Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3877/21.2TBLRS.L1.51
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DENÚNCIA
PRAZO
AVISO PRÉVIO
COMUNICAÇÃO
FACTO EXTINTIVO
RESOLUÇÃO
FALTA DE AVISO PRÉVIO
INEFICÁCIA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
LOCADOR
LOCATÁRIO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
O prazo de pré-aviso para a denúncia, a efectivar pelo arrendatário, dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais dos autos, celebrados com prazo certo, mas sem que as partes previssem prazo de pré-aviso, é regulado pelo art. 1098.º, n.º 3, do CC, aplicável por remissão do art. 1110.º, n.º 1, do CC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Obirruda, Imobiliária, Lda. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., peticionando:

Que a ré seja «condenada a pagar à Autora a quantia de 91.969,50 € (noventa e um mil euros, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), respeitantes a rendas vencidas e vincendas, até ao final da vigência dos contratos, pois que a duração e denúncia foram livremente estipuladas pelas partes nos termos do artigo 1110.º do Código Civil;

Quando assim não se entenda,

deverá então ser considerado que o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento a respeitar e cumprir por parte da ré, é de um ano, e não 120 dias, devendo por isso ser condenada a pagar a diferença em falta para cada um dos contratos no valor de 37.102,50 € (Trinta e sete mil, cento e dois euros e cinquenta cêntimos), tudo acrescidos de juros legais, custas e demais despesas».

Alegou, em síntese, o seguinte:

- Que celebrou com o Finibanco dois contratos de arrendamento não habitacional, com prazo certo de 15 anos;

- Um dos contratos, referente a uma loja sita em ..., foi celebrado em 07-02-2007; o outro contrato, referente a uma loja em ..., foi celebrado em 22-01-2008;

- Em 1 de Abril de 2011 o Finibanco foi integrado no Montepio Geral;

- Através de cartas de 15 de Maio de 2020 a ré denunciou os referidos contratos de arrendamento, invocando o disposto nas alíneas a) do n.º 3 do art. 1098.º e no n.º 1 do art. 1110.º, ambos do Código Civil;

- Tendo a autora respondido mediante o envio das missivas de 29-05-2020 nas quais explanou o seu entendimento quanto à abrangência das rendas como sendo devidas até ao termo dos contratos.

A ré contestou, invocando a excepção da incompetência territorial do Tribunal; e impugnando o efeito jurídico extraído pela autora do regime do prazo de pré-aviso para denúncia dos contratos.

Subsidiariamente, alegou que a pretensão da autora relativamente ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, referentes aos contratos de arrendamento denunciados, sempre teria de improceder por se verificar exercício abusivo do direito.

Concluiu no sentido de procedência da excepção de incompetência relativa, com a consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

Vindo a autora pronunciar-se acerca da excepção deduzida pela ré, por despacho de 18-02-2022 o Juízo Central Cível de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, veio a declarar-se incompetente, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.

Por este tribunal veio a ser proferido saneador-sentença, com a seguinte decisão:

«Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência absolvo a Ré Caixa Económica Montepio Geral S.A. do pedido contra ela formulado pela Autora Obrirruda Imobiliária Lda.».

Inconformada, interpôs a autora recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 14-09-2023, proferiu a seguinte decisão:

«Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante/Recorrente OBIRRUDA, IMOBILIÁRIA, LDA., em que figuram como Ré/Apelada/Recorrida CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A. e, consequentemente, decide-se:

i. revogar parcialmente o saneador-sentença recorrido;

ii. o qual se se substitui por juízo de parcial procedência do pedido subsidiário deduzido, condenando-se a Ré arrendatária a pagar à Autora senhoria as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (oito meses), relativamente a cada um dos contratos, no valor total de 32.980,00 (trinta e dois mil novecentos e oitenta euros), correspondente aos seguintes valores parciais:

- 1.758,00 € X 8 = 14.064,00 € - 2.364,50 € X 8 = 18.916,00 €,

acrescido dos respectivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das rendas e até integral pagamento;

iii. confirmar, no demais, o saneador-sentença apelado;

(...)».

