Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1853/18.1T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ASSINATURA
FORMULÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
SEGURO DE INCÊNDIO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (definido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (RJCCG), com as subsequentes alterações) aplica-se ao contrato de seguro.

II. A palavra “depois” contida na al. d) do artº 8º do DL 446/85 refere-se, não ao tempo em que foram introduzidas as cláusulas, mas, sim, a uma inserção física, espacial, da cláusula, pelo que só estão excluídas do contrato as cláusulas que, no mesmo (documento físico) se encontrem, espacialmente, depois da assinatura do aderente/subscritor/consumidor.

III. Entre outras preocupações, o legislador, ao estabelecer o regime das cláusulas contratuais gerais, pretendeu garantir, não só, que as contrapartes dos utilizadores das cláusulas contratuais gerais as aceitam como fazendo parte do contrato singular (art. 4.° do DL 446/85), como que tenham um efectivo conhecimento e compreensão das condições em que contratam.

IV. A inserção, na proposta de seguro, de um texto em que se refere que “O Cliente Tomador do Seguro declara …ter recebido a “Nota Informativa” com o resumo das Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao Contrato”, bem assim que “declara terem-lhe sido colocadas à disposição, no acto da celebração do contrato, as Condições Gerais aplicáveis à Apólice, as quais também lhe serão entregues, em qualquer data numa loja…”, e, outrossim, que “O Cliente/Tomador do Seguro toma conhecimento que, para sua maior comodidade, as mesmas se encontram ainda disponíveis, a todo o tempo, para consulta ou impressão no sítio da internet em…”, não afasta a consequência da exclusão das cláusulas gerais colocadas depois da assinatura ali aposta pelo cliente da seguradora/tomador do seguro, aludidas naquela al. d) do artº 8º do DL 446/85.

V. Aliás, a exigência de que a assinatura deve seguir-se a (localizar-se após) todas as cláusulas (cit. art. 8º, al. d) daquele dec.-lei 446/85), para que sejam relevantes, está para além da (eventual) manifestação de conhecimento pelo aderente; ou seja, a norma dessa al. d) é independente dos (e sobrepõe-se aos) deveres de informação previstos nos artigos 5.° e 6.° do DL 446/85 (diferentemente do que ocorre com  as al.s a) e b) do mesmo art. 8.°, estas, sim, intimamente relacionadas com tais artigos). Não é aquele conhecimento que aqui releva; o que releva é a localização das cláusulas, sendo, assim, irrelevante o localizado após a assinatura do aderente, tendo em conta que as cláusulas não foram objecto de negociação.

VI. O mesmo é dizer que as referências referidas em 4., vagas e imprecisas, sobre umas condições gerais, que serão “aplicáveis” ao contrato, e a um resumo de umas condições especiais, sobre cuja “aplicabilidade” nada se diz, não reflectem (não podem reflectir) uma expressão de vontade, clara e segura, de que tais condições façam parte do contrato. Daí que tais condições gerais e especiais não devam fazer parte da declaração negocial, no sentido de vincular o seu autor, ut artº 217º, nº1 do CC – “declaração negocial…”(com excepção, naturalmente, das que surgem expressas na minuta da apólice).

VII. Pode bem dizer-se que o legislador sabe, quem predispõe cláusulas contratuais gerais sabe, o Tribunal sabe, o autor igualmente sabe que a única forma de garantir que o consumidor efectivamente se apercebe da existência e real conteúdo de tais clásulas, da sua extensão e, até, pelo menos das suas epígrafes e ao que se referem, é apor a sua assinatura após mesmas. Não antes delas.

VIII. É à Ré seguradora que, para inviabilizar a pretensão do Autor em se fazer valer do disposto na al. d) do artº 8º do DL nº 446/85, incumbe fazer a prova de que, efectivamente, as condições gerais e especiais foram por ele assinadas ou rubricadas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA instaurou, no Juízo Central Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S A.

Pede que:

a) Se declare que não integram o contrato ou que são inválidas todas as cláusulas de exclusão da cobertura, incluindo as cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª, bem como a cláusula 4ª e a alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento;

b) Se condene a Ré a pagar/reembolsar o A. pelos custos da demolição e remoção de escombros, e reconstrução do edifício referido no artigo 2º da p.i.;

c) Se condene a Ré a compensar o A. pela privação do uso do edifício referido no artigo 2º da p.i., deste a data do sinistro até à conclusão da sua reconstrução, no valor equivalente à renda da locação de um edifício com características semelhantes, à razão de €600,00 mensais, sendo que à data da propositura da acção o valor líquido é de €4.200,00.

d) Subsidiariamente, caso não proceda, por qualquer motivo, o pedido formulado em c), seja a Ré condenada a indemnizar o A. pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, num valor de €2.100,00.

e) Se condene a Ré no pagamento dos juros legais, até efectivo e integral pagamento dos montantes peticionados.


Para o efeito alegou, em resumo, a ocorrência de um incêndio, em 15/10/2017, num edifício de que é proprietário, sendo que, como consequência, directa e necessária do incêndio, resultaram danos patrimoniais, cuja indemnização reclama à Ré por força de contrato de seguro com a mesma celebrado[1].

A Ré recusa a regularização do sinistro invocando a verificação de cláusulas de exclusão.


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Citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª ...14 - fls. 16 a 27).

Para tanto excepcionou com a ocorrência de fundamentos de exclusão da responsabilidade, impugnando os danos sofridos pelo A. e o montante ou respectivo custo de reparação.


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A fls. 61 e ss. veio o A. ampliar o pedido nos seguintes termos:

“Subsidiariamente, caso não proceda, total ou parcialmente o peticionado em B) e/ou C) da p.i., em virtude do disposto nos artigos 24º e 26º do D.L. 72/2008, seja a Ré condenada a indemnizar o A. nos valores que corresponderiam aos pedidos B) e C), com base em responsabilidade civil, por não cumprimento dos deveres de informação que sobre ela recaíam”


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Foi admitida a ampliação do pedido, fixado o valor à causa, bem como proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância. Foi fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova, tendo sido admitidos os meios de prova (ref.ª ...00).

A fls. 112 e ss., a A. deduziu incidente de liquidação do pedido formulado na al. B) supra, liquidando-o, ainda que parcialmente, num mínimo de €85.000,00, acrescido de IVA à taxa legal; peticionando, ainda, que uma eventual sentença condene ainda nos eventuais montantes, para além do liquidado, que se venham a revelar necessários à reconstrução do edifício.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª ...24).


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Posteriormente, a Mma. Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 7/4/2020 (ref.ª ...46), nos termos da qual, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.

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Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (ref.ª ...86), apresentando as respectivas alegações e conclusões.

 

A Relação de Guimarães, por acórdão de 29.04.2021, decidiu revogar parcialmente a sentença recorrida e, consequentemente:

- « condenar a Ré/apelada a pagar ao A./apelante a quantia de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros) a título de indemnização pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado do presente acórdão.

- Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida (no tocante à absolvição da R/apelada em relação aos pedidos principais).».


O apelante, AA, veio requer a reforma do acórdão «de modo a que seja corrigido o lapso manifesto na decisão da impugnação da matéria de facto [posto que o “acórdão recorrido não aceitou proceder ao aditamento do facto de que os documentos de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informava e a simulação do seguro, não foram assinados pelo recorrente, com fundamento na falta de alegação de tal facto, na 1ª instância, por parte do mesmo”, quando o recorrente alegou “tal facto no requerimento de 01/10/2018 (refª CITIUS 20...65)”], com o consequente aditamento de um ponto 1.47 ao elenco dos factos provados, com a seguinte redacção: “O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última”.».

A Relação julgou improcedente tal pedido de reforma do acórdão.


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De novo inconformado, vem o Autor AA,interpor recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 629º e 671º nº 1 do C.P.C. e subsidiariamente, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672º nº 1 c) do C.P.C.”.


Sobre o despacho que não admitiu o recurso interposto incidiu reclamação (ut artº 643º CPC), que veio a julgada procedente, admitindo-se “o recurso de revista sem quaisquer limitações...”.


Cumprido o estatuído no nº 6 do artº 643º do CPC (requisição do processo principal ao tribunal recorrido, concluindo-se, então, os autos para apreciação da revista interposta), foi proferida decisão (singular), na qual: 1. Se julgou improcedente o recurso de revista normal - no que tange à alegada violação de normas de direito adjetivo ou processual no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto; 2. Se ordenou que, oportunamente, os autos fossem remetidos à Formação para a verificação do arrogado pressuposto que justificasse, ou não, a pretendida revista excepcional.

