Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10602/22.9T8PRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CASO JULGADO MATERIAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
VALIDADE
AÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE MÚTUO
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
AÇÃO DECLARATIVA
PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: AA

Recorrido: BB

I. — RELATÓRIO

1. BB instaurou a presente execução contra AA.

2. AA deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, alegando a nulidade do título executivo ou, em todo o caso, a nulidade do contrato de mútuo concluído entre o Exequente e o Executado, a falta de liquidação no requerimento executivo da quantia referente aos juros e, subsidiariamente, a prescrição dos juros de mora.

3. O Exequente / Embargando BB contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

4. O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedentes os embargos.

5. Inconformado, o Executado / Embargante AA interpôs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso.

7. Inconformado, o Executado / Embargante AA interpôs recurso de revista.

8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A - Verifica-se o circunstancialismo das alíneas c) e a) do n.º 1 do art.º 672º do CPC, que torna o recurso admissível:

a) Desde logo porque o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto está em contradição directa com outros proferidos por este Supremo Tribunal de Justiça (indicando-se como Acórdão Fundamento, por ser muito recente, o proferido em 03-05-2023 no âmbito do Proc. 1704/21.0T8GRD.C1.S1, de que, como doc. n.º 1, se junta cópia obtida directamente da Plataforma www.dgsi.pt)

b) Mas também porque está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

B - A decisão recorrida afirma que está precludida a invocação, em processo posterior, de qualquer meio de defesa que pudesse ter sido invocado nos embargos de processo anterior, porque a decisão aí proferida faz caso julgado sobre a existência, a validade ou a exigibilidade da obrigação exequenda, nos termos do art.º 732º n.º 6 do CPC, mas o decidido no douto Acórdão Fundamento contradiz em absoluto esta posição, afirmando, por um lado, que julgados improcedentes os embargos apostos a uma execução, o executado pode, em processo posterior, invocar meios de defesa não invocados nos embargos que opôs a anterior execução e isto porque o sentido do art.º 732º n.º 6 do CPC quer deixar claro que o caso julgado que se constitui é restrito à causa de pedir invocada e, em consequência, não há preclusão em relação ao que não foi invocado/discutido nos anteriores embargos.

C.- Também se verifica o circunstancialismo da alínea a) do n.º 1 do art.º 672º do CPC que permite a presente revista excepcional, já que para ela “(…) são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um caracter paradigmático ou exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas”

D.- Definir qual o âmbito do caso julgado, nos termos do que se encontra consignado no art.º 732º n.º 6 do CPC, é questão jurídica importante e apresenta caracter paradigmático. E torna-se exemplar, em termos de segurança jurídica, face à existência de decisões contraditórias e conflituantes.

E.- Admitida a presente revista excepcional, a questão a decidir é esta: saber se, julgados improcedentes embargos opostos a uma execução, o ali executado pode, em processo posterior, invocar meios de defesa que não usou no processo anterior (mas podia ter usado).

F.- O ponto de partida para a solução a dar a esta questão, é saber se existe ou não um ónus de embargar, já que, se não existir, não podem ficar precludidos os fundamentos de defesa não invocados.

G.- Não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e também não nos parece que se possa/deva afirmar que tal ónus é extraível, por interpretação, dos artigos 728º n.ºs 1 e 2 e 732º n.º 6 do CPC.”

H.- Podemos concluir que o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução. E, por isso, se não o fizer, tal só acarreta a preclusão no próprio processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar, para ele, vantajoso.

I.- A oposição à execução tem de ser configurada como uma verdadeira petição inicial, impendendo sobre o Oponente (qual Autor) o ónus de descrição dos factos e a indicação dos fundamentos de direito que baseia o seu pedido. Ou seja, a oposição à execução não configura uma oposição ao pedido executivo.

J.- Contrariamente ao que dispõe o artº 563º do CPC, o art.º 726º nº 6 do CPC refere tão só que “Quando o processo deva prosseguir, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução.” O executado não é citado, ou notificado, sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição; aliás, não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução e daí que, não o fazendo, tal não acarrete uma cominação, mas tão só a preclusão, no próprio processo executivo, do direito processual de deduzir oposição à execução, sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra acção posterior, ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo em que tal ocorra – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022 proferido no Processo 846/18.3T8OVR

K.- E isto decorre inequívoco se encaramos, como se impõe, a oposição à execução, não como uma contestação do pedido executivo, mas como uma petição de uma acção executiva autónoma.

L.- Relativamente a uma petição inicial não se coloca o problema de preclusão da defesa, como é óbvio.

M.- Na oposição ao presente processo, o recorrente invocou a “Inexistência de Título Executivo”, por o Termo de Autenticação não conter a assinatura dos contraentes e concluiu que esta omissão tem como consequência a nulidade do Termo de Autenticação por vício de forma (alínea e) do n.º 1 do art.º 70º do Código do Notariado) o que determina a nulidade do próprio contrato de mútuo, face aos requisitos formais previstos no art.º 1143º do Código Civil.

N.- E se o contrato de mútuo é nulo por vício de forma (art.º 220º do Código Civil) não pode constituir título executivo para a execução, nos termos do art.º 726º n.º 2 al. a) do CPC.