2. Vem a ré interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª Vem o presente recurso interposto pela CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, Caixa Económica Bancária, S.A., (adiante designada abreviadamente por CEMG), do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.09.2023, quanto ao segmento em que, revogando parcialmente o saneador-sentença apelado, o substituiu por “juízo de parcial procedência do pedido subsidiário deduzido pela apelante, condenando a Apelada arrendatária a pagar à Apelante senhoria as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (oito meses), relativamente a cada um dos contratos, no valor total de 32.980,00 (trinta e dois mil novecentos e oitenta euros) acrescido dos respectivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das rendas e até integral pagamento”;

2.ª O legislador, com a reforma de 1990 (introduzida pelo RAU), ao instituir a possibilidade de estipulação de um prazo para a duração efetiva do arrendamento urbano, que não podia ser inferior a cinco anos, desde que a respectiva cláusula estivesse inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes (cf. Art.º 98º do RAU para o arrendamento urbano habitacional e Art.º 117º do RAU para o arrendamento urbano destinado a comércio ou indústria), como forma de pôr fim ao regime vinculístico representado pela renovação automática, inevitável, do arrendamento urbano – habitacional e não habitacional – independentemente do prazo de duração que nele fosse aposto pelas partes, instituiu também o regime de denúncia pelo arrendatário, permitindo, qualquer que fosse a duração (limitada) do contrato estipulada pelas partes, a denúncia pelo arrendatário, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos (cf. Art.º 100º do RAU, aplicável ao arrendamento urbano para habitação, e bem assim, também ao arrendamento não habitacional, aplicável “ex vi” do disposto no Art.º 117º, n.º 2, do mesmo diploma), do que resulta que logo no domínio da reforma de 1990 a aplicação supletiva ao regime de denúncia não habitacional, do regime de denúncia do arrendamento habitacional, por remissão expressa das normas deste último, esteve inscrita no pensamento legislativo;

3.ª Com as subsequentes reformas de 2006 e de 2012, esta última, no que aos presentes autos respeita e quanto ao essencial não alterada pela Lei nº 13/2019, de 12/02, vigente à data da denúncia dos contratos de arrendamento sub judice (15/05/2020), o legislador remodelou substancialmente o referido regime de denúncia, mantendo relativamente ao arrendamento urbano para habitação, qualquer que fosse o período de duração do contrato estipulado pelas partes, a possibilidade de denúncia unilateral pelo arrendatário, que passou a poder ser efetuada apenas depois de decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação (seis meses, na reforma de 2006), a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência de 120 dias ou de 60 dias do termo pretendido do contrato e;

4.ª relativamente ao arrendamento urbano para fins não habitacionais, o legislador instituiu a liberdade de estipulação das partes no tocante à denúncia do contrato ou, no omisso, a aplicação supletiva do disposto quanto ao arrendamento para habitação;

5.ª Há, assim, plena coerência geral do regime de liberdade de desvinculação unilateral, imotivada, pelo arrendatário, porquanto no caso de haver prazo de duração do arrendamento urbano estipulado pelas partes e desde que decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário habitacional pode denunciar o contrato, a todo o tempo, por aplicação do disposto no Art.º 1098º, nº 3, do Código Civil, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência de 120 ou de 60 dias consoante as situações aí previstas, concedendo idêntica faculdade ao arrendatário não habitacional, ao abrigo da mesma norma (imperativa, cf. Art.º 1.080º do Código Civil), aplicável “ex vi” do disposto no Art.º 1110º, nº 1, do Código Civil;

6.ª Não havendo prazo de duração do contrato estipulado pelas partes aplica-se, supletivamente, quanto ao arrendamento urbano para habitação, o Artº 1.094º, nº 3, do Código Civil, considerando- se o contrato celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos, continuando o regime de denúncia pelo arrendatário aplicável a ser o previsto no citado Art.º 1098º, nº 3, do Código Civil e, quanto ao arrendamento urbano para fins não habitacionais, aplica-se, então sim – e só neste caso –, supletivamente, o Artº 1.110, nº 2, do Código Civil, considerando-se o contrato celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos, com exceção do regime de denúncia pelo arrendatário não habitacional, que neste caso passa a ser o regime de denúncia previsto na parte final do mesmo Art. 1110º, nº 2, do Código Civil, em vez do regime de denúncia pelo arrendatário habitacional previsto no citado Art.º 1098º, nº 3, do Código Civil;

7.ª Uma vez que o Art.º 1110º, n.º1, do Código Civil, ao instituir a liberdade de estipulação das partes no tocante à duração, denúncia e oposição à renovação dos arrendamento urbanos para fins não habitacionais, permitiu que as partes se ocupem, apenas, de alguns dos aspetos em jogo, podendo as partes estipular, apenas, as regras da duração, ou da denúncia, ou da oposição à renovação, ou nenhumas destas, a regra “o contrato considera-se celebrado pelo prazo certo, pelo período de cinco anos" inscrita no n.º 2 do Art.º 1110º do Código Civil, não pode ser consequência dos casos de falta de estipulação das regras de denúncia ou de oposição à renovação, ou seja, não pode aplicar-se a regra “o contrato considera-se celebrado pelo prazo certo, pelo período de cinco anos", inscrita no n.º 2 do Art.º 1110º do Código Civil, a cada um dos casos de falta de estipulação das regras abrangidas por esta disposição legal (duração, denúncia ou oposição à renovação) mas apenas à primeira delas (falta de estipulação do prazo de duração do contrato);