Pedida a incidência de acórdão sobre esta decisão singular, determinou-se que os autos aguardassem a decisão da Formação, tendo-se arguido a nulidade deste despacho, o que foi indeferido. Foi apresentada reclamação deste último despacho, a qual, em Conferência, foi indeferida.


Entretanto, a Formação proferiu decisão de admissão da revista excepcional.

Estão, assim, agora, os autos conclusos para apreciação da revista (excepcional) interposta.

Nota-se, porém, que, visto que a decisão proferida nos autos quanto à alegada violação de normas de direito adjetivo ou processual, no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, foi uma decisão singular, tendo o recorrente oportunamente requerido a intervenção da conferência mas que não teve lugar por os autos terem sido remetidos à Formação (que, como dito, veio a admitir a revista excepcional), a mesma questão será aqui (re)apreciada, agora em Colectivo (assim se suprindo uma eventual falha na não intervenção da conferência antes daquela remessa dos autos à Formação).


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Foram apresentadas alegações na revista, as quais são rematadas com as seguintes

CONCLUSÕES[2] – obviamente que apenas se consideram as conclusões 1ª a 21ª, pois as 22ª e segs visaram somente sustentar a (subsidiariamente requerida) revista excepcional:

« O recorrente não se conforma com a sentença, proferida nos autos em referência, na medida em que julga totalmente improcedente a presente acção, entendendo que há erros de julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de Direito.


Da reforma/alteração da decisão sobre a matéria de facto (artigos 616º 2 e 682º 3 do C.P.C.)

O acórdão recorrido não aceitou proceder ao aditamento do facto de que os documentos de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e a simulação do seguro, não foram assinados pelo recorrente, com fundamento na falta de alegação de tal facto, na 1ª instância, por parte do mesmo; mas o recorrente alegou tal facto no requerimento de 01/10/2018 (refª CITIUS ...65); pelo que estamos perante lapso manifesto do tribunal recorrido.

Assim invocado o facto, as instâncias teriam de o ter em conta, e podiam e deviam tê-lo dado como provado nas respec2vas decisões, pois o mesmo é patente, resultando do documento em causa, sem necessidade de apreensão do seu significado ou, até, da sua mera leitura; pelo que ao abrigo do nº 2 do artigo 616º do C.P.C. deverá proceder-se reforma do acórdão em crise.

Note-se, aliás, que, de qualquer modo, não era ónus do recorrente alegar a falta de assinatura dos documentos em causa, pelo menos no que respeita à matéria referida na conclusão 48º das alegações de recurso perante o Tribunal da Relação; pois numa parte tal ónus pertencia à recorrida e na outra, a matéria é de conhecimento oficioso.

Em conclusão, perante o lapso referido, deve o tribunal recorrido reformar a sentença, ao abrigo do nº 2 do artigo 616º do C.P.C., no sentido de aditar um ponto 1.47 ao elenco dos factos provados, com a seguinte redacção: O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informava e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última, remetendo-se o processo àquele tribunal, para esse efeito.

Sem prescindir,


- O acórdão recorrido, apesar de não ter aditado a matéria de facto em causa, ainda assim apreciou o alegado na conclusão 48º das alegações de recurso para a Relação, o que entendemos que lhe era permitido, pois, como já referimos, nas questões suscitadas, ou não era o recorrente que tinha o ónus de alegação dos factos, ou a a questão era de conhecimento oficioso.

Precavendo, porém, eventual entendimento diferente por parte deste Supremo Tribunal, alegamos que, nesse caso, estaremos perante a situação prevista no nº 3 do artigo 682º do C.P.C. e concluiremos que o acórdão recorrido não aplicou devidamente os artigos 640º, 662º nº 1 e 2 c) in fine e é aplicável aquele preceito e o artigo 674º nº 1 c), todos do C.P.C.

- Ora, já tivemos oportunidade de afirmar que os factos que se pretendem aditar foram efectivamente alegados pelo recorrente e que, de qualquer modo não era seu o ónus de alegação dos mesmos, pelo que o tribunal recorrido podia e devia ter conhecido da questão e aditado os factos em discussão, à matéria de facto provada; ampliando-a.

Assim, entendendo este Venerando Tribunal que existe insuficiência da matéria de facto, para a apreciação das questões levantadas na conclusão 48ª das alegações de recurso apresentadas ao Tribunal da Relação, deverá remeter-se o processo ao mesmo tribunal, para que amplie a decisão sobre a matéria de facto, de modo a que a mesma seja base suficiente para a decisão de Direito.

Sobre a matéria de Direito


10ª Com base na falta de assinatura do documento onde constam alegadas condições gerais e especiais, junto à contestação, da simulação do seguro e da nota informativa, juntas pela S..., em 14/12/2019 (Refª CITIUS ...90); o recorrente sustentou, no ponto VII b.2) e na conclusão 48ª das alegações do recurso apresentado perante o Tribunal da Relação, por um lado, que a declaração negocial do recorrente não abrangia as cláusulas de exclusão e limitação das coberturas do seguro, pelo que a mesmas não faziam parte do contrato e, por outro lado, que tais cláusulas surgem após a assinatura do recorrente, pelo que devem considerar-se excluídas, nos termos da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85.

11ª - A sentença proferida pela 1ª instância nada diz sobre estas matérias, mas o acórdão recorrido aprecia tais questões, concluindo pela improcedência da referida conclusão 48ª; pelo que não existe dupla conforme quanto a tais questões, sendo que elas são matéria completamente autónoma em relação à restante fundamentação daquelas decisões e, independentemente dessa fundamentação, justificam, só por si, a procedência da acção.

12ª Nos termos das normas gerais consagradas nos artigos 217º e seguintes do Código Civil, a cláusula 3º das condições gerais e a cláusula única relativa à cobertura dos danos da privação do uso, das condições especiais, que constam de documentos não assinados pelo recorrente e não fazem parte da apólice, só farão parte do contrato se estiverem englobadas na declaração negocial do mesmo.

13ª De tal declaração negocial não consta expressão de vontade, clara e segura, de se pretender vincular a tais cláusulas, pois da referência às mesmas não resulta tal vontade.

14ª A isto não obsta a circunstância de constar da matéria de facto provada que a cláusula 3ª das condições gerais faz parte do contrato, pois é matéria de direito – ou, com muito boa vontade, matéria conclusiva –, pelo que a decisão da matéria de facto, nesse aspecto, não vincula este Supremo Tribunal.

15ª - Assim sendo, a cláusula 3º das condições gerais e a cláusula única relativa à cobertura dos danos da privação do uso, das condições especiais, nunca foram objecto do consenso contratual e, por isso, nunca fizeram parte do contrato; não podendo ser aplicadas ao caso em apreço.

16ª Donde resulta que o acórdão recorrido não aplicou devidamente os artigos 217º e seguintes do Código Civil, pois deveria ter considerado que as referidas cláusulas nunca fizeram parte do contrato e, em consequência, considerar o sinistro coberto pelo contrato de seguro e declarar como procedentes os pedidos A, B e C da P.I.

Sem prescindir,


17ª - O acórdão recorrido entende que não existe violação da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85 e que as cláusulas não deverão ser excluídas, por estar provado que o recorrente assinou a proposta inicial do contrato e a proposta de alteração.

18ª - Quanto à proposta de alteração, por um lado, a mesma limita-se a corrigir o lapso no endereço do local seguro, nada dizendo quanto ao clausulado do contrato; e por outro lado, o disposto no referido preceito refere-se à inserção espacial, e não temporal, da assinatura; conforme já é pacífico na jurisprudência; pelo que não tem a virtude de sanar o vício previsto no mesmo preceito.

19ª - Quanto ao facto de a proposta contratual inicial se mostrar assinada, também não afasta a exclusão das cláusulas, ao abrigo do redito preceito, que se encontrem inseridas após a assinatura; inclusive quando o documento assinado refira que essas cláusulas se encontram no verso do documento ou, por maioria de razão, em anexos ao contrato.

20ª Em conclusão, ao contrário do que decide o acórdão recorrido, é de aplicar a alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85 e declarar excluídas todas as cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas, que não constem antes da assinatura do recorrente, e, em consequência, decidir pela procedência dos pedidos A, B e C deduzidos na P.I.