O.- A douta decisão proferida em 1ª instância e confirmada no douto Acórdão recorrido, não apreciou a excepção, agora invocada, de inexistência de título executivo.

P.- Ora, o art.º 581º do CPC exige, para que se verifique caso julgado, não só a identidade de sujeitos e a identidade do pedido, mas também, no seu n.º 4, a identidade de causa de pedir, o que no caso concreto manifestamente não acontece.

Q.- Por isso, quando o art.º 732º n.º 6 do CPC estipula que “a decisão de matéria proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”, a expressão “nos termos gerais” tem de ter um significado (caso contrário o legislador não a incluiria); e o significado desta expressão só pode querer dizer que o caso julgado acontece desde que haja identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, tal como estipula, em termos gerais, o citado artº 581º do CPC, o que manifestamente não acontece no presente caso.

R.- A questão da inexistência de título executivo, excepcionada na petição de embargos, deve, por isso, ser apreciada por inexistência de preclusão e de caso julgado.

S.- Em primeiro lugar, temos de atentar na matéria de facto dada como provada. O recorrente, na sua petição de oposição mediante embargos de executado alegou, nos artigos 8 e 9, que:

“8. No caso concreto o contrato de mútuo está assinado, mas o mesmo não acontece com o “instrumento notarial”, ou seja, o termo de autenticação que lhe foi anexado

9. E tal não acontece porque o executado, após ter assinado o contrato de mútuo, não esteve presente, nem assistiu à elaboração do “termo de autenticação.”

T.- O que determina, nos termos do n.º 2 do art.º 574º do CPC que se consideram “(…) admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)”, ou seja tais factos estão provados, mas não foram.

U.- O artigo 1143º do CC dispõe que “(…) o contrato de mútuo de valor superior a €25.000,00, é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (…)” e o art.º 10º n.º 5 do CPC consigna que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

V.- Já o art.º 38º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29-03, no seu n.º 1 atribui poderes aos advogados e solicitadores para autenticar documentos particulares, as quais conferem a estes, a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial.

X.- Mas o documento particular apenas se pode considerar autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante e o mesmo seja reduzido a termo, devendo tal termo “(…) satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46º (…)” – cfr. art.ºs 150º e 151º do Código do Notariado.

Y.- O instrumento notarial não é o contrato de mútuo, mas sim o Termo de Autenticação o qual, nos termos da alínea n) do citado art.º 46º do Código do Notariado, deve conter “As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário que será a última do instrumento”

Z.- No caso concreto, porém, o recorrente e o recorrido assinaram o contrato de mútuo, mas o mesmo não aconteceu com o “instrumento notarial”, ou seja, o Termo de Autenticação que lhe foi anexado, pelas razões que constam do facto constante do artigo 9. dos embargos, ou seja “(…) porque o executado, após ter assinado o contrato de mútuo, não esteve presente, nem assistiu à elaboração do Termo de Autenticação”, que, pelas razões já invocadas deve ser dado como provado.

AA.- Esta omissão tem como consequência, nos termos do art.º 70º n.º 1 al. e) do Código do Notariado, a nulidade do Termo de Autenticação por falta de forma, o que atentos os requisitos de forma previsto no já citado art.º 1143º do CC, determina a nulidade e consequente inexistência de título executivo, nos termos do art.º 726º n.º 2 al. a) do CPC.

AB.- Devendo, consequentemente, ser proferida decisão que declare a extinção do presente processo, por inexistência de título executivo.

AC. - Como já se afirmou, nos termos dos nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, o Juiz deve “(…) discriminar os factos que considera provados (…)” e, na fundamentação da sentença deve declarar quais julga não provados, tomando “(…) em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…)”, devendo constar da decisão todos os factos provados que sejam relevantes para toda e qualquer solução plausível de direito.

AD.- - Nos artigos 14 a 49, o recorrente invocou factos que, a serem provados, implicam a inexistência da dívida constante do “título executivo” apresentado, mas o recorrido, devidamente notificado para contestar oposição mediante embargos, nos termos do artº 732º nº 2 do CPC, com a cominação de que a falta de contestação implicaria a admissão por acordo dos factos, não os impugnou.

AE.- Assim toda a matéria factual constante dos artigos 14 a 19 do requerimento de oposição deve ser dada como provada por confissão judicial, aqui se transcrevendo todos esses factos:

14. O embargante não deve um cêntimo ao exequente. DE FACTO

15. Foi, juntamente com CC (o ... CC) sócio gerente e fundador em 1989, da sociedade “D..., Lda..” com estabelecimento e sede na ... - doc. 1

16. O restaurante D..., Lda. tornou-se uma referência da restauração a nível nacional e muito particularmente no ..., granjeando enorme sucesso. PORÉM

17. A partir de 2008, com a crise dos mercados financeiros, aliada ao forte investimento que tinha feito na aquisição das instalações, em obras de conservação e remodelação do espaço interior e na abertura de um estabelecimento em ... em parceria com a C....”, a sociedade começou a sentir dificuldades no cumprimento das suas obrigações financeiras.

