 12° e 303º do CC e conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, sendo nula a decisão nesta parte, nos termos do artigo 615º, n.°1, alínea d), segunda parte e alínea e), segunda parte do CPC.

4. Por força das regras de aplicação da lei no tempo, maxime do princípio tempus regit actum, o prazo de cinco anos originalmente fixado em 1960 e 1986 continua a aplicar-se para todas as situações localizadas temporalmente em data anterior à entrada em vigor da atual redação introduzida pelo DL 122/2002. Uma vez que a lei produz efeitos para o futuro, o prazo de dez anos apenas é aplicável no caso do titular dos Certificados de Aforro ter falecido após 04/05/1997. Tendo o aforrista falecido em 21/02/1996, estava vedado ao tribunal a quo a aplicação do prazo prescricional de dez anos ao caso sub judice e é nula a sentença nesta parte nos termos do artigo 615°, n.°1, alínea d) segunda parte e e) segunda parte do CPC. 0 Tribunal podia julgar a inconstitucionalidade do prazo prescricional de 5 anos mas nunca poderia aplicar o prazo de 10 anos ao caso concreto por o mesmo não estar legalmente previsto a data do óbito do aforrista.

5. Neste sentido, face à declaração pelo Tribunal a quo da inconstitucionalidade do prazo de prescrição de cinco anos e o supramencionado, a decisão deverá ser alterada no sentido de julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pela R. e julgando-se procedente o pedido principal efetuado pela A., condenando-se a R. a entregar a A. o valor dos certificados de aforro a data do resgate efetuado. Ficando, eventualmente a final prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários (e sem ser feito o encontro de contas pretendido pela R. pelos motivos oportunamente aqui invocados).

6. Estando vedado ao tribunal a aplicação do prazo prescricional de dez anos, nesta fase de saneamento caberia ao Tribunal apreciar a verificarão in casu da caducidade prevista no artigo 2051º, do CC (levantada pela R. em sede de contestação e cuja resposta da A. consta da sua réplica) face ao pedido subsidiário efetuado pela A., devendo para tal remeter o processo para julgamento uma vez que foram alegados factos pela A. (artigo 9° da PI e 23° e 24° da Replica) que na fase em que a sentença foi proferida eram factos controvertidos, não estando ainda o Tribunal em condições de decidir do mérito da causa quanto a este pedido. Ora, tal não foi determinado o que representa uma atuação ilegítima por parte do Tribunal em violação do disposto nos artigos 608°, n.°2 do CPC.

7. Ao julgar inconstitucional o prazo de prescrição de cinco anos e sendo só este o prazo aplicável ao caso sub judice e o único invocado pela R., a decisão quanto ao pedido principal deverá ser de procedência do mesmo. A não ser assim, a decisão recorrida contém em si uma contradição entre a sua fundamentação e a decisão final proferida no que toca ao pedido principal que gera a nulidade desta nos termos do artigo 615º nº1, alínea c), do CPC, devendo ser alterada em conformidade.

Quanto à decisão sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos prazos de prescrição, designadamente quanto à decisão constante da alínea a), suprarreferida na conclusão 1:

8. 0 Tribunal a quo entende que os certificados de aforro configuram indiscutivelmente direitos patrimoniais transmissíveis por morte do seu titular mas não considera inconstitucionais as normas que preveem a prescrição dos certificados de aforro. Esta decisão é ininteligível, ambígua, contraditória e, nesta parte da sua fundamentação de Direito, a sentença é confusa.