21ª O recorrente não conhecia o teor da cláusula 3º das condições gerais: na realidade, pretendia celebrar um seguro para um edifício em PVC e isto foi efectivamente veiculado à recorrida, mas esta, em vez de apresentar uma simulação – e uma oferta – para um seguro de um edifício em PVC, apresentou antes para um edifício feito em materiais diferentes, que, aparentemente, excluía da cobertura o edifício que o recorrente que assegurar. Se o recorrente tivesse conhecimento de tal cláusula, certamente não celebraria este contrato de seguro.


Nestes termos, o Recorrente pede a V.as Ex.as

- a remessa dos autos ao tribunal recorrido para reformar/alterar o acórdão em crise, quanto à matéria de facto; e

- a revogação do acórdão recorrida e da sentença da primeira instância, decidindo pela procedência integral da presente acção; fazendo-se assim a sempre necessária JUSTIÇA.


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Foram a presentadas contra-alegações, nas quais se conclui que “NÃO DEVERÁ SER ADMITIDO O RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA DO DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO A FLS. …

QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, O QUE APENAS SE ADMITE PARA EFEITOS DESTE RACIOCÍNIO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS”.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – Delimitação do objecto do recurso


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões ali suscitadas são:

1. Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, devendo ordenar-se a baixa dos autos para ampliação da decisão sobre a matéria de facto, “de modo a que a mesma seja base suficiente para a decisão de Direito”.

2. Se deve considerar-se o sinistro coberto pelo contrato de seguro, declarando-se excluídas do contrato as cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas “que não constem antes da assinatura”, pelo recorrente, do documento de onde constam as condições gerais e especiais, por violação da al. d) do artº 8º do DL 446/85, devendo considerar-se não escritas tais cláusulas e, dessa forma, procedentes os pedidos (principais) A, B e C da p.i.; ou, ao invés, se (como sustenta o Acórdão recorrido) não é de aplicar o preceito em causa e as cláusulas afectadas não devem ser excluídas, bastando o aderente assinar a proposta do contrato de seguro para que não haja violação do referido preceito legal.


***

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (após a decisão da Relação sobre a impugnação da decisão da matéria de facto prolatada na 1ª instância):

1.1. O A. é proprietário do prédio rústico, denominado ..., sito no lugar da ..., freguesia ..., deste concelho ...; que confronta a norte e nascente com BB, a sul com CC e a Poente com DD, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...25, da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...01 (cfr. certidão junta com a p.i. a fls. 6 vº).

1.2. Nesse prédio edificou um armazém, com a área de 10x16m, constituído por uma estrutura tubular em aço galvanizado, constituído por 9 asnas de secção circular na cobertura e madres tubulares de secção quadrada; sendo a estrutura das fachadas também do mesmo material, com secção retangulares, quer nos montantes, quer nos elementos horizontais.

1.3. O material de revestimento da cobertura do imóvel era constituído por um material flexível, em manta de PVC, revestida pela sua face interior com espuma de poliuterano.

1.4. O revestimento das fachadas do imóvel era constituído por material que praticamente derreteu no contacto com as chamas, deixando muito poucos vestígios, por ter sido consumido pelo fogo.

1.5. O A. utilizou tal edifício para a guarda de máquinas agrícolas, utilizadas na sua actividade de agricultor, e para cedência de espaço a terceiros para guarda de maquinaria.

1.6. Celebrou contrato de seguro com a Ré, tendo por objecto o referido armazém, actualmente titulado pela apólice ...47.

1.7. Em 15 de Outubro de 2017, Portugal sofreu vários incêndios de larga escala, tendo sido afectado o concelho ....

1.8. Um destes incêndios chegou ao imóvel supra descrito e danificou o edifício descrito supra em 1.2.

1.9. Devido aos danos causados pelo incêndio, o edifício deixou de poder ter qualquer uso e necessita de ser reconstruído.

1.10. O contrato de seguro referido supra em 1.6. tinha, entre outras, as seguintes coberturas: incêndio, raio e explosão, danos por fumo, demolição e remoção de escombros e privação temporária do uso do local.

1.11. O A. participou o sinistro pouco depois de ter ocorrido – cf. doc. de fls. 70

1.12. Apesar de a Ré ter enviado um perito ao local, os meses passaram-se sem que tivesse comunicado ao A. a sua posição perante o sinistro.

1.13. Em Fevereiro, o seu mandatário remeteu carta à Ré, pedindo-lhe uma resolução célere da questão (Doc. 2 junto com a p.i., fls. 7 vº).

1.14. Em 18 de Abril a Ré remeteu ao A. a carta-resposta de fls. 8 vº dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde assume a posição de recusar a compensação dos danos do sinistro, pois, segundo a Ré, o objecto seguro estava excluído da cobertura do seguro com base nos seguintes fundamentos:

a) dizendo que a construção, objecto do seguro, é de “3º risco” “toda em material combustível” e que tal deveria ter sido comunicado à direcção técnica, conforme a alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento;

b) a exclusão prevista na cláusula de exclusão (cláusula 3ª, 2.2, alínea a)) de construções “de reconhecida fragilidade”;

c) incumprimento pelo A. do dever da declaração inicial do risco – cláusula 4ª das condições gerais da apólice;

d) incumprimento negligente do dever de declaração inicial do risco – cláusula 6ª das condições gerais da apólice.

1.15. A Ré invoca ainda um segundo fundamento para a exclusão, referindo que o prédio, onde está implantado o edifício, é rústico, e indicando mais abaixo uma cláusula de exclusão para construções clandestinas (cláusula 3ª, 2.2, alínea b)).

1.16. Através da corretora de seguros S..., e mais concretamente na fase preliminar de “Pedido de Cotação para seguro de Multirisco Estabelecimento”, o A. informou o seguinte: “Atividade: Armazém de Alfaias Agrícolas (estrutura do armazém PVC) – cf. doc. de fls. 79-A, vº.

1.17. Tendo a Ré respondido nos termos constantes do email de fls. 79-B vº e 79-C. 1.18. As cláusulas do contrato de seguro, em discussão nestes autos, foram concebidas pela Ré, que as apresentou ao A., sem possibilidade de este negociar qualquer alteração às mesmas, tendo apenas a hipótese de aderir a elas, com o conteúdo pré-determinado pela Ré.

1.19. O A. comunicou o sinistro logo em Outubro de 2017 e ficou à espera que a Ré tomasse uma posição sobre o mesmo até 18 de Abril de 2018.

1.20. O A. não procedeu à reconstrução do edifício, nem propôs acção judicial enquanto a Ré não deu reposta à comunicação.

1.21. Para reparação dos danos sofridos no edifício em causa, através da sua reconstrução, são necessários os trabalhos e obras descritos no anexo do relatório de peritagem de fls. 129 e 130 cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

1.22. O custo total dos trabalhos e obras descritos supra ascende a €48.351,90, acrescido de IVA.

1.23. O contrato de seguro em causa nos autos titula um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, opção “Valor Mais”, o qual foi celebrado entre o autor AA e aqui ré, a pedido daquele, no dia 01 de Abril de 2014 – cf. docs. de fl.s 28 e ss e 79-F e ss.

1.24. A supra referida e denominada “S..., Corrector de Seguros, S.A, a qual mediou o contrato de seguro em apreço, trata-se de uma corretora de seguros registada da ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, com a categoria de “Corretor de Seguros”, sob o no ...741/3, com autorização para o exercício da actividade nos Ramos Não Vida e Vida – cf. informação de fls. 80.

1.25. Esta entidade actuou e representou o autor perante a ré na celebração deste contrato de seguro e, bem assim, na sua alteração.

1.26. Tal como indicado pelo autor, inicialmente, o contrato de seguro ora em apreço teve como objecto seguro um imóvel cujo local de risco foi identificado como sendo em “...,..., ...”.

1.27. Este contrato de seguro garantia os riscos previstos nas Condições Especiais da apólice, quando expressamente contratadas e designadas nas Condições Particulares, até aos limites previstos nestas últimas.

1.28. Assim, entre outras coberturas, o contrato de seguro garantia os danos causados ao imóvel seguro pelo fogo, nos termos das cláusulas 2ª e 3ª das condições gerais da Apólice:

a) “Cláusula 2.ª Objecto e Garantias do Contrato

1. O presente Contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do Segurado ou de pessoa por quem este seja responsável.

2. Para além da cobertura dos danos previstos no número anterior, o presente Contrato garante igualmente os danos causados no bem seguro em consequência dos meios empregados para combater o incêndio, assim como os danos derivados de calor, fumo, vapor ou explosão em consequência do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão do incêndio ou de qualquer dos factos anteriormente previstos.