8.ª Por conseguinte, a menção “não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano” inscrita na parte final do n.º 2, do Art.º 1110º do Código Civil, não pode ser interpretada separadamente da função de complemento do texto antecedente “o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos” desta mesma norma, o que tem como consequência que a falta de estipulação a que se refere esta disposição legal, só possa ser interpretada como abrangendo exclusivamente os casos de concreta falta de estipulação da duração do contrato;

9.ª O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, quanto ao segmento em que ajuizou ser aplicável à situação concreta em apreço nos autos a antecedência mínima e supletiva de um ano inscrita no n.º 2, do Art.º 1110º do Código Civil, com fundamento em que a legal menção “na falta de estipulação” inscrita no Art.º 1110º, nº 2, do Código Civil, abrange não só a concreta falta de estipulação da duração do contrato, mas também a concreta falta de estipulação da denúncia também nos casos em que tenha havido estipulação da duração do contrato, contraria a regra – imperativa – de que para os arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, na falta de estipulação convencional se aplica o disposto no arrendamento para habitação;

Sem conceder,

10.ª O Douto Acórdão recorrido ajuizou que, deixando o legislador, no Art.º 1110º, nº 1, do Código Civil, ao critério das partes as regras de denúncia e da oposição à renovação, mas apenas isso, e não a faculdade de suprimirem o direito à denúncia do arrendamento, cujas regras são, inclusive, imperativas (Art.º 1.080º do Código Civil), estando os contratos de arrendamento sub judice sujeitos ao princípio da liberdade de desvinculação, imotivada, o arrendatário (no presente caso a CEMG) goza do direito de denúncia, desde que o exerça nas condições contratualmente acordadas ou, na falta destas, nos termos previstos na lei;

11.ª Ora, os termos previstos na lei, são exclusivamente os termos previstos no Art.º 1098º, nº 3, als. a) e b), do Código Civil, porquanto em matéria de “Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais”, os Artºs 1108º a 1113º do Código Civil, que esgotam a subsecção do Código Civil correspondente ao arrendamento do tipo não habitacional, não contêm qualquer disposição legal, autónoma, que confira ao arrendatário não habitacional a reconhecida liberdade de desvinculação unilateral, imotivada;

12.ª Ao ser assim, o Art.º 1.098º, nº 3, do Código Civil, terá que ser aplicado integralmente – muito embora o Tribunal da Relação não o assuma expressamente – ou seja, não pode ser aplicado apenas quanto à parte em que confere ao arrendatário não habitacional o direito de poder denunciar o contrato, a todo o tempo, mas não quanto ao prazo de antecedência;

13.ª É que, se o princípio da liberdade de desvinculação, imotivada, decorre da aplicação do referido Artº 1098º, nº 3, do Código Civil, embora por remissão do Art.º 1110º, nº 1, por imperatividade do Art.º 1.080º do Código Civil, então a imperatividade de aplicação tem que abranger todo o regime contido no n.º 3, do Art.º 1.098º, Código Civil, ou seja, esta disposição tem que ser aplicada integralmente quanto à possibilidade de denúncia imotivada e também quanto ao prazo inscrito na disposição legal que a permite;

Assim,

14.ª A coerência do regime legal de denúncia do contrato de arrendamento urbano, habitacional e para fins não habitacionais, só é assegurada se o n.º 2, do Art.º 1110º do Código Civil for interpretado como reportando-se exclusivamente aos casos em que não foi convencionado qualquer prazo;

15.ª Outra solução, não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, em violação do disposto no Art.º 9º, nº 2, do Código Civil;

Assim,

16.ª O n.º 2, do Art.º 1.110º do Código Civil, reporta-se exclusivamente aos casos em que não foi estipulado qualquer prazo de duração;

17.ª Mostrando-se estipulado nos contratos em apreço o prazo certo de duração de 15 anos, esta disposição legal não tem, naturalmente, aplicação, aplicando-se o regime supletivo que é o do arrendamento para habitação por remissão expressa do n.º 1 do mesmo preceito;

Acresce,

18.ª O Tribunal da Relação de Lisboa assentou a condenação da Ré arrendatária, ora recorrente, no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (8 meses), por aplicação do disposto no nº 6, do Artº 1098º do Código Civil, ex vi do n.º 1, do Artº 1110º, também do Código Civil;