18. Próximo do ano 2000, mas seguramente ainda antes de 2008, o CC apresentou o exequente ao embargante

19. Era um cidadão ..., interessado em investir em Portugal e, muito particularmente, no D..., Lda., nascendo a ideia de abrir um Restaurante em ... (seria o D..., Lda. em ...), que seria financiado pelo embargado que se transformaria em sócio.

20. O embargado chegou a adquirir um terreno em ... onde o estabelecimento seria implantado, tendo contratado arquitecto para elaboração do respectivo projecto com tudo o que de mais luxuoso existia.

21. O embargante, o embargado e o arquitecto chegaram a fazer viagens aéreas a ..., para almoçar em restaurantes de topo e tirar ideias para o funcionamento do futuro estabelecimento.

22. O embargado também fazia inúmeras viagens sozinho, de avião, para visitar os restaurantes mais famosos, nomeadamente os que tinham estrela(s) Michelin, gabando-se de conhecer todos os que havia no mundo.

23. Uma dessas vezes, o embargado comunicou que tinha comprado 300.000,00 em vinhos para o novo restaurante a instalar em ....

24. Demonstrava ser uma pessoa com uma capacidade e disponibilidade financeira descomunal, movimentando, sem dificuldade, em qualquer altura, dezenas de milhares de euros.

25. Esta convivência assídua e sistemática, acrescida ao facto de o embargado ter sido apresentado ao embargante pelo seu sócio e amigo de infância, CC, levou a que entre ambos se criasse uma grande confiança e amizade.

26. Além de ser, então, um companheiro fantástico, divertido e disponível, o embargante era a garantia de que o “Projecto D..., Lda.”, a que o embargante dedicou a sua vida, iria continuar e, especialmente, expandir-se para ....

27. O embargado, a partir de 2008/2009 começou a confidenciar ao embargante que tinha problemas com o fisco no ... e, nessas conversas, foi sistematicamente agravando a sua situação, ao ponto de afirmar que corria o risco de ser preso.

28. Foi por isso que, quando em 07/10/2010 (o embargante diz ter sido nesta data porque é a que consta do contrato de mútuo junto como título executivo) apareceu com dois contratos de mútuo, dizendo que estava a ser pressionado para justificar os movimentos bancários que tinha vindo a efectuar nos últimos tempos e solicitando que o embargante os assinasse, somente para justificar esses movimentos, este, na sua boa e ingenuidade, os tenha subscrito, confiando, porque tal lhe foi garantido que os mesmos nunca seriam usados para outros fins.

29. O que consta dos autos fê-lo a título individual, mas em representação da sociedade “D..., Lda.”, e em seu nome pessoal como garante desta, subscreveu um contrato de mútuo no valor de 1.531.783,91 - doc. 2

30. E em nenhum dos casos recebeu um cêntimo que fosse. ALIÁS

31. No contrato dos autos refere-se que o empréstimo se destinou “… à aquisição do imóvel onde o Mutuário reside, sito na Rua ..., 775/413 ...” e a verdade é que o embargante o tinha adquirido 7 anos antes, através de empréstimo bancário e hipotecário do Banco Popular doc. 3 -, assim ficando patente a falsidade do motivo invocado para o empréstimo.

32. Pouco tempo depois, perto do final do ano de 2011, ou no início de 2012 tudo se veio a esclarecer: o embargado era um dos envolvidos num gigantesco processo pendente no ... e denominado “Operação ...”, da qual resultou indiciado que um grupo de pessoas, que incluiria o embargado, tinha conseguido retirar do ... US$24 biliões obtidos ilegalmente docs. nºs 4, 5 e 6

33. O conhecimento desta situação levou, obviamente, a que o embargante se afastasse do embargado, tomando consciência que tinha caído no “conto do vigário”.

34. Bem como de que todos os seus projectos relativos ao D..., Lda. iam por água abaixo.

35. Entrou num processo depressivo que agravou substancialmente quando ele recebeu a carta datada de 26/01/2012 junta com o requerimento executivo, mas muito principalmente quando a sociedade “D..., Lda.” recebeu idêntica interpelação, mas para pagamento dos 1.587.814,02 constantes do contrato de mútuo junto como doc. 2 doc. 7

36. É que, como o embargante havia subscrito tal contrato tão para o embargado justificar movimentos bancários anteriormente realizados, não tinha dado conhecimento dele ao sócio, CC.

37. Que obviamente se incompatibilizou e zangou com o embargante

38. O embargado entrou em depressão profunda docs. nºs 8 a 13 em 2012 e desde então toda a sua vida se vem desmoronando:

- perdeu a quota social no D..., Lda.

- perdeu a casa que havia adquirido para sua habitação, que foi vendida no âmbito da execução que o ora embargado intentou contra a sociedade “D..., Lda.” e o aqui executado, como garante desta, usando como título executivo o contrato de mútuo constante do doc. 2 junto aos autos e a que se alude no anterior artigo 29.– docs. nºs 14, 15, 16 e 17

39. Ou seja, o embargado destruiu a vida do embargante e, apesar deste nada lhe dever, ainda se apresenta aqui, candidamente, a reclamar um crédito inexistente.