3. Salvo convenção em contrário, o presente Contrato garante ainda os danos causados por acção mecânica de queda de raio, explosão ou outro acidente semelhante, mesmo que não acompanhado de incêndio.

4. A título facultativo, ao abrigo do presente Contrato de Seguro, poderão igualmente ficar garantidos: a) Bens não enquadráveis no n.º 1 da presente Cláusula em relação aos riscos de Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão, nos termos previstos nos números anteriores; b) Outros riscos para além dos acima referidos, nos termos previstos nas respectivas Condições Especiais e Condições Particulares da Apólice.

b) Cláusula

3.ª Exclusões

1. Exclusões aplicáveis à Cobertura Obrigatória de Incêndio

Excluem-se da garantia obrigatória do seguro, designadamente do risco de Incêndio previsto no n.º 1 da Cláusula anterior, os danos que derivem, directa ou indirectamente, de: a) Guerra, declarada ou não, invasão, acto de inimigo estrangeiro, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião ou revolução; b) Levantamento militar ou acto do poder militar legítimo ou usurpado; c) Confiscação, requisição, destruição ou danos produzidos nos bens seguros, por ordem do governo, de direito ou de facto, ou de qualquer autoridade instituída, salvo no caso de remoções ou destruições previstas no n.º 2 da Cláusula 2.ª; d) Greves, tumultos e alterações da ordem pública, actos de terrorismo, vandalismo, maliciosos ou de sabotagem; e) Explosão, libertação do calor e irradiações provenientes de cisão de átomos ou radioactivas e ainda os decorrentes de radiações provocadas pela aceleração artificial de partículas; f ) Incêndio decorrente de fenómenos sísmicos, tremores de terra, terramotos e erupções vulcânicas, maremotos ou fogo subterrâneo; g) Efeitos directos de corrente eléctrica em aparelhos, instalações eléctricas e seus acessórios, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela electricidade atmosférica, tal como a resultante de raio, e curto-circuito, ainda que nos mesmos se produza incêndio; h) Actos ou omissões dolosas do Tomador do Seguro, do Segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis; i) Lucros cessantes ou perda semelhante; j) Extravio, furto ou roubo dos bens seguros, quando praticados durante ou na sequência de qualquer sinistro coberto..

2. Exclusões aplicáveis às restantes coberturas e à própria cobertura de incêndio quando contratada como seguro facultativo

2.1. Ao abrigo do presente Contrato ficam excluídos, na parte relativa às restantes coberturas e à própria cobertura de incêndio, quando contratada como seguro facultativo nos termos previstos no n.º 4 da Cláusula 2.ª, as perdas ou danos que derivem, directa ou indirectamente, de: a) Guerra, declarada ou não, invasão, acto de inimigo estrangeiro, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião e revolução, bem como os danos causado acidentalmente por engenhos explosivos ou incendiários; b) Actos de terrorismo e / ou de sabotagem, como tal tipificados na legislação penal portuguesa vigente; c) Levantamento militar ou acto de poder militar legítimo ou usurpado; d) Confiscação, requisição, destruição ou danos produzidos nos bens seguros, por ordem do governo ou de qualquer autoridade instituída, salvo quando praticados com o fim de salvamento em razão de qualquer risco coberto pelo contrato; e) Explosão, libertação de calor e irradiações provenientes de cisão de átomos ou radioactividade e ainda os decorrentes de radiações provocadas pela aceleração artificial de partículas; f) Reparação, remoção, uso ou exposição ao amianto e seus derivados, quer tenha ou não existido outra causa que tenha contribuído concorrentemente para a produção do dano; g) Poluição ou contaminação de qualquer espécie; h) Actos ou omissões intencionais, praticados pelo Segurado ou por pessoas por quem seja civilmente responsável, com o objectivo de produzir um dano; i) Acidentes consequentes de embriaguez, demência, alcoolismo ou uso de estupefacientes por parte do Segurado; j) Furto, roubo ou extravio de objectos seguros quando praticados durante ou na sequência de qualquer outro sinistro coberto pelo contrato; k) Acção da luz ou de uma fonte de calor, em estampas ou quadros seguros; l) O valor estimativo ou depreciação de uma colecção em virtude de ficar desfalcada de alguma unidade.

2.2. De igual modo, não ficam garantidos os danos:

a) Em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, nos edifícios que se encontrem em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência e, ainda, em quaisquer objectos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções; b) Sofridos por edifícios de construções clandestinas, entendendo-se como tal àquelas que não tenham sido previamente legalizadas pelas autoridades competentes, quando o próprio sinistro ou o agravamento das suas consequências tenha origem em tal facto; c) Resultantes de trabalhos de reparação, beneficiação ou reconstrução do edifício seguro ou do local onde se encontrem os bens seguros, bem como os causados em edifícios contíguos ou adjacentes, salvo quando esta situação tenha sido previamente comunicada ao Segurador e por este aceite.

2.3. Salvo expressa convenção em contrário nas Condições Particulares, não ficam igualmente garantidas as perdas ou danos que derivem directa ou indirectamente de: a) Actos de grevistas e distúrbios laborais, bem como os actos de vandalismo, mesmo que deles resultem danos eventualmente abrangidos por outra cobertura; b) Efeitos directos de corrente eléctrica em aparelhos, instalações eléctricas e seus acessórios, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela electricidade atmosférica, tal como a resultante de raio, e curto-circuito, ainda que nos mesmos se produza incêndio; c) Incêndio decorrente de fenómenos sísmicos, tremores de terra, terramotos e erupções vulcânicas, maremotos ou fogo subterrâneo; d) Prejuízos indirectos, tais como a perda de lucros ou rendimentos; e) De carácter estético originados pelo facto dos bens afectados pelo sinistro não apresentarem, após reparação, a mesma textura, coloração, aspecto visual, tamanho ou formato em relação aos restantes bens seguros danificados.

2.4. O contrato também não garante quaisquer outros riscos previstos nas Condições Especiais que não tenham sido expressamente contratados pelo Tomador do Seguro e designados nas Condições Particulares.”

1.29. O capital máximo em risco para a cobertura de INCÊNDIO correspondia, à data da celebração deste contrato de seguro, ao montante de 130.000,00€, sem franquia.

1.30. No dia 6 de Outubro de 2014, o autor solicitou à ré uma alteração ao contrato de seguro exclusivamente ao nível do local de risco passando do local “..., ..., ...” para Lugar ... – ... – ..., ..., ..., com as seguintes confrontações: Norte: Estrada Nacional; Sul: EE; Este: Terreno Agrícola; Oeste: Terreno Agrícola – cf. doc. de fls. 47 e ss.

1.31. Esta alteração ao contrato de seguro, que foi aceite pela ora Ré, foi igualmente levada a efeito por intermédio da corretora S..., corretora que representou o autor nesta modificação do contrato.

1.32. À data da ocorrência do sinistro invocado nos autos, o local de risco previsto na sobredita apólice era o descrito supra em 1.30., sendo que, fruto dos sucessivos aumentos convencionados de capital e premio de 3%, na respectiva data de vencimento, o capital máximo em risco para a cobertura de INUNDAÇÕES correspondia ao montante de 142.054,51€, sem franquia.

1.34. As zonas arbóreas envolventes, encontravam-se completamente carbonizadas como consequência do incêndio florestal que vigorou e que atingiu o local seguro (redação após a alteração pela Relação).

1.35. O armazém ora em apreço tinha resultado totalmente destruído em consequência do incêndio advindo da zona florestal envolvente, cuja propagação rápida e incontrolável das chamas o acabou por atingir.

1.36. Após o acidente, a estrutura do indicado armazém, que era constituída nos termos supra descritos em 1.2., 1.3. e 1.4., apresentava um grau de dano generalizado, com destruição total dos materiais, ficando apenas erguida a estrutura metálica do mesmo, embora bastante oxidada.

1.37. O armazém em apreço nos presentes autos resultou destruído na sequência do incêndio.

1.38. O armazém aqui em apreço consubstanciava um imóvel em que, em termos de área e volume de construção, os materiais de construção ditos resistentes ou não combustíveis eram na ordem dos 20% e os materiais combustíveis eram na ordem dos 80%.

1.39. Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33.

1.40. Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no acto da celebração do contrato de seguro foram colocadas à disposição do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos – cf. doc. de fls. 33.

1.41. O autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.

1.42. A Ré colocou no seu portal informático, acessível à corretora S..., as condições gerais da apólice de seguro, além de também lhas ter entregue em papel.

