Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
72/14.0YFLSB
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÂNSITO EM JULGADO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 471.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, 77.º, 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10.11.2010, PROCESSO Nº 23/08.1GAPTM.S1 E DE 21.11.2012, PROCESSO Nº 153/09.2PHSNT.S1, AMBOS DA 3ª SECÇÃO.
Sumário :

I - A questão reportada à qualificação jurídica dos factos tidos, por decisão transitada em julgado, como configurativos, não de um mas, de dois crimes de tráfico de estupefacientes, e bem assim às consequências daí decorrentes (maxime para efeitos de determinação da medida da pena única) não pode, nem deve, colocar-se à apreciação do STJ, em sede de recurso de decisão proferida nos termos do disposto no art. 471.º do CPP. Âmbito em que, atento o fim específico a que se destina o julgamento que nele se efectuar (para realização do cúmulo jurídico das penas em concurso com outras de conhecimento superveniente e determinação da pena ou das penas conjuntas), se cuida de indagar da correcção das operações feitas, a tal título, pelas instâncias e/ou aferir da justeza da medida concreta da ou das penas conjuntas fixadas, mas já não, para conhecer de outras questões que, ou por não lhe terem sido colocadas na oportunidade devida ou por as decisões que delas conheceram não admitirem recurso para o mesmo Tribunal, não foram ou não puderam ser por ele apreciadas.
II - A medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas aplicadas aos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1, do CP), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do art. 77.º quer do art. 78.º do CP), o critério específico, consistente na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.
III - A moldura abstracta do concurso tem, no caso vertente, como limite mínimo 5 anos e 6 meses de prisão (a medida de cada uma das duas penas mais elevadas impostas à arguida pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes) e como limite máximo 15 anos e 9 meses de prisão (a soma das penas singulares que integram o concurso).
IV -A ilicitude global dos factos, embora elevada, não é particularmente acentuada, no que que diz respeito à culpa pelo conjunto dos factos cometidos. Por outro lado, importa não olvidar, a par do dolo directo e intenso com que agiu a arguida, evidenciado no modo persistente e na vontade criminosa arreigada com que, ao longo de significativo lapso de tempo (cerca de 2 anos), a mesma traficou substâncias estupefacientes com o objectivo de obter lucro, o grau, também elevado, que reclamam as necessidades de prevenção, quer geral positiva quer de prevenção especial de ressocialização, tendo em vista a preocupante predisposição que a arguida manifesta possuir para a prática de crimes.
V - Porém, para além deste desvalioso condicionalismo, cabe salientar, por um lado, a quase total coincidência temporal existente entre a prática dos factos configurativos dos dois crimes de tráfico de estupefacientes e a necessidade de esbater, quanto possível, as eventuais distorções ocasionadas pela decidida autonomização das referidas condutas ilícitas e, por outro lado, realçar a circunstância de, possuindo à data dos factos apenas o 3.º ano escolaridade, em meio prisional conseguiu a mesma arguida concluir o 2º ciclo do ensino e um curso estética, e bem assim frequentar um curso de costura, mantendo um comportamento conforme às regras institucionais estabelecidas.
VI - Acresce que, contando, na actualidade, 37 anos de idade e tendo dois filhos ainda jovens, a arguida padece de várias doenças que, revestindo-se de alguma gravidade, requerem cuidados. Para além de tudo isto, há que relevar a capacidade crítica que, por fim, a arguida parece ter adquirido relativamente à conduta ilícita que manteve até ser presa e a circunstância de ter interiorizado a necessidade de inverter o seu percurso de vida.
VII - É, pois, sopesando este quadro circunstancial e sem perder de vista que a pena não pode, em caso algum, exceder a medida da culpa, que se julga que, no âmbito da respectiva moldura abstracta, se mostra mais adequada à culpa da arguida e proporcional às necessidades de prevenção, quer geral quer especial, a pena de 7 anos de prisão que, não deixando de corresponder às expectativas comunitárias quanto ao restabelecimento da norma jurídica violada e também não comprometendo de forma intolerável os interesses de ressocialização do agente, cumpre satisfatoriamente os critérios definidos nos arts. 40.º, 71.º e 77.º do CP.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1.

Por acórdão de 22.11.2013, proferido pelo tribunal colectivo da 2ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, foi a arguida AA condenada, em cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, com desconto de 9 (nove) meses prisão pelo cumprimento de pena parcelar integrada no mesmo cúmulo.

Integraram o cúmulo jurídico efectuado as penas de prisão aplicadas no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR, no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR, mas já não, e entre outras, a pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.

2.

Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde, para além das questões atinentes à inclusão da pena aplicada no processo comum nº 418/09.3JACBR no cúmulo jurídico efectuado e, em caso afirmativo, à manutenção daquela pena única fixada (7 anos de prisão), suscitou ainda, em sede de audiência de julgamento, a questão reportada à alegada inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 12º e 32º da Constituição da República Portuguesa, das normas dos artigos 10º, 26º e 77º do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que, perante um crime exaurido, é possível separar alguns dos factos que o integram e assim permitir múltiplas condenações.

3.

Por acórdão de 21.05.2014, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, em suma:

«A) Julgar não verificada a invocada inconstitucionalidade.

B) Revogar o cúmulo jurídico de penas efectuado no acórdão recorrido.

C) Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR e no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, e condená-la na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, em cujo cumprimento haverá oportunamente que descontar 9 (nove) meses de prisão [correspondentes à pena parcelar já cumprida, imposta no último processo cumulado].

D) Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR, e condená-la na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão».

Mais se consignou, no aludido aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, que «As penas únicas referidas em C) e D) serão cumpridas sucessivamente».

4.

Irresignada ainda com esta decisão, a arguida AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da motivação que apresentou as seguintes conclusões:

«1. A recorrente nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Colectivo nº 418/09.3 JACBR tinha sido condenada, antes, por crime idêntico em pena igual, mas por factos praticados, exclusivamente, em 9.6.2009, dia seguinte ao do último dia dos factos praticados no processo mais antigo.

2. Estamos assim perante conduta do agente em que o mesmo, após atingir o resultado consumado continuou a agredir o mesmo bem jurídico. Não se verifica um delito autónomo, mas um desdobramento de uma conduta negativa consumada.

3. Estamos perante um crime exaurido.

4. Mister se torna, pois, que a factualidade do dia 9 de Junho entre no cúmulo jurídico efectuado. É o mesmo crime.

5. Deve, porém, face aos critérios do artigo 77º do C.P., manter-se a pena já fixada no cúmulo inicial, isto é, 7 anos.

6. A decisão recorrida, ao ter entendido de outra forma, violou os artigos 10º, 26º e 77º nº 1, todos do C.P.

7. Deve, pois, ser revogada nos termos reclamados».


*


Na mesma oportunidade a recorrente requereu a realização de audiência.

5.

Ao motivado e assim concluído pela recorrente, retorquiu o Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra, que rematou nos seguintes moldes:

«1°- Não se mostram, pois, violados quaisquer normativos legais, nomeadamente, os ínsitos nos artºs 10º, 26º e 77° do C.P, como aponta a recorrente;

2° - Pelo que, não nos merecendo censura o doutamente decidido, propugnamos pelo total improvimento do recurso e, consequente manutenção do Acórdão impugnado».

6.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416º do Código de Processo Penal, não emitindo parecer visto a recorrente ter requerido a realização de audiência, promoveu que fosse designada data para a mesma.

7.

Por ter sido requerida pela arguida AA a realização de audiência (número 5 do artigo 411º do Código de Processo Penal), procedeu-se à mesma para, de acordo com o peticionado pela recorrente, serem debatidos «os pontos por si abordados na motivação do presente recurso».

Assim, no início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso e respectivas conclusões, são merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do número 1 do artigo 423º do Código de Processo Penal.

O Excelentíssimo Mandatário da arguida, nas alegações oralmente proferidas, reiterando as posições defendidas na motivação do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal, em suma sustentou que, não acrescentando os factos cometidos em 09.06.2009 qualquer ilicitude aos praticados entre o ano de 2007 e 08.06.2009, a solução racional e lógica passa por manter a pena conjunta de 7 anos de prisão que, em cúmulo jurídico, havia sido imposta à recorrente, no acórdão de 22.11.2013, proferido pelo tribunal de 1ª instância.

Por sua vez, a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que, constituindo a questão nuclear que se coloca a de saber da oportunidade da aplicação do princípio ne bis in idem, em sede recurso interposto de decisão que procedeu exclusivamente à aplicação de uma pena de prisão, por conhecimento superveniente de concurso, a resposta só poderá ser negativa.