Isto porque: o Tribunal refere a discrepância que existia entre o prazo de prescrição de 5 anos para resgate dos certificados de aforro pelos herdeiros do seu titular e o prazo de 10 anos previsto no artigo 2059º do CC. E que, esta discrepância deu origem a decisão do Acórdão do TC n.° 541/2004. Invoca este Acórdão que julgou a inconstitucionalidade da norma do artigo 70 do DL 172-B/86 de 30/06 na sua versão originária, por violação dos artigos 13° e 62° da CRP procurando com o mesmo justificar a legalidade da existência do prazo de prescrição no regime do resgate dos certificados de aforro. Contudo, no Acórdão mencionado o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se quanto à constitucionalidade do prazo prescricional de 5 anos para resgate dos certificados de aforro pelos herdeiros do seu titular, nada mais. O ‘Tribunal a quo invoca o Acórdão do TC n.°541/2004 também para justificar que o prazo para aceitação da herança e um prazo geral e o prazo para resgate dos certificados de aforro é um prazo especial. 0 Tribunal a quo rejeita o entendimento da A. de pôr em causa um prazo prescricional com a justificação de que, a ser assim, o mesmo pudesse acontecer com todos os preceitos legais que fixam prazos de prescrição. E afirma mesmo que o legislador não consagrou soluções que contendem com a unidade do sistema jurídico e que acarretam insegurança do comércio jurídico.

Contraditoriamente, invoca um Acórdão que demonstra exatamente o contrário e declara inconstitucional um prazo prescricional. Este tipo de decisão carece de credibilidade.

9. 0 Tribunal a quo tem uma posição que é a de não considerar inconstitucional a existência de um prazo prescricional para resgate de certificados de aforro. Contudo, é contraditório e incoerente na sua fundamentação, transmitindo uma ideia de que não se pode pôr em causa a existência de um prazo de prescrição (seja ele qual for) criado pelo legislador, sob pena de se pôr em causa a segurança do comércio jurídico, quando faz exatamente o contrário ao declarar inconstitucional o prazo de cinco anos invocado pela R. e o próprio sistema jurídico o permite (CRP).

10. 0 primitivo prazo de prescrição de 5 anos e o atual de 10 anos não se harmonizavam com o prazo de 10 anos para aceitação da herança (2059°, n,°1 do CC), a não ser em termos quantitativos - são prazos com natureza jurídica distinta, tratamento jurídico diferenciado (prescrição/caducidade), o prazo de 5 ou 10 anos de prescrição não é um prazo especial em relação ao prazo de caducidade do direito de aceitação da herança e, na prática processual, geram situações distintas.

11. Pelo que, deverá ser julgado inconstitucional a existência de tal prazo por violação do artigo 13° da CRP, para o que deverá contribuir a particularidade de a prescrição aqui não ser um prazo que extingue o exercício de um direito, mas um prazo que tem como consequência a reversão a favor do Fundo do montante titulado pelos CA. Bem como, poderiam ainda contribuir a prova a produzir e o julgamento dos factos alegados pela A. na sua petição inicial relativos a violação do dever de informação por parte da R., a omissão quanto a aspetos essenciais do regime jurídico dos CA, a falta de formação dos funcionários dos CTT e a errada prestação de esclarecimentos que induziu em erro quem os recebeu (cuja produção de prova o Tribunal vedou a parte ao proferir a decisão nos termos em que o fez).

12. Quanto ao direito à Meação e Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Sem prejuízo do que ate aqui a recorrente referiu quanto ao julgamento do pedido principal, a A. fez o seguinte pedido subsidiário:

Caso assim não se entenda, por aplicação da norma prescricional constante do disposto no artigo 7°, do DL n.°172-8/86 de 30/06, deverá a R. ser condenada a entregar à herança a quantia de 15.233,93 (quinze mil, duzentos e trinta e três euros e noventa e três cêntimos) correspondente à meação pertencente à interessada BB (que, entretanto, faleceu em 2012) dos certificados identificados no artigo 3° desta PI.

A decisão recorrida julgou improcedente o pedido principal efetuado pela A. (apesar de a recorrente entender que o deveria ter julgado procedente nos termos supra expostos) e "aderiu" cegamente ao alegado pela R. quanto à questão do direito à meação por parte da interessada BB que agora integra a A., por óbito da meeira ocorrido antes da entrada da presente ação.

Quanto ao valor relativo à meação, é o próprio Tribunal a quo (e bem) que admite que as características próprias dos certificados de aforro não obstam a sua qualificação como bens comuns, no caso da sua constituição por pessoas casadas. Considera não ser aqui aplicável qualquer prazo prescricional e dá razão à A. quanto ao direito à transmissão da meação.

