Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
739/09.5TVLSB.L2-A.DS1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: ADVOGADO
CONTRATO DE MANDATO
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PERDA DE CHANCE
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 09/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 606.
– Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 431, 733.
- Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, Junho 2006, 63, 103 e 104.
- Carneiro de Frada Direito Civil. Responsabilidade Civil. Método do Caso, 103.
- João Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico…, Almedina (2004).
- Júlio Gomes, in “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005, II.
- Nancy Levit, Ethereal Torts, George Washington Law Review, v.61, p. 140.
- Nuno Santos Rocha, A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2014, 27, 96.
- Patrícia Cordeiro da Costa, Dano da Perda de Chance…, Verbo Juridico, 99.
- Reglero de Campos, Tratado de Responsabilidad Civil I, 321.
- Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e seguintes.
- Sérgio Savi, Responsabilidade civil por perda de uma chance, São Paulo, Atlas, 2006. p. 3.
- Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos …, Almedina, 1989.
- Vaz Serra, “Reparação do Dano Não Patrimonial”, in Bol. 83, p. 104; “Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual”, in Bol. 85, p. 115 e ss..
Afonso Melo, “Responsabilidade Civil do Mandatário Judicial”, in ROA nº 26 (2003).
Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, 125.
-Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 487.º, N.º2, 496.º.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 92/13/CEE, DE 25-2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21/3/95, BOL. 445, P. 487, DE 25/11/97, CJ S. ANO V, T. 3, P. 140, DE 17/11/98, ANO VI, T. 3, P. 124, DE 8/2/2001, SUMÁRIOS, 48º, DE 19/5/2001, CJ ANO IX, T. 2, P. 71, DE 4/4/2002 (Pº 02B644), DE 14/12/2004 (Pº 05B1526), DE 8/6/2006 (Pº 06A1450), DE 12/9/2006 (Pº 06A2376) E DE 22/1/2008 (Pº 07A4154), DE 23/9/2009 (Pº 09B0368), ESTES ÚLTIMOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 16/03/1973, BMJ 225/216; DE 22/10/2009, P.º N.º 409/09.4YFLSB.
-DE 3/4/2003, PROC. Nº 03B809, EM WWW.DGSI.PT.
-DE 20.6.2006, IN CJSTJ, 2006, II, 119; DE 4.12.2012, P.º N.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; DE 14.3.2013, P.º N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT E DE 6.3.2014, P.º N.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 28/9/2010, DE 29/4/2010, DE 10/3/2011, DE 4/12/2012 DE 1/7/2014, DE 6/3/2014, DE 9/9/2014, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Estrangeira: ACÓRDÃOS DA COUR DE CASSATION (1.ª CHAMBRE) DE 21.11.2006, 4.6.2007 E 14.5.2009).
Sumário :
I - Tanto na responsabilidade contratual como extracontratual é possível a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e um comportamento de terceiro que, por acção ou omissão, elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.

II - A flexibilização do conceito de dano de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável.

III - Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar;

IV – É, actualmente, entendimento quase unânime deste STJ a possibilidade de valoração/tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual, desde que tais danos sejam em si graves (art. 496.º do CC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização a título de danos patrimoniais no valor de €200.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação ou se assim não se entender e subsidiariamente, a pagar-lhe uma indemnização no valor de €36.643,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e ainda a acrescer a qualquer um dos pedidos supra referidos, a pagar-lhe €1000,00 correspondente ao reembolso de honorários prestados, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação, bem como, uma indemnização a titulo de danos não patrimoniais no montante de €12.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação.

Alegou que a A é advogada e que enquanto trabalhadora de uma empresa que tinha iniciado um processo com vista à cessação do contrato de trabalho de vários trabalhadores, processo que a atingia, recorreu aos serviços da R e esta a aconselhou a não aceitar a indemnização proposta pela entidade patronal.
Foi acordada a fixação de honorários em €2.000.00 sendo €500,00 ab initio, que pagou, e os restantes €1.500,00 no fim do processo, independentemente de vir a existir ou não processo judicial.
A entidade patronal decidiu recorrer ao despedimento colectivo e a R propôs-se impugnar o despedimento da A e de outras colegas e definiu a estratégia que passava por impugnar o despedimento e pedir o reingresso das trabalhadoras que não aceitaram o acordo tendo pedido um reforço de provisão à A no montante de €500,00.
A R intentou a acção tendo sido designada audiência preliminar que se realizou e na qual se decidiu verificada a excepção da caducidade invocada pela entidade patronal.

Com efeito a aqui R devia ter intentado a acção até ao dia 21 de Outubro de 2007 mas só o fez no dia 23 de Outubro e só a 30 de Outubro invocando justo impedimento, o qual veio a ser julgado improcedente.