E isto na medida em que, tendo transitado em julgado as decisões que integram o cúmulo, as mesmas não se anulam e ao Supremo Tribunal de Justiça cabe-lhe tão-só sindicar a existência efectiva de concurso de crimes e bem assim se a pena única de prisão aplicada se mostra adequada e proporcional. No caso vertente, entende o Ministério Público que a pena única fixada não merece censura, atendendo ao percurso de vida criminosa da arguida que, não tendo profissão, dedicou-se à venda de produtos estupefacientes durante um longo período de tempo. Razão por que, concluiu a mesma Senhora Magistrada, deverá negar-se provimento ao recurso e manter-se o acórdão recorrido.    

8.

Tudo visto, cumpre decidir:   

II. Dos Fundamentos

II. 1 – De Facto

O tribunal recorrido declarou provados os seguintes factos:

«A arguida foi condenada nos seguintes processos:

Processo Comum Colectivo n.º 158/07.8JAAVR:

Data dos Factos: Novembro de 2007 a 8.6.2009

Data da Sentença: 20.07.2012

Data do Trânsito e Julgado da Sentença: 22.5.2013

Pena aplicada: Nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 3 (três meses) e na pena única de 7 (sete) anos de prisão

Crimes: um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 em concurso real com um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A, n.º 1, 2 e 3 do Código Penal e um crime de condução de veículo motorizado p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1

No Acórdão consta como provado:

“A) Do Crime de Tráfico de Estupefacientes:

A arguida, desde pelo menos o final do mês de Setembro de 2007 que se dedicava à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente heroína, cocaína e canábis.

A arguida AA adquiria os produtos estupefacientes em quantidade e por modo não concretamente apurado, os quais depois de preparados e sob a forma de pequenas doses revendia a indivíduos interessados na sua aquisição, em Coimbra, sobretudo no Bairro da Rosa e no Bairro do Ingote.

O preço das doses variava de acordo com o peso de produto nelas contido, mas, em regra, rondava os € 10,00/dose.

E tanto o fazia directamente, quer nos apartamentos a que aí tinha livre acesso, quer na via pública, nas suas imediações.

Como o fazia com o apoio e auxílio de pessoas que consigo colaboravam, geralmente consumidores, que recrutava para esse efeito e para angariarem clientes para os estupefacientes que comercializava.

Estes indivíduos, face ao combinado, geralmente acompanhavam e encaminhavam os interessados até às referidas habitações, onde estes compravam as quantidades pretendidas.

Como pagamento destes serviços, regra geral, a arguida AA entregava aos vendedores/angariadores doses de estupefacientes, para consumo próprio, uma vez serem normalmente consumidores regulares desse tipo de produtos.

Nesta situação de vendedores/angariadores por conta da arguida AA, como contrapartida à colaboração que lhe prestavam na venda de produtos estupefacientes, dela recebendo doses de droga, nomeadamente heroína, cocaína e canábis, que depois consumiam, estão designadamente os seguintes arguidos: BB, conhecido pela alcunha de CC; DD, conhecido pelo diminutivo de EE; FF, conhecido pelo diminutivo de GG.

Era, pois, desta prática delituosa, que a arguida AA retirava os proveitos económicos que auferia, tanto que não desempenhava qualquer actividade profissional lícita.

Pelo menos desde o final do mês de Setembro de 2007 (designadamente os dias 27.9.2007, 28.9.2007, 17.10.2007, 26.10.2007, 14.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008) que a arguida AA utilizava o apartamento sito no Bairro …, Bloco …, Subcave Centro, para efeitos de fraccionamento e posterior revenda de doses de heroína, cocaína e canábis.

Em 18.4.2008, pelas 14h30m, durante a busca realizada ao apartamento onde a arguida AA na ocasião residia, sito no Bairro …, rua …, n.º …, …., Coimbra, ao ser alvo de revista, em poder da arguida, no interior de uma carteira, foi apreendida uma língua de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 1,898 g (cfr. fls. 395 a 397, do processo principal).

Examinado esse produto no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelou ser canábis (resina), vulgo haxixe.

Ainda em 18.4.2008, pelas 15h15m, foi efectuada busca ao referido apartamento que a arguida AA utilizava na actividade de tráfico de estupefacientes, sito no Bairro …, Lote …, Subcave Centro, Coimbra, onde se encontrava a HH.

Aí foram apreendidas duas barras de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 3,239 g (cfr. fls. 400, 401 e 403, do processo principal).

Examinadas tais barras no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelaram ser canábis (resina).

Toda a canábis apreendida era da arguida AA pertença e destinava-se a ser por si vendida, bem como pelos seus colaboradores – sendo-o ao tempo pelo menos o arguido BB (CC) – aos consumidores que os abordassem para tanto, em porções.

Não obstante a operação policial de que foi alvo, que culminou com a apreensão da referida quantidade de haxixe, por a arguida AA não exercer qualquer actividade profissional, continuou a dedicar-se à comercialização de produtos estupefacientes.

Porém, por a habitação do Bloco … já estar referenciada pelas autoridades, ainda antes das buscas de que foi alvo, começou a arguida AA a diligenciar por arranjar outro apartamento onde pudesse continuar a preparar os produtos estupefacientes, bem como a vendê-los aos consumidores, por si ou através dos seus colaboradores.

Foi assim, imbuída deste espírito, que veio a fechar o negócio referente ao seguinte apartamento: Bairro …, Bloco …, …., Coimbra. Ficou acordado com os compradores que o preço da compra e venda seria de € 13.000,00, a liquidar pela arguida em prestações mensais de valor variável, consoante as suas possibilidades, mas que não deveriam ser inferiores a € 500,00. Mais combinaram que só, a final, aquando do pagamento da totalidade do preço, seria efectuada a correspondente escritura pública. No âmbito do acordo a arguida entregou a quantia total de […].

Nestes termos, ainda em Março de 2008 foi requisitada água, luz e gás, tendo a arguida AA entrado na disponibilidade do apartamento.

Entretanto, a arguida AA passa a nele residir.

Para pagamento do preço, em prestações, entre Março e Outubro de 2008, a arguida foi entregando à II as seguintes quantias, sempre em numerário, através de notas de pequeno valor, de 5, 10 e 20 €, sendo a maior parte de € 20,00, perfazendo o montante de € 6.150,00 (seis mil, cento e cinquenta euros).

Em 26.9.2008, ao serem efectuadas vigilâncias policiais a essa residência, no exterior foi detectado o arguido DD (EE), o qual estava a vigiar, encontrando-se a arguida … (HH) no interior do apartamento, a vender droga aos consumidores que aí se dirigissem (cfr. fls. 468 e 469, do processo principal).

Em 14.10.2008, pelas 15h, era a arguida AA quem estava a vender doses de produtos estupefacientes aos consumidores que a esse apartamento se dirigiam, estando o arguido DD, no exterior do Bloco, a vigiar e a encaminhá-los para o andar.

Em 6.12.2008, cerca das 9h30m, a arguida AA colocou numa das janelas desse apartamento um pano, de cor rosa, sendo esse um dos sinais utilizados para o efeito, a fim dar a conhecer aos consumidores que tinha produtos estupefacientes disponíveis para venda, pelo que aí se poderiam abastecer.

Nessa data, 6.12.2008, pelas 16h45m, realiza então a PJ busca a esse andar, onde apenas se encontrava a arguida AA (cfr. fls. 816 a 818, do processo principal).

Para evitar que ela tivesse tempo de se desfazer dos produtos estupefacientes que ainda tinha em seu poder, procedeu a PJ ao arrombamento da porta de entrada.

No entanto, mal se apercebeu do que estava a suceder, a arguida precipitou-se para a casa de banho, a fim de atirar para dentro da sanita diversos panfletos de heroína que tinha consigo.

Apesar de interceptada pela PJ no hall contíguo à casa de banho, ainda antes de terem logrado imobilizá-la totalmente, conseguiu a arguida projectar alguns desses panfletos em direcção à sanita, caindo vários dentro da mesma e outros no chão.