Contudo, erradamente, dá como assente a dedução de valores efetuada pela R. pelo resgate de certificados que nada tem a ver com os que estão em causa na presente ação e cujos factos apenas foram relatados pela R. para justificação da decisão por si tomada em sede de resposta anteriormente dada ao pedido de resgate efetuado. E decide julgar totalmente improcedente o pedido no que a esta parte diz respeito.

13. Tais factos (constantes dos artigos 8º, 9º a 29º, 31º a 37º, 46º a 86º da contestação) não são impeditivos do direito da A. e o Tribunal jamais poderia dar como provados nesta fase do despacho saneador factos alegados pela R. que foram impugnados pela A. na réplica e cujos documentos de suporte também o foram. São factos que se encontram controvertidos e sobre os quais não foi produzida prova em ordem a ser possível já uma decisão sobre o mérito da causa - sendo nesta parte a sentença nula nos termos do artigo 615°, n.°1, alínea d) segunda parte do CPC. Assim, devem ser retirados dos factos provados os constantes dos n.°s 2.1, 2.2, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8, 2.9, 2.10, 2.16, 2.23 do ponto 2. da sentença "Factos a Considerar", por se encontrarem incorretamente julgados.

14. Acresce que, cingindo-se o pedido da A. à entrega do valor do resgate dos certificados discriminados no artigo da PI, não pode a sentença condenar em objeto diverso do que se pedir (artigo 609°, n.°1 do CPC). Pelo que tais factos dados como provados não revelam interesse para a decisão da causa, devendo também por este motivo ser excluídos.

15. Nem os resgates que a R. alega terem sido efetuados anteriormente o foram por qualquer um dos aqui representantes da herança, não lhe sendo imputáveis. Também não poderão agora ser considerados nos termos em que a sentença o faz (reproduzindo a atuação da R. constante dos artigos 73 a 80 da contestação), por aplicação do artigo 304°, n.°2 do CC.

16. Por outro lado, tendo em conta o raciocínio ate agora exposto, a A. alegou factos na PI e Réplica com interesse para a decisão da causa que, a não ser julgado procedente o pedido principal deduzido, conduziriam ao prosseguimento da ação, integrando os temas da prova. São disso exemplo os factos alegados nos artigos 90, 10º, 11°, 12°, 13°, 14°, 27°, 28°, 29º, 31°, 32°, 33°, 34°, 35°, 37°, 38°, 39º, 41°, 43º, 45º e 46° da PI e artigo 31° da Réplica.

17. Acresce que, o Tribunal a quo não podia conhecer do "encontro de contas" efetuado pela R. e constante dos artigos 73º a 80º da contestação pois o mesmo não foi pedido, nem o foi em sede de pedido reconvencional como impõe o disposto no artigo 2660, n.°2, alínea c) do CPC, violando a sentença este normativo. Sendo nesta parte a sentença nula por fora do artigo 615°, n.°1, alínea d) segunda parte do CPC, devendo a R. ser condenada a entregar a A. o valor peticionado.

18. Também, no âmbito do processo do pedido de resgate dos certificados descritos no artigo 30 da PI, a R. está impedida de fazer a dedução de montantes pagos pelo resgate de outros certificados de aforro que veio agora a considerar também prescritos em processos já concluídos. A sentença recorrida ao decidir de acordo com esta atuação da R. está a violar o disposto no artigo 304º, n.°2 do CC, tal como a R. o fez.

19. O Tribunal errou ao julgar improcedente a ação com base no alegado pela R. - não podia conhecer das deduções dos valores efetuados pela R. a meação, na medida em que tal não foi requerido. Teria de julgar procedente a ação por ausência de pedido reconvencional ou outro qualquer pedido expresso de compensação, se permitido.

20. O Tribunal a quo viola o disposto no artigo 607°, n.°3, 4 e 5 do CPC porque, ao decidir do mérito da causa no despacho saneador nos termos constantes da sentença, da como provados factos que estão controvertidos e faz juízos de valor em relação aos mesmos, sem sobre estes ter sido produzida prova, designadamente a prova testemunhal indicada pela A. Se pretendia julgar a matéria de facto alegada e que se encontra controvertida, o Tribunal a quo deveria ter remetido o processo para Julgamento, o que não fez. Se o Tribunal conhece do mérito da causa apenas por julgar procedente a exceção da prescrição, ao mesmo estaria vedado fazer qualquer valoração acerca da demais matéria de facto alegada sem ter sido dada a oportunidade de produção de prova sobre a mesma.

