Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO MENDES | ||
Descritores: | ADVOGADO CONTRATO DE MANDATO INCUMPRIMENTO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR PERDA DE CHANCE DANO NÃO PATRIMONIAL | ||
Data do Acordão: | 09/30/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL. | ||
Doutrina: | - A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 606. – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 431, 733. - Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, Junho 2006, 63, 103 e 104. - Carneiro de Frada Direito Civil. Responsabilidade Civil. Método do Caso, 103. - João Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico…, Almedina (2004). - Júlio Gomes, in “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005, II. - Nancy Levit, Ethereal Torts, George Washington Law Review, v.61, p. 140. - Nuno Santos Rocha, A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2014, 27, 96. - Patrícia Cordeiro da Costa, Dano da Perda de Chance…, Verbo Juridico, 99. - Reglero de Campos, Tratado de Responsabilidad Civil I, 321. - Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e seguintes. - Sérgio Savi, Responsabilidade civil por perda de uma chance, São Paulo, Atlas, 2006. p. 3. - Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos …, Almedina, 1989. - Vaz Serra, “Reparação do Dano Não Patrimonial”, in Bol. 83, p. 104; “Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual”, in Bol. 85, p. 115 e ss.. Afonso Melo, “Responsabilidade Civil do Mandatário Judicial”, in ROA nº 26 (2003). Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, 125. -Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 487.º, N.º2, 496.º. | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA 92/13/CEE, DE 25-2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 21/3/95, BOL. 445, P. 487, DE 25/11/97, CJ S. ANO V, T. 3, P. 140, DE 17/11/98, ANO VI, T. 3, P. 124, DE 8/2/2001, SUMÁRIOS, 48º, DE 19/5/2001, CJ ANO IX, T. 2, P. 71, DE 4/4/2002 (Pº 02B644), DE 14/12/2004 (Pº 05B1526), DE 8/6/2006 (Pº 06A1450), DE 12/9/2006 (Pº 06A2376) E DE 22/1/2008 (Pº 07A4154), DE 23/9/2009 (Pº 09B0368), ESTES ÚLTIMOS EM WWW.DGSI.PT . -DE 16/03/1973, BMJ 225/216; DE 22/10/2009, P.º N.º 409/09.4YFLSB. -DE 3/4/2003, PROC. Nº 03B809, EM WWW.DGSI.PT. -DE 20.6.2006, IN CJSTJ, 2006, II, 119; DE 4.12.2012, P.º N.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; DE 14.3.2013, P.º N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT E DE 6.3.2014, P.º N.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT. -DE 28/9/2010, DE 29/4/2010, DE 10/3/2011, DE 4/12/2012 DE 1/7/2014, DE 6/3/2014, DE 9/9/2014, TODOS EM WWW.DGSI.PT . | ||
Jurisprudência Estrangeira: | ACÓRDÃOS DA COUR DE CASSATION (1.ª CHAMBRE) DE 21.11.2006, 4.6.2007 E 14.5.2009). | ||
Sumário : | I - Tanto na responsabilidade contratual como extracontratual é possível a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e um comportamento de terceiro que, por acção ou omissão, elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir. II - A flexibilização do conceito de dano de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável. III - Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar; IV – É, actualmente, entendimento quase unânime deste STJ a possibilidade de valoração/tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual, desde que tais danos sejam em si graves (art. 496.º do CC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. AA intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização a título de danos patrimoniais no valor de €200.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação ou se assim não se entender e subsidiariamente, a pagar-lhe uma indemnização no valor de €36.643,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e ainda a acrescer a qualquer um dos pedidos supra referidos, a pagar-lhe €1000,00 correspondente ao reembolso de honorários prestados, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação, bem como, uma indemnização a titulo de danos não patrimoniais no montante de €12.