Assim, no decurso da busca, foi apreendido no apartamento o seguinte:

- Na sala

- em cima da mesa:

- 7 (sete) panfletos contendo um produto, de cor branca, com o peso bruto de 1,921 g e líquido de 0,549 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser cocaína;

- a quantia de € 290,00 (duzentos e noventa euros), em notas de 20, 10 e 5 €, que estava escondida debaixo de um pano;

- diversos sacos de plástico, de cor amarela, alguns já recortados, que se destinavam a ser utilizados na embalagem das doses de droga:

- 3 (três) telemóveis, um de marca Samsung, com o SIM …, outro de marca Sony Ericsson, com o SIM … e outro marca Nokia, pela arguida utilizados nos contactos que desenvolvia relacionados com a comercialização de estupefacientes;

- a quantia de € 630,00 (seiscentos e trinta euros), em notas de 50, 20, 10, e 5 €, que se encontrava dentro de uma carteira da arguida;

- um recorte de plástico contendo em cima um produto, de cor branca, com o peso bruto de 1,944 g, sendo o peso líquido deste de 1,254 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser cocaína;

- no sofá, por detrás de uma almofada, um invólucro com 5 embalagens, uma contendo um produto em pó, este com o peso bruto de € 5,442 g e líquido de 5,114 g, identificado como heroína e as restantes 4 com um produto em pó, este com o peso bruto de 30,754 g e líquido de 23,977 g, identificado como cocaína;

- Em cima da mesa, no chão da casa de banho e dentro da sanita:

- 30 (trinta) panfletos, contendo um produto em pó, com o peso bruto de 11,028 g e líquido de 2,397 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser heroína.

Todos os produtos estupefacientes apreendidos eram pertença da arguida AA e destinavam-se a ser por si vendidos, directamente aos consumidores que aí se dirigissem para o efeito.

Destinavam-se os sacos de plástico e recortes apreendidos a serem utilizados na embalagem das doses de estupefacientes.

Também o dinheiro apreendido era pertença da arguida AA, sendo proveniente da venda de droga.

Detida a arguida, foi a mesma submetida a interrogatório judicial, tendo sido restituída à liberdade com a obrigação de não se ausentar de Coimbra e de se apresentar bissemanalmente na PSP de Coimbra.

Não obstante isto, por a arguida AA continuar sem pretender desenvolver qualquer actividade lícita, uma vez em liberdade, manteve-se a comercializar produtos estupefacientes, em moldes idênticos ao que fazia antes da intercepção, continuando a utilizar para preparação e venda da droga o referido apartamento, sito no Bairro …, Bloco …, …., Coimbra.

Nestes termos, ao serem efectuadas novas vigilâncias policiais na zona, mais concretamente em 17.4.2009 e 1.5.2009, constatou-se a afluência de consumidores a esse apartamento, onde a arguida lhes vendia as doses de estupefacientes pretendidas.

Assim prosseguiu a arguida AA a comercializar produtos estupefacientes até 9.6.2009, data em que voltou a ser detida, desta feita no âmbito do inquérito n.º 418/09.3JACBR.

Em 9 de Junho de 2009, cerca das 15h e 45m, na Estação de Coimbra B, da CP, foi a arguida interceptada pela PJ tendo em seu poder 192,3 g de heroína, com elevado grau de pureza.

Ainda nesse dia, no decurso da busca realizada ao já referido apartamento, onde ainda residia, sito no Bairro …, Lote …, …., Coimbra, mais foram apreendidas 5 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido 0,249 g.

Quer a heroína, depois de desdobrada através da adição de produtos de corte e fraccionada, bem como a cocaína, eram pertença da arguida e destinavam-se a ser revendidas a consumidores.

Por estes factos, cometidos em 9.6.2009, foi a arguida AA julgada no âmbito do processo comum colectivo n.º 418/09.3JACBR, 2ª Secção, da Vara Mista de Coimbra, tendo sido condenada como autora de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por acórdão de 9.4.2010

A arguida AA, em 2007, era casada com o arguido JJ.

Na ocasião, este último estava preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra (EPC).

Tinha o arguido JJ hábitos de consumo de produtos estupefacientes, designadamente de haxixe.

Assim, de molde a abastecê-lo, para seu consumo, a arguida AA, por diversas vezes, fez entrar no EPC porções de estupefacientes, mormente canábis.

Para tanto, de molde a iludir a vigilância, a arguida entregava ao seu colaborador FF, aqui arguido, conhecido por GG, porções de canábis, solicitando que este as projectasse para o interior do EPC, por cima do muro e rede de vedação, onde o arguido JJ as recolheria posteriormente.

Com a configuração de embrulhos eram eles atirados pelo GG para o interior do EPC nos moldes indicados.

Pelo menos em 13.11.2007 e 15.11.2007 desse modo sucedeu.

Insucesso em tal teve o embrulho com canábis que o arguido FF, a mando da arguida AA, atirou para o EPC, em 13.11.2007, cerca das 14h44m, por ter ficado preso na rede de vedação.

Já mais sucesso teve o embrulho com canábis que o arguido FF, de novo a mando da arguida AA, atirou para o interior do EPC, em 15.11.2007, pelas 14h26m, que caiu dentro do campo, onde o arguido JJ o recolheu, tendo este posteriormente consumido o produto estupefaciente nele contido.

Em 22.5.2008, pelas 15h50m, no EPC, após terminar a visita que recebeu da arguida AA, foi o recluso JJ revistado, tendo sido apreendido no forro das cuecas que trazia vestidas um pedaço de um produto vegetal prensado, com o peso líquido de 9,423 g, que examinado no LPC, revelou ser canábis (resina).

Foi esse produto entregue a si pela arguida AA, para seu consumo, durante a visita, iludindo a vigilância, de forma não apurada.

Ainda em 11.11.2007, pelas 14h15m, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, ao ser efectuada revista à arguida AA por Guarda Prisional, quando esta pretendia visitar o seu marido JJ, em seu poder foi apreendido um panfleto com cocaína, com o peso aproximado de 0,1 g, o qual se encontrava no bolso das calças que trazia vestidas.

Trazia a arguida esse panfleto por se ter esquecido de tirá-lo do bolso antes da visita.

Na verdade, frequentemente nos bolsos a arguida trazia as doses de estupefacientes que comercializava, sendo que este panfleto também tinha esse fim.

A arguida AA agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de obter proveitos económicos, resultantes da venda de droga.

Mais agiu de modo deliberado e consciente no intuito de introduzir produtos estupefacientes, mormente canábis, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, destinados ao arguido JJ, com vista a serem consumidos por este.

Sabia serem esses produtos heroína, cocaína e canábis, sendo conhecedora das suas características e qualidades estupefacientes.

B) Do crime de branqueamento

Era da actividade delituosa de comercialização de produtos estupefacientes, a que a arguida AA se dedicou, de forma reiterada e sucessiva, desde pelo menos finais do mês de Setembro de 2007 e até 9.6.2009, data da sua detenção no âmbito do processo 418/09.3JACBR, que retirava os proveitos económicos que auferia, uma vez não exercer qualquer profissão lícita.

Face aos proveitos económicos que obtinha na comercialização de produtos estupefacientes, para dissimular a origem do dinheiro que ia obtendo com a sua venda, no sentido de evitar que as autoridades o viessem a apreender, uma vez se tratar de produto de crime e obstar a que pudesse vir a ser implicada no correspondente crime de tráfico de estupefacientes, a arguida AA passou a adquirir bens móveis e imóveis com ele.

De molde a melhor encobrir a sua ligação a alguns desses bens, a arguida diligenciou por que nalgumas dessas aquisições figurassem como pretensos adquirentes terceiras pessoas, quando era ela realmente a compradora e responsável pelo pagamento do preço.

São as seguintes as aquisições efectuadas e pagas pela arguida em que tentou dissimular a titularidade desses bens e a origem do dinheiro com que foram pagos:

- Veículo ligeiro de passageiros, marca Peugeot, modelo CC 307, matrícula …-HF-…, adquirido pela arguida e LL à firma MM, Lda., em 24.1.2009, pelo preço de € 35.599,99, tendo figurado como comprador NN.

- Apartamento T2, designado por letra …, correspondente ao r/c dto., sito na rua …, Lote …, …, Lousã, adquirido pela arguida em 16.4.2009, pelo preço de € 40.000,00, tendo figurado como comprador OO.

- Apartamento sito no Bairro …, Bloco …, …., Coimbra. Estando ele devoluto, em Março de 2008, a arguida AA manifestou-se interessada em comprar essa fracção, alegando desejar passar a habitá-la. Ficou então acordado que o preço da compra e venda seria de € 13.000,00, a liquidar pela arguida em prestações mensais de valor variável, consoante as suas possibilidades, mas que não deveriam ser inferiores a € 500,00.

- Objectos em ouro, pertença da arguida AA

No contexto e fruto da sua actividade ligada à comercialização de produtos estupefacientes, a arguida AA, para além de dinheiro, reunia, periodicamente, consideráveis quantidades de objectos em ouro em seu poder; no intuito de evitar que pudesse vir ser detectada na posse de tanto ouro, o que a suceder poderia levar as autoridades a concluir pelo seu envolvimento em tráfico de droga e consequente responsabilização criminal, uma vez não ter meios de fortuna e não exercer qualquer actividade profissional lícita, a arguida AA, periodicamente, dissimulava-o, convertendo-o em dinheiro.