19.ª Todavia, o nº1, do Artº 1110º do Código Civil, estatui unicamente que “as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte”;

20.ª Nesta conformidade, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, apenas é aplicável, por remissão desta disposição legal, no caso de falta de estipulação pelas partes das regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mas já não ao caso de falta de estipulação pelas partes de regras relativas à antecedência da comunicação ao senhorio para denúncia do contrato e/ou às consequências da inobservância pelo arrendatário do prazo de antecedência;

21.ª O n.º 6, do Art.º 1.098º do Código Civil, não pode ser assim aplicado ao caso dos autos por remissão do n.º1, do Art.º 1110º do Código Civil, pelo que a condenação da Ré arrendatária, ora recorrente, no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (8 meses), não tem fundamento legal;

Sem prescindir,

22.ª O entendimento perfilhado pelo Douto Acórdão recorrido, a ser mantido, representa um verdadeiro “mosaico” interpretativo, em contradição manifesta com as disposições legais em confronto:

 quanto ao segmento em que se reconhece ao arrendatário não habitacional o direito de poder denunciar o contrato a todo o tempo (liberdade de desvinculação, imotivada), manda aplicar o disposto no n.º 3, do Art.º 1098º do Código Civil, cujas regras, no dizer do Tribunal “a quo”, são inclusive, imperativas (Artº 1.080º do Código Civil), “ex vi” do disposto no n.º 1, do Art.º 1110º do mesmo Código Civil;

 quanto ao segmento referente ao prazo de antecedência (pré-aviso) para denúncia pelo arrendatário (de um ano, em vez de 120 dias), manda aplicar o disposto no n.º 2, do Art.º 1110º do Código Civil, contrariando a aplicação da al. a), do nº 3, do Art.º 1.098º do Código Civil, por imperatividade do Art.º 1080º do mesmo diploma;

e por fim,

 quanto à condenação da Ré arrendatária, ora recorrente, no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (8 meses), regressa a mandar aplicar o disposto no Artº 1098º do Código Civil, neste caso do respectivo nº 6, “ex vi” do n.º 1, do Artº 1110º, do Código Civil.

23.ª Ou nos mantemos, quanto à questão do prazo de denúncia considerado, no domínio do estatuído no n.º 2, do Art.º 1.110º do Código Civil – o qual não comina a omissão do período de pré-aviso com o pagamento das rendas correspondentes ao período em falta – ou no domínio no estatuído na al. a), do n.º 3, do Art.º 1098º, do Código Civil, de cuja aplicação decorre que a Ré arrendatária, no caso a CEMG, ora recorrente, efetuou a denúncia dos contratos de arrendamento mediante comunicação que enviou ao senhorio em obediência à antecedência legal nele prevista.

24.ª Considera, pois, a recorrente, humildemente, que o Douto Acórdão recorrido, quanto ao segmento em recurso, não apresenta coerência legal suficiente, devendo ser revogado e, em consequência substituído, por Douto Acórdão que, absolvendo a Ré arrendatária da condenação no pagamento à Autora senhoria no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso dito em falta (8 meses), confirme a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância na íntegra.

25.ª Disposições legais violadas: os artigos 1.110.º, nº 1 e nº 2, 1.098º, nº 3, al. a) e nº 6 e 9º, nº 2, do Código Civil.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Foi dado como provado o seguinte (mantêm-se a ordenação e a redacção das instâncias):

1. Entre Autora e Finibanco S.A. foram outorgados dois contratos de arrendamento não habitacional com prazo certo, onde a primeira foi outorgante na qualidade de Locadora e a segunda na qualidade de Locatária.

2. O primeiro deles, outorgado a 07 de Fevereiro de 2007, referente a uma loja sita em ....

3. E o segundo, outorgado a 22 de Janeiro de 2008, referente a uma loja sita em ....

4. Quanto ao contrato referente à loja de ... o mesmo foi outorgado pelo prazo de 15 anos, tendo início no dia 07 de Fevereiro de 2007 e estipulando-se o seu término a 31 de Janeiro de 2022.

5. Foi fixada uma renda de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) mensais, a liquidar no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, valor este que entretanto foi sucessivamente actualizado.

6. Por carta datada de 15 de maio de 2020, a Ré Caixa Económica Montepio Geral S.A. denunciou o aludido contrato de arrendamento, alegando para o efeito o disposto nas alíneas a) do n.º 3 do artigo 1098.º e n.º 1 do artigo 1110.º, todos do Código Civil.

