Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
593/14.5TBTNV.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
PATRIMÓNIO
PARTILHA ADICIONAL
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES - SOCIEDADES COMERCIAIS / LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE.
Doutrina:
- Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, 480.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 164.º, 174.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 13 DE SETEMBRO DE 2007, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

A situação prevista e regulada no art. 164.º do CSC reporta-se à constatação (verificação), posterior ao encerramento da liquidação e após extinção da sociedade, da existência de bens não partilhados, não se exigindo que tais bens sejam supervenientes, no sentido estrito da sua ocorrência histórica, mas apenas que não hajam sido partilhados.



Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA e BB, na qualidade de sócios da dissolvida sociedade comercial CC, Lda., intentaram ação contra DD, Lda., alegando, em suma, que (i) a extinta sociedade foi constituída com o objetivo de participar no capital da segunda, não tendo exercido qualquer outra atividade comercial, industrial ou de serviços, (ii) na sequência de um incumprimento da sociedade ré, a Caixa Geral de Depósitos, em 26 de outubro de 2007, procedeu à venda de um conjunto de ações daquela, empenhadas a seu favor, incluindo as que a sociedade OLP detinha no capital social da ré, (iii) vendidas as ações em causa, a OLP decidiu dissolver-se por deliberação da Assembleia Geral, datada de 24 de dezembro de 2007 e (iv) depois de liquidada a sociedade, verificou-se a existência de bens não partilhados, concretamente um crédito da extinta sociedade sobre a ré, o qual pertence aos sócios, em regime de contitularidade.

A ré contestou, alegando que a sociedade OLP está extinta desde 7 de janeiro de 2007, facto devidamente registado; com a extinção a sociedade perdeu personalidade jurídica e, por consequência, não tem personalidade judiciária, nem capacidade judiciária, não podendo por isso os autores instaurar a presente ação, em 2014, para reclamar créditos, nem como ex-sócios, nem como liquidatários, pois que a função de liquidatário finda com o registo da dissolução da sociedade.

Invocou também a ré a exceção de prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer em juízo e impugnou os factos por eles alegados.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.

2. Apelaram os autores para a Relação, a qual, julgando procedente o recurso, revogou a decisão recorrida, reconhecendo aos autores legitimidade substantiva para instaurar a presente ação e determinando o prosseguimento dos  autos  para  apreciação  das  demais  questões   enunciadas no saneador--sentença como “questões a resolver”.

3. Recorre agora a ré para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respetiva alegação as seguintes conclusões:

«a. A presente revista vem interposta do Acórdão da RE que julgou procedente a apelação dos AA, recorrentes e que revogando a decisão judicial proferida pela primeira instância determinou o prosseguimento dos autos.

b. O cerne da questão a decidir, é saber se os sócios de uma sociedade extinta tinham legitimidade para instaurar acção destinada a reconhecer um direito de crédito de que a sociedade era titular, por sucessão na posição da sociedade extinta. 

c. Dúvidas não restam sobre o acerto do Acórdão ora recorrido neste particular, já que a aqui recorrente não coloca em causa, sequer, que os sócios de uma sociedade extinta tinham e têm legitimidade para instaurar acção destinada a reconhecer um direito de crédito de que a sociedade era titular, por sucessão na posição da sociedade extinta;

d. Até porque isso é claramente permitido e limpidamente disciplinado no artigo 164.º do CSC, na situação em que após a liquidação se apure a existência de bens não partilhados.

e. No entanto, a questão dos autos, é, manifestamente, outra.

f. E é outra, porque a situação em concreto não é subsumível ou enquadrável no âmbito de um activo superveniente.

g. O pretenso crédito arrogado pelos AA. não “nasce” após a extinção da empresa, nem em momento posterior à liquidação da sociedade comercial de que aqueles eram sócios. Esse pretenso crédito é sempre anterior a tais momentos e a todos os momentos e etapas - sem excepção - graduais, até à extinção da sociedade comercial.

h. Esse conhecimento do crédito pelos AA. é anterior à assembleia geral de sócios onde foi deliberada a dissolução da sociedade a 24 de Dezembro de 2007, como o é – necessariamente - por referência, à data do registo do encerramento da liquidação a 07 de Janeiro de 2008.