- Objectos em ouro, todos pertença da arguida AA, dados em penhor e vendidos pela arguida HH, a mando daquela sempre no intuito de evitar ser detectada na posse de ouro por si obtido através da comercialização de produtos estupefacientes, para obstar a que as autoridades pudessem concluir pelo seu envolvimento em tráfico de droga e consequente responsabilização criminal; para efeitos de dissimulá-lo, convertendo-o em dinheiro, a arguida AA, por diversas vezes, determinou à arguida …, conhecida por HH, que nesse sentido diligenciasse, penhorando-o em casas de penhores ou vendendo-o, correspondentemente, e a ser feito por esta última em nome próprio, de molde ao ouro não ser com ela, AA, relacionado.

Nestes termos, apesar de saber, pelo menos a partir de finais do mês de Setembro de 2007, que o ouro era pertença da arguida AA, que era proveito da venda de droga e que essas operações de penhor e venda visavam dissimulá-lo, a arguida HH acatou as ordens recebidas e procedeu em conformidade.

Pelo exposto, a mando da arguida AA, a arguida HH deslocou-se aos seguintes estabelecimentos, nas seguintes datas, aí tendo entregue em penhor e vendido os seguintes objectos em ouro, pertença da AA:

- No estabelecimento de PP, sito na rua …, n.º …, …, Coimbra

- Em 30.5.2008, venda de um fio em ouro, pelo preço de € 103,50, correspondente à venda 3373.

- Na Ourivesaria QQ, pertença de RR, irmão da PP, com estabelecimentos na rua …, n.º … e rua da …, n.º …, em Coimbra:

- Em dia não apurado, da semana de 4 a 9 de Fevereiro de 2008, a venda de um par de brincos, modelo flor, com pedra azul e branca, em volta de ouro amarelo, pelo preço de € 312,30, correspondente à venda 354;

- Em dia não apurado, da semana de 9 a 14 de Junho de 2008, a venda de uma medalha em ouro com pedra azul, e um par de brincos em ouro, com pedra azul, pelo preço de € 156,80, correspondente à venda 491.

-Na Sociedade de Crédito sobre Penhores, denominada SS, Lda., com sede na rua …., n.º …, Coimbra:

- Em 3.10.2008, um fecho, umas argolas, uma gargantilha, uma pulseira e duas alianças, tudo em ouro, avaliado em € 2.500,00, tendo a firma entregue a quantia de € 847,96, a título de empréstimo, por referência à cautela n.º 7527. Uma vez o ouro não ter sido resgatado, foi o mesmo considerado vendido em 7.11.2009, pela quantia de € 1.300,00.

Todo o dinheiro obtido com o penhor e venda dos objectos foi entregue pela arguida HH à arguida AA.

Para além do vindo de relatar, já pela mesma arguida HH, cumprindo ordens e seguindo as instruções da arguida AA, haviam sido vendidos nesse mesmo estabelecimento de ourivesaria de PP:

− Em 6.3.2006, venda de um anel em ouro, pelo preço de € 27,55, correspondente à venda 1704;

− Em 7.3.2006, venda de um anel em ouro, pelo preço de € 41,00, correspondente à venda 1704.

Sendo que o dinheiro obtido com estas vendas foi igualmente entregue pela arguida HH à arguida AA.

Para além do vindo de relatar, em 5.6.2007 foram objectos em ouro da arguida AA dados em penhor perante a Casa de Penhores "TT, S.A.", com sede na Praça …, n.º …, Porto; objectos em ouro esses com o peso total de 1,065 Kg, avaliados em € 40.000,00, tendo vindo a arguida AA em 6.6.2008 a receber dessa prestamista o montante indemnizatório de € 47.900,00, por os objectos terem sido subtraídos das instalações do estabelecimento em 14.4.2008, tudo no demais melhor explicitado supra no facto XV, e em concretos termos aqui ora dados como reproduzidos;

Para além do vindo de relatar, em nome da arguida AA já haviam sido entregues nessa mesma Casa de Penhores "TT, S.A." os seguintes objectos em ouro, por via do que foram recebidos da prestamista as seguintes quantias:

- Em 16.11.2006, o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) - cautela 193495;

- Em 26.11.2006, o montante de € 646,00 (seiscentos e quarenta e seis euros) - cautela - 195382;

- Em 26.11.2006, o montante de € 511,00 (quinhentos e onze euros) - cautela 195384.

A arguida AA agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de dissimular os proveitos económicos que ia obtendo com a venda de produtos estupefacientes que pelo menos teve lugar a partir do mês de Setembro de 2007, convertendo-os em outros bens.

Actuou com a intenção de ocultar a quota na propriedade do referido Peugeot por si adquirida, com proveitos económicos advindos da comercialização de produtos estupefacientes, ao fazer constar como seu adquirente terceira pessoa.

De igual modo agiu em relação ao ouro que deu em penhor e vendeu, pelo menos a partir de finais do mês de Setembro de 2007, designadamente ao providenciar no sentido de serem terceiras pessoas a efectuar essas operações, de molde a que o seu nome não aparecesse associado a essas transacções. Com referência a esse período temporal não ignorava ser o ouro também fruto da comercialização de substâncias estupefacientes.

Fez tudo isto sob a mesma resolução criminosa, no sentido de evitar que essas quantias em dinheiro, quota do veículo e ouro fossem relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes a que se dedicava, isto de molde a obstar à sua apreensão pelas autoridades, como produto do crime, bem como para evitar que desse modo pudesse vir a ser responsabilizada criminalmente pelo inerente crime de tráfico.

C) Do crime de condução sem carta

A arguida AA era useira e vezeira na condução de veículos automóveis na via pública, sem que fosse titular de carta de condução para tanto. E fazia-o, atenta a sensação de impunidade que sentia, pois apesar de conduzir no seu dia-a-dia, raramente era interceptada pelas autoridades policiais. A isso acresce sempre ter tido automóveis na sua disponibilidade. Foi a arguida diversas vezes avistada a conduzir veículos automóveis, nomeadamente nas seguintes datas: 27.9.2007, 28.9.2007,26.10.2007, 7.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008, 17.4.2008 e 18.4.2008.

Desde data não concretamente apurada, mas após 9.2.2009 e até Junho de 2009, a arguida passou a utilizar, conduzindo-o nas deslocações por si efectuadas, designadamente nas artérias de Coimbra, o dito veículo ligeiro de passageiros Cabrio, marca Peugeot, modelo 307 CC, matricula …-HF-…, veículo esse por si aí conjuntamente adquirido em 24.1.2009.

A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo não se encontrar legalmente habilitada a conduzir veículos automóveis na via pública e que, fazendo-o, incorria em responsabilidade criminal.


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Processo Comum Singular n.º 1163/10.2TACBR:

Data dos Factos: 1.1.2009

Data da Sentença: 7.4.2011

Data do Trânsito em Julgado da Sentença: 20.5.2011

Pena aplicada: nove (9) meses de prisão, substituídos por igual período de multa, à razão de sete euros (€ 7,00) dia, num total de mil, oitocentos e noventa euros ( € 1.890,00),

Crimes: um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, 1, do Cód. Penal.

A pena aplicada encontra-se extinta por cumprimento.

Na sentença consta como provado:

1. A arguida AA é arguida no Processo Crime (Tribunal Colectivo) n.º 418/09.3JACBR, que correu termos, na fase de inquérito, no DIAP de Coimbra e se destinava a investigar se ela estava a cometer um crime de tráfico de estupefacientes e descobrir e recolher provas do mesmo.

2. A 2.ª Brigada da SRITE (Secção Regional de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes), da Directoria de Coimbra da Polícia Judiciária estava incumbida da investigação e, nesse contexto, em 09.06.2009, os inspectores UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB e CCC detiveram a arguida e apreenderam na sua posse certa quantidade de estupefaciente, e, seguidamente, procederam a busca à sua casa de habitação, onde efectuaram diversas outras apreensões de objectos relacionados com o crime em investigação ou susceptíveis de servir de prova.

3. No decurso desse inquérito realizaram-se outras diligências de investigação e, nomeadamente, em 08/02/2010, os inspectores UU e VV interrogaram a arguida no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, sendo que para tanto procederam ao seu transporte em veículo de serviço entre a casa de habitação da arguida e aquele local.

4. Em 17.11.2009, foi deduzida acusação contra a arguida pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

5. A arguida foi julgada e condenada pela prática do crime por que vinha acusada, por acórdão datado de 09/04/2010, não transitado em julgado, visto estar pendente recurso por ela interposto, sendo que desde a sua detenção e até ao presente a arguida esteve primeiro em prisão preventiva e actualmente está sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com meios de vigilância electrónica.