1.43. Nos termos do preceituado na condição especial de Privação Temporária de Uso do Local, em caso de sinistro coberto pelo Contrato que origine privação temporária de uso do local de risco o Segurador indemnizará o Segurado, dentro dos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares, pelas despesas que o mesmo tiver razoavelmente de incorrer com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento, ou com o exercício provisório da actividade noutro local.

1.44. O armazém sinistrado não foi objecto de processo de licenciamento, designadamente para a sua construção.

1.45. Todas as fachadas do armazém do autor derreteram e desapareceram na totalidade.

1.46. Aquando da alteração do contrato de seguro quanto ao local de risco – cf. doc. de fls. 47 e ss – o A., por intermédio da corretora de seguros “S...”, não informou a Ré das características do imóvel a segurar pela apólice, designadamente quanto à natureza e composição dos seus elementos estruturais e materiais (redação após a alteração pela Relação).


**


E é a seguinte a matéria de facto não provada (após a decisão da Relação sobre a impugnação da decisão da matéria de facto prolatada na 1ª instância):

1.33. O edifício seguro situava-se próximo de uma zona circundada por vegetação baldia (na sentença vinha como provado, mas a Relação considerou este ponto como não provado).

2.1. O edifício em causa era, no essencial, constituído por armações e placas de metal, as fachadas eram revestidas com painéis “sandwich” com recheio de espuma modificada, com 25 milímetros de espessura, e a cobertura do mesmo não era em placas de alumínio e PVC.

2.2. À data do sinistro / incêndio, aquele espaço estava a ser utilizado por uma empresa espanhola, para guarda de maquinaria, pagando o montante de €600,00 mensais a título de renda.

2.3. O A. desconhece, e nunca lhe foi comunicado, antes ou depois da celebração do contrato, o que seja 3º risco, o que consta da alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento, ou qualquer cláusula de exclusão da cobertura, incluindo a referida cláusula 3ª, 2.2, alínea b).

2.4. Do mesmo modo não lhe foram comunicadas as cláusulas 4ª e 6ª, também referidas na carta da Ré, relativas ao dever de declaração inicial de risco e respectiva responsabilidade.


III. 2. APRECIANDO


· Da alteração da decisão sobre a matéria de facto

Como é sabido, a intervenção do Supremo tribunal de Justiça no que tange à apreciação/alteração da matéria de facto é muito limitada e restrita.

Com efeito, ao invés do que ocorre nas instâncias (estas que têm, também, a incumbência ou poder de delimitar a matéria de facto e modificar a decisão sobre essa matéria), por norma, o Supremo Tribunal de Justiça apenas reaprecia questões de direito (ut art. 682º, nº 1, do NCPC).

No entanto, tal limitação ou restrição de que padece o Supremo não é absoluta, pois que, como se vê da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, do NCPC, é atribuída ao Supremo tribunal de Justiça a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


Esquematizando as situações em que, excepcionalmente, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar matéria de facto, temos:

1. Existência de violação de direito probatório material (ut artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do CPC), ou seja, ocorrência de ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova (tal ocorre nos casos de: confissão ineficaz; exigência de documento escrito; não atendimento de valor probatório de determinado documento, de uma declaração confessória ou de acordo das partes).

2. Existência de violação de direito probatório adjectivo (ut art.º 674º, nº 1, al. b), do

3. CPC[3]), nomeadamente por mau uso que a Relação fez dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, ou seja: a) por um uso meramente formal dos poderes de reapreciação; b) pelo estabelecimento de presunções judiciais em oposição a norma legal, em oposição com os factos apurados ou com insuficiência dos mesmos, ou mediante manifesta ilogicidade; c) pela anulação de respostas em desconformidade com as regras processuais;

4. Insuficiência da matéria de facto apurada para a correcta solução jurídica da causa (ut art.º 682º, nº 3, do CPC);

5. Existência de contradição essencial na matéria de facto (ut art.º 682, nº 3, do CPC).

É este o âmbito de intervenção do Supremo em matéria de facto[4].


*


Assim explanadas as condições ou condicionantes da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no que tange à matéria de facto, analisando o vertido nos autos, não almejamos a ocorrência de qualquer das apontadas situações que permitam a este Supremo Tribunal interferir na reapreciação da decisão da matéria de facto, modificando esta decisão.

Entende o Recorrente:

- Que a Relação devia ter aditado aos factos provados um outro (um ponto 1.47), nos termos que já requerera nas alegações da apelação, com o seguinte teor:

“O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informava e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última”.

- Acrescentando (voltando “à carga”) que existe insuficiência da matéria de facto, para a apreciação das questões levantadas na conclusão 48ª das alegações de recurso apresentadas ao Tribunal da Relação. Pois que (diz) vinha alegado na concl. 48º das alegações da apelação que “48ª - O recorrente não rubricou, nem assinou os documentos relativos à simulação do seguro, à nota informativa e às condições gerais do contrato; conforme se constata nos próprios documentos, pelo que, relativamente às cláusulas que constam de tais documentos, há duas hipóteses: ou elas não se podem considerar como fazendo parte da declaração negocial do recorrente, ou terão de se considerar como inseridas após a sua assinatura, para os efeitos da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85; devendo, neste último caos, considerar-se excluídas do contrato e, em ambas as hipóteses, proceder o peticionado nos pontos A e B da p.i.”.


A Relação emitiu pronúncia sobre esta pretensão do Recorrente (cfr. pág. 40 do ac.), não dando “provimento” àquela pretensão.


Escreveu o Acórdão da Relação a fundamentar a rejeição do pretendido aditamento aos factos provados:

“Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a referida facticidade não foi por si alegada, daí que se mostre justificada a não pronúncia do Tribunal recorrido sobre a mesma.

(…).

De resto, o que releva é o que consta do ponto 1.41 dos factos provados, donde resulta que o autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente às características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.”[5].


Ora, a Relação (tal como a 1ª instância) considerou os documentos juntos aos autos (como se vê da motivação da decisão da matéria de facto), tendo-os interpretado e valorado segundo o seu entendimento, em conformidade com a leitura que fez das normas vigentes atinentes ao contrato de seguro, maxime seu âmbito e cobertura (se bem, se mal, mais à frente se verá).


 O “O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informava e a simulação do seguro” – que o Recorrente pretende seja levado aos factos provados, no sentido de ficar a constar que “não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última” – , foi impugnado pelo Autor (cfr. requerimento com a REFª: ...83), não fazendo prova plena quanto ao seu conteúdo, como reza o artº 376º CC.

E se é certo que não vem questionado o alegado pelo Autor, isto é, que não assinou “O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informava e a simulação do seguro”, o certo é, também, que, como diz a Relação, o que é relevante para o mérito da causa, para a vinculação aos termos do contrato de seguro em causa nos autos e tendo em mente a regulamentação vigente sobre a matéria, é que a “proposta inicial” do seguro, esta sim (de fls. 33) está devidamente assinada pelo Autor” - bem assim “a proposta de alteração que eram omissas relativamente às características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.”[6].

E explica-se ali que foi levado à relação dos factos provados aquilo que, neste âmbito, importava levar.

Assim, portanto, nada a censurar ao decidido pela Relação - não podendo este supremo sindicar a convicção firmada pela Relação no que tange ao exposto facto, que, como visto, se fundou, essencialmente, em prova testemunhal.

Os documentos juntos aos autos foram devidamente tidos em conta pelas instâncias (como a motivação da decisão da matéria de facto bem ostenta), que os interpretou e valorou segundo o seu entendimento, em conformidade com a leitura que fizeram das normas vigentes atinentes ao contrato de seguro, maxime seu âmbito e cobertura.


Reitera-se, porém, que o que, efectivamente, releva na apreciação da questão sob apreciação (da sindicância da matéria de facto pelo STJ) é a constatação da inexistência de qualquer violação de norma expressa de direito probatório, a poder sustentar a pretensa modificação da matéria de facto por banda deste tribunal de recurso. Nomeadamente, não se vê que exista nos autos qualquer documento escrito com valor probatório para o mérito da causa e que tivesse sido desconsiderado pelo tribunal recorrido, ou que tivesse dado relevância probatória a documento - igualmente existente nos autos - que a não tinha.

Como ressalta à saciedade da motivação da decisão da matéria de facto, a Relação atendeu a toda a prova que os autos ostentavam, maxime a documental atinente ao contrato de seguro, interpretando-a da forma que entendeu a mais acertada em conformidade com a sua visão dos ditames da doutrina e da jurisprudência.