Que ao não intentar a acção em tempo a R impediu a A de continuar a receber os rendimentos do trabalho até ao fim da sua vida activa, tendo tido um prejuízo que cifra em €200.000,00.
Se tivesse aceite a indemnização proposta pela entidade patronal teria recebido €68.545.00 e assim apenas recebeu €31.902,00 o que só aconteceu devido ao conselho da R.
Alega, ainda, que desde há dois anos tem visto a sua estabilidade psíquica gravemente afectada em consequência da conduta da R, sentindo-se perdida, totalmente desamparada e vencida, pelo que, deve a Ré indemnizar a autora por danos não patrimoniais em €12.000,00.
Contestou a R invocando que foi a A que não quis aceitar a proposta de indemnização da entidade patronal e que enviou documento de invocação de justo impedimento no dia em que intentou a acção mas que o mesmo se extraviou.
Deduziu reconvenção pedindo a condenação da A a pagar-lhe €1.000,00 de honorários em falta, despesas no valor de €1.390,00 e €20.000,00 por danos morais.
Foi proferido despacho saneador que não admitiu o pedido reconvencional na parte em que invoca danos morais provocados pela propositura desta acção e prosseguindo os autos foram seleccionados os factos assentes e os que constituíram a base instrutória, tendo esta sido objecto de reclamação por parte da R mas totalmente indeferida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento tendo a final sido proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a R a pagar à A a titulo de compensação pela "perda de chance", a quantia de €15.000,00 acrescida de juros a contar da citação e a titulo de danos morais, a quantia de €4.500,00, acrescida de juros a contar da citação, julgando improcedente o pedido reconvencional.

Desta sentença foi interposto recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão em que se decidiu confirmar integralmente a decisão recorrida.

II. Deste acórdão foi interposto recurso de revista excepcional o qual foi admitido por acórdão proferido pela formação competente.

Apresentou a R recorrente a alegação constante de fls. 549 a 573 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Das conclusões da alegação resultam fundamentalmente colocadas três questões que constituem o objecto do recurso e que se traduzem:

a) Em saber se existe ou não fundamento legal para a indemnização pela “perda de chance” defendendo a recorrente que “a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por não se enquadrar na causalidade adequada e fazer a indemnização assumir uma função punitiva que não pode ter lugar no nosso direito positivo”;

b) Em saber se no caso concreto estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil de advogado por danos resultantes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato forense, atenta a natureza desse contrato (resultado aleatório ou incerto);

c) Em saber se a indemnização por danos morais arbitrada tem fundamento legal uma vez que estamos no domínio da responsabilidade civil contratual.

III. FACTOS:

1. A Ré é Advogada, portadora da cédula n° … e exerce a sua actividade profissional de Advogada - A) da matéria dada como assente/MA).
2. A A. foi trabalhadora da Laboratórios CC, Lda., entre 05 de Dezembro de I994 e Março de 2007 - B) da MA.
3. No início de Novembro de 2006 a Laboratórios CC, Lda. iniciou um processo com vista à cessação do contrato de trabalho de alguns trabalhadores, incluindo a autora - C) da MA.
4. A Laboratórios CC, Lda. propôs à autora a cessação do contrato de trabalho por acordo, mediante o pagamento de uma indemnização correspondente a 1,7 do vencimento médio mensal da base salarial da autora, incluindo vencimento base e média de comissões, por cada ano de trabalho, indemnização essa que teria o valor de €68.545,00-D) da MA.
5.   A autora solicitou à Ré, na qualidade de Advogada e esta aceitou, que a representasse nas negociações com a Laboratórios CC, Lda. com vista à cessação por mútuo acordo do contrato de trabalho da autora - EJ da MA.
6. A A acordou com a Ré a fixação de honorários no montante de 2.000,00 Euros (dois mil euros), sendo 500,00 Euros (quinhentos euros) ab initio, que a A. pagou, e 1.500,00
Euros (mil e quinhentos euros) no fim do processo - F) da MA e resp. 25° da base
instrutória/BI.

7.    A Laboratórios CC. Lda. promoveu o despedimento colectivo de vários trabalhadores, incluindo a autora, pelo que pagou à autora a indemnização de €31.902,00-G) da MA.
8. No âmbito do processo de despedimento colectivo, a Laboratórios CC, Lda. e os trabalhadores reuniram no dia 22 de Dezembro de 200ó, tendo aquela mantido a proposta referida em D) da MA/H) da MA.
9. Em Agosto de 2007 a R. declarou à Autora que estava a preparar a acção judicial contra a CC, Lda. -1) da MA.
10.  A 23.10.07, a Autora e outras duas colegas, representadas pela aqui Ré, intentaram"acção de impugnação de despedimento colectivo " nos termos do art°435° do CT e 32°do CPT contra a Laboratórios CC, Lda., através da petição inicial que constitui ris.30-40 e cujo teor, dada a sua extensão, se dá aqui integralmente por reproduzido - J) da MA e resp. 9°e 14° da BI.
11 - Na referida petição inicial consta nomeadamente:
A - 29" Um processo que começa com a cessação dos contra/os individuais de trabalho, cuja justificativa era a necessidade de reestruturação da empresa CC, com vista á redução dos seus efectivos; 30° Em 27 de Novembro, passa a ser e a haver razoes para um despedimento colectivo, sem qualquer aviso prévio; 3Ia Sendo que desde Setembro de 2006, entraram novos efectivos" (doc. 14).
B - As razoes invocadas pela R. CC:
"36a Redução de efectivos para que possa adequar a estrutura produtiva à dimensão da actividade da empresa e aos resultados operacionais do negócio; 37° estagnação do mercado - novo medicamento de nome C..., com uma larga campanha de promoção, mostra que não há estagnação de mercado e que ao invés está dinâmico;
38° Diminuição das receitas, contraditório com as declarações de DD"
(doc.15).
C - Requisitos legais