21. A afirmação constante da decisão ao contrário do que alega, dos certificados de aforro juntos pela própria A. [...] consta o prazo prescricional de cinco anos deverá ser considerada como não escrita ou devidamente alterada. Isto porque nos certificados de aforro em causa não consta essa informação (mas apenas a partir de dada altura foi incluída nos certificados para cumprimento do dever de informação em virtude do aparecimento de casos como o presente e após intervenção do Provedor de Justiça).

O que aconteceu foi que, para comprovar a violação do dever de informação por parte da R., a A. (conforme consta do artigo 38º da PI) juntou:

- uma cópia do formulário de subscrição dos existentes a data da subscrição dos CA em causa nos autos onde não consta qualquer informação acerca do respectivo regime, designadamente quanto a prescrição; outra cópia do formulário Modelo 706 que foi preenchido para pedido de resgate dos CA em causa nos autos, onde também não consta qualquer informação nesse sentido (doc. 11 e 6).

- as cópias dos CA em causa nos autos (doc. 1 e 2) onde não consta qualquer informação acerca do regime dos CA, designadamente da prescrição e uma cópia dos CA que atualmente são emitidos já com essa informação (doc.12).

Apesar de estar objetivamente exposto, tal não foi compreendido pelo Tribunal devendo ser corrigido agora.

22. Relativamente a decisão sobre os pedidos subsidiários, sem prejuízo do supra exposto quanto ao pedido principal:

Quanto à meação, o direito à mesma existe (como é admitido pela R. e pelo Tribunal a quo) e é com base nesse direito que a pedida a condenação da R. a entregar á herança determinada quantia correspondente á meação da interessada BB entretanto falecida em 2012. Podendo o Tribunal condenar em quantitativo diferente do peticionado ou a liquidar. Pelo que, os fundamentos invocados na sentença não são suscetíveis de gerar a sua improcedência e não justificam a decisão tomada. Aqui também existe contradição entre os fundamentos e a decisão pois é a própria sentença que considera verificado o direito a meação (apesar de aceitar erradamente o encontro de contas efetuado pela R. em resposta ao pedido de resgate mas que não foi devidamente formalizado nos presentes autos, não podendo ser considerado quer em termos adjetivos, quer em termos substanciais por aplicação do artigo 304°, n.°2 do CC). Pelo que, a decisão nesta parte é nula nos termos do artigo 615°, n.°1, alíneas a) e c) primeira parte, do CPC.

Quanto ao pedido de reconhecimento dos herdeiros que aqui representam a herança e entrega a esta da restante quantia nos termos gerais do direito sucessório, uma vez que este pedido é efetuado pela via do direito sucessório, não existe neste âmbito qualquer prazo de prescrição previsto que impeça a procedência do pedido e que tenha sido invocado pela R. (o que existe é a caducidade de que já se falou e que, como foi levantada pela R. e invocados factos impeditivos da verificação da mesma pela A., sempre a ação teria de prosseguir para produção de prova).

O Tribunal a quo admite que os certificados de aforro configuram indiscutivelmente direitos patrimoniais transmissíveis por morte do seu titular. A sucessão mortis causa e o regime dos certificados de aforro são regimes que não se confundem mas que juridicamente são conciliáveis, em ordem a realização da mais elementar Justiça Social que é o que o legislador preconiza essencialmente. Pelo que, não poderia o Tribunal ter julgado improcedente esta parte do pedido subsidiário através da prescrição.

Neste enquadramento, a absolvição do R. na parte relativa ao pedido de condenação da R. no pagamento do valor a título de transmissão mortis causa, não se encontra fundamentada (não estão indicados fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) e viola o disposto no artigo 608°, n.°2, la parte (falta de decisão sobre a caducidade invocada pela R. no sentido do prosseguimento dos autos para apuramento da matéria invocada e que se encontra controvertida quanto ao momento de aceitação da herança), sendo nula nesta parte a sentença nos termos do artigo 615°, n.°1, alínea a) e d) primeira parte do CPC.