i. Os AA. já conheciam do seu eventual direito de crédito e conheciam-no desde o mês de Outubro de 2007 como o refere expressamente a decisão judicial proferida na primeira instância, não de forma arbitrária ou discricionária mas suportada na prova documental dos autos (mormente a fls. 238 e 239, que são os avisos de liquidação das acções) e na carta datada de 31.10.2007 subscrita pela Caixa Geral de Depósitos dirigida à sociedade comercial de que os AA. eram os sócios gerentes, informando-a da venda das participações sociais, materialidade que nunca é posta em crise pelos mesmos.

j.  Daí que não possam dizer os AA. que o conhecimento do crédito reclamado apenas sucede depois da liquidação da sociedade, alegação que o Acórdão recorrido estranhamente dá por verificada, mas sem qualquer tipo de suporte probatório, muito pelo contrário, com a existência da prova do contrário, como a, aliás, douta Sentença judicial da comarca tinha assentado.

k. Muito se estranha, até, essa postura divergente dos AA. e os seus reais intentos, que sabendo da existência do arrogado crédito em reclamação, não se inibiram de expressamente declarar em assembleia geral, depois transcrita em acta que consta dos presentes autos datada de 24.12.2007, seja a inexistência de passivo, seja, principalmente, de bens a partilhar, em frontal contradição com o seu conhecimento.

l. Ora como objectivamente, seja em termos materiais, seja juridicamente, só é superveniente (o activo) que historicamente ocorreu depois do momento considerado (isto é, após encerrada a liquidação e extinta a sociedade) não pode dar-se guarida à pretensão dos AA., muito menos, a coberto do disposto no artigo 164.º, nsº 1 e 2 do CSC, que assim se mostra erradamente interpretado e aplicado pelo Acórdão sob revista.

m. Isto posto, é incontroverso que sem personalidade jurídica, a sociedade extinta não tem personalidade judiciária, e na falta desta é evidente a falta de capacidade judiciária, não podendo, por isso, “…estar, por si, em juízo” mas também não o pode estar através dos seus representantes, já que para este efeito necessitava de, igual modo, de ter aquela capacidade judiciária.

n. É incontroverso, que não existindo a sociedade OLP desde os primeiros dias de Janeiro de 2008, não podem os seus ex-sócios, propor, a 13 de Maio de 2014, acção para reclamar eventuais direitos que à extinta sociedade pretensamente pertenciam já em finais de 2007 (mês de Outubro) o que até esbarra com a acta de fls. 32 onde os AA. fizeram constar a já mencionada inexistência de passivo e de bens a partilhar.

o. É, pois, incontroverso que os recorrentes não poderiam intentar a acção na qualidade de ex-sócios da sociedade extinta, como base num suposto activo superveniente, como também, aliás, já não o poderiam fazer como liquidatários da mesma, pois que consoante dispõe o art. 151.º, n.º 8 do CSC, as funções do liquidatário, nomeadamente a prevista no art. 152.º, n.º 3 alínea b) “cobrar os créditos da sociedade”, terminam com a extinção da sociedade e esta ocorreu a 07.01.2008, através do registo da Dissolução e Encerramento da liquidação, havendo, consequentemente, de revogar o Acórdão recorrido, por manifesta violação do disposto no artigo 164.º do CSC.»

Os réus contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:

«I. Em causa estão factos posteriores à dissolução de uma sociedade comercial, cujos sócios são os AA. dos presentes autos. A dissolução da sociedade é, como se sabe, o ato jurídico que põe fim a um contrato de sociedade, tendo por objetivo liquidar e partilhar o património remanescente e resulta da verificação de uma causa de dissolução. Contudo tal verificação não significa a extinção automática das sociedades porquanto, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação.

II. Ora, tendo a liquidação por finalidade a realização dos interesses dos sócios em reaver o valor das suas entradas e, logicamente, receber os lucros finais, verifica-se que o fim da sociedade não se modifica por esta estar em liquidação, visto que, até ao encerramento da liquidação, a intenção é a distribuição do lucro pelos sócios.

III. O registo do encerramento da liquidação marca o momento determinante da extinção da sociedade e tem eficácia constitutiva, isto é, mesmo entre os sócios a sociedade só se considera extinta depois de ser efetuado o registo (art. 160.º, n.º 2) que tem como consequência a extinção da personalidade jurídica da sociedade.