(...)
2 - Á Antiguidade

49° A trabalhadora n° l [a aqui Autora] é uma trabalhadora com 13 anos de efectividade; 50" A lei diz que será por ordem de integração nos seus efectivos, a ordem pela qual os trabalhadores serão dispensados, a ser necessário (o que não é certo); 51° Em reunião com o representante do Ministério do Trabalho, e com os trabalhadores representados pela comissão escolhida, afirma a R que não utilizou os critérios legais, mas outros que entendeu ser necessários " (doc. 16).
D - A situação pessoal das trabalhadoras Trabalhadora identificada em  I   [a aqui Autora]"52° No que concerne à trabalhadora AA, das suas condições pessoais, importa referir que a trabalhadora é licenciada em … pela Faculdade de ..., já se encontra ao serviço da CC há 13 anos, nesse período de tempo apenas teve uma baixa em consequência de uma cirurgia (...), doença profissional (doc.17); 53° Recebeu dois prémios de melhor vendedora do ano de 1996 e 2003, foi seleccionada para delegada especialista durante o ano de 2003, funções que desempenhou até Fevereiro de 2006, altura em que a equipa de que fazia parte foi reduzida para metade dos elementos (10 para 5) (doc.18); 54° E uma trabalhadora que sempre progrediu gradualmente na carreira, em face dos resultados de vendas e desempenho de actividade, com salários de topo para os Dim 's CC e sempre teve avaliação acima da média do Performance Manegement" (doc.19); 55° Foi indicada para Delegada Hospitalar em Setembro de 2005 (doc.20); 56" Aceitou sempre alterações de território sem rebeldia; 57° Concorreu 2 vezes para o departamento Médico, 2 vezes para o Departamento de formação e I vez para o Departamento de marketing, pois sempre aspirou a progredir na CC; 58° Finalmente, a trabalhadora tem na presente data a idade de 43 anos, e com o currículo que apresenta, bem como o seu nível salarial (...), jamais encontrará emprego, colocando-se disponível de imediato para retomar as funções que desempenhava; 59° E seguramente seria a trabalhadora menos provável a ser despedida, uma vez que não só é a mais velha como a mais laureada (...) " - L) da MA e resp. 9o e 14° da BI.
12.   No final da referida petição inicial era pedido: "Nestes termos e nos mais e melhores de direito a suprir doutamente, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente e, em consequência; a) ser declarado o despedimento ilícito das AA; b) serem declarados improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo; c) ser de imediato ordenada a reintegração das AA; d) ser a Ré condenada a pagar as custas, procuradoria e demais acréscimos legais" - M) da MA e resp. 9" e 14° da BI.
13. A 25 de Outubro de 2007 a Ré endereçou à autora a carta junta por cópia a fls. 85, com o seguinte teor: "Apresentando os ml mais cordiais cumprimentos, serve a presente para comunicar o actual estado da acção de impugnação de despedimento colectivo para que estou mandatada. A referida acção corre termos no 4" Juízo, 2" Secção do Tribunal de trabalho de Lisboa, sob o n." 47S/07.0TTLSB (...). Relativamente ao valor da provisão anteriormente entregue, solicita-se o reforço no valor de €500,00 " - N) da MA c resp. 25° da BI).
14. A autora entregou à Ré a quantia solicitada - O) da MA e resp. 25° da BI.
15. A 30.10.07. a aqui Ré apresentou no processo n° 478/07.0TTLSB do 4o Juízo, 2o Secção, do Tribunal de Trabalho Lisboa o requerimento que constitui fls. 44-45 com o seguinte teor: " BB (...) VEM ALEGAR JUSTO IMPEDIMENTO para a prática atempada do acto. o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes; I ° O prazo para impugnar um despedimento colectivo é de seis meses, nos termos do art.°435°n."2 do CT; 2°A data do despedimento da última trabalhadora ê de 21 de Abril de 2007 (doc.1). 3" A mandatária desde o inicio do presente ano que tem tido doença prolongada, sendo que o período de 27 de Setembro a 24 de Outubro esteve acamada e totalmente impedida de trabalhar (doc.2). TERMOS EM QUE SE REQUER A V.EXA, se digne, nos termos dos artigos 145°n. °4 e 146", ambos do CPC, verificar a existência do justo impedimento alegado, admitindo o requerimento de interposição de acção de impugnação de despedimento, que oferece " - P) da MA.
16. A autora recebeu a notificação que se mostra junta por cópia a fls. 88, datada de 23.04.08. do processo n° 478/07.0TTLSB do 4º Juízo, 2o Secção, do Tribunal de Trabalho Lisboa para comparecer pessoalmente na audiência preliminar, a realizai" no dia 5 de Maio de 2008 - Q) da MA.
17. No dia 05 de Maio de 2008 realizou-se a audiência preliminar no processo n0 47S/07.0TTLSB, do 4o Juízo, 2o Secção, do Tribunal de Trabalho Lisboa, em que estiveram presentes autora e Ré, da qual foi lavrada a acta junta a fls. 52-57, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido - R) da MA e resp. 14° da BI.
18. Da referida acta consta: "Aberta a audiência, pela M:' Juiz foi tentada a conciliação a qual não se obteve, pelo que a M'1 Juiz proferiu o seguinte: - DESPACHO: Compulsados os autos verifica-se que o despacho proferido a fls. 194 a 199 não foi notificado às Autoras, omissão que cumpre, neste momento, sanar. Notifique. Neste momento, foram as Autoras notificadas do despacho de fls. 194 a 199, com cópia.
(...)
Seguidamente, pela M"'Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO: Pese embora só neste momento se tenha constatado a omissão da notificação do despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelas Autoras no qual foi alegado a existência de justo impedimento, entende o Tribunal que tal circunstância não obsta ao conhecimento, de imediato, da excepção de caducidade invocada pela Ré, porquanto, atento o disposto nos artigos 83° n° 4, 84°, 85° e 86° CPT, o eventual recurso que seja interposto desse despacho não tem efeito suspensivo.
Assim sendo, o Tribunal passa a proferir a decisão quanto à excepção invocada pela Ré.
(...)
Da excepção de caducidade do direito de acção:
Na contestação, a Ré invocou a excepção de caducidade do direito de acção, alegando que as autoras foram despedidas, no âmbito de processo de despedimento colectivo, tendo a decisão produzido efeitos em 12 de Marco de 2007, relativamente à autora AA (...)
Tendo a acção dado entrada em 23 de Outubro de 2007, já havia decorrido o prazo de seis meses a que alude o art.º 435" n." 2 CT.
Cumpre decidir.