9. Considerando, porém, que as conclusões apresentadas padeciam dos mesmos vícios que as anteriores, a Exma. Desembargadora Relatora julgou findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto (arts. 652º, al. h) e 639º, nº3, ambos do CPC).

10. A recorrente reclamou para a Conferência que proferiu acórdão confirmando a decisão reclamada.

11. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista, no qual a recorrente suscita as seguintes questões:

a) Nulidade da decisão, por falta de fundamentação;

b) Inverificação dos pressupostos que permitam rejeitar o recurso, uma vez que “a exigência de sintetização se encontra razoavelmente cumprida” e “existe um elenco conclusivo que permite a compreensão das razões do recurso e o exercício do contraditório”;

c) Violação do direito ao recurso, bem como do art. 208º, da CRP, do art. 12º, nº 3, da LOSJ e do art. 89º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que a decisão recorrida põe, alegadamente, em causa a independência e autonomia técnica do Advogado.

12. Não foram apresentadas contra-alegações.

13. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), importando, assim, decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por falta de fundamentação, bem como se o Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso de apelação interposto pela autora.


***


II – Fundamentação

14. Os factos a ter em conta na apreciação deste recurso são os que constam do relatório.

15. Da nulidade do acórdão

A recorrente veio arguir a nulidade do acórdão recorrido, alegando que “o Tribunal da Relação de … não fundamentou com razoabilidade e coerência a sua decisão, não atuou no sentido da jurisprudência dominante (…) violou o dever de fundamentação constante dos artigos 20º, CRP, 24°, da L.O.S.J. e 663º, do CPC, sendo nula nos termos artigo 615º, nº, al. b) …”.

Não tem, contudo, razão.

Nos termos do art. 615º, nº1, al. b), do CPC (aplicável ex vi dos arts. 666º e 679º, do CPC), a sentença é nula por falta de fundamentação quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo e que, a verificar-se, afeta a validade da sentença.

Esta nulidade, porém, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, não se configurando quando haja erro de julgamento, insuficiência ou mediocridade da motivação, ainda que, nestas situações, possa contender com o valor doutrinário da decisão.

Ora, no caso em apreço, o acórdão proferido em Conferência pronunciou-se expressamente sobre a questão submetida à sua apreciação, qual seja a de saber se as conclusões apresentadas, na sequência do despacho de aperfeiçoamento, enfermavam de vícios impeditivos do conhecimento do recurso e, sufragando o entendimento da Exma. Relatora, o coletivo de Juízes Desembargadores confirmou a decisão reclamada (cf. fls. 273-274 do acórdão recorrido e fls. 226-227 da decisão singular, para a qual, em parte, se remete).

Não se verifica, assim, qualquer omissão em sede de fundamentação que permita assacar ao acórdão recorrido a nulidade invocada. Tão pouco se vislumbra violação de princípios constitucionais, mormente o ínsito no art. 20º, da CRP, ou do estatuído nos arts. 154º, nº 1 e 663º, do CPC e no art. 24º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Improcede, portanto, a nulidade invocada.

16. Pretende a recorrente, com o presente recurso, obter a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que culminou na rejeição do recurso de apelação.

Vejamos, então, se as conclusões apresentadas pela recorrente enfermam de irregularidades (formais) que, nos termos da lei processual, obstem ao conhecimento do recurso pela Relação.

Ora bem.

De harmonia com o disposto no art. 639, nº1 do CPC, incumbe ao recorrente a enunciação das razões que o levam a impugnar a decisão proferida, a fim de permitir ao tribunal superior apreciar se as mesmas procedem ou não. A lei impõe-lhe ainda que, a título de conclusões, indique resumidamente os fundamentos da sua impugnação.

As conclusões serão, portanto, as proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo do corpo das alegações do recurso.[1]

Nem sempre, porém, as conclusões são elaboradas com o rigor exigido, pois, frequentemente, evidenciam deficiências que podem conduzir à rejeição do recurso.