Assim, nada mais se vislumbra de útil acrescentar à factualidade que nos autos foi dada como provada.


**



· Se deve considerar-se o sinistro coberto pelo contrato de seguro (declarando-se excluídas as cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas “que não constem antes da assinatura” do recorrente, por violação da al. d) do artº 8º do DL 446/85) e, dessa forma, procedentes os pedidos (principais) A, B e C da p.i.


Esta questão foi abordada no acórdão recorrido, desde logo, aquando da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto – aquando da já referida pretensão de aditamento à relação dos factos provados de um ponto 1.47, com o teor supra indicado.


Será que andou mal a Relação, tendo, na sua interpretação do direito, aplicado mal o estatuído naquela al. d) do artº 8º do DL 446/85?

É o que se impõe esclarecer.


*


Pergunta-se: serão as apontadas cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas do contrato de seguro firmado pelo Recorrente com a Ré seguradora – cuja conteúdo não é ora questionado (foi-o na apelação, mas sem sucesso), aqui apenas se questionando a sua validade por a assinatura do recorrente se situar, espacialmente, antes das mesmas – válidas e eficazes no âmbito do contrato firmado, apesar da dita localização da assinatura do Recorrente?

A questão fora, também, suscitada no pedido de reforma do acórdão da Relação, ali se invocando a nulidade do mesmo por omissão de pronúncia, precisamente, por o recorrente considerar ter sido omitido o aditamento à matéria de facto do referido ponto 1.47.


A justificação/explicação que havia sido dada pelo acórdão recorrido para considerar subsistentes (e eficazes no âmbito do contratado) as referidas cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas do seguro – não as considerando, como tal, do mesmo excluídas (por violação da al. d) do artº 8º do DL 446/85) – foi assim, no essencial, apresentada:

«Propugna o recorrente que se adite aos factos provados um ponto 1.47 com o seguinte texto:

O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última”.

Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a referida facticidade não foi por si alegada, daí que se mostre justificada a não pronúncia do Tribunal recorrido sobre a mesma.

(…).

De resto, o que releva é o que consta do ponto 1.41 dos factos provados, donde resulta que o autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.».


E naquela decisão do pedido de reforma do acórdão, disse a Relação:

« Desde já se diga que num particular ponto assiste razão ao recorrente, qual seja, quando aduz que, na sequência da notificação da contestação com os documentos, impugnou “a letra e assinatura do documento junto à Contestação, titulado “Condições Gerais” e “Condições Especiais”, que consta das páginas 39 a 64 da douta Contestação”, afirmando que a “letra de tal documento não é da autoria do A., nem o mesmo o assinou” (cfr. requerimento de 1/10/2018, sob a ref.ª ...83).

Mas o mesmo já não se diga quanto à demais asserção, especificamente quanto à nota informativa e à simulação do seguro.

De qualquer modo sempre se dirá que, nos autos, jamais esteve em discussão se o recorrente/autor havia assinado os documentos que titulam as Condições Gerais” e “Condições Especiais” do contrato de seguro juntas aos autos pela ré com a sua contestação. Nunca a seguradora/recorrida afirmou a aposição da assinatura do recorrente/autor nos referidos documentos que titulam as Condições Gerais” e “Condições Especiais”, nem delas consta qualquer assinatura.

Importará para tanto ter presente o facto de os contratos de seguros, na generalidade dos casos, serem contratos de adesão, sendo compostos por cláusulas contratuais gerais às quais o tomador do seguro adere.

E o conjunto de tais cláusulas negociais não só fica subtraído à negociação individual, como se identifica por um conjunto de caraterísticas essenciais ou necessárias, tais como a predisposição unilateral, generalidade, rigidez e imodificabilidade, sendo acolhidas, em bloco, e imutavelmente por quem as subscreva ou aceite, estando vedada a possibilidade de os intervenientes modelarem o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações[7].

O contrato de seguro objeto dos autos não é excepção, sendo composto por cláusulas não negociadas, que configuram as condições gerais e especiais. De facto, as condições gerais e especiais são elaboradas sem prévia negociação individual, o mesmo não sucedendo com as cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes.

Serve isto para dizer ser inócua a referida impugnação da letra das condições gerais e especiais do contrato de seguro, porquanto é ponto assente não serem as mesmas da autoria do recorrente/segurado. De igual modo, não se coloca o problema da impugnação da autoria da assinatura de tais condições, visto as mesmas não terem sido objeto de qualquer assinatura.

Acresce que a errónea menção, no acórdão recorrido, ao facto da referida facticidade (falta de assinatura do documento junto à Contestação, titulado “Condições Gerais” e “Condições Especiais”, que consta das páginas 39 a 64 da Contestação) não ter sido alegada pelo recorrente visou tão só suportar o juízo de não pronúncia do Tribunal da 1ª instância sobre a mesma.

Mas este Coletivo não deixou de se pronunciar sobre a impugnação e impertinência daquele concreto ponto fáctico.

(…).».


E mais se diz no aresto recorrido:

« Ademais, o que releva quanto à matéria em causa é a que consta dos pontos 1.39, 1.40, 1.41 e 1.42, donde resulta que:

- Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes - cf. doc. de fls. 33 (ponto 1.39 dos factos provados).

- Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no acto da celebração do contrato de seguro foram colocadas à disposição do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos - cf. doc. de fls. 33 (ponto 1.40 dos factos provados).

- O autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço (ponto 1.41 dos factos provados).

-   A Ré colocou no seu portal informático, acessível à corretora S..., as
condições gerais da apólice de seguro, além de também lhas ter entregue em papel (ponto 1.42 dos factos provados).».


**


Ou seja, considerou a Relação que, independentemente da localização espacial da assinatura do Autor, as cláusulas de exclusão ou limitação das coberturas, constantes das condições gerais da apólice, eram perfeitamente válidas e eficazes, dessa forma conduzindo à não cobertura do sinistro pelo contrato de seguro aqui em causa, como tal considerando não ter ocorrido violação do al. d) do artº 8º do DL 446/85.


Mas será assim?

Bastará sejam satisfeitos os deveres de comunicação e informação, ínsitos nos arts. 5º e 6º do DL 446/85, para que se torne aqui irrelevante/ineficaz o disposto no citado artº8º, al. d) do mesmo diploma legal?


É certo que no acórdão recorrido se refere ter o Autor aceitado as condições contratuais, as quais refere que lhe foram “comunicadas” pela testemunha FF.


Bom:

- Primeiro, não é isso que está provado (apenas se provou que:

“1.39. Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33.

1.40. Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no acto da celebração do contrato de seguro foram colocadas à disposição do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos – cf. doc. de fls. 33.

1.41. O autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.

1.42. A Ré colocou no seu portal informático, acessível à corretora S..., as condições gerais da apólice de seguro, além de também lhas ter entregue em papel.”) – ou seja, os deveres de informação (explicação do conteúdo/abrangência, etc…), a cargo a Ré, não se preencheram com esta factualidade provada.

- Segundo, mesmo que, por hipótese, estivesse provada uma efectiva comunicação/informação ao Autor das condições gerais e particulares da apólice, ainda assim não vemos como dar razão ao acórdão recorrido, desde logo ponderando a análise/interpretação que a jurisprudência (maxime do STJ) vem fazendo daquela al. d) do artº 8º do DL 446/85.

Vejamos.


Dispõe esta al. d) do artº 8º do DL 446/85:

Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

(…)

d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.


Dúvidas parece não haver que o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (definido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (RJCCG), alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/08, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7/07, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12) se aplica ao contrato de seguro.


Preceitua o n.º1 do art.º 1.º do DL n.º 446/85 de 25.10 que “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”. E explicita o n.º 2 que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar”. Termina o n.º 3 estatuindo que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.


Como é sabido, o que sobressai do regime do DL n.º 446/85, de 25.10, não é a maior ou menor generalidade das cláusulas contratuais, mas antes o seu carácter não negociável ou não influenciável por parte de, pelo menos, um dos contraentes, dessas cláusulas.

Pode-se definir as Cláusulas Contratuais Gerais (CCG) como sendo as normas minuciosamente elaboradas para serem inseridas, em bloco, num número massificado e padronizado de contratos em que intervém ou participa como contraente a entidade para esse efeito as pré-elaborou. São formalmente apresentadas em documentos pré-impressos, pelo contraente que os elaborou, a uma generalidade de contratantes, sem que estes tenham tido qualquer possibilidade de contribuir para a sua formulação, ou de as alterar, modificar ou excluir do global do “pack” proposto.