6. Ora, sucede que, estando o Processo Crime n.º 418/09.3JACBR ainda em fase de inquérito, a arguida AA e o arguido LL, que são casados entre si, conceberam o plano de apresentarem queixa contra os inspectores da Polícia Judiciária encarregues da respectiva investigação, a fim de contra eles ser instaurado processo por crimes cometidos no exercício das suas funções, apesar de bem saberem que deturpavam e descontextualizavam os factos que lhes imputavam, com o intuito de descredibilizar a sua actuação e perturbar o regular prosseguimento da investigação.

7. Em conformidade, no início de Novembro de 2009, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, onde o LL estava preso, os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, elaboraram duas queixas, uma em nome do LL e outra em nome da AA, ambas redigidas por aquele, em virtude desta só saber assinar o seu nome.

8. Os arguidos dirigiram a queixa elaborada em nome do LL contra UU e VV, inspectores da Polícia Judiciária, imputando-lhes, em síntese e além do mais, a factualidade seguinte:

(a) Em 09/06/2009, o denunciado UU, na qualidade de inspector da Polícia Judiciária fez uma rusga não autorizada à casa da AA;

(b) Nessa mesma ocasião, o denunciado UU apreendeu diversos objectos pertencentes ao LL;

(c) Ainda nessa ocasião algemou a AA e obrigou-a a fazer as necessidades no chão da sala;

(d) Ao longo de todo o inquérito, ambos os denunciados tiveram atitudes persecutórias contra o LL e a AA, pois o denunciado VV arranjou provas falsas e ambos os denunciados trataram a AA e o LL de forma hostil, agressiva e vexatória, e da mesma forma trataram o pai do LL quando foi ouvido no âmbito do mesmo inquérito.

9. Os arguidos elaboraram ainda outra queixa, em nome da AA e por ela assinada, mas igualmente redigida pelo arguido LL, contra UU, VV, XX e outros dois inspectores da Polícia Judiciária que participaram na detenção da arguida AA e na busca à sua residência em 09/06/2009, dando conta, em síntese e além do mais, do seguinte:

(a) Em 09/06/2009, os denunciados fizeram uma busca não autorizada à casa da denunciante;

(b) Nessa ocasião procederam à apreensão de objectos pessoais da AA e da sua família;

(c) Ainda nessa ocasião o denunciado UU não deixou a denunciante ir à casa de banho e ela fez as necessidades na sala, na presença dos inspectores da Polícia Judiciária, e ainda a deixou imenso tempo algemada;

(d) Ao longo de todo o inquérito, os denunciados e sobretudo o UU e o VV tiveram atitudes persecutórias contra a AA, extensivas ao seu marido e outros familiares, nomeadamente as já anteriormente descritas e ainda gozaram com ela, molestaram-na fisicamente, torturaram-na e abusaram da sua autoridade, tratando-a de forma hostil, agressiva e vexatória;

(e) A denunciada XX agarrou a AA com força, causando-lhe marcas.

10. Os arguidos remeteram de seguida estas queixas ao DIAP de Coimbra, onde deram entrada em 18/11/2009 e foram registadas e autuadas como inquérito, com os NUIPC 3583/09.6TACBR e 3584/09.4TACBR, sendo este segundo apenso ao primeiro.

11. Posteriormente, na sequência do propósito anteriormente formulado e em conjugação de esforços com a arguida sua mulher, o arguido LL redigiu e enviou ao DIAP de Coimbra uma nova queixa, reiterando a queixa anteriormente apresentada e sugerindo que o denunciado UU suspendesse as suas funções nos processos relativos à AA, sendo essa queixa autuada como inquérito n.º 226/10.9TACBR e apensa ao inquérito n.º 3583/09.6TAGBR.

12. Insistindo na mesma estratégia, apresentaram outra queixa em nome da AA contra UU e VV, também redigida pelo arguido LL, dando conta de que, no dia 08/02/2010, os denunciados a tinham ido buscar a sua casa pelas 11:00 horas e a conduziram ao Tribunal Judicial da Lousã, onde a interrogaram, sendo que nessa ocasião a trataram de forma hostil e agressiva, lhe gritaram e o UU foi direito a ela com a mão levantada para lhe bater, além de que este último também lhe disse que a ia pôr na cadeia o mais rápido possível, que era esse o seu lugar, sendo esta queixa registada como inquérito n.º 432/10.6TACBR e apensa àquele primeiro inquérito.

13. Nas suas queixas, os arguidos basearam-se em factos reais, que deturparam e descontextualizaram, de forma a fazer crer que a actuação dos inspectores da Polícia Judiciária denunciados era passível de censura penal, quando tal não sucedia.

14. No inquérito instaurado na sequência das queixas dos arguidos foi proferido despacho final, no qual, no que se reporta à factualidade acima elencada, se considerou não ter sido recolhida prova bastante de que os aí denunciados haviam cometido os crimes que lhes eram imputados e mais se entendeu terem sido recolhidos indícios de que o procedimento criminal tinha sido utilizado pelos aí denunciantes como uma forma de pressionar o regular prosseguimento de um processo-crime, tanto mais que os factos denunciados, apesar de configurarem vícios processuais, não tinham sido suscitados no processo próprio. Assim, foi proferido despacho de arquivamento, nesta parte, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

15. Os arguidos, de comum acordo e conjugação de esforços, apresentaram queixas contra inspectores da Polícia Judiciária, com o propósito conseguido de contra eles ser instaurado procedimento criminal por factos cometidos no exercício das suas funções, apesar de bem saberem que deturpavam e descontextualizavam tais factos e assim lhes retiravam qualquer correspondência ao realmente acontecido, visando com a sua conduta perturbar o andamento dum processo criminal a correr termos contra a arguida e condicionar o exercício das funções profissionais dos inspectores no âmbito desse processo.

16. Sabiam [ser a sua conduta contrária à lei e criminalmente punível.


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Processo Comum Singular n.º 1318/06.4TACBR:

Data dos Factos: 9 e 10 de Setembro de 2006

Data da Sentença:7.10.2008

Data do Trânsito em Julgado da Sentença:14.4.2009

Pena aplicada: pena única de 14 meses suspensa na sua execução pelo período de 2 anos a que corresponde as penas parcelares de 6 meses e 11 meses de prisão.

Crimes: Dois crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. nos termos do art.º 11º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28.12

Por despacho transitado em 6.96.2012 foi revogada a suspensão e determinado o cumprimento integral da pena de 14 meses de prisão.

Na sentença consta como provado:

Nos dias 9 e 10 de Setembro de 2006 a arguida deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado “DDD”, sito no “Centro Comercial …”, representado por EEE, tendo assinado e entregue os cheques n.ºs …. e …, sacados sobre a conta n.º … do “Millenium BCP”, preenchidos pelos valores de € 850,00 e €1.809,00 respectivamente, estando os mesmos também preenchidos com as datas dos respectivos dias, ou seja, 2006.09.09 e 2006.09.10.

Os cheques referidos destinavam-se a proceder ao pagamento de botas, vestido, cinto, carteira e casaco de pele, adquiridos pela arguida no estabelecimento da ofendida e que aquela levou consigo.

Apresentados a pagamento em Coimbra, vieram os cheques em questão a ser devolvidos com a menção “Falta de provisão”, verificada a 13 de Setembro de 2006, conforme declaração aposta nos versos dos cheques.

A arguida, ao agir como o descrito, sabia não dispor na conta sacada de fundos suficientes ao integral pagamento do cheque, sabendo que com a sua actuação causava uma diminuição no património da ofendida em, pelo menos, o valor aposto nos cheques e que colocava em causa a confiança depositada pela generalidade das pessoas na livre circulação de tal meio de pagamento, fins que representou e alcançou.

Agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei.


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Mais resultou provado que a arguida AA foi ainda condenada:

Por sentença datada de 20/9/2007, transitada em julgado em 30/10/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 2321/06.0PCCBR).

Por sentença datada de 9/10/2007, transitada em julgado em 19/11/2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º n.º 2 do DL 2/98, de 3/1, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pena esta extinta pelo pagamento (Processo Abreviado n.º 14/07.0PTCBR).

Por sentença datada de 10/10/2007, transitada em julgado em 26/11/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 165 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 1115/06.7TACBR).

Por sentença datada de 12/11/2007, transitada em julgado em 11/12/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (Processo Comum Singular n.º 3228/06.6TALRA).

Por sentença datada de 13/2/2008, transitada em julgado em 5/03/2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (Processo Comum Singular n.º 1398/06.2TACBR).

Por sentença datada de 13/3/2008, transitada em julgado em 2/5/2008, pela prática, em 26/8/2008 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (Processo Comum Singular n.º 1115/06.7.0PTCBR).