(-)
De harmonia com o disposto no artig°435° CT: A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso de despedimento colectivo em que a acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato.
(...)
A presente acção de impugnação deu entrada em tribunal, por fax, em 23 de Outubro de 2007.
Por requerimento de 31 de Outubro de 2007, a Ilustre mandatária das autoras veio invocar a existência de justo impedimento para a não propositura da presente acção em data anterior, alegando, entre o mais, que esteve acamada entre 27 de Setembro a 24 de Outubro de 2007.

Sobre esse requerimento foi proferido despacho indeferindo-o e declarando não verificado o alegado justo não impedimento.
Sendo assim, considerando a data da cessão dos contratos de trabalho, na data da propositura da presente acção, já havia decorrido o prazo de seis meses, previsto no art°435° n°2, do CT, pelo que encontra-se caduco o direito das autoras de impugnar o despedimento colectivo efectuado pela Ré.
Decisão:

Nestes termos e com os fundamentos expostos, o tribunal julga procedente a excepção de caducidade do direito de acção, e, em consequência, declara extinto o direito que as autoras AA, (...) pretendiam exercer e absolve do pedia a Ré Laboratórios CC, Ld. (...) "- S) da MA resp. 14° da BI.

19. A autora, representada pela Ré interpôs recurso da decisão que julgou improcedente a invocação de justo impedimento e que julgou procedente a excepção de caducidade para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo para o efeito apresentado as alegações que constituem fls. 58 a 60 (agravo) e fls. 65 e 66 (apelação) - T) da MA resp. 14a da BI.

20.No referido Tribunal ambos os recursos foram julgados improcedentes pelo Acórdão que constitui fls. 67 a 78, de 24 de Setembro de 2008, que, dada a sua extensão, aqui se dá integralmente por reproduzido - U) da MA resp. 14° da BI.

21. No referido Acórdão e em sede de fundamentos de facto foi consignado:

" …

7.     Em 23/10/200/, as AA intentaram a presente acção de impugnação de despedimento colectivo.

8.   Em 30/10/2007. a mandatária das AA requereu a verificação de justo impedimento, alegando que só instaurou a acção naquela data, por ter estado afectada de doença prolongada, desde o início do ano de 2007, e acamada e totalmente impossibilitada, desde 27/09/2007 a 24/10/2007" - V) 1 da MA - verifica-se agora que existem dois factos numerados com a alínea V) - este e o seguinte -pelo que o facto seguinte será numerado por V) I - e resp. 14° da BI.
22.  E em sede de fundamentos de direito ficou consignado: "Como dissemos atrás, a primeira questão que nos cabe apreciar consiste cm saber se o incidente deduzido pela mandatária das AA em 30/10/2007, foi tempestivo e, na afirmativa, se fundamento nele invocado consubstancia justo impedimento.
(...)
De qualquer forma, mesmo que se entenda que o instituto do justo impedimento previsto nos arts.145º n° 4 e 146" do CPC, se aplica (também) aos prazos de propositura de acções ou aos prazos para o exercício do direito de acção, não previstos neste código, sempre se terá de concluir que, no caso em apreço, o incidente (de justo impedimento) não foi tempestivamente deduzido.

Vejamos porquê:
A acção de impugnação de despedimento colectivo tem de ser intentada no prazo de seis meses, a contar da data da cessação do contrato (art.435°, n" 2 do CT).
Tendo o contrato de trabalho da Autora AA cessado em 12/3/2007 e o das Autoras (....) cessado em 12/4/2007, a 1" A. devia instaurar a acção até 12/9/2007 e as 2" e 3" AA até 12/10/2007.
Como instauraram a acção em 23/10/2007, o prazo previsto na lei para a instauração da acção foi manifestamente excedido.
O acto (a instauração da acção) podia, porém, ser praticado, como foi, fora de prazo, caso se verificasse justo impedimento (art. 145°, n° 4 do CPC). (...)