7. A Ré liquidou as rendas que se venceram até Setembro de 2020, tendo por referência um prazo de pré-aviso de 120 dias.

8. A esta denúncia a Autora respondeu à Ré mediante o envio de missiva datada de 29 de Maio de 2020, onde explanou o seu entendimento acerca das rendas devidas pela Ré e que seriam não só as que se vencessem nos 120 dias de pré-aviso (até Setembro de 2020), mas sim e também aquelas que se vencessem até ao término do contrato, ou seja, até 31 de Janeiro de 2022.

9. Fruto das actualizações, a renda em 2020 estava fixada em 1.758,00 €.

10. A Ré veio a pagar as rendas até Setembro de 2020.

11.A Ré entregou as chaves e desocupou o locado.

12. O contrato referente à loja de ... foi outorgado pelo prazo de 15 anos, tendo o seu início no dia 01 de Janeiro de 2008 e o seu término a 31 de Dezembro de 2022.

13. A renda foi fixada em 2.125,00 € (dois mil cento e vinte cinco euros) mensais, a liquidar no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito, valor este que foi entretanto sucessivamente actualizado.

14. Através de carta datada de 15 de Maio de 2020, a Ré denunciou o aludido contrato de arrendamento, alegando para o efeito o disposto nas alíneas a) do n.º 3 do artigo 1098.º e n.º 1 do artigo 1110.º, todos do Código Civil.

15. A Ré liquidou as rendas que se venceram até Setembro de 2020, tendo por referência um prazo de pré aviso de 120 dias.

16. A esta denúncia a Autora respondeu à Ré mediante o envio de missiva datada de 29 de Maio de 2020, onde explanou o seu entendimento acerca das rendas devidas pela Ré e que seriam não só as que se vencessem nos 120 dias de pré-aviso (até Setembro de 2020), mas sim e também aquelas que se vencessem até ao término do contrato, ou seja, até 31 de Dezembro de 2022.

17. Fruto das actualizações, a renda em 2020 estava fixada em 2.364,50 € (dois mil, trezentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

18. A Ré veio, contudo, a pagar as rendas apenas até Setembro de 2020.

19. A Ré entregou as chaves e desocupou o locado.

20. Em 07-07-2016 a Autora e a Ré celebraram acordo de revogação por mútuo acordo de contrato promessa de arrendamento, nos termos constantes de fls. 18v. e ss., que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

• Saber qual o prazo de antecedência mínima para a denúncia, a efectivar pelo arrendatário, dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais dos autos, celebrados com prazo certo, mas sem que as partes regulassem aquela matéria.

5. Constata-se que, no caso dos autos, as partes (a autora, na qualidade de locadora, a ré, na qualidade de locatária) celebraram dois contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo de quinze anos, tendo estipulado que o contrato, outorgado a 07-02-2007, relativo a uma loja sita em ..., teria o seu termo em 31-01-2022, e que o contrato respeitante à loja de ..., celebrado a 01-01-2008, teria o seu termo em 31-12-2022.

Não oferece dúvida que, no que se refere à questão em discussão no presente recurso, concernente ao prazo legalmente exigido como de antecedência mínima para a denúncia dos contratos de arrendamento a efectivar pelo arrendatário, é de convocar o regime dos arts. 1110.º e 1098.º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que se encontrava em vigor em 15-05-2020, data em que foram comunicadas as declarações de denúncia dos referidos contratos (cfr. factos provados 6 e 14).

Com efeito, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 23-03-2021 (proc. n.º 6208/19.8T8PRT.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt, no qual se apreciou a questão da aplicação no tempo das alterações introduzidas no regime legal do arrendamento, tal solução “resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso, mas antes a comunicação da denúncia.”.

A ré arrendatária pretende, com a interposição do presente recurso, pôr em causa a interpretação do n.º 2 do art. 1110.º do Código Civil realizada pelo tribunal a quo no sentido de que o prazo mínimo de um ano de denúncia do contrato a efectivar pelo arrendatário se aplica, não apenas aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais em que as partes não fixaram expressamente qualquer prazo de duração, mas, igualmente, aos contratos em que as partes, tendo fixado tal prazo de duração, não previram uma antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário.

Segundo argumenta a ré, ora recorrente, o n.º 2 do art. 1110.º do CC reporta-se exclusivamente aos casos em que não foi estipulado qualquer prazo de duração do contrato, acrescentando que, se a possibilidade de desvinculação ad nutum nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais emerge das alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 1098.º do CC, aplicáveis por remissão do disposto no n.º 1 do art. 1110.º do CC (já que as normas que disciplinam aquela tipologia contratual não contêm qualquer disposição legal autónoma que confira ao arrendatário tal direito), então a imperatividade decorrente do art. 1080.º do CC implica que a norma prevista no n.º 3 do art. 1098.º do CC seja aplicada integralmente quanto à possibilidade de denúncia ad nutum.