Por sentença datada de 16/4/2008, transitada em julgado em 6/5/2008, pela prática, em 26/7/2008 de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (Processo Comum Singular n.º 1431/06.6TACBR).

Por sentença datada de 11/4/2008, transitada em julgado em 30/06/2008, pela prática, em 11/9/2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 15,00. Em cúmulo jurídico, por sentença transitada em julgado em 9/12/2008, efectuado no âmbito deste processo, foi a arguida condenada na pena única de 424 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 1434/06.2TACBR).

Por sentença datada de 17.10.2008, pela prática, a 15.03.96, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 150 dias de multa (Processo Comum Singular n.º 4062/96.5TAPRT);

Por sentença datada de 24.11.2008, pela prática, a 25.10.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, em 150 dias de multa já declarada extinta (Processo Sumário n.º 2727/08.0PCCBR).

Por sentença datada de 22.10.2009, pela prática, a 27.02.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, em 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano já declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal (Processo Abreviado n.º 539/09.2PCCBR).

Por sentença datada de 18.12.2009, pela prática, a 2.09.2006 e 2.10.2006, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla simples, respectivamente, em 460 dias de multa, já declarada extinta (Processo Comum Singular n.º 1321/06.4PBCBR).

Por sentença datada de 16.06.2010, pela prática, a 10.06.2009, de um crime de difamação agravada, em 100 dias de multa (Processo Comum Singular n.º 2143/09.6TACBR).

Por sentença datada de 9.4.2010, transitada em julgado em 28.4.2011, foi a arguida condenada na pena de 5 anos e 6 meses pela prática em 9.6.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1 (Processo Comum Colectivo n.º 418/09.3JACBR). [No Acórdão consta como provado:A arguida AA, no dia 9.6.2009, deslocou-se a Lisboa, a fim de aí obter quantidade significativa de produto estupefaciente que lhe ia ser proporcionada por pessoa ou pessoas não concretamente apuradas. Para o efeito, a arguida saiu de Coimbra, cerca das 08H45, deslocou-se a Lisboa e regressou a Coimbra (Estação B), no mesmo dia 9.6.2009, pelas 15H45, utilizando para o efeito a CP (Serviço Alfa). À chegada, [foi] a arguida foi imediatamente interpelada e revista, tendo na sua posse um saco de papel com a inscrição "Gardénia" contendo no seu interior dois sacos de plástico transparentes contendo substância de cor acastanhada que se veio a verificar ser heroína com apreciável grau de pureza, um com o peso bruto de 92,3 gramas e outro com o peso bruto de 100,00 gr. Tinha igualmente na sua posse um telemóvel da marca NOKIA com o IMEI …, de cor preta, com cartão SIM da VODAFONE correspondente ao número …, que se encontrava ligado. Na sequência desta apreensão foi efectuada uma Busca ao domicílio da arguida, no Bairro …, …, Lote …, …, em Coimbra, onde foram encontrados e apreendidos 5 embalagens de plástico contendo na globalidade cerca da 1,4 gr. de cocaína (cloridrato), um saco de plástico recortado, com vestígios de pó acastanhado, que se supõe ter acondicionado produto estupefaciente, além de € 240,00 em numerário. A arguida nunca exerceu com regularidade qualquer actividade remunerada, tendo mesmo recebido da Segurança Social o Rendimento Social de Inserção, da qual é beneficiária número …. A cocaína e heroína que tinha na sua posse, que daria o equivalente 2200 doses – sem a mistura de qualquer substância adicional – destinava-se além do mais, depois do "corte", a ser revendida. A arguida conhecia perfeitamente as características dos produtos estupefacientes que tinha na sua posse, bem como a ilegalidade desta, sabendo também que não os podia comercializar. Ao tempo dos factos ajuizados, a arguida que não tinha qualquer actividade profissional definida, levava uma vida de aparente desafogo económico. Agiu sempre livre e voluntariamente, sabendo que praticava acto proibido e punível por lei”].


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AA é a secundogénita da prole de quatro da união dos progenitores. Frequentou o sistema de ensino habilitando-se com o 3º ano de escolaridade, momento em que, pelo “matrimónio” por conveniência, estabeleceu a sua própria família, em Trás-os-Montes, união de cerca de quinze anos, durante os quais desempenhou a actividade de vendedora ambulante de vestuário, criou os dois filhos.

Após a separação, AA estabeleceu mais dois novos relacionamentos amorosos concretizados em conúbios, primeiramente em 2007 com o co-arguido, seguido doutro em 2009, com o actual marido, igualmente preso em cumprimento da pena de catorze anos de prisão.

À data de reclusão AA integrava o agregado da avó, no domicílio dos autos, detinha uma condição financeira dependente da actividade de vendedora ambulante de vestuário e de calçado.

AA beneficia do enquadramento habitacional na Rua …, …. 3200-377 …, Lousã, apartamento que o cônjuge da condenada, e com o apoio materno, já efectuou o pagamento de metade do valor acordado para compra com a pessoa amiga, domicílio onde o casal tem os seus pertences e a condenada cumpriu parte da medida de coacção de permanência obrigatória na habitação com vigilância electrónica.

Através dos conhecimentos profissionais do cônjuge, a condenada tem ocupação laboral assegurada no Bar …, sito em …., Concelho de Coimbra, no qual poderá auferir um rendimento mensal de empregada de bar.

AA demonstra capacidade para desempenhar actividade laboral, com o propósito de concretizar a sua autonomização e constituir agregado próprio com o marido, segurança de profissão, encontra-se preso no EPP de Coimbra.

No Estabelecimento Prisional a condenada concluiu o 2º ciclo do ensino e o curso de estética. Frequenta o curso de costura com equivalência ao 7º ano de escolaridade, mantendo a conformidade ao disciplinado exigido.

Por apresentar problemas ginecológicos foi submetida a uma polipectomia com curetagem uterina continuando o respectivo acompanhamento em consultas externas privadas, por si custeadas, encontrando-se em fase de tratamento de fertilidade.

AA começa a apresentar capacidade crítica sobre a sua permeabilidade às influências e às oportunidades criminais em que se colocou desde o ano de 1996 e sobre a definição de estratégias que impeçam a sua continuidade conseguindo perceber a necessidade de inverter o seu percurso de vida».


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II. 2 – De Direito

2.1

2.1.1

1.

Face à motivação e às conclusões formuladas pela recorrente AA [que, como se sabe, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412º do Código de Processo Penal)], constata-se que a questão que a mesma coloca prende-se com a impossibilidade (ou não) de, por via de um dos dois cúmulos jurídicos que, efectuados no acórdão recorrido, passou a englobar as penas aplicadas no Processo nº 158/07.8JAAVR (a saber as penas singulares de 5 anos e 6 meses, 3 anos e 6 meses e 1 ano e 3 meses de prisão) e a pena aplicada no Processo nº 418/09.3JACBR (a saber, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão), ser alterada (designadamente, elevada) a pena conjunta de 7 anos de prisão que, em cúmulo jurídico, havia sido fixada pelo tribunal de 1ª instância, no acórdão de 22.11.2013 (que integrara aquelas penas aplicadas no Processo nº 158/07.8JAAVR e nos Processos nº 1163/10.2TACBR e 1318/06.4TACBR, mas já não a pena de 5 anos e 6 meses de prisão imposta no Processo nº 418/09.3JACBR).

2.

Efectivamente, não tendo a recorrente ou o Ministério Público, em defesa da primeira, suscitado qualquer questão quanto às operações realizadas pela Relação, naquele seu acórdão de 21.05.2014 [em que, desfazendo o cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal de 1ª instância no acórdão de 22.11.2013, realizou dois outros que demandaram a fixação de duas penas conjuntas, uma de 1 ano e 7 meses de prisão (que, recorde-se, englobou as penas parcelares aplicadas nos Processos nº 1318/06.4TACBR e nº 1163/10.2TACBR) e outra de 8 anos e 6 meses de prisão (que integrou as já referenciadas penas singulares impostas nos Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR), a questão que, concreta e expressamente, se coloca no presente recurso é a que, enunciada em 1. de 2.1.1, se prende com a alegada autonomia (ou não) dos factos configurativos do crime de tráfico de estupefacientes praticado em 09.06.2009, relativamente ao crime, também de tráfico de estupefacientes, cometido entre o ano de 2007 e 08.06.2009 e, em consequência disso, com a impossibilidade (ou não) de a aludida pena única de 7 anos de prisão ser alterada para 8 anos e 6 meses de prisão, em resultado do cúmulo jurídico efectuado pela Relação no já citado acórdão de 21.05.2014.

2.1.2

1.