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação. Alegou que a A é advogada e que enquanto trabalhadora de uma empresa que tinha iniciado um processo com vista à cessação do contrato de trabalho de vários trabalhadores, processo que a atingia, recorreu aos serviços da R e esta a aconselhou a não aceitar a indemnização proposta pela entidade patronal. Com efeito a aqui R devia ter intentado a acção até ao dia 21 de Outubro de 2007 mas só o fez no dia 23 de Outubro e só a 30 de Outubro invocando justo impedimento, o qual veio a ser julgado improcedente. Que ao não intentar a acção em tempo a R impediu a A de continuar a receber os rendimentos do trabalho até ao fim da sua vida activa, tendo tido um prejuízo que cifra em €200.000,00. Realizou-se audiência de discussão e julgamento tendo a final sido proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a R a pagar à A a titulo de compensação pela "perda de chance", a quantia de €15.000,00 acrescida de juros a contar da citação e a titulo de danos morais, a quantia de €4.500,00, acrescida de juros a contar da citação, julgando improcedente o pedido reconvencional. Desta sentença foi interposto recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão em que se decidiu confirmar integralmente a decisão recorrida. II. Deste acórdão foi interposto recurso de revista excepcional o qual foi admitido por acórdão proferido pela formação competente. Apresentou a R recorrente a alegação constante de fls. 549 a 573 cujo teor aqui se dá por reproduzido. Das conclusões da alegação resultam fundamentalmente colocadas três questões que constituem o objecto do recurso e que se traduzem: a) Em saber se existe ou não fundamento legal para a indemnização pela “perda de chance” defendendo a recorrente que “a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por não se enquadrar na causalidade adequada e fazer a indemnização assumir uma função punitiva que não pode ter lugar no nosso direito positivo”; b) Em saber se no caso concreto estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil de advogado por danos resultantes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato forense, atenta a natureza desse contrato (resultado aleatório ou incerto); c) Em saber se a indemnização por danos morais arbitrada tem fundamento legal uma vez que estamos no domínio da responsabilidade civil contratual. III. FACTOS: 1. A Ré é Advogada, portadora da cédula n° … e exerce a sua actividade profissional de Advogada - A) da matéria dada como assente/MA). 7. A Laboratórios CC. Lda. promoveu o despedimento colectivo de vários trabalhadores, incluindo a autora, pelo que pagou à autora a indemnização de €31.902,00-G) da MA. (...) 49° A trabalhadora n° l [a aqui Autora] é uma trabalhadora com 13 anos de efectividade; 50" A lei diz que será por ordem de integração nos seus efectivos, a ordem pela qual os trabalhadores serão dispensados, a ser necessário (o que não é certo); 51° Em reunião com o representante do Ministério do Trabalho, e com os trabalhadores representados pela comissão escolhida, afirma a R que não utilizou os critérios legais, mas outros que entendeu ser necessários " (doc. 16). (-) Sobre esse requerimento foi proferido despacho indeferindo-o e declarando não verificado o alegado justo não impedimento.
Nestes termos e com os fundamentos expostos, o tribunal julga procedente a excepção de caducidade do direito de acção, e, em consequência, declara extinto o direito que as autoras AA, (...) pretendiam exercer e absolve do pedia a Ré Laboratórios CC, Ld. (...) "- S) da MA resp. 14° da BI. 19. A autora, representada pela Ré interpôs recurso da decisão que julgou improcedente a invocação de justo impedimento e que julgou procedente a excepção de caducidade para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo para o efeito apresentado as alegações que constituem fls. 58 a 60 (agravo) e fls. 65 e 66 (apelação) - T) da MA resp. 14a da BI. 20.No referido Tribunal ambos os recursos foram julgados improcedentes pelo Acórdão que constitui fls. 67 a 78, de 24 de Setembro de 2008, que, dada a sua extensão, aqui se dá integralmente por reproduzido - U) da MA resp. 14° da BI.