Conclui a ré, afirmando que “a coerência do regime legal de denúncia do contrato de arrendamento urbano, habitacional e para fins não habitacionais, só é assegurada se o n.º 2, do Art.º 1110º do Código Civil for interpretado como reportando-se exclusivamente aos casos em que não foi convencionado qualquer prazo.”.

5.1. Para responder à questão recursória objecto do presente recurso, comecemos por considerar o regime legal aplicável.

Quanto à cessação do contrato de arrendamento, dispõe o art. 1080.º do CC que “as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.”. Como se salientou no acórdão deste Supremo Tribunal de 09-01-2024 (proc. n.º 3674/21.5T8LSB.L1.S1), consultável em www.dgdi.pt, esta norma resulta da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que reforçou o movimento de liberalização do regime do arrendamento urbano, iniciado com o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, e restringiu os termos da imperatividade do regime legal.

Dispõem os n.ºs 1 e 2 do art. 1110.º do CC:

“1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.”.

Como sublinha Januário da Costa Gomes («A desvinculação ad nutum no contrato de arrendamento urbano na reforma de 2012. Breves notas», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72 n.ºs 2-3 (Abr.-Set.2012), pág. 628), no campo dos arrendamentos para fins não habitacionais, a reforma de 2012 manteve incólume o regime do artigo 1110.º, n.º 1, do CC, na redacção de 2006, podendo as partes “disciplinar livremente o regime aplicável em sede de duração e denúncia, bem como em matéria de oposição à renovação, valendo supletivamente o regime dos arrendamentos para habitação, salvo no que respeita à matéria disciplinada no artigo 1110.º/2.”. Todavia, como o mesmo autor, em outra sede, destaca são os termos da denúncia que estão sujeitos ao princípio da liberdade contratual e não a susceptibilidade da denúncia – a qual, nos contratos de arrendamento de duração indeterminada corresponde, salvaguardada que seja a antecedência razoável, a um princípio de ordem pública contratual («Sobre a (vera e própria) denúncia do contrato de arrendamento. Considerações Gerais», in O Direito, ano 143, I, 2011, pág. 11).

No âmbito das disposições especiais do arrendamento para habitação com prazo certo, preceitua o n.º 3 do art. 1098.º do CC – norma cuja aplicação é invocada pela recorrente no caso sub judice – o seguinte:

“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;

b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.”

O tribunal a quo, a respeito da questão em apreciação, e na linha de uma jurisprudência que se tem vindo a firmar ao nível dos Tribunais da Relação (cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29-01-2013 (proc. n.º 27/11.7TBPRD.P1), e de 04-07-2013 (proc. n.º 1477/12.7TJPRT.P1), bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2016 (proc. n.º 1384/15.1T8FAR.E1), consultáveis em www.dgsi.pt, enunciou as seguintes proposições conclusivas: “- nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nas situações em que as partes contratantes fixam expressamente o prazo de duração do contrato (ou não fixam qualquer prazo de duração do contrato), mas não prevêm qualquer antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário, é aplicável a antecedência mínima e supletiva de um ano inscrita no nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil; - não sendo, em tais situações, aplicáveis os prazos de denúncia inscritos no nº. 3, do artº. 1098º, do mesmo diploma, previstos no âmbito do arrendamento urbano para habitação; - efectivamente, prevalece, nestas situações, a regra específica prevista naquele normativo (1110º, nº. 2), inexistindo razão para operar a remissão para as regras aplicáveis ao arrendamento urbano para habitação, por força do nº. 1, do mesmo artº. 1110º; com efeito, a imposição legal que a denúncia não opere, nesta tipologia de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com antecedência inferior a um ano, em nada depende do facto do contrato nada prever quanto ao seu prazo de duração; - pois, a legal menção inscrita no nº. 2, do artº. 1110º - na falta de estipulação – abrange não só a falta de estipulação da duração do contrato, como ainda a concreta imperatividade na fixação de um prazo mínimo de denúncia.”.

Se as partes, no exercício da liberdade contratual que o n.º 1 do art. 1110.º do CC lhes confere, convencionaram a modalidade temporal aplicável aos dois contratos de arrendamento, não previram, todavia, convenções específicas sobre o seu modo de extinção.

Importa, pois, ante o silêncio dos contratos, determinar o estatuto extintivo das relações locatícias em causa no que concerne ao período do pré-aviso de denúncia, mediante a aplicação de um destes dois prazos: o prazo constante do art. 1098.º, n.º 3, alínea a) do CC, que vigora para o arrendamento habitacional, ou o prazo previsto no n.º 2 do art. 1110.º do mesmo diploma.