40. De qualquer maneira, o contrato de mútuo foi simulado, que o embargado não emprestou a referida quantia ao embargado, nem este a recebeu ou quis receber.

41. Foi emitido com o intuito de favorecer o embargado, e a pedido deste, para que pudesse justificar outros movimentos bancários feitos e pelos quais, se veio a saber posteriormente, estava a ser criminalmente perseguido.

42. É verdade que, durante todo este período, o embargado pagou algumas coisas ao embargante.

43. Este lembra-se concretamente de uns móveis para sua casa.

44. Mas fê-lo como liberalidade, dizendo expressamente que o embargante nada tinha que lhe pagar, que até levava a mal que essa questão fosse levantada, até porque estas “prendas” não pagavam, nem de perto, nem de longe, os inúmeros serviços e favores que o embargante, gratuitamente, lhe prestou durante vários anos.

45. Efectivamente, o embargado, conhecedor da experiência que o embargante tinha na área da restauração e do sucesso do Restaurante D..., Lda. no ..., convidou-o para coordenar o projecto de instalação do restaurante em ... de que ele seria sócio e proprietário do terreno e da respectiva construção a efectuar.

46. Durante um período que o embargante estima em cerca de 5 anos, este deslocava-se todas as semanas, durante 2 ou 3 dias a ..., suportando os custos do transporte e estadia.

47. Inicialmente para encontrar o terreno para a respectiva construção, o que conseguiu, e depois para elaboração do projecto, com reuniões com o arquitecto, nas quais o embargado introduzia sistematicamente alterações, e na Câmara Municipal de ....

48. Para se ter uma ideia, o projecto inicial estimado em 2,5 milhões de euros, custaria cerca de 10 milhões, o que não parecia representar qualquer problema para o embargado.

49. O valor das despesas suportadas, durante estes anos, pelo embargante, com deslocações, estadias, alimentação, supera os 200.000,00€ e daí as afirmações que o embargado fazia e que constam do anterior artigo 44.

AF.- De facto, este processo tem três soluções possíveis:

a) A confirmação da solução preconizada na douta sentença recorrida, no sentido da ininvocabilidade, nos presentes embargos de executado de factos ocorridos antes da prolação desta, por preclusão de tal direito, tal como consta do douto Acórdão recorrido;

b) A revogação dessa decisão por se desconsiderar a preclusão, com declaração de inexistência de título executivo por nulidade formal do termo de autenticação do contrato de mútuo;

c) A revogação da decisão recorrida, mas negando-se a inexistência de título executivo, com a consequente apreciação da restante matéria factual alegada relativamente à inexistência de dívida.

AG.- E, por isso, por falta de impugnação, tem de ser considerados provados os factos constantes dos artigos 14 a 49 da oposição à execução, o que implica a inexistência da dívida exequenda e a procedência da oposição mediante embargos de executado.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso de revista excepcional ser admitido e, a final, ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, proferir-se douto Acórdão que, revogando a sentença em apreciação, declare a procedência da oposição mediante embargos de executado deduzida e ordene o extinção do processo executivo, como parece ser de JUSTIÇA

9. O Exequente / Embargando BB contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

10. A Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista excepcional.

11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o Executado / Embargante AA podia invocar, nos presentes embargos de executado, factos que podia ter invocado e. não obstante, não invocou nos embargos deduzidos em oposição à execução n.º 911/12.0...,

II. — caso afirmativo, se devem dar-se como provados os factos descritos nos artigos 14 a 49 da petição de embargos,

III. — caso afirmativo, se devem julgar-se procedentes os embargos deduzidos pelo Executado / Embargante AA.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

12. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação concordaram em dar como provados os factos seguintes:

1.1. Por documento datado de 7 de outubro de 2010, escrito e assinado pelo exequente, na qualidade de mutuante, e pelo executado, na qualidade de mutuário, com termo de autenticação lavrado por advogada, denominado Contrato de Mútuo, pelo qual, para além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, as partes declararam que “(…) O mutuante emprestou ao mutuário a quantia de € 164.733,82 (…) O mutuário declara que recebeu esse empréstimo (…)” – cifrando o documento escrito e assinado pelas partes com termo de autenticação junto com o requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.2. Os Contraentes atribuíram, nos termos do Art.º 50 do C.P.C., força executiva ao Contrato de Mútuo (Cl. 9.ª).

1.3. O reembolso do capital deveria ser efetuado numa prestação única, quando o Mutuante/Exequente notificasse o Mutuário/Executado para o efeito com antecedência mínima de 90 dias (Cl. 2.ª, n.º 3).

1.4. A quantia mutuada vencia juros mensais à taxa da Euribor a 3 meses acrescida de 2 pontos percentuais de spread, a pagar mensalmente (Cl. 2.ª, n.º 1 e 2).

1.5. Em caso de não pagamento ou reembolso pontual de quaisquer encargos, despesas, juros ou capital por parte do Mutuário/Executado, seriam devidos juros de mora calculados à taxa do contrato acrescida de 4 pontos percentuais (Cl. 3.ª).