21. No referido Acórdão e em sede de fundamentos de facto foi consignado: " …
7. Em 23/10/200/, as AA intentaram a presente acção de impugnação de despedimento colectivo. 8. Em 30/10/2007. a mandatária das AA requereu a verificação de justo impedimento, alegando que só instaurou a acção naquela data, por ter estado afectada de doença prolongada, desde o início do ano de 2007, e acamada e totalmente impossibilitada, desde 27/09/2007 a 24/10/2007" - V) 1 da MA - verifica-se agora que existem dois factos numerados com a alínea V) - este e o seguinte -pelo que o facto seguinte será numerado por V) I - e resp. 14° da BI. Vejamos porquê: Decorre, claramente, do art. 146", n." 2 CPC, a obrigação da parte requerer a prática extemporânea do acto, alegando e provando o justo impedimento, logo que cesse a causa impeditiva. Tendo o direito de impugnar judicialmente o despedimento, por parte da Autora AA, caducado 15 dias antes de se iniciar a alegada causa impeditiva da propositura da acção e tendo, em relação às demais AA., o incidente de justo impedimento sido deduzido extemporaneamente (sete ou oito dias após a cessação do evento), tornou-se inútil a apreciação do fundamento nele invocado. De qualquer formai, sempre se dirá que, em manifesta contradição com o que as recorrentes afirmam na sua alegação de recurso, foi a sua mandatária que afirmou expressamente, no artigo 3" do requerimento de fls. 16, que a causa impeditiva da propositura atempada da acção judiciai cessou, em 24 de Outubro de 2007, pelo que não tendo sido invocada a existência de erro ou lapso na indicação dessa data e tendo a petição inicial sido apresentada em juízo em 23 de Outubro de 2007 - portanto, em data anterior à cessação do alegado evento impeditivo - isso significa que, afinal, não existiu justo e verdadeiro impedimento para a prorrogação do prazo peremptório. Por outro lado, foi a própria mandatária das recorrentes que alegou sofrer de doença prolongada, desde o início de 2007, pelo que não se pode caracterizar como evento imprevisível, não o sendo, por si só, o facto de ter estado impedida de ausentar do seu domicilio, facto que atenta a natureza da doença não é manifestamente imprevisível, já que em doenças deste cariz não pode estar fora de cogitação o impedimento de trabalhar mesmo por força de crises em determinados períodos que agravam o estado geral, de forma que não pode considerar-se que tenha ocorrido um evento independente da vontade da mandatária das recorrentes que o dever de cuidado e diligência normal não pudesse fazer prever.
Procedendo, agora, à análise em concreto do argumento utilizado pela recorrente no sentido da impossibilidade legal da reparação do dano de perda de chance por ali se não verificar requisito da responsabilidade civil relativo à demonstração de existência de nexo de causalidade, argumento suportado por alguma respeitável jurisprudência[5] e doutrina[6], referimos ser nosso entendimento que tal argumento apenas pode ser sustentado numa, ainda que respeitável, interpretação demasiado conceptual e rígida da ligação entre os planos dano/causalidade, interpretação que não vai no sentido de uma visão actualizadora da noção de dano mais consentânea com a realidade actual (Tal como refere Nancy Levit, na George Washington Law Review (citada na nota de rodapé 3) o conceito de dano evoluiu nos últimos cem anos passando a responsabilidade civil a reparar não apenas os danos tangíveis que atentassem directamente às pessoas ou ao seu património, para actualmente admitir a indemnização de danos emocionais e expectativas de interesse). Pelo contrário acompanhamos a jurisprudência e a doutrina que consagram a figura da perda de chance como um dano (actual) autónomo consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão (lembra-se que de acordo com a tese que defendemos há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro). De acordo com a nossa interpretação, e com todo o respeito pelas interpretações em contrário, as regras gerais da responsabilidade civil (especialmente quanto à existência de dano e respectivo nexo causal) estarão absolutamente preenchidas quando e a partir do momento em que se entenda a frustração irrecuperável da chance como um verdadeiro e autónomo dano certo consequente a um acto ou omissão de terceiro[7]. Assim, tanto na responsabilidade contratual como extracontratual a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade é admissível naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta, e um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir [8][9]. A flexibilização do conceito de dano que vem sendo desenvolvida de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável[10], sem que deste raciocínio se possa, ao contrário do defendido pela recorrente, extrair uma ilação no sentido de deste modo se privilegiar qualquer índole sancionatória ou punitiva da inerente responsabilidade civil. No caso concreto a actuação da R/recorrente, ao aconselhar a não aceitação de um acordo com a entidade patronal e ao não propor atempadamente a acção de impugnação do despedimento no cumprimento do mandato forense que lhe fora concedido, impossibilitou a aceitação do acordo para rescisão contratual e tornou irremediavelmente impossível a apreciação e o possível reconhecimento judicial da invocada ilicitude do despedimento da A que se tornou definitivo e inalterável uma vez esgotada qualquer outra possibilidade de interposição de recurso e frustrando-se de todo a possibilidade de a autora obter a sua reintegração. Como se refere no acórdão recorrido, a autora perdeu a ''chance" de obter junto dos tribunais a modificação da situação jurídica criada pela entidade patronal concretamente, a sua reintegração, apresentando-se assim a chance perdida como credível[11], portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante[12].
Nestes termos, entendemos que não merece censura o segmento do acórdão recorrido no qual se considera a perda de chance como um dano autónomo indemnizável em si mesmo[13].