Vejamos.

5.2. Em primeiro lugar, há que fazer uma precisão. Afigura-se que a denúncia, no seu sentido técnico-jurídico, é uma figura própria dos contratos de duração indeterminada (cfr., na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os acórdãos de 11-02-2014 (proc. n.º 1351/12.7TBVLG.P1.S1), não publicado, de 20-09-2023 (proc. n.º 2230/21.2T8BRG.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt; e, na doutrina, a título exemplificativo, Fernando Gravato de Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, págs. 289-291), pelo que, no caso sub judice, tendo as partes estabelecido um prazo certo para a duração dos contratos, o modo de extinção dos mesmos será mais rigorosamente qualificável como “revogação unilateral” (cfr. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano – Regime Substantivo e Processual (Alterações introduzidas pela Lei 31/2012), 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 85).

Sobre a questão em apreciação pronunciou-se este Supremo Tribunal em termos divergentes daqueles que foram adoptados pelo acórdão recorrido no acórdão de 03-05-2023 (proc. n.º 1286/21.8TELSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, no qual estava igualmente em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, ainda que sujeito a sucessivas renovações, afirmando “que no que respeita à extinção do contrato por iniciativa do arrendatário (…) a norma do regime do arrendamento habitacional para a qual remete o art. 1110º, n.º 1 do CC, é o art. 1098º, porquanto está em causa um contrato celebrado com prazo certo.”.

Esta posição é, aliás, concordante com o entendimento perfilhado pela relatora do mesmo acórdão (Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano – Regime Substantivo e Processual (Alterações introduzidas pela Lei 31/2012), cit., pág. 85) no sentido de que a aplicação do n.º 2 do art. 1110.º do CC pressupõe “que as partes não elejam a modalidade temporal do contrato, ou seja, não digam se o contrato deve ter duração indeterminada ou prazo certo.”.

Consequentemente, quando a autora afirma, tal como assinalado pelo acórdão recorrido, que o prazo de denúncia previsto no n.º 3 do art. 1098.º do CC não terá aplicação por ser afastado pela disposição específica do n.º 2 do art. 1110.º do CC, tal afirmação é feita na pressuposição de que as partes nada convencionaram acerca da duração temporal do contrato – condição para aplicação de tal norma –, e não no caso, que se ocorre na situação dos presentes autos, de tal modalidade ter sido estipulada.

Do mesmo modo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 20-05-2021 (proc. n.º 192/19.5T8PVZ-A.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt, apesar de não ter apreciado expressamente a questão que ora nos ocupa, considerou aplicável a norma prevista no n.º 3 do art. 1098.º do CC a um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado pelo período de dez anos.

Também a doutrina se posiciona em sentido similar ao exposto.

Pinto Furtado (Manual de Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, pág. 956) observa que a norma prevista no n.º 2 do art. 1110.º do CC é aplicável se nada tiver sido convencionado quanto à duração do contrato, apenas se atendendo à antecedência não inferior a um ano prevista em tal disposição quanto ao arrendamento não habitacional “tornado com prazo certo”.

Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 182, nota 189) tende a interpretar a norma do n.º 2 do art. 1110.º do CC como limitada aos casos em que não houve estipulação de prazo para o contrato.

Elsa Sequeira Santos (Código Civil Anotado, coord: Ana Prata, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1424) sustenta que as normas supletivas do n.º 2 do art. 1110.º do CC são aplicáveis em bloco na falta de estipulação quanto ao prazo. Na hipótese, coincidente com a que convoca a nossa apreciação, em que os contraentes previram um prazo para o contrato, mas não regularam o prazo de pré-aviso para a denúncia, a autora advoga que serão aplicáveis a este prazo, nos termos do n.º 1 do art. 1110.º do CC, as regras do arrendamento para habitação, já que entendimento contrário poderia levar a resultados não pretendidos, como o que sucederia quando o prazo fixado fosse inferior a um ano

Sob o prisma da hermenêutica jurídica, esta é a posição que se afigura mais conforme com o elemento gramatical da norma prevista no n.º 2 do art. 1110.º do CC. Efectivamente, a circunstância de o verbo “denunciar” se encontrar acoplado ao pronome “lo”, com função sintática de complemento directo, indica que a antecedência mínima de um ano se reporta ao contrato a que supletivamente foi atribuído o prazo certo de cinco anos. A oração “não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano” é, pois, uma oração subordinada relativamente à oração que se reporta ao contrato de arrendamento com prazo certo supletivamente fixado em cinco anos.