1.6. A falta de cumprimento pontual pelo Mutuário/Executado de quaisquer das obrigações emergentes do contrato, nomeadamente a falta de pagamento pontual dos juros mensais ou do reembolso do capital, conferia ao Mutuante/Exequente o direito de pôr imediatamente termo ao contrato e de considerar imediatamente vencida, independente interpelação para o cumprimento, a totalidade do capital em divida, cujo pagamento se tornaria então consequente e imediatamente exigível, acrescido dos juros remuneratórios e/ou moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal e contratualmente exigíveis (Cl. 6.ª, n.º 1).

1.7. dos demais encargos ou despesas legal e contratualmente exigíveis (Cl. 6.ª, n.º 1).

1.8. O Executado pagou a 1.ª e a 2.ª prestações dos juros relativa aos meses de outubro e novembro de 2010.

1.9. Por carta de 26/01/2012, rececionada pelo executado a 27/01/2012, o Exequente interpelou aquele, considerando antecipadamente vencido o capital em dívida e indicando o prazo de 15/02/2012 para que fosse pago o capital e juros no montante total de 170.759,57 (cento e setenta mil, setecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos) - cfr. documento junto como n.º 2 com o requerimento executivo.

1.10. Foi instaurada ação executiva com o n.º 911/12.0..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - 1º e 2º Juízos de Execução - ...º Juízo - ...ª Secção, que em virtude de ter sido sustada ao abrigo do 871º do CPC, por existir penhora anterior sobre o único bem do devedor, foi extinta.

1.11. Por apenso a essa execução, foi pelo mesmo executado deduzida oposição à execução e nele proferida a sentença datada de 6 de junho de 2012, transitada em julgado, junto em sede de contestação nestes embargos, que se dá por reproduzida, com o seguinte teor, além do mais:

(…) Fundamento da oposição à execução: - Nulidade do contrato de mútuo, tendo sido convencionados juros violadores dos art.s 1145.º e 559.º do Cód. Civil, requerendo a redução nos termos do disposto nos art.s 1145.º e 1146.º do Cód. Civil (…)

IV - Decisão: Em conformidade, julgo apenas parcialmente procedente a oposição à execução deduzida (improcedendo o pedido de vencimento de juros à taxa de 4% sobre o montante de juros liquidado no requerimento executivo de 6.025,75), prosseguindo a execução para pagamento da quantia de 164.733,82 a título de capital, acrescida de juros vencidos de € 6.025,75 liquidados no requerimento executivo e dos juros de mora vincendos sobre o valor de capital, de 164.733,82, à taxa legal que em cada momento vigorar, através da Portaria prevista no art. 559.º do Código Civil, ou seja, e sem prejuízo de outra que eventualmente venha a ser publicada, à taxa de 4% ao ano até integral pagamento. Custas a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento. Notifique. Registe

O DIREITO

13. O recurso de apelação restringiu-se e o recurso de revista restringe-se à alegada nulidade do título executivo e à alegada nulidade do contrato de mútuo concluído entre o Exequente e o Executado.

14. Em 2012, foi proposta uma anterior acção executiva pelo mesmo Exequente contra o mesmo Executado, com base no mesmo título executivo — processo n.º 911/12.0... 1.

15. O Executado, agora Embargante, opôs-se à primeira execução, deduzindo embargos, cujo fundamento era a a nulidade do contrato de mútuo concluído entre o Exequente e o Executado 2.

16. Os embargos foram, nessa parte, julgados improcedentes 3.

17. Em todo o caso, a anterior acção executiva foi sustada, ao abrigo do artigo 871.º do anterior Código de Processo Civil, e depois extinta 4.

18. O Exequente propõe agora uma segunda execução, com base no mesmo título.

19. O Executado opõe-se à segunda execução, deduzindo de novo embargos, cujo fundamento é de novo a nulidade do contrato de mútuo concluído entre o Exequente e o Executado.

20. O problema suscitado relaciona-se com a interpretação do n.º 5 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho — correspondente ao n.º 6 do artigo 732.º, na redacção da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro:

Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

21. A doutrina e a jurisprudência discutem se o Executado tem o ónus de concentrar nos embargos todos os fundamentos de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da obrigação exequenda, sob pena de preclusão dos fundamentos distintos, não alegados na petição inicial dos embargos, desde que já existentes à data da dedução dessa petição inicial 5.

22. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “[o] executado, ao deduzir oposição à execução/embargos de executado, não está obrigado a concentrar nos embargos toda e qualquer defesa”, todo e qualquer fundamento de defesa 6, e que, deixando de invocar um qualquer fundamento de defesa nos embargos, “não impedirá que o executado venha depois a invocar num outro processo o fundamento (a excepção) omitido e que sempre podia ter invocado na oposição” 7.

23. Entre os argumentos deduzidos está o de que “não existe no Código de Processo Civil um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e tal ónus também não é extraível, por interpretação, dos artigos 728.º, n.ºs 1 e 2, e 732.º, n.º 6 […]” — com a consequência de que, “não estando consagrado tal ónus de embargar, […] não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e […] não há preclusão decorrente da não dedução de embargos)” 8.