Partindo para a segunda questão que apenas de forma ténue vem equacionada no recurso de revista defende a recorrente a impossibilidade/dificuldade em equacionar o arbitramento de uma indemnização pelo dano perda de chance no caso de estarmos como estamos perante de mandato judicial, no qual o resultado do serviço contratado é por natureza aleatório, não gerando dessa forma o contrato qualquer obrigação de resultado. Como exemplarmente refere o já citado acórdão deste STJ de 29/4/2010 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas) o mandato forense é um contrato de mandato atípico que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos. Apesar de não gerar uma obrigação de resultado mas apenas uma obrigação de meios (ou de diligência), verdade é que o mandatário se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade. Acrescenta-se naquele acórdão (citamos) que não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente mas se o incumprimento incidir sobre violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado especificamente no contrato de mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana. No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as legis artis, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido resulta o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar[14]. Não poderá deixar nunca de se ter em consideração advogado, em homenagem aliás ao sentido ético e deontológico da grande maioria dos advogados portugueses, que é o Estatuto da OA e o Código Deontológico que impõem um dever de actuação conforme à forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, dever que é incompatível com uma actuação negligente no cumprimento de prazos processuais, susceptíveis de frustrarem definitivamente um resultado expectável com razoável probabilidade[15]. Não podemos deixar de insistir que a actividade do advogado transcende a simples delimitação conceptual de profissão ganhando, como tivemos ocasião de referir, estatuto de interesse de ordem pública uma vez que no seu exercício não se visa apenas a tutela directa dos interesses privados do mandante mas, frequentemente, interesses da sociedade em geral ou sejam interesses públicos ou de natureza e ordem publica. No caso concreto mostrando-se violados deveres resultantes do contrato na exacta medida em que, com resultou provado, no exercício do mandato a R/recorrente deixou ultrapassar os prazo para propositura da acção sem apresentar justificação válida e atempada que configurasse justo impedimento com consequente caducidade do direito da A é obviamente aplicável o instituto da responsabilidade contratual precisamente porque tal responsabilidade decorre, como vimos, da violação do dever de jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes, abrangendo essa responsabilidade nos termos que tivemos ocasião de referir o dano da perda de oportunidade ou de chance. Igualmente, é nosso entendimento não merecer censura este segmento do recurso.
Por ultimo a recorrente discorda, ainda, da sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, considerando desde logo que uma eventual responsabilidade por esses danos apenas poderia ser suscitada no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual. Sem conceder entende também que os factos invocados e provados pela A recorrida mais não evidenciam do que meros incómodos ou transtornos sem virtualidade para serem merecedores de tutela do direito. No nosso ordenamento jurídico embora trate em conjunto a obrigação de indemnizar (artigos 562º e segs CC), regula-se separadamente a responsabilidade extra-contratual (artigo 483º e segs.) e a responsabilidade contratual (artigo 798º e segs) incluindo-se naquela o regime da indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Todavia e como se refere no acórdão deste STJ de 3 de Abril de 2003 (www.dgsi.pt proc. nº 03B809), aquelas disposições legais não prevendo expressamente a possibilidade de na responsabilidade contratual a indemnização abranger os danos não patrimoniais também o não excluem essa possibilidade. Tal como tivemos ocasião de referir no nosso acórdão de 9/9/2014 é actualmente entendimento quase unânime deste Supremo Tribunal a possibilidade de valoração/ tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual desde que tais danos sejam em si graves (artigo 496ºCC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento[16]. No caso, e como foi entendimento das Instancias está demonstrado que a A sofreu danos não patrimoniais que devem ser considerados graves em termos de justificarem “a tutela do direito”[17] não havendo razões para discordar quer dessa avaliação de gravidade, alicerçada nos factos provados constantes dos pontos 33, 34 e 35 do elenco acima anunciado quer do quantum indemnizatório arbitrado por recurso a equidade[18]. Não merece, igualmente, censura este segmento da decisão recorrida. Sumário: 1. Tanto na responsabilidade contratual como extracontratual é possível a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e um comportamento de terceiro que, por acção ou omissão, elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir; 2. A flexibilização do conceito de dano de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável; 3. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar; 4. É actualmente entendimento quase unânime deste Supremo Tribunal a possibilidade de valoração/ tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual desde que tais danos sejam em si graves (artigo 496ºCC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento.
V. Decisão – nos termos e com os fundamentos que ficam expostos acorda-se em negar a revista. Custas nas instâncias e neste recurso pela R recorrente. Lisboa, 30 de Setembro de 2014 Mário Mendes (Relator) Sebastião Póvoas Moreira Alves ______________________ |