Ora, como bem repara a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta no Tribunal da Relação de Coimbra, tal problemática já foi suscitada pela recorrente, aquando do recurso que interpôs, do acórdão de 22.11.2013 da 2ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, para aquele Tribunal, que, com relevância para o caso que ora nos ocupa, pronunciou-se nos seguintes moldes:

«3. O tipo base do crime de tráfico é assim definido no art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro:

»Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. 

»Este crime vem sendo qualificado como um crime exaurido ou de empreendimento, no sentido de que se consuma no primeiro acto de execução ou seja, com a realização inicial do iter criminis (cfr. Acs. do STJ de 18 de Abril de 1996, proc. nº 96P254 e de 12 de Julho de 2006, proc. nº 1709/06-3, in www.dgsi.pt e Pedro Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Tomo II, pág. 487). Assim, o agente que planta e cuida de cannabis no quintal, com o propósito de a vender, depois de preparada, a consumidores, pratica o crime de tráfico com o primeiro acto, o de plantar e cuidar a cannabis, independentemente de conseguir depois vendê-la nos termos projectados, da mesma forma que, se a vier a vender, este acto – ou estes actos, se forem mais do que um – subsequente com aquele primeiro se vai unificar, de modo a que o conjunto de todos consista na prática do mesmo e único crime.

»Numa outra perspectiva, o tráfico é também um crime de trato sucessivo ou, sem grandes preocupações terminológicas, habitual, entendido como uma multiplicidade de condutas ilícitas reiteradas e por isso, homogéneas, que consubstanciam uma actividade criminosa, subordinada a uma ‘unidade resolutiva’ [que não se confunde com ‘única resolução criminosa’]. Precisamente porque as diversas condutas que o integram estão desde sempre unificadas, é o crime de tráfico incompatível com a continuação criminosa (cfr. Acs. do STJ de 18 de Abril de 1996, supra identificado e de 8 de Novembro de 1995, proc. nº 047714, in www.dgsi.pt).

»Assente que o crime de tráfico de estupefaciente é um crime exaurido, de trato sucessivo ou habitual, tendo a recorrente sido condenada nestes autos pela prática de tal crime, e sido condenada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR também pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, é certo que – considere-se ou não, que existe razão lógica e séria para operar a cisão dos factos – não pode voltar a ser discutida a questão de saber se os factos objecto de cada um dos dois processos – estes autos e o processo nº 418/09.3JACBR – constituem a prática do mesmo concreto crime de tráfico, dada a existência de caso julgado formal, em consequência do decidido no Acórdão da Relação de 17 de Abril de 2013, proferido nestes autos, e no qual foi considerado não terem os dois processos o mesmo objecto e não havendo por tal razão violação do ne bis in idem, como aí havia sido defendido pela recorrente.  

»Por outro lado, o que nos termos dos arts. 77º e 78º do C. Penal é objecto de cúmulo concretizado numa pena única, são as várias penas aplicadas ao agente pelos vários crimes em concurso, e não a cumulação de factos concretos. Estes, os factos, já se encontram fixados, bem como a sua qualificação jurídica, já se encontra efectuada, e a pena já se encontra decretada, nas respectivas sentenças, devidamente transitadas em julgado e nessa exacta medida, inatacáveis [salvo a possibilidade de recurso extraordinário]».

E, mais adiante, quanto à questão de saber se devia manter-se, no cúmulo jurídico que integrasse as penas aplicadas nos Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR, a pena única de 7 anos de prisão fixada pelo tribunal de 1ª instância, no cúmulo que realizou no acórdão de 22.11.2013 do tribunal de 1ª instância, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que a pretensão da recorrente não podia proceder pelas razões acima aduzidas e bem assim pela necessidade de refazer aquele anterior cúmulo jurídico a fim de integrar a pena aplicada no dito Processo nº 418/09.3JACBR.

2.

Do que vem de ver-se, decorre então que, sobre a mencionada questão [que já havia sido suscitada pela recorrente no recurso que, a seu tempo, interpôs do acórdão de 20.07.2012, prolatado pelo tribunal de 1ª instância, no âmbito do Processo nº 158/07.8JAAVR (confira-se folhas 78 a 115)], o Tribunal da Relação de Coimbra, apreciando-a, no seu acórdão de 17.04.2013 (confira-se folhas 116 a 138 verso), julgou-a improcedente e confirmou o decidido no seu aresto de 21.05.2014, ora sob impugnação.

Decisão de 17.04.2013 do Tribunal da Relação de Coimbra que, como se diz no acórdão de 21.05.2014 do mesmo Tribunal, transitou em julgado em 22.05.2013 (confira-se folhas 77), como bem sabe a recorrente.

3.

Do que se acabou de mencionar, resulta, pois, que a questão reportada à qualificação jurídica [(porque é disso de que, afinal, se trata) dos factos tidos, como se viu, por decisão transitada em julgado (há muito), como configurativos, não de um mas, de dois crimes de tráfico de estupefacientes] e bem assim às consequências daí decorrentes (maxime para efeitos de determinação da medida da pena única) não pode, nem deve, ora colocar-se à apreciação deste Supremo Tribunal, em sede de recurso de decisão proferida nos termos do disposto no artigo 471º do Código de Processo Penal. Âmbito em que, atento o fim específico a que se destina o julgamento que nele se efectuar (para realização do cúmulo jurídico das penas em concurso com outras de conhecimento superveniente e determinação da pena ou das penas conjuntas), se cuida de indagar da correcção das operações feitas, a tal título, pelas instâncias e/ou aferir da justeza da medida concreta da ou das penas conjuntas fixadas, mas já não, como tem considerado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1], para conhecer de outras questões que, ou por não lhe terem sido colocadas na oportunidade devida ou por as decisões que delas conheceram não admitirem recurso para o mesmo Tribunal [como sucedia no caso, face à medida das penas aplicadas nos Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR e ao disposto no artigo 400º, número 1, alínea f) do Código de Processo Penal], não foram ou não puderam ser por ele apreciadas.


*


Por via do exposto, conclui-se então no sentido de que não é de conhecer da questão que, tornada aqui a colocar pela recorrente, se prende com a qualificação jurídica dos factos efectuada pelo tribunal de 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17.04.2013, transitado em julgado em 22.05.2013.

Depois…

2.2.2

A.

Conquanto a recorrente, para o caso de não proceder a questão que colocou e sobre a qual acabámos de nos pronunciar, não houvesse suscitado a questão atinente à concreta medida da pena única fixada, em cúmulo jurídico das penas impostas nos Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR, não subsistem dúvidas, em face do alegado, que o que a mesma pretende não é mais nem menos que a redução da aludida pena de 8 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada no acórdão sob impugnação.

B.

1.

Pois bem, em sede de determinação da medida concreta de tal pena, o tribunal recorrido pronunciou-se do seguinte jeito:

«Para a determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso em epígrafe, há a considerar o cometimento, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e duas penas de 5 anos e 6 meses de prisão, de um crime de branqueamento e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, e a pena de 1 ano e 3 meses de prisão.

»Assim, a moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a de 5 anos e 6 meses a 15 anos e 9 meses de prisão.

»Como se refere no acórdão recorrido, é elevada a ilicitude do facto, no que respeita aos crimes de tráfico e de branqueamento, o primeiro, atenta a duração da conduta, a qualidade de drogas envolvidas – drogas duras – as quantidades traficadas e os proventos obtidos, de tal modo significativos, que determinaram o seu branqueamento, o dolo foi intenso, e são elevadas as exigências de prevenção geral.

»São também notórias as necessidades de prevenção especial, dada a já referida personalidade da recorrente, e aqui também no que respeita ao crime de condução sem habilitação legal, atentas as três condenações já sofridas pela prática do mesmo crime.

Por tudo isto, também aqui, não podendo a pena única deixar de espelhar a dimensão e a gravidade global do comportamento da recorrente, atentos os factos e a sua personalidade, o cúmulo não poderá funcionar como atenuante.

»No entanto, uma ressalva se impõe fazer. Não havendo já lugar à discussão de saber se o acto de tráfico praticado pela recorrente em 9 de Junho de 2009 e que levou à sua condenação no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR integrou ou não o mesmo facto, naturalisticamente considerado, que conduziu à sua condenação nestes autos, deve porém reconhecer-se que, no rigor dos princípios, não encontramos justificação para que a conduta verificada em 9 de Junho de 2009, ao invés de ser integrada no objecto destes autos, tenha sido autonomizada e dado origem a um novo inquérito.

»Dito isto, apesar da incontornável autonomização dos dois processos, o cúmulo a realizar deverá ter em consideração este circunstancialismo, de forma a esbater as distorções causadas e alcançar uma solução equitativa. Cremos que tal desiderato será alcançado se na ‘construção’ da pena única, como operação prévia, for ficcionada a pena que corresponderia aos factos praticados nestes autos acrescidos da conduta apreciada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR como elemento coadjuvante.