24. O caso sub judice é contudo um caso atípico em relação àqueles que foram apreciados, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2019 — processo n.º 751/16.8T8LSB.L2.S1 —, de 24 de Maio de 2022 — processo n.º 327/20.5T8CBT.G1.S1 —, de 3 de Maio de 2023 — processo n.º 1704/21.0T8GRD.C1.S1 —ou de 9 de Maio de 2023 — processo n.º 3803/19.9T8STB-A.E1.S1.

25. Em cada um dos casos apreciados e decididos nos quatro acórdãos o problema da preclusão punha-se perante uma acção declarativa, em que o executado pretendia fazer valer uma excepção — p. ex., pedindo que se declarasse a nulidade, a modificação ou a resolução do contrato, que se julgasse procedente a excepção de compensação ou que se julgasse procedente a excepção de prescrição 9.

26. Ora, no caso sub judice, o problema da preclusão não se põe perante uma acção declarativa.

27. A questão da existência e da validade da obrigação exequenda havia sido apreciada e decidida na sentença proferida no processo n.º´911/12.0...

28. O Exequente / Embargante, ao propor a presente execução, pretende a realização coactiva da prestação exigida no processo n.º´911/12.0....

29. Ora a prestação exigida só não foi aí coactivamente realizada por causa das circunstâncias descritas no facto dado como provado sob o n.º 10.

30. Independentemente de qual seja a posição adoptada na controvérsia sobre a preclusão de fundamentos distintos, não alegados na petição inicial dos embargos, a apreciação dos fundamentos da oposição agora invocados pelo Executado / pelo Embargante conflituaria com o actual n.º 6 do artigo 732.º do Código de Processo Civil.

31. Em primeiro lugar, o Executado / Embargante vem agora alegar a invalidade formal do contrato de mútuo, invocando vício de forma.

32, Fá-lo nos seguintes termos:

M.- Na oposição ao presente processo, o recorrente invocou a “Inexistência de Título Executivo”, por o Termo de Autenticação não conter a assinatura dos contraentes e concluiu que esta omissão tem como consequência a nulidade do Termo de Autenticação por vício de forma (alínea e) do n.º 1 do art.º 70º do Código do Notariado) o que determina a nulidade do próprio contrato de mútuo, face aos requisitos formais previstos no art.º 1143º do Código Civil.

N.- E se o contrato de mútuo é nulo por vício de forma (art.º 220º do Código Civil) não pode constituir título executivo para a execução, nos termos do art.º 726º n.º 2 al. a) do CPC.

O.- A douta decisão proferida em 1ª instância e confirmada no douto Acórdão recorrido, não apreciou a excepção, agora invocada, de inexistência de título executivo.

P.- Ora, o art.º 581º do CPC exige, para que se verifique caso julgado, não só a identidade de sujeitos e a identidade do pedido, mas também, no seu n.º 4, a identidade de causa de pedir, o que no caso concreto manifestamente não acontece.

Q.- Por isso, quando o art.º 732º n.º 6 do CPC estipula que “a decisão de matéria proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”, a expressão “nos termos gerais” tem de ter um significado (caso contrário o legislador não a incluiria); e o significado desta expressão só pode querer dizer que o caso julgado acontece desde que haja identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, tal como estipula, em termos gerais, o citado artº 581º do CPC, o que manifestamente não acontece no presente caso.

R.- A questão da inexistência de título executivo, excepcionada na petição de embargos, deve, por isso, ser apreciada por inexistência de preclusão e de caso julgado.

S.- Em primeiro lugar, temos de atentar na matéria de facto dada como provada. O recorrente, na sua petição de oposição mediante embargos de executado alegou, nos artigos 8 e 9, que:

“8. No caso concreto o contrato de mútuo está assinado, mas o mesmo não acontece com o “instrumento notarial”, ou seja, o termo de autenticação que lhe foi anexado

9. E tal não acontece porque o executado, após ter assinado o contrato de mútuo, não esteve presente, nem assistiu à elaboração do “termo de autenticação.”

T.- O que determina, nos termos do n.º 2 do art.º 574º do CPC que se consideram “(…) admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)”, ou seja tais factos estão provados, mas não foram.

U.- O artigo 1143º do CC dispõe que “(…) o contrato de mútuo de valor superior a €25.000,00, é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (…)” e o art.º 10º n.º 5 do CPC consigna que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

V.- Já o art.º 38º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29-03, no seu n.º 1 atribui poderes aos advogados e solicitadores para autenticar documentos particulares, as quais conferem a estes, a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial.

X.- Mas o documento particular apenas se pode considerar autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante e o mesmo seja reduzido a termo, devendo tal termo “(…) satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46º (…)” – cfr. art.ºs 150º e 151º do Código do Notariado.

Y.- O instrumento notarial não é o contrato de mútuo, mas sim o Termo de Autenticação o qual, nos termos da alínea n) do citado art.º 46º do Código do Notariado, deve conter “As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário que será a última do instrumento”

Z.- No caso concreto, porém, o recorrente e o recorrido assinaram o contrato de mútuo, mas o mesmo não aconteceu com o “instrumento notarial”, ou seja, o Termo de Autenticação que lhe foi anexado, pelas razões que constam do facto constante do artigo 9. dos embargos, ou seja “(…) porque o executado, após ter assinado o contrato de mútuo, não esteve presente, nem assistiu à elaboração do Termo de Autenticação”, que, pelas razões já invocadas deve ser dado como provado.