Decorre, claramente, do art. 146", n." 2 CPC, a obrigação da parte requerer a prática extemporânea do acto, alegando e provando o justo impedimento, logo que cesse a causa impeditiva.
À luz da parte final deste preceito, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o requerimento a invocar o justo impedimento para a prática do acto dentro do prazo deve ser apresentado logo que cesse a causa impeditiva e não, como sucedeu no caso em apreço, sete ou oito dias depois da cessação dessa causa.
Tendo a acção sido instaurada, em 23/10/2007, e tendo a mandatária das AA deduzido o incidente de justo impedimento, em 30/10/2007, no qual alegou expressamente que esteve acamada e totalmente impedida de trabalhar, no período de 27 de Setembro a 24 de Outubro de 2007 (cf. artigo 3o do requerimento de fls. 16) e tendo apresentado, como meio de prova, um atestado médico, datado de 22 de Outubro de 2007, no qual se declara que a mesma esteve doente e «impossibilitada de exercer as suas funções por doença prolongada, com incapacidade de se ausentar do domicílio desde o dia 27 do mês anterior (Setembro) até ao dia de hoje incluído», temos necessariamente de concluir que o referido incidente foi deduzido extemporaneamente, uma vez que o mesmo foi deduzido vários dias depois da cessação da causa impeditiva da propositura da acção.
A alegada causa impeditiva da propositura acção cessou em 24 de Outubro de 2007 (segundo o requerimento de fls. 16) ou em 22 de Outubro de 2007 (segundo o atestado médico junto com esse requerimento) e o incidente de justo impedimento foi deduzido em 30 de Outubro de 2007, vários dias depois da cessação dessa causa e vários dias depois da propositura da acção de impugnação de despedimento.
Aliás, quando se iniciou a alegada causa impeditiva, já tinha decorrido o prazo de 6 meses, previsto no art. 435°, n° 2 do CT para a Autora AA impugnar judicialmente o despedimento. O seu contrato de trabalho cessou em 12/3/2007, o prazo para instauração da acção de impugnação do despedimento terminou em 12/9/2007 e o impedimento invocado pela sua mandatária iniciou-se em 27/9/2007.
Portanto, o direito da Autora AA impugnar judicialmente o despedimento já tinha caducado, há 15 dias, quando se iniciou a causa impeditiva da propositura da acção, invocada pela sua mandatária.

Tendo o direito de impugnar judicialmente o despedimento, por parte da Autora AA, caducado 15 dias antes de se iniciar a alegada causa impeditiva da propositura da acção e tendo, em relação às demais AA., o incidente de justo impedimento sido deduzido extemporaneamente (sete ou oito dias após a cessação do evento), tornou-se inútil a apreciação do fundamento nele invocado. De qualquer formai, sempre se dirá que, em manifesta contradição com o que as recorrentes afirmam na sua alegação de recurso, foi a sua mandatária que afirmou expressamente, no artigo 3" do requerimento de fls. 16, que a causa impeditiva da propositura atempada da acção judiciai cessou, em 24 de Outubro de 2007, pelo que não tendo sido invocada a existência de erro ou lapso na indicação dessa data e tendo a petição inicial sido apresentada em juízo em 23 de Outubro de 2007 - portanto, em data anterior à cessação do alegado evento impeditivo - isso significa que, afinal, não existiu justo e verdadeiro impedimento para a prorrogação do prazo peremptório. Por outro lado, foi a própria mandatária das recorrentes que alegou sofrer de doença prolongada, desde o início de 2007, pelo que não se pode caracterizar como evento imprevisível, não o sendo, por si só, o facto de ter estado impedida de ausentar do seu domicilio, facto que atenta a natureza da doença não é manifestamente imprevisível, já que em doenças deste cariz não pode estar fora de cogitação o impedimento de trabalhar mesmo por força de crises em determinados períodos que agravam o estado geral, de forma que não pode considerar-se que tenha ocorrido um evento independente da vontade da mandatária das recorrentes que o dever de cuidado e diligência normal não pudesse fazer prever.


A decisão que indeferiu o incidente de justo impedimento não merece, assim, qualquer reparo.
(...) " - V) 2 da MA resp. 14° da BI.

23.   Do referido Acórdão interpôs a autora, representada pela R recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a ser admitido - X) da MA.
24. A 15 de Dezembro de 2008 a aqui Ré apresentou nos autos de recurso, a renúncia ao mandato - Z) da MA.
25. Não foram apresentadas alegações de recurso para o STJ. o qual veio a ser declarado deserto por despacho de 07.01.09 - AA) da MA.
26. A A. foi notificada da renúncia ao mandato e do despacho que julgou deserto o recurso por carta de 13.01.09 - BB) da MA.
27. A autora nasceu a 23 de Março de 1965 - CC) da MA.
28. Até à reunião referida em H) [e não G) como por lapso consta da resposta à matéria de facto], a Ré aconselhou a A. a não aceitar a indemnização proposta pela entidade patronal referida em D), suscitando, como forma de pressão negocial, a possibilidade de avançar com um processo judicial de impugnação do despedimento –resp. 1, 2 e 3 da BI.


29. Autora e Ré acordaram em impugnar judicialmente o despedimento da autora -resp. 7 da BI.
30. A A. várias vezes perguntou à Ré se "a acção tinha pernas para andar" ao que esta respondia sempre que "Isto é para ir até ao fim'1 - resp. 8 da BI.
31. Entre Janeiro e Setembro de 2007 em várias ocasiões a autora indagou junto da Ré do estado do processo de impugnação de despedimento - resp. 10 da BI.
32. Em Fevereiro de 2007 o ordenado ilíquido da autora era de £2.454,00 -Resp. 15 da BI.
33. Uma mudança de funções em Abril de 2006 deixou a autora deprimida, situação agravada pelo despedimento - resp. 17 da BI.
34. Após os factos referidos em R) e S) e por causa do facto referido em S), o estado depressivo da autora agravou-se, sentindo-se perdida, desamparada, vencida, descrente e desanimada - resp. 18°, 19° e 21° da BI.
35. Desde o facto referido na resposta ao art. 17° que a autora é seguida por uma psicóloga clínica - resp. 19° da BI.