»Neste seguimento, considerando que a ilicitude acrescida da compra, transporte e projectada venda, de cerca de 190 gramas de heroína [peso bruto], capazes de, sem corte, produzirem cerca de 2200 doses individuais, conduziria, numa apreciação global, a uma medida entre seis anos e meio e sete anos de prisão, atentas as penas parcelares a cumular e a ponderação decorrente deste elemento, e não devendo ter o cúmulo efeito atenuativo, fixa-se a pena unitária em 8 anos e 6 meses de prisão».

2.

Não perdendo de vista estes considerandos em que o tribunal recorrido se firmou para fixar em 8 anos e 6 meses de prisão a aludida pena única, vejamos, agora, se a mesma pena se revela excessiva.

Assim…

C.

1.

De acordo com o estatuído no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (número 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa(número 2).

De que resulta que, se a aplicação da pena é determinada pela necessidade de garantir a protecção dos bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto, toda a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem sempre ponderar as exigências de prevenção especial, vistas como a necessidade de socialização do agente, o que vale por dizer de prepará-lo para, no futuro, não cometer outros crimes.

E se a medida da pena não pode, em circunstância alguma, exceder a medida da culpa, o limite a partir do qual aquela não pode ultrapassar esta serve de barreira intransponível às considerações preventivas.

Por seu turno, estabelece o artigo 71º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (número 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, entre o mais, o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando se destine a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (número 2).

Com respeito à pena conjunta, prescreve o artigo 77º do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, para cuja determinação relevam os factos e a personalidade do agente, que hão-de ser considerados em conjunto.

Regra que, de harmonia com o estatuído no número 1 do artigo 78º do Código Penal, é igualmente aplicável nos casos em que, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, cuja condenação tenha também transitado em julgado.

E, quanto ao modo de pôr em prática os mencionados critérios definidos no número 1 do artigo 77º do Código Penal, diz Figueiredo Dias[2]: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Estabelece, por sua vez, o número 2 do artigo 77º do Código Penal que «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Quer isto dizer que a medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas aplicadas aos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71º, número 1 do Código Penal), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do artigo 77º quer do artigo 78º do Código Penal), o critério específico, consistente, como visto, na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Porém, como adverte Figueiredo Dias[3], tratando-se de determinar a medida da pena do concurso, os factores de determinação da medida das penas parcelares, por via do princípio da proibição da dupla valoração, funcionam ora apenas como guia, a menos que se refiram, não a um dos concretos e específicos factos ilícitos singulares mas, ao conjunto deles.

2.

E conquanto a recorrente não houvesse feito qualquer menção, como já se disse, à operação efectuada pelo tribunal recorrido com vista à determinação da pena do referido cúmulo, sempre se dirá que, no caso em apreciação, verificam-se os pressupostos exigidos pelos artigos 77º e 78º do Código Penal, uma vez que os crimes que integram o concurso ora em apreciação foram objecto de julgamentos distintos (mais exactamente, no Processo nº 158/07.8JAAVR e no Processo nº 418/09.3JACBR), sendo que as respectivas decisões transitaram em julgado (a primeira, que foi prolatada, em 09.04.2010, no Processo nº 418/09.3JACBR, em 28.04.2011) e os crimes de que trata o Processo nº 158/07.8JAAVR foram cometidos antes do trânsito em julgado daquela decisão em que tal ocorreu em primeiro lugar, e o tribunal recorrido dispõe de competência para a realização do cúmulo.

A moldura abstracta do concurso tem, no caso vertente, como limite mínimo 5 anos e 6 meses de prisão (a medida de cada uma das duas penas mais elevadas impostas à arguida pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes) e como limite máximo 15 anos e 9 meses de prisão (a soma das penas singulares que integram o concurso).

D.

Retendo tudo isto e sem deixar de ponderar nos factos ilícitos na sua globalidade e bem assim na personalidade (unitária) da arguida AA, julga-se que, no âmbito da moldura abstracta do cúmulo, revela-se algo excessiva a pena unitária de 8 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos referenciados Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR.    

E entende-se assim sem perder de vista que, se a ilicitude global dos factos, aferida em função da medida das penas singulares em si mesmas e em relação ao conjunto (5 anos e 6 meses, 5 anos e 6 meses, 3 anos e 6 meses e 1 ano e 3 meses de prisão) e o tipo de conexão que intercede entre os crimes (como visto, dois crimes de tráfico de estupefacientes, praticados em períodos de tempo contíguos, um crime de branqueamento e um crime de condução de veículo motorizado, não dispondo a arguida da necessária habilitação), embora elevada, não é particularmente acentuada, no que diz respeito à culpa pelo conjunto dos factos cometidos e grau de censura a dirigir à arguida pela mesma globalidade assumem dimensão semelhante, atendendo à sua consciência sobre a proibição das respectivas condutas, muito em especial as configurativas dos crimes de tráfico de estupefacientes e de condução de veiculo motorizado sem dispor da habilitação legalmente exigida.

Por outro lado, importa não olvidar, a par do dolo directo e intenso com que agiu a arguida, evidenciado no modo persistente e na vontade criminosa arreigada com que, ao longo de significativo lapso de tempo (cerca de 2 anos), a mesma traficou substâncias estupefacientes com o objectivo de obter lucro, o grau, também elevado, que reclamam as necessidades de prevenção, quer geral positiva quer de prevenção especial de ressocialização, tendo em vista a preocupante predisposição que a arguida manifesta possuir para a prática de crimes.

Porém, para além deste desvalioso condicionalismo, cabe salientar, por um lado, a quase total coincidência temporal existente entre a prática dos factos configurativos dos dois crimes de tráfico de estupefacientes e a necessidade de esbater, quanto possível, as eventuais distorções ocasionadas pela decidida autonomização das referidas condutas ilícitas e, por outro lado, realçar a circunstância de, possuindo à data dos factos apenas o 3º ano escolaridade, em meio prisional conseguiu a mesma arguida concluir o 2º Ciclo do ensino e um curso estética, e bem assim frequentar um curso de costura, mantendo um comportamento conforme às regras institucionais estabelecidas.

Acresce que, contando, na actualidade, 37 anos de idade e tendo dois filhos ainda jovens, a arguida padece de várias doenças que, revestindo-se de alguma gravidade, requerem cuidados.

Para além de tudo isto, há que relevar a capacidade crítica que, por fim, a arguida parece ter adquirido relativamente à conduta ilícita que manteve até ser presa e a circunstância de ter interiorizado a necessidade de inverter o seu percurso de vida.

É, pois, sopesando este quadro circunstancial e sem perder de vista que a pena não pode, em caso algum, exceder a medida da culpa, que se julga que, no âmbito da respectiva moldura abstracta (que tem por limite mínimo 5 anos e 6 meses e por limite máximo 15 anos e 9 meses de prisão), mostrando-se mais adequada à culpa da arguida e proporcional às necessidades de prevenção, quer geral quer especial, a pena de 7 (sete) anos de prisão que, não deixando de corresponder às expectativas comunitárias quanto ao restabelecimento da norma jurídica violada e também não comprometendo de forma intolerável os interesses de ressocialização do agente, cumpre satisfatoriamente os critérios definidos nos artigos 40º, 71º, e 77º do Código Penal.

De onde fixar-se em 7 (sete) anos de prisão a pena unitária a aplicar à arguida AA. Pena que integra as penas parcelares aplicadas nos referenciados Processo nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR.

Com esta dimensão, procede o recurso interposto pela arguida AA.


*


III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

A - Não conhecer da questão atinente à autonomização dos crimes de tráfico de estupefacientes e penas parcelares por que a arguida AA foi condenada, pela prática daqueles concretos crimes nos Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR);

B − Conceder provimento parcial ao recurso e condenar a arguida AA na pena única de 7 (sete) anos de prisão, que integra as penas singulares que lhe foram aplicadas nos referenciados Processos nº 158/07.8JAAVR e nº 418/09.3JACBR;

C – Manter, em tudo o mais, o acórdão recorrido.

Não é devida taxa de justiça (artigo 513º, número 1 do Código de Processo Penal).


Lisboa, 13 de Novembro de 2014


Os Juízes Conselheiros

Isabel São Marcos

Helena Moniz

Santos Carvalho



__________________
[1] Assim, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2010, Processo nº 23/08.1GAPTM.S1 e de 21.11.2012, Processo nº 153/09.2PHSNT.S1, ambos da 3ª Secção.
[2] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, página 291 e seguintes.
[3] Obra e local citados.