AA.- Esta omissão tem como consequência, nos termos do art.º 70º n.º 1 al. e) do Código do Notariado, a nulidade do Termo de Autenticação por falta de forma, o que atentos os requisitos de forma previsto no já citado art.º 1143º do CC, determina a nulidade e consequente inexistência de título executivo, nos termos do art.º 726º n.º 2 al. a) do CPC.

AB.- Devendo, consequentemente, ser proferida decisão que declare a extinção do presente processo, por inexistência de título executivo.

33. Ora a alegação de que o contrato de mútuo é inválido por falta de forma está em contradição com os fundamentos da sentença proferida no processo n.º 911/12.0....

34. Entre as questões apreciadas na sentença proferida no processo n.º 911/12.0... estava a validade formal do contrato de mútuo.

35. A fundamentação da sentença proferida no processo n.º 911/12.0... diz expressamente que, “à data da celebração do contrato de mútuo — 7 de Outubro de 2010 — o contrato em causa, de valor superior a 25000 euros, observou a forma legalmente prescrita, inexistindo por conseguinte qualquer nulidade do mesmo”.

36. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que a identidade da causa de pedir não é afectada por uma qualquer alteração factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir 10 em concreto, não há nenhuma alteração factual que o afecte.

37. Em segundo lugar, o Executado / Embargante vem agora alegar a invalidade substancial do contrato de mútuo, invocando a simulação.

38. Fá-lo nos seguintes termos:

27. O embargado, a partir de 2008/2009 começou a confidenciar ao embargante que tinha problemas com o fisco no ... e, nessas conversas, foi sistematicamente agravando a sua situação, ao ponto de afirmar que corria o risco de ser preso.

28. Foi por isso que, quando em 07/10/2010 (o embargante só diz ter sido nesta data porque é a que consta do contrato de mútuo junto como título executivo) apareceu com dois contratos de mútuo, dizendo que estava a ser pressionado para justificar os movimentos bancários que tinha vindo a efectuar nos últimos tempos e solicitando que o embargante os assinasse, somente para justificar esses movimentos, este, na sua boa fé e ingenuidade, os tenha subscrito, confiando, porque tal lhe foi garantido que os mesmos nunca seriam usados para outros fins.

29. O que consta dos autos fê-lo a título individual, mas em representação da sociedade “D..., Lda..”, e em seu nome pessoal como garante desta, subscreveu um contrato de mútuo no valor de 1.531.783,91 € - doc. nº 2

30. E em nenhum dos casos recebeu um cêntimo que fosse. ALIÁS

31. No contrato dos autos refere-se que o empréstimo se destinou “… à aquisição do imóvel onde o Mutuário reside, sito na Rua ..., nº 775/413 ...” e a verdade é que o embargante já o tinha adquirido 7 anos antes, através de empréstimo bancário e hipotecário do Banco Popular – doc. nº 3 -, assim ficando patente a falsidade do motivo invocado para o empréstimo.

32. Pouco tempo depois, perto do final do ano de 2011, ou no início de 2012 tudo se veio a esclarecer: o embargado era um dos envolvidos num gigantesco processo pendente no ... e denominado “Operação ...”, da qual resultou indiciado que um grupo de pessoas, que incluiria o embargado, tinha conseguido retirar do ... US$24 biliões obtidos ilegalmente – docs. nºs 4, 5 e 6

33. O conhecimento desta situação levou, obviamente, a que o embargante se afastasse do embargado, tomando consciência que tinha caído no “conto do vigário”.

34. Bem como de que todos os seus projectos relativos ao D..., Lda. iam por água abaixo.

35. Entrou num processo depressivo que agravou substancialmente quando ele recebeu a carta datada de 26/01/2012 junta com o requerimento executivo, mas muito principalmente quando a sociedade “D..., Lda.” recebeu idêntica interpelação, mas para pagamento dos € 1.587.814,02 constantes do contrato de mútuo junto como doc. nº 2 – doc. nº 7

36. É que, como o embargante havia subscrito tal contrato tão só para o embargado justificar movimentos bancários anteriormente realizados, não tinha dado conhecimento dele ao sócio, CC.

37. Que obviamente se incompatibilizou e zangou com o embargante

38. O embargado entrou em depressão profunda – docs. nºs 8 a 13 – em 2012 e desde então toda a sua vida se vem desmoronando:

perdeu a quota social no D..., Lda.

perdeu a casa que havia adquirido para sua habitação, que foi vendida no âmbito da execução que o ora embargado intentou contra a sociedade “D..., Lda.” e o aqui executado, como garante desta, usando como título executivo o contrato de mútuo constante do doc. nº 2 junto aos autos e a que se alude no anterior artigo 29.– docs. nºs 14, 15, 16 e 17

• 39. Ou seja, o embargado destruiu a vida do embargante e, apesar deste nada lhe dever, ainda se apresenta aqui, candidamente, a reclamar um crédito inexistente.

