Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
326/14.6TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: RECURSO DE FACTO
CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23.02.2010, PROC. N.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, 6ª SECÇÃO;
-DE 22.09.2015, PROC. N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª SECÇÃO;
-DE 01.10.2015, PROC. N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, 4.ª SECÇÃO;
-DE 22.10.2015, PROC. N.º 212/06.3TBSBG.C2.S1, 2ª SECÇÃO;
-DE 22.10.2015, PROC. N.º 2394/11.3 TBVCT.G1.S1, 7.ª SECÇÃO, DE 25.03.2010, PROC. N.º 740/07.3TTALM.L1.S1, 4.ª SECÇÃO, E, DE 13.12.2007, PROC. N.º 07S2095, 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
I. Tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os depoimento das testemunhas que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.

II. A falta de uma redação alternativa dos factos por parte do recorrente não constitui por si só fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação, desde que aquele identifique nas conclusões de forma inequívoca o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, em termos que permitam apreender as questões por si suscitadas, bem como as respostas que devam ser dadas às mesmas.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA instaurou contra BB a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum.

2. Proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, a R. interpôs recurso de apelação, impugnando quer a decisão relativa à matéria de facto, quer a de direito.

3. O Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso da decisão de facto, por alegada inobservância dos ónus neste âmbito consagrados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; e, considerando que por tal motivo a recorrente não beneficiava do prazo suplementar de 10 dias fixado no art. 80.º, n.º 3, do CPT, para a interposição do recurso atinente à matéria de direito, julgando-o intempestivo, decidiu não conhecer do mesmo.

4. Do assim decidido, interpôs a R. a presente revista.

5. A A. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

6. A Ex.m.ª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em parecer a que as partes não responderam.

7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:[2]

- Se a Relação deveria ter conhecido do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da matéria de facto;

- Tempestividade do recurso, na parte incidente sobre a matéria de direito.

E decidindo.

II.

8. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no art. 640.º, n.º 1 e 2, do CPC, têm vindo a consolidar-se no STJ as linhas jurisprudenciais expressas, entre outros, nos seguintes arestos, assim sumariados na parte que ora releva:

- Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Relatora: Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.


II - Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.


III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.


IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação.

- Ac. STJ de 22.10.2015, P. 212/06.3TBSBG.C2.S1, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):

1. O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.

2. O meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.

3. A decisão de facto tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, alcançando ainda a respetiva fundamentação ou motivação.

4. Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.

5. São as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640 do CPC.

6. Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

7. O impugnante não satisfaz tais requisitos quando (…) omita completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.

- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):

(…)

II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objeto do recurso, quer no que respeita à respetiva fundamentação.

III - Na delimitação do objeto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).

IV - A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada.

V - Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.

VI - Se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.

- Ac. STJ de 23.02.2010, P. 1718/07.2TVLSB.L1.S1, 6ª Secção (Relator: FONSECA RAMOS):

I - Não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690.º-A, n.º1, als. a) e b), e n.º 2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara.

II – Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objeto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que delas resulte, inquestionavelmente, que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.


III – Tendo a recorrente, na conclusão primeira, afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento da matéria de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos que estava obrigada a alegar para que a questão fosse apreciada pela Relação.

9. In casu, a recorrente, nas conclusões da alegação do recurso de apelação (cfr. fls. 478/496), identifica os pontos da matéria de facto que impugna; e, embora sem identificar os depoimentos das testemunhas (o que fez em termos claros no corpo alegatório – cfr. fls. 346/407), indicou as passagens das gravações áudio em que se funda o recurso.

É certo que, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, se propõe uma verdadeira redação alternativa para os pontos de facto impugnados, pelo que, manifestamente, não nos encontramos perante uma impugnação modelar. Todavia, a recorrente afirma/identifica nas conclusões, em termos inequívocos, o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, procedendo mesmo à transcrição de várias passagens da gravação, em termos que suficientemente permitem apreender as questões por si suscitadas e o alcance das respostas visadas pela mesma no plano do recurso de facto.

Deste modo, afigura-se-nos que a rejeição pela Relação do recurso interposto do julgamento de facto enferma de excessivo formalismo, impondo-se, assim, a sua revogação.

Consequentemente, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada no recurso[3].

III.

10. Em face do exposto, concedendo a revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos à 2.ª instância, a fim de se conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto oportunamente impugnada e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.

Custas da revista a cargo da recorrida.

Anexa-se sumário do acórdão.

                                                     Lisboa, 14 janeiro 2016

Mário Belo Morgado (Relator)

                                                                   

Ana Luísa Geraldes

António Ribeiro Cardoso

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[1] Todas as referências ao CPC são reportadas ao regime processual introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, que é o aplicável à revista.
[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[3] Neste âmbito, é jurisprudência pacífica deste STJ que, “contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exata indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação” (Ac. de 22.10.2015, P. n.º 2394/11.3 TBVCT.G1.S1, 7.ª Secção, Relator - Lopes do Rego, e, no mesmo sentido, v.g. os Acs. de 25.03.2010, P. n.º 740/07.3TTALM.L1.S1, 4.ª Secção, Relator – Mário Pereira, e de 13.12.2007, P. n.º 07S2095, Relator – Vasques Dinis).