IV. Contudo as ações contra a sociedade e as que posteriormente se detetarem são encabeçadas pelos sócios, ou seja, com a extinção, que só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.

V. O art. 164.º do CSC trata da hipótese em que se verifique a existência de ativo após o registo da liquidação e enceramento da sociedade.

VI. E esse ativo pertence inequivocamente aos antigos sócios da sociedade e deve ser distribuído entre eles, cabendo aos liquidatário propor a partilha desses bens pelos antigos sócios, dando conhecimento a todos os sócios (art. 164.º, n.º 1 e 4 e art. 163.º, n.º 3). Nesta conformidade o Art.º 164° do Código das Sociedades Comerciais, dispõe no seu n.º 1 que verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.

VII. Ora, extinta a sociedade, os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios, e no caso concreto, tratando-se de direito de direitos de crédito, haverá uma contitularidade.

VIII. A questão é saber se se trata ou não de um ativo superveniente. No caso concreto dos autos e conforme se poderá constatar pelos documentos juntos aos mesmos, a Ré DD, SA nunca aceitou de livre e espontânea vontade a existência do crédito dos autores.

IX. Em concreto, houve na sequencia de um incumprimento contratual, um débito da CGD que foi liquidado por terceiros, nomeadamente pela CCP, LDA, pelo que a Ré DD passou a ser devedora da CC, LDA. Aconteceu porém que esse crédito não foi por um lado, contabilizado devida e corretamente na escrita comercial da CC, Lda, e por outro, também a Ré DD, Lda não o reconheceu de imediato.

X. O que aliás justificou a troca de comunicações entre a EE e o DD conforme documento 11 junto aos autos pelos AA, ou teor do mail recebido a 11 de Março de 2008, no qual o ROC Dr. FF, dirigindo-se ao Dr. GG (Diretor Geral do DD) manifesta o seu entendimento quanto à forma como deverá ser contabilizada na escrita comercial da Ré TVT, SA as operações supra referidas, propondo.

XI. Ou seja, documentação existe nos autos que prova que passados que estavam 6 meses após a venda da totalidade das ações, a Ré ainda não tinha reconhecido a existência do crédito a favor dos ex-acionistas, salientando-se que o reconhecimento (indireto) da existência desse crédito resultou apenas e só por força da lei na contabilização dos respetivos documentos, facto que verdadeiramente só veio ao conhecimento dos AA. quando se publicaram as contas relativas ao exercício económico do ano de 2007, que ocorreu em 2009 (contas depositadas em 31.07.2009).

XII. Não havendo o reconhecimento por parte da Ré DD, SA, da existência do crédito, mais ninguém poderia à data e com certeza, garantir que era do conhecimento da extinta CC, Lda e dos seus sócios a existência do direito a esse crédito, justificando-se assim, que o conhecimento deste alegado direito de crédito sobre a Ré tenha ocorrido já depois de dissolvida e extinta a sociedade, o que ocorreu depois de se conhecer a posição da EE quanto à contabilização de todas as operações que supra se mencionaram.

XIII. Considerando-se a existência de um ativo por liquidar, os A.A. devem ser considerados partes legítimas, entendendo-se qui não a simples legitimidade processual de que são inequivocamente possuidores, mas sim a tal legitimidade Substantiva que ditou a absolvição do pedido formulado contra a Ré, a qual tem a ver com a posição das partes perante o direito subjetivo invocado.

XIV. Legitimidade processual e a legitimidade substantiva estas que, apesar de colocadas em questão, nunca mereceram procedência que inviabilizasse de todo o pedido dos A.A., nos autos que entre as partes já correram termos e nos quais os AA. pretendiam ver reconhecido um direito de sub-rogação. Nestes autos, ao invés, apesar de ter sido invocada a exceção de ilegitimidade, todo o processo correu dentro da normal tramitação processual, não tendo sido verificada em três importantes momentos processuais a invocada exceção de ilegitimidade dos AA. (sentença em 1.ª instância, acórdão da Relação de Coimbra e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça).

XV. Acresce que, os AA manifestaram pelos autos 749/08.0TBTNV do....º Juízo do Tribunal Judicial de ... a sua intenção de ser ressarcidos relativamente ao crédito que entendem deter sobre a Ré DD, SA, embora ao abrigo de instituto jurídico distinto do aqui em questão, pelo que tais autos suspenderam o prazo prescricional.