V. Do mérito – A circunstância de estarmos perante uma revista excepcional cujo requisito determinante para a respectiva admissão foi a relevância jurídica da questão colocada, questão que tem sido objecto de tratamento diferenciado, nalguns casos oposto na jurisprudência e na doutrina nacional e estrangeira, justifica que o processo de tomada de decisão sobre esta primeira questão seja efectuado com referencia a jurisprudência e doutrina especialmente relevantes e se consubstancie numa análise que noutras situações seria dispensável, no quadro de uma decisão judicial.
Posto isto e indo directamente à primeira questão que vem colocada começaremos por referir que, ao contrário do que defende a recorrente, uma parte significativa da nossa jurisprudência[1] e doutrina[2][3] mais recentes admite a possibilidade legal de a indemnização por responsabilidade civil contratual ou extracontratual cobrir o dano consistente na perda de probabilidade/perda de chance que de uma forma geral é traduzida na frustração da obtenção de uma futura vantagem. Para alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal a probabilidade actual e não meramente futura de obtenção dessa vantagem patrimonial e a frustração resultante de acto ou omissão de terceiro pode, pelo menos em determinadas circunstancias que abaixo teremos ocasião de aprofundar, constituir um bem jurídico digno de tutela.
O título meramente exemplificativo, justificado pela profundidade e rigor com que a questão é analisada, em acórdão recente deste STJ (1/7/2014 – Conselheiro Fonseca Ramos) referiu-se que figura da “perda de chance” se relaciona com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano por facto de terceiro.
Reconhecendo embora a dificuldade em considerar a autonomia da figura da perda de chance no direito português nomeadamente por razões ligadas ao estabelecimento de nexo de causalidade enquanto requisito da responsabilidade civil [4]conclui-se porém naquele citado acórdão que não devem assimilar-se os planos do dano e da causalidade com implicação na perspectiva de excluir como dano autónomo a perda de chance, visando-se dessa forma indemnizar não a perda do resultado querido mas antes a da oportunidade perdida como um direito em si mesmo violado por uma conduta que, como referimos, pode ser omissiva ou comissiva. Já antes e sobre o mesmo assunto o acórdão deste STJ e desta Secção, de 29.4.2010 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas) admitia a relevância da perda de chance como dano autónomo indemnizável referindo que a perda de chance se não confunde com perda de expectativa, uma vez que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Considerando tratar-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual conclui-se que na perda de chance ou de oportunidade se verificou uma situação omissiva que a não ter ocorrido poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.

Procedendo, agora, à análise em concreto do argumento utilizado pela recorrente no sentido da impossibilidade legal da reparação do dano de perda de chance por ali se não verificar requisito da responsabilidade civil relativo à demonstração de existência de nexo de causalidade, argumento suportado por alguma respeitável jurisprudência[5] e doutrina[6], referimos ser nosso entendimento que tal argumento apenas pode ser sustentado numa, ainda que respeitável, interpretação demasiado conceptual e rígida da ligação entre os planos dano/causalidade, interpretação que não vai no sentido de uma visão actualizadora da noção de dano mais consentânea com a realidade actual (Tal como refere Nancy Levit, na George Washington Law Review (citada na nota de rodapé 3) o conceito de dano evoluiu nos últimos cem anos passando a responsabilidade civil a reparar não apenas os danos tangíveis que atentassem directamente às pessoas ou ao seu património, para actualmente admitir a indemnização de danos emocionais e expectativas de interesse).

Pelo contrário acompanhamos a jurisprudência e a doutrina que consagram a figura da perda de chance como um dano (actual) autónomo consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão (lembra-se que de acordo com a tese que defendemos há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro).

De acordo com a nossa interpretação, e com todo o respeito pelas interpretações em contrário, as regras gerais da responsabilidade civil (especialmente quanto à existência de dano e respectivo nexo causal) estarão absolutamente preenchidas quando e a partir do momento em que se entenda a frustração irrecuperável da chance como um verdadeiro e autónomo dano certo consequente a um acto ou omissão de terceiro[7].

Assim, tanto na responsabilidade contratual como extracontratual a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade é admissível naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta, e um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir [8][9].

A flexibilização do conceito de dano que vem sendo desenvolvida de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável[10], sem que deste raciocínio se possa, ao contrário do defendido pela recorrente, extrair uma ilação no sentido de deste modo se privilegiar qualquer índole sancionatória ou punitiva da inerente responsabilidade civil.

No caso concreto a actuação da R/recorrente, ao aconselhar a não aceitação de um acordo com a entidade patronal e ao não propor atempadamente a acção de impugnação do despedimento no cumprimento do mandato forense que lhe fora concedido, impossibilitou a aceitação do acordo para rescisão contratual e tornou irremediavelmente impossível a apreciação e o possível reconhecimento judicial da invocada ilicitude do despedimento da A que se tornou definitivo e inalterável uma vez esgotada qualquer outra possibilidade de interposição de recurso e frustrando-se de todo a possibilidade de a autora obter a sua reintegração.