Assim, para se chamar à colação o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (CCG) há que primeiramente apurar se certa cláusula foi ou não objecto de negociação e discussão entre as partes, no sentido de poder ser modificada, excluída, ou aceite nos termos propostos. Pelo que, para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo de um contrato segundo o regime das CCG, não é necessário estar-se perante um contrato de adesão propriamente dito, pois o que releva são as cláusulas em si e não a natureza do contrato, não obstante resultar da prática negocial que aquelas são, por regra, inseridas neste tipo de contratos.

Mas sempre se dirá, como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 20.11.2012[8], que “a característica da inserção em formulário ou num modelo pré-elaborado e impresso do conjunto das cláusulas determinantes da vontade negocial das partes leva naturalmente a que o intérprete presuma a sua não negociabilidade, devendo essa configuração levar à qualificação do contrato como de adesão”.


Assim, portanto, face à definição dada supra de cláusulas contratuais gerais, é patente que o contrato de seguro, porque as contém, se encontra sujeito ao respectivo regime legal.

Com efeito, no contrato de seguro as cláusulas contratuais gerais são normalmente apresentadas pela seguradora, bem como todos os formulários necessários à contratação do seguro, inclusive a proposta contratual.  No entanto, a proposta contratual é, normalmente, efectuada pelo interessado no seguro e a seguradora é a sua destinatária.  Fica, portanto, a seguradora na disponibilidade de aceitar ou recusar uma proposta contratual com as cláusulas contratuais gerais que ela própria disponibilizou.  Claro que não será a seguradora a merecer a protecção do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, mas sim o tomador de seguro. 

Importa, portanto, considerar, para efeitos da aplicação do Decreto‑Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o destinatário das cláusulas e não o destinatário da proposta. 

Como dito supra, o art. 1.º deste diploma prevê, precisamente, que "As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar, regem-se‑ pelo presente diploma.".  No caso do contrato de seguro, com as condições apresentadas pela seguradora, estamos na situação em que o proponente as subscreve[9].


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Em causa está, como visto, a aplicação ao contrato de seguro sub judice o disposto na al. d) do artº 8º do DL 446/85.

A pergunta a fazer é simples e objectiva: no quadro factual apurado nos autos, podia a seguradora valer-se das exclusões de responsabilidade contidas nas condições gerais da apólice de seguro, para dessa forma evitar o ressarcimento ao autor dos peticionados danos que resultaram do sinistro ocorrido no seu prédio?

Ou, ao invés, deve dar-se razão ao Autor na invocação que faz daquela al. d) do artº 8º do DL 446/85 para impedir que a Ré se sirva das aludidas exclusões de responsabilidade?


DA AL. D) DO ARTº 8º DO DL 446/85

Como visto, reza a dita al. que se consideram excluídas dos contratos singulares – in casu, do contrato de seguro firmado entre A. e Ré – “As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”[10].

ALMENO DE SÁ refere que o objectivo deste artigo 8º é evitar as cláusulas “surpresa”[11].

E, efectivamente, a lógica do mútuo consenso como pressuposto da vigência das condições gerais está também subjacente à norma que proíbe as chamadas cláusulas surpresa. “Parte-se da ideia de que determinados factores extermos ligados à conclusão do contrato, como a epígrafe das cláusulas, o contexto em que surgem ou a sua apresentação gráfica, evidenciam, só por si, a falta de uma verdadeira concordância do aderente relativamente ao conteúdo regulativo nelas consagrado. Deste modo aparece como razável impedir a sua inclusão no contrato singular, já que não chega a formar-se, quanto a tais cláusulas, nem sequer formalmente, o necessário acordo das partes”[12].

Sobre a al. d) do aludido artº 8º do DL 446/85 se tem pronunciado a jurisprudência, de forma nem sempre concordante, essencialmente à volta do significado e/ou interpretação da palavra “depois” ali contida.


Uma das interpretações é que tal palavra se refere ao tempo em que foram introduzidas as cláusulas, pelo que, segundo a mesma teoria, só estariam excluídas do contrato as cláusulas inseridas em momento posterior ao da assinatura do mesmo.

Diferentemente, a outra interpretação que tem surgido sustenta que a palavra "depois" se refere, não ao tempo em que foram introduzidas as cláusulas, mas, sim, a uma inserção física, espacial, da cláusula, pelo que, segundo esta teoria, só estarão excluídas do contrato as cláusulas que, no contrato (leia-se, documento físico) se encontrem, espacialmente, depois da assinatura do aderente/subscritor/consumidor.


Cremos que a melhor interpretação é a que sustenta que o legislador pretendeu atribuir um sentido espacial a esta norma. Interpretação esta, diga-se, já há muito sustentada pelo STJ, em ac. de 13.1.2005[13], onde se escreveu que “Nos termos do art. 8º, al. d) do DL 446/85, de 25/10, com as alte­rações introduzidas pelos DLs 220/95, de 31/1 e 249/99, de 7/7, devem considerar-se excluídas as cláusulas contratuais gerais constantes do segunda página do documento formalizador de um contrato de mútuo, assinado pelos contratantes só no primeira página do mesmo documento, aplicando-se, nessa parte, o regime legal supletivo, nos termos do artº 9º do mesmo diploma".


É que, só desta forma se garante que o consumidor se apercebe, na verdade, que existem condições gerais no contrato a que está a aderir e que, dessa forma, as pode ler (sendo legíveis, obviamente) e questionar quem as predispõe sobre o seu significado e alcance, dando um sentido pleno às obrigações constantes dos artigos 5.° e 6.° do DCCG e dos artigos 8.° e 9.° da LDC.

Com efeito, entre outras preocupações, o legislador, ao estabelecer o regime das cláusulas contratuais gerais, pretendeu garantir, não só, que as contrapartes dos utilizadores das cláusulas contratuais gerais as aceitam como fazendo parte do contrato singular (art. 4.°), como que tenham um efectivo conhecimento e compreensão das condições em que contratam o fornecimento do bem ou a prestação do serviço (daí os deveres de comunicação e de informação ínsitos nos artigos 5.° e 6.° daquele DL 446/85, que proíbem cláusulas que impeçam o conhecimento ou compreensão do conteúdo contratual).


Assim, portanto, na aludida al. d) do artº 8º, pretendeu o legislador que a assinatura do consumidor fosse aposta no fim do texto contratual, dessa forma se garantindo que se apercebeu, de facto, da existência das cláusulas (todas elas) nele contidas e que ficou, efectivamente, ao corrente do seu real conteúdo.

Nestes termos, pode bem dizer-se que a exclusão contida naquela al. d) tem um duplo sentido: não só a exclusão, por si, das cláusulas (gerais) do contrato que (espacialmente, portanto) se localizem após a assinatura do aderente; como a não aceitação por parte do aderente que o contrato se regule por cláusulas unilateralmente impostas, ou seja, tais cláusulas não chegam a ser incluídas no contrato por via do disposto no art. 4.°.


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Acontece, porém, que por vezes no contrato se insere um texto idêntico aos seguintes: "Os outorgantes declaram conhecer e terem sido esclarecidos sobre o conteúdo e alcance de todas as cláusulas do verso deste contrato, às quais dão o seu acordo" e "Ter tomado conhecimento e aceite plenamente as condições gerais (constantes do verso) e particulares do presente contrato de mútuo que subscrevo (emos)...". Textos estes, precisamente, idênticos ao inserido na proposta de contrato dos autos (cfr. pp 33 dos autos – onde se fez constar que O Cliente Tomador do Seguro declara …ter recebido a “Nota Informativa” com o resumo das Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao Contrato”, bem assim que “declara terem-lhe sido colocadas à disposição, no acto da celebração do contrato, as Condições Gerais aplicáveis à Apólice, as quais também lhe serão entregues, em qualquer data numa loja…”, e, outrossim, que “O Cliente/Tomador do Seguro toma conhecimento que, para sua maior comodidade, as mesmas se encontram ainda disponíveis, a todo o tempo, para consulta ou impressão no sítio da internet em…”).


Impõe-se, então a pergunta: a inserção de um texto desta natureza afasta a consequência da exclusão das ditas cláusulas colocadas no verso e depois da assinatura?

Por si só, não afasta.