XVI. E também, uma vez que temos vindo a falar dos autos que correram termos sob o número 749/08.0TBTNV do ....º Juízo do Tribunal Judicial de ..., por mera cautela jurídica, não haverá aqui caso julgado quer formal quer material, pois que para existir caso julgado formal e / ou material se torna necessário que as partes sejam as mesmas e que a causa de pedir e o pedido sejam os mesmos, o que não é o caso. As partes são de facto as mesmas, a causa de pedir é parcialmente a mesma, mas o pedido é distinto.

XVII. Por todo o exposto, entendemos que em causa está claramente um ativo superveniente da sociedade CC, LDA, a qual se encontra de facto liquidada e extinta, pelo que o respetivo ativo passou na proporção das respetivas quotas para os seus sócios. Que inequivocamente, os sócios da extinta sociedade, aqui AA., tem legitimidade processual e legitimidade substantiva para estarem em juízo solicitando o ressarcimento do crédito existente sobre o DD, SA, estando em tempo útil para o fazer sendo o processo o próprio, pelo que,

XVIII. Reconhecida tal legitimidade, devem os autos prosseguir todos os seus termos, reconhecendo-se a final, o crédito dos AA. sobre a sociedade DD, SA.»

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da ré, ora recorrente (CPC, arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso, para se firmar, ou não, o reconhecimento da controvertida legitimidade substantiva dos autores, consiste em definitivamente fixar o alcance do que se deve entender por “ativo superveniente”, no quadro regulado pelo art. 164º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), designadamente se, conforme defende a recorrente, «só é superveniente (o activo) que historicamente ocorreu … . … após encerrada a liquidação e extinta a sociedade» (conclusão l da respetiva alegação).

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1. Os autores foram sócios da sociedade CC, Lda. até 24 de dezembro de 2007.

2. A sociedade CC, Lda. participou no capital social da ré DD, Lda., detendo 575 552 ações nominativas.

3. A sociedade CC, Lda. constituiu a favor da Caixa Geral de Depósitos um penhor sobre as ações referidas em 2., em virtude de um contrato de financiamento celebrado entre esta última e a ré DD, Lda..

4. Na sequência de um incumprimento da ré DD, Lda., a Caixa Geral de Depósitos, no uso das garantias a si concedidas, procedeu à venda de um conjunto de ações daquela ré (97,75%) empenhadas a seu favor, incluindo as que a sociedade CC detinha no capital social da ré DD.

5. No dia 24 de dezembro de 2007 reuniram-se em Assembleia Geral Extraordinária os sócios da “CC – , Lda.”, AA e BB.

6. Na ata da Assembleia Geral Extraordinária fez-se constar que no património da sociedade CC não existem bens a partilhar, nem passivo.

7. Na mesma Assembleia Geral Extraordinária foi deliberado dissolver a sociedade CC, Lda. e nomear BB para proceder ao registo da dissolução.

8. A dissolução e o encerramento da sociedade CC, Lda. foram inscritos na Conservatória do Registo Comercial pela inscrição 3 da Ap. 1/20080107.»

7. Dispõe o art. 164º do CSC, sob a epígrafe “Ativo Superveniente”:

«1 ‐ Verificando‐se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.

2 ‐ As ações para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor ação limitada ao seu interesse.

3/5 - … . …».

Vem a ação proposta ao abrigo da segunda parte do nº 2 do art. 164º do CSC.

7.1. Apreciando a validade do apontado fundamento legal, escreveu-se no acórdão da Relação:

«Alegaram os autores que depois de liquidada a sociedade, verificaram a existência de bens não partilhados, «concretamente a existência de créditos da CC, LDA sobre a ré DD, tendo os aqui autores intentado ação com vista à sub-rogação de direito da CGD sobre a DD (o que apenas mereceu acolhimento por parte do Tribunal da Relação de Coimbra, sendo este acórdão posteriormente revogado por outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça …» (artigo 6º da petição inicial).

Ora, em face de tal alegação, não pode sustentar-se, como na decisão recorrida, que «não estamos perante um “ativo superveniente”, resultante de “algo” que se tenha verificado após o encerramento da liquidação e extinção da sociedade. O crédito que os autores, agora, vêm reclamar já era conhecido à data da deliberação de dissolução da sociedade em 24.12.2007, data da Assembleia Geral Ordinária. Na verdade, as ações foram vendidas em outubro de 2007 e a “CC, Lda.” informada formalmente deste facto ainda no mesmo mês de 2007.