O elemento teleológico também depõe no sentido de não ser aplicável o prazo de um ano referido no n.º 2 do art. 1110.º do CC quando as partes tenham fixado a vigência temporal do contrato, por aquele prazo ser excessivamente longo, à luz de um regime legal que se orientou no sentido da redução dos prazos de vinculação do contrato de arrendamento – sem embargo de as alterações introduzidas aos arts. 1110.º e 1110.º- A do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, consubstanciarem uma mudança de paradigma legislativo (cfr. Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», in Julgar Online, Março de 2019, pág. 14) em direcção a um recrudescimento do vinculismo (neste sentido, cfr. David Magalhães, «Algumas alterações ao regime jurídico do Arrendamento Urbano», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XCV, Tomo I, 2019, págs. 563 e segs.).

De facto, foi a liberalização que presidiu à alteração operada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, quanto ao prazo supletivo indicado no n.º 2 do art. 1110.º do Código Civil (que, de dez anos, passou para cinco anos), inscrevendo-se no âmbito do objectivo mais amplo, que presidiu à reforma de 2012, de alcançar uma maior dinamização do mercado de arrendamento.

A este propósito, a doutrina não deixou mesmo de notar que o legislador deveria ter, em congruência, diminuído o prazo de antecedência para efeitos de denúncia do contrato por parte do arrendatário. Neste sentido se pronunciou Maria Olinda Garcia (Arrendamento Urbano – Regime Substantivo e Processual (Alterações introduzidas pela Lei 31/2012), cit., pág. 85), realçando que estes são arrendamentos “que servem atividades económicas, cujos riscos ou imprevisão de resultados dificilmente permitem ao arrendatário cumprir o pré-aviso de um ano, em relação ao momento em que deseja a extinção do contrato”, salientando que “teria sido mais adequado estabelecer, por exemplo, um prazo de 90 dias, pois tal tutelaria de modo razoável os interesses do senhorio em matéria de previsibilidade do recebimento das rendas, sem constituir um grave entrave aos interesses da dinâmica da atividade económica do arrendatário.”.

Sob outro prisma, a solução propugnada de aplicação ao caso dos autos do regime do art. 1098.º, n.º 3, do CC, realiza uma adequada compatibilização entre os interesses económicos do senhorio (quanto à expectativa na percepção de rendas) e do arrendatário (quanto ao não estabelecimento de vínculos locatícios excessivamente duradouros), em face de uma realidade económica essencialmente dinâmica.

Não se ignora o facto, assinalado pelo acórdão recorrido (assim como por Menezes Leitão, ob. cit., pág. 182, nota 189), de esta solução conduzir a uma incongruência, já que, através dela, se exige um pré-aviso de denúncia por parte do arrendatário comercial de contratos em que vigora o prazo supletivo de cinco anos bastante superior ao que, por força da aplicação da norma constante do art. 1098.º, n.º 3, alínea a) do CC, se aplica aos contratos de arrendamento com duração substancialmente mais alargada (como constitui o caso dos contratos em apreço). No entanto, esta é uma aporia que apenas poderá ser ultrapassada pelo legislador, não cabendo ao julgador e intérprete neutralizá-la através da entorse da solução que se afigura resultar da interpretação do regime legal vigente. E, de qualquer forma, sempre a solução alternativa – aplicação supletiva do prazo de pré-aviso um ano previsto no art. 1110.º, n.º 2, do CC – não conduziria a resultados minimamente coerentes, uma vez que, na linha do acima referido alerta de Elsa Sequeira Santos, tal prazo de pré-aviso seria aplicável a contratos com a duração igual ou inferior a um ano.

5.3. Conclui-se, assim, pela aplicação aos dois contratos dos autos, por remissão do disposto no n.º 1 do art. 1110.º do Código Civil, do prazo de pré-aviso para denúncia a efectivar pelo arrendatário de 120 dias, em conformidade com o preceituado no art. 1098.º, n.º 3, alínea a), do mesmo Código.

Tendo ficado provado (factos 15 a 18), que a ré locatária procedeu ao pagamento das rendas referentes aos quatro meses subsequentes às comunicações de denúncia, não existe fundamento para a sua condenação no pagamento da quantia de € 32.980,00, a qual pressupunha a aplicação ao caso de uma antecedência mínima para a desvinculação de um ano.

6. Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido de condenar da ré no pagamento à autora do valor total de € 32.980,00 (trinta e dois mil novecentos e oitenta euros), repristinando-se o decidido pelo Tribunal da 1.ª instância quanto à total improcedência do pedido subsidiário.

Custas na acção e nos recursos pela recorrida.

Lisboa, 14 de Março de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Isabel Salgado

Fernando Baptista