Como se refere no acórdão recorrido, a autora perdeu a ''chance" de obter junto dos tribunais a modificação da situação jurídica criada pela entidade patronal concretamente, a sua reintegração, apresentando-se assim a chance perdida como credível[11], portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante[12].

Nestes termos, entendemos que não merece censura o segmento do acórdão recorrido no qual se considera a perda de chance como um dano autónomo indemnizável em si mesmo[13].

Partindo para a segunda questão que apenas de forma ténue vem equacionada no recurso de revista defende a recorrente a impossibilidade/dificuldade em equacionar o arbitramento de uma indemnização pelo dano perda de chance no caso de estarmos como estamos perante de mandato judicial, no qual o resultado do serviço contratado é por natureza aleatório, não gerando dessa forma o contrato qualquer obrigação de resultado. Como exemplarmente refere o já citado acórdão deste STJ de 29/4/2010 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas) o mandato forense é um contrato de mandato atípico que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos.

Apesar de não gerar uma obrigação de resultado mas apenas uma obrigação de meios (ou de diligência), verdade é que o mandatário se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.

Acrescenta-se naquele acórdão (citamos) que não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente mas se o incumprimento incidir sobre violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado especificamente no contrato de mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana.

No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as legis artis, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido resulta o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar[14]. Não poderá deixar nunca de se ter em consideração advogado, em homenagem aliás ao sentido ético e deontológico da grande maioria dos advogados portugueses, que é o Estatuto da OA e o Código Deontológico que impõem um dever de actuação conforme à forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, dever que é incompatível com uma actuação negligente no cumprimento de prazos processuais, susceptíveis de frustrarem definitivamente um resultado expectável com razoável probabilidade[15]. Não podemos deixar de insistir que a actividade do advogado transcende a simples delimitação conceptual de profissão ganhando, como tivemos ocasião de referir, estatuto de interesse de ordem pública uma vez que no seu exercício não se visa apenas a tutela directa dos interesses privados do mandante mas, frequentemente, interesses da sociedade em geral ou sejam interesses públicos ou de natureza e ordem publica. No caso concreto mostrando-se violados deveres resultantes do contrato na exacta medida em que, com resultou provado, no exercício do mandato a R/recorrente deixou ultrapassar os prazo para propositura da acção sem apresentar justificação válida e atempada que configurasse justo impedimento com consequente caducidade do direito da A é obviamente aplicável o instituto da responsabilidade contratual precisamente porque tal responsabilidade decorre, como vimos, da violação do dever de jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes, abrangendo essa responsabilidade nos termos que tivemos ocasião de referir o dano da perda de oportunidade ou de chance.

Igualmente, é nosso entendimento não merecer censura este segmento do recurso.

Por ultimo a recorrente discorda, ainda, da sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, considerando desde logo que uma eventual responsabilidade por esses danos apenas poderia ser suscitada no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual. Sem conceder entende também que os factos invocados e provados pela A recorrida mais não evidenciam do que meros incómodos ou transtornos sem virtualidade para serem merecedores de tutela do direito. No nosso ordenamento jurídico embora trate em conjunto a obrigação de indemnizar (artigos 562º e segs CC), regula-se separadamente a responsabilidade extra-contratual (artigo 483º e segs.) e a responsabilidade contratual (artigo 798º e segs) incluindo-se naquela o regime da indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Todavia e como se refere no acórdão deste STJ de 3 de Abril de 2003 (www.dgsi.pt proc. nº 03B809), aquelas disposições legais não prevendo expressamente a possibilidade de na responsabilidade contratual a indemnização abranger os danos não patrimoniais também o não excluem essa possibilidade. Tal como tivemos ocasião de referir no nosso acórdão de 9/9/2014 é actualmente entendimento quase unânime deste Supremo Tribunal a possibilidade de valoração/ tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual desde que tais danos sejam em si graves (artigo 496ºCC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento[16].

No caso, e como foi entendimento das Instancias está demonstrado que a A sofreu danos não patrimoniais que devem ser considerados graves em termos de justificarem “a tutela do direito”[17] não havendo razões para discordar quer dessa avaliação de gravidade, alicerçada nos factos provados constantes dos pontos 33, 34 e 35 do elenco acima anunciado quer do quantum indemnizatório arbitrado por recurso a equidade[18].

Não merece, igualmente, censura este segmento da decisão recorrida.

Sumário:

1. Tanto na responsabilidade contratual como extracontratual é possível a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e um comportamento de terceiro que, por acção ou omissão, elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir;

2. A flexibilização do conceito de dano de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades actuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objecto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável;

3. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados deveres de conduta adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido o contrato de mandato forense, ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar;

4. É actualmente entendimento quase unânime deste Supremo Tribunal a possibilidade de valoração/ tutela dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual desde que tais danos sejam em si graves (artigo 496ºCC) e desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento.

V. Decisão – nos termos e com os fundamentos que ficam expostos acorda-se em negar a revista.

Custas nas instâncias e neste recurso pela R recorrente.