Na data da deliberação de dissolução da sociedade em 24.12.2007, fez-se constar da respetiva ata que no património da sociedade “CC, Lda.” não existem bens a partilhar, nem passivo. Ora, se não tem ativo, não se compreende a presente demanda, pois com ela pretende-se precisamente a satisfação de um ativo.»

Da alegação dos autores acima transcrita, resulta precisamente o contrário do que é afirmado na decisão recorrida quanto ao momento do conhecimento do crédito reclamado pelos autores na presente ação que, segundo eles, apenas aconteceu depois da liquidação da sociedade.

E também não releva o facto de na deliberação de dissolução da sociedade se ter feito constar na respetiva ata a inexistência de bens a partilhar, pois o que está em causa é o ativo superveniente, de que trata o referido artigo 164º.»

7.2. Concorda-se com a apreciação constante do transcrito passo do acórdão.

Os autores, no âmbito do presente recurso, mantêm a alegação de que apenas conheceram do crédito aqui reclamado após a liquidação da sociedade (conclusões VIII e ss. da contra-alegação apresentada), não tendo a questão sido levada à matéria de facto.

Importa observar que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, relativamente ao alcance de “ativo superveniente”, o que se prevê e regula no nº 1 do art. 164º do CSC não é mais do que a constatação (verificação), posterior ao encerramento da liquidação e após extinção da sociedade, da existência de bens não partilhados, não se exigindo que tais bens sejam supervenientes, no sentido estrito da sua ocorrência histórica, mas apenas que não hajam sido partilhados (neste sentido, na jurisprudência das Relações, acórdão da Relação do Porto, de 13 de Setembro de 2007, disponível em http://www.dgsi.pt).

Previne-se aqui a repristinação da sociedade: uma vez «desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade (…), só os sócios podem ser os novos titulares desse activo (…)» (Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, pág. 480).

As ações para cobrança de créditos, possibilitadas pelo nº 2 do art. 164º do CSC – e, no que ora releva, no caso previsto na segunda parte daquele preceito, a reivindicação de tais direitos de crédito por parte de antigos sócios, enquanto co-titulares sucessores, ficará limitada ao interesse de cada um –, estarão sempre sujeitas ao prazo máximo de prescrição de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174º, nº 3 do mesmo código).

7.3. De assinalar, finalmente, que no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Setembro de 2013, proferido no anterior processo contra a mesma ré e em que os aqui autores intervieram, processo instaurado no Tribunal de ... – pretendiam os aí intervenientes, também na qualidade de ex-sócios da OLP, a condenação da ré a pagar-lhes a parte da dívida que liquidaram através da venda das suas ações, invocando como fundamento da sua pretensão o instituto da sub-rogação legal previsto no art. 592º, nº 1 do Código Civil, na medida em que eram terceiros e tinham garantido o cumprimento através do penhor dessas ações à CGD –, ao concluir-se que os mesmos não podiam ser sub-rogados no direito da credora CGD, já que o pagamento parcial que suportaram não podia ser tido como cumprimento interessado, nos termos configurados na invocada disposição legal, não se teve por excluída a possibilidade de se efetivar o pretendido direito de reembolso contra a ré, precisando-se (acórdão junto a fls. 67 e ss.; igualmente disponível em http://www.dgsi.pt): «Porém, não será no âmbito desta acção que podem fazer valer tal eventual direito, designadamente através do instituto de enriquecimento sem causa, não só porque a causa de pedir e o pedido foram conformados, exclusivamente, em função da sub-rogação, como porque se ignora se existiu algum acordo firmado entre os accionistas dadores do penhor e a Ré, subjacente à constituição da garantia, com base no qual devam definir-se os direitos dos accionistas que viram executada a garantia, perante a Ré devedora».

7.4. Deste modo, definitivamente fixado o alcance do que se deve entender por “ativo superveniente”, no quadro regulado pelo art. 164º do CSC e, a essa luz, reconhecida aos autores legitimidade substantiva para instaurar a presente ação, deve a mesma prosseguir para apreciação das demais questões, nos termos determinados no acórdão da Relação.


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 30 de Maio de 2017

Cabral Tavares (Relator)

Sebastião Póvoas

Paulo Sá