• 40. De qualquer maneira, o contrato de mútuo foi simulado, já que o embargado não emprestou a referida quantia ao embargado, nem este a recebeu ou quis receber.

• 41. Foi emitido só com o intuito de favorecer o embargado, e a pedido deste, para que pudesse justificar outros movimentos bancários feitos e pelos quais, se veio a saber posteriormente, estava a ser criminalmente perseguido.

39. Ora, a alegação de que o contrato de mútuo, ainda que fosse formalmente válido, sempre seria substancialmente nulo, por simulação, está em contradição com os fundamentos da decisão proferida no processo n.º 911/12.0...

40. Entre as questões apreciadas na sentença proferida no processo n.º 911/12.0... estava o cumprimento, ainda que só parcial, do contrato de mútuo.

41. A fundamentação da sentença proferida no processo n.º 911/12.0... diz expressamente que o Executado / Embargante cumpriu, ainda que parcialmente 11.

42. O Executado / Embargante cumpriu, ainda que parcialmente, o contrato de mútuo, pagando a 1.º e a 2.º prestações.

43. O facto descrito é um antecedente necessário do dispositivo da sentença proferida no processo n.º 911/12.0..., no segmento em que condenou o Executado / Embargante ao pagamento dos juros vencidos de 6025,75, liquidados no requerimento executivo.

44. Ora, o facto provado do cumprimento, ainda que parcial, do contrato de mútuo está em contradição com o facto, agora alegado, de que o contrato foi absolutamente simulado.

45. Em consequência, a alegação de que o Executado / Embargante nada recebeu, por ter sido simulado o contrato de mútuo, conflitua com o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 911/12.0... 12.

46. Ora, ainda que o Executado / Embargante AA pudesse porventura agora invocar, nos presentes embargos de executado, factos que podia ter invocado e. não obstante, não invocou nos embargos deduzidos em oposição à execução n.º 911/12.0..., só poderia fazê-lo desde que os factos agora invocados não contradissessem os fundamentos da decisão proferida no processo n.º 911/12.0...

47. Existindo, como existe, uma contradição, terá de dar-se prevalência ao caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 911/12.0...

48. Face à resposta dada à primeira questão, ficam prejudicadas a segunda e a terceira.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente AA.


Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Nuno Ataide das Neves

_____

1. Cf. facto dado como provado sob o n.º 10.

2. Cf. facto dado como provado sob o n.º 11.

3. Cf. facto dado como provado sob o n.º 11.

4. Cf. facto dado como provado sob o n.º 10.

5. Em sentido favorável a uma resposta afirmativa, vide, por todos, na doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, “Preclusão e caso julgado”, in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, n.º 1 — 2017, págs. 149-175 (esp. nas págs. 165-166), e, na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2016 — processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, em sentido favorável a uma resposta negativa, vide, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de de 19 de Março de 2019 — processo n.º 751/16.8T8LSB.L2.S1 —, de 3 de Maio de 2023 — processo n.º 1704/21.0T8GRD.C1.S1 — e de 9 de Maio de 2023 — processo n.º 3803/19.9T8STB-A.E1.S1.

6. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2022 — processo n.º 327/20.5T8CBT.G1.S1.

7. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2019 — processo n.º 751/16.8T8LSB.L2.S1 —, com anotação de Miguel Teixeira de Sousa em WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2019/06/jurisprudencia-2019-34.html >.

8. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2023 — processo n.º 1704/21.0T8GRD.C1.S1 —, com anotação de Miguel Teixeira de Sousa em WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2023/11/a-eficacia-preclusiva-da-nao-deducao-de.html >.

9. A fundamentação do de 24 de Maio de 2022 — processo n.º 327/20.5T8CBT.G1.S1 — diz, em termos paradigmáticos, que “o artigo 732.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (anterior 732.º, n.º 5), prevê que a decisão de mérito ocorrida numa oposição à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não coloca qualquer óbice à dedução de ação declarativa em diferente causa de pedir, pois tão só as decisões transitadas em julgado e que incidam sobre o mérito da causa, através da apreciação da relação material controvertida discutida na ação é que são suscetíveis de adquirir força de caso julgado material e, como tal de adquirir força obrigatória fora do processo em que foram proferidas, cf. artigos 619.º, 620.º e 621.º do Código de Processo Civil, o direito da Autora não se mostra afastado por força da preclusão, nem por força de caso julgado material na ação executiva”.

10. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2013 — processo n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1 —, de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 13111/17.4T8LSB.L1.S1 —ou de 19 de Setembro de 2019 — processo n.º 789/18.0T8VNG.P1.S1.

11. Cf. facto dado como provado sob o n.º 2 na sentença proferida no processo n.º 911/12.0....

12. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2018 — processo n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1 , de 4 de Dezembro de 2018 — processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1 —, de 29 de Abril de 2021 — processo n.º 25365/19.7T8LSB.S1 —, de 14 de Outubro de 2021 — processo n.º 557/16.4T8VIS.C1.S1 — ou de 19 de Outubro de 2021 — processo n.º 34666/15.2T8LSB.L2.S1.