Em todo o caso, importa não esquecer que “a motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objetivo procurado pelo recorrente[2], pelo que, neste domínio, o (in)cumprimento pelo recorrente das regras processuais que possa determinar o não conhecimento do recurso (no todo ou em parte) deve ser valorado em concreto.

A este respeito, é elucidativa a forma como a questão é equacionada no ac. do STJ de 6.12.2012, proc. 373/06.1TBARC-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e que, pela sua clareza, passamos a transcrever:

Ao apreciar o cumprimento do ónus de concluir pelo recorrente e/ou de suprimento da sanação de vícios originários, “deverá partir-se não de um critério estritamente formal ou quantitativo, baseado exclusivamente no número de conclusões e extensão de páginas por elas preenchidas, mas de um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso. Ora, como é sabido, tal função processual traduz-se em definir adequadamente e tornar objetivamente apreensível o objeto do recurso, elencando o recorrente, de forma cabal e inteligível, as exatas questões que pretende ver dirimidas pelo Tribunal ad quem, mostrando onde se situou precisamente o erro de julgamento que motiva a impugnação deduzida.”.

Sendo estes, também em nosso entender, os parâmetros orientadores a ter em conta, debrucemo-nos, agora, sobre o caso sub judice.

Nas alegações do recurso de apelação, a recorrente manifesta divergências quanto ao conteúdo da sentença e termina a sua exposição, formulando vinte e duas conclusões.

Ora, ainda que o número de artigos das conclusões não seja, só por si, impressionante, não pode deixar de se ter em conta que, alguns deles, além de excessivamente longos, se desdobram em vários parágrafos (cf., v.g., arts. 8, 12, 21 e 22).

Mostra-se, assim, claramente incumprido o ónus de concisão que sobre a recorrente impende.

Por outro lado, na elaboração das conclusões, misturando questões de facto com questões de direito, a recorrente utilizou uma metodologia que compromete definitivamente a apreensão das questões concretas que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Superior.

Afigura-se-nos, deste modo, que, na sequência do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi endereçado, a recorrente não aproveitou a oportunidade que o Tribunal lhe concedeu, suprindo os vícios que afetavam a peça processual originariamente apresentada.

Exemplificando:

Nas1ª e 2ª conclusões identifica-se a decisão de que se interpõe recurso, nada havendo a apontar.

Porém:

Nas conclusões 3ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 13ª, 14ª, 17ª e 22ª, embora se impute à sentença vícios qualificados como nulidades, a exposição é de tal forma confusa que, mesmo desenvolvendo algum esforço, não é possível compreender as concretas razões pelas quais se pede a anulação da decisão.

De igual forma, nas conclusões 5ª, 6ª, 10ª e 11ª, a despeito das referências à prescrição e à caducidade, bem como à constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos prazos de prescrição, as ditas matérias surgem amalgamadas, sem um fio lógico condutor que permita apreender a pretensão da recorrente.

Finalmente, nas conclusões 12ª, 13ª, 14ª, 15ª, 16ª, 18ª a 22ª, a recorrente, sem a necessária discriminação, mistura matéria de facto com matéria de direito, impedindo a identificação pelo tribunal das questões concretas que pretendia ver analisadas, bem como do raciocínio seguido pela recorrente para fazer proceder a sua alegação.

Em suma:

As conclusões apresentadas padecem do vício de prolixidade, inconcludência e falta de clareza, inviabilizando a identificação precisa pelo Tribunal Superior das exatas questões que lhe cumpriria decidir, não permitindo, portanto, apreender, na sua totalidade, o objeto do recurso.

E assim sendo, perante uma manifesta indeterminação do respectivo conteúdo, nenhuma censura merece a decisão que se absteve de conhecer do recurso de apelação interposto, não se mostrando, consequentemente, violados quaisquer  preceitos legais, mormente os indicados pela recorrente.

Por conseguinte, é de rejeitar o recurso, como acertadamente se decidiu no acórdão recorrido.

17. Pelo exposto, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 08 de Fevereiro de 2018

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

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[1] Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299.

[2] V. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág.144.