Lisboa, 30 de Setembro de 2014

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

______________________
[1]  Na jurisprudência do STJ, entre outros e para além dos citados no texto os ACORDAOS DE 20.6.2006, IN CJSTJ, 2006, II, 119; DE 4.12.2012, PROC. 289/10.7TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; DE 14.3.2013, PROC. 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT e DE 6.3.2014, PROC. 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
[2] Já em 1989 Sinde Monteiro – “ Responsabilidade por Conselhos …” Almedina, 1989 defendia que nada no nosso sistema parece opor-se ao carácter indemnizável da perda de chance.
[3] V. Entre outros e sobre este assunto “Responsabilidade Civil do Mandatário Judicial” – Afonso Melo, ROA nº 26 (2003); João Álvaro Dias “Dano Corporal – Quadro Epistemológico…” Almedina (2004); – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pp. 431, 733;Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, Junho 2006, pp.63, 103 e 104; Júlio Gomes, in “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005, II; Nancy Levit, Ethereal Torts, George Washington Law Review, v.61, p. 140 (relevância das expectativas de interesse); Nuno Santos Rocha, A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2014, pp. 27, 96; Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e seguintes; Sérgio Savi, Responsabilidade civil por perda de uma chance, São Paulo, Atlas, 2006. p. 3.
[4] Na doutrina, o Dr. Júlio Gomes (“Direito e Justiça”, XIX, 2005, II), aproxima a perda de chance da já tratada expectativa jurídica limitando-a a “situações em que a chance já se ‘densificou’ o suficiente para, sem recair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de ‘uma quase propriedade’, um ‘bem’.
[5] No acórdão deste STJ de 22 de Outubro de 2009 - 409/09.4YFLSB – conclui-se no essencial que a perda de chance não  releva na vertente jurídica, “por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada”.
[6]  Paulo Mota Pinto defende que não há “base jurídica positiva” para apoiar a indemnização em perda de chances”, parecendo-lhe preferível aceitar nesses casos inversão do ónus ou facilitação da prova: (“Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, I, 1103, nota).
[7] Citando Armando Braga, (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, 125) “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.” Na Jurisprudência francesa tem-se entendido de que só constitui perda de chance reparável o desaparecimento actual e certo de uma eventualidade favorável -  Acórdãos da Cour de Cassation (1.ª Chambre) de 21.11.2006, 4.6.2007 e 14.5.2009). Por outro lado na doutrina espanhola a indemnização constitui a regra desde que – como se refere no Tratado de Responsabilidad Civil coordenado por Reglero de Campos, I, 321 – a perda de oportunidade de ganho seja real e séria e não demasiado hipotética.
[8] Carneiro de Frada insinua-a como relevante se considerada a perda de oportunidade um dano em si, portanto tutelável (“Direito Civil. Responsabilidade Civil. Método do Caso”, 103),
[9] Neste sentido o acórdão deste STJ, de 6/3/2014 (Conselheiro Pinto de Almeida)
[10] V. “ Dano da Perda de Chance…”, Patrícia Cordeiro da Costa, VerboJuridico, pag.99.
[11]  Como se refere no acórdão deste STJ de 29/4/2010 (Conselheiro Sebastião Póvoas) a perda de oportunidade não sendo, como se disse, um dano presente – imediato ou mediato – só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual ou hipotético, salvo se a prova permitir que com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance perdida.
[12] V. Neste sentido o acórdão deste STJ, de 10/3/2011 (conselheiro Távora Vítor). Refere-se ali que a indemnização deverá equacionar-se em termos de causalidade adequada de molde a que só seja ressarcível o prejuízo que se possa filiar concretamente numa omissão grave, salientando-se que as probabilidades perdidas não têm todas o mesmo grau de concretização e a valoração da respectiva perda para efeitos ressarcitórios é, na maior parte dos casos, um escopo difícil
[13] Na Directiva 92/13/CEE, de 25/2/referia-se a indemnização por perda de chance no ponto 7” uma pessoa que introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos incorridos com a preparação de uma proposta num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação.
[14] Neste sentido o acórdão deste STJ de 4/12/2012 (Conselheiro Alves Velho).
[15] Acórdão deste STJ, de 28/9/2010 (Conselheiro Moreira Alves).
[16]     V. a este respeito acórdãos deste STJ de 23 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº  09B0368); de 21/3/95, Bol. 445, p. 487, de 25/11/97, CJ S. Ano V, T. 3, p. 140, de 17/11/98, Ano VI, T. 3, p. 124, de 8/2/2001, Sumários, 48º, de 19/5/2001, CJ Ano IX, T. 2, p. 71, de 4/4/2002 (Pº 02B644), de 14/12/2004 (Pº 05B1526), de 8/6/2006 (Pº 06A1450), de 12/9/2006 (Pº 06A2376) e de 22/1/2008 (Pº 07A4154), bem como Vaz Serra, in Reparação do Dano Não Patrimonial (Bol. 83, p. 104) e Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual (Bol. 85, pags 115 e ss).
[17]    O conceito de gravidade a merecer tutela tem de ser densificado casuisticamente com recurso a critérios objectivos (cf. Prof. Almeida Costa, “São irrelevantes designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.”). O legislador pretendeu estabelecer a regra de que a compensabilidade deste tipo de danos deve ser proporcionado à sua gravidade, ponderando regras da vida, do senso comum, do equilíbrio (cf., Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, cit. 606: “A gravidade do dano há de medir-se por um padrão objectivo não à luz de factores subjectivos [de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada]. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”). V. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Março de 1973 – BMJ 225/216.
[18] No acórdão deste STJ referido na nota 11 considerou-se que a “perda de chance” enquanto perda de uma possibilidade real de êxito que se frustrou, poderá gerar igualmente “danos não patrimoniais” indemnizáveis, nos termos do disposto no art. 496º CC.