Com efeito, o referido artº 8º visa proteger a liberdade de estipulação, a informação e compreensão das cláusulas por parte daquele que a elas adere (normalmente o contraente débil face ao predisponente) – o que se compreende, pois por norma do lado contrário à seguradora está a parte mais débil na relação contratual, debilidade essa acentuada a mais das vezes pela própria incompreensão do clausulado (denso e por vezes com letra quase ilegível e, às vezes com texto até pouco inteligível). Debilidade essa que o legislador pretendeu, a todo o custo, proteger.

Já no Ac. do SJ de 15.5.2008[14] se decidiu nesse mesmo sentido. Também ali havia sido aposta no contrato, em local situado antes da assinatura do aderente, uma declaração em que o aderente afirmava que tinha tomado conhecimento e aceitado as condições de utilização do cartão (a declaração era esta: “Declaro ainda que tomei conhecimento e aceito as Condições Gerais e Particulares de Utilização do(s) cartão(ões)”).

Com esta declaração, situada antes da assinatura, poder-se-ia concluir que o aderente, ao subscrever o contrato, tinha conhecimento do conteúdo dessas outras cláusulas, podendo determinar-se segundo o conteúdo dessas mesmas cláusulas.

Mas assim não se considerou. Ao invés, entendeu o Supremo – a nosso ver bem – que dessa declaração apenas se obtém a certeza de que o aderente declarou conhecer essas cláusulas; não que essa declaração corresponda efectivamente à realidade.

Acrescentou o Supremo, no referido aresto:

“ A exigência de que a assinatura deve seguir-se a todas as cláusulas (art. 8º, al. d) daquele dec.-lei 446/85) está para além do conhecimento efectivo pelo aderente — não é este conhecimento efectivo que aqui releva; o que releva é a localização das cláusulas para evitar adesões impensadas.

O legislador, ao consagrar tal norma, para além da comunicação que impende sobre o predisponente, pretende exercer um controlo efectivo ao nível da formação do acordo de adesão, considerando que, independentemente do caso concreto e da sua comunicação, as cláusulas para poderem ser válidas devem anteceder a assinatura do aderente (cf. Acórdão do S.T.J. de 27/3/2007, na Revista 279/2007) para afastar o risco de os aderentes apenas atentarem e tomarem consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas (Acórdão do S.T.J. de 13/1/2005, na Revista 3874/2004).

E na verdade, com uma declaração deste tipo pode impedir-se que o aderente saiba, sem qualquer dúvida, quais as reais cláusulas a que fica sujeito, podendo ser um meio para um predisponente menos escrupuloso inserir no contrato cláusulas que não são objecto de apreciação e reflexão pelo aderente.

Por isso, a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes se sobrepõe ao conhecimento manifestado pelo aderente — aquela vontade manifestada naqueles termos pelo aderente cede pela necessidade de uma efectiva formação e consciencialização do conteúdo do proposto, certo que legalmente é considerado irrelevante o localizado após a assinatura, tendo em conta que as cláusulas não foram objecto de negociação.

Daí que tais cláusulas por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação daquele art. 8º, al. d), sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo a Ré Banco BA abster-se da sua futura utilização (art. 32º do dec.-lei 446/85).”[15].


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Assim se conclui, portanto, que a norma da al. d) do art. 8.° é independente dos (e se sobrepõe aos) deveres de informação previstos nos artigos 5.° e 6.° do DL 446/85, diferentemente do que ocorre com  as al.s a) e b) do mesmo art. 8.°, estas, sim, intimamente relacionadas como tais artigos.

O legislador quis garantir que não se ficaria por um cumprimento formal do exigido nos artigos 5.° e 6.° mas que a assinatura do consumidor não deveria ser aposta antes das condições gerais objecto da legislação que nos ocupa.

Como se diz no citado Ac. do STJ de 15/3/2005 (Revista 282/05), “o artº 8º, al. d) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 é aplicável a cláusula inserida no contrato depois da assinatura do contraente que a ele adere,  mesmo quando, na introdução desse contrato tenha sido inserida uma cláusula segundo a qual ao contrato são aplicáveis as condições específicas e gerais que se seguem, figurando entre estas últimas a cláusula controvertida. Esta última disposição é aplicável oficiosamente[16].

Assim também o Ac. STJ de 06.02.2007[17]: “Encontrando-se as assinaturas dos outorgantes no contrato na face do documento que constitui a proposta contratual impressa, a seguir às “Condições Específicas” e, no verso, as cláusulas gerais, têm estas de ter-se por excluídas do contrato singular, tudo se passando como se não existissem[18].

“A menos, claro, que o aderente queira prevalecer-se das mesmas”, acrescenta o STJ no Ac. de 7.07.2009[19].

Assim, portanto, as cláusulas gerais apostas depois da assinatura do aderente devem ser excluídas do contrato, sendo cláusulas que não fazem parte do documento que pelo predisponente é apresentado ao aderente para subscrição: são exteriores ao mesmo contrato[20].

O mesmo valendo para as cláusulas juntas ao contrato depois de concluído, as quais, obviamente, não vinculam as partes (cfr. cit. Ac. STJ de 20.03.2007[21]).


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Ora, é certo que, como vimos, provado está que: o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do contrato, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33 e facto provado 1.39; aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma “Nota Informativa com um resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato”; no acto da celebração do contrato de seguro foram “colocadas à disposição” do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos – cf. doc. de fls. 33 (facto 1.40); a Ré colocou no seu portal informático, acessível à corretora S..., as condições gerais da apólice de seguro (facto ...2).

Porém, nos sobreditos termos, isto não basta para que as cláusulas gerais da apólice, em particular as cláusulas de exclusão de responsabilidade, se possam impor ao autor/aderente.


O que o Autor/Recorrente assinou foi, apenas e só, “tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.” (facto 1.41). Daí que o clausulado no documento onde constam as condições gerais do contrato, nomeadamente a cláusula 3ª (Exclusões…aplicáveis à cobertura de incêndio…) se terá de considerar excluído do contrato singular firmado entre Autor e Ré seguradora.


Percute-se que o facto de o Autor ter a possibilidade de aceder a todas as informações relevantes, lhe ter sido fornecida uma Nota Informativa com o resumo das condições gerais e de a Seguradora ter colocado no seu portal informático as condições gerais da apólice de seguro, em nada altera a situação, em termos de vinculação das ditas cláusulas de exclusão da responsabilidade contidas nas condições gerais da apólice.

Na verdade, como vem sustentando o Supremo Tribunal (cfr. Acs. cits.), quando muito pode concluir-se que o Autor/aderente poderá ter tido conhecimento de tais cláusulas, já não que, efectivamente, delas conhecesse (muito menos na sua plenitude).

E, como igualmente vem percutindo o Supremo (cfr. Acs. cits.), a exigência de que a assinatura do aderente deve seguir-se a todas as cláusulas (art. 8º, al. d) daquele Dec.-lei 446/85) está bem para além do conhecimento efectivo pelo aderente. Sendo, portanto, que (como dito supra), não é este conhecimento efectivo que aqui releva, mas, sim, a localização efectiva (espacial).  


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O regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplica-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual.

Ora, como é sabido, ao abrigo das regras gerais da distribuição do ónus da prova, ao autor cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato, designadamente que o sinistro está compreendido no âmbito geral da cobertura fornecida pelo contrato (ut art. 342º, n.º 1 do CC); já, porém, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito)[22].

Ora, o Autor provou ter celebrado com a Ré o contrato de seguro dos autos, com as condições particulares da apólice contidas no documento que assinou - contidas antes dessa mesma assinatura (cfr. fls. 28 a 33).

Porém, se é certo que a Ré carreou aos autos um contrato de seguro, em cuja apólice figuram as aludidas cláusulas de exclusão de responsabilidade, certo é, também, que não logrou fazer a prova de que as mesmas cláusulas foram “assinadas” pelo Autor/aderente (sequer efectivamente por ele conhecidas) – o que está provado é, somente, que este assinou a proposta de seguro, na qual não constavam (naturalmente) tais cláusulas gerais, apenas as particulares, onde, designadamente, se refere que o contrato celebrado tem como capital segurado em caso de “incêndio, raio ou explosão”, o montante de €130 000,00.


Note-se que o facto de não constar como provado que o Autor não assinou as condições gerais e especiais do contrato em nada altera a situação, pois: primeiro, a falta de prova de um facto não significa a prova do contrário, ou seja, não significa que…as assinou; segundo, era à Ré que, para inviabilizar a pretensão do Autor em se fazer valer do disposto naquela al. d) do artº 8º do DL nº 446/85, incumbia fazer prova de que, efectivamente, tais condições gerais e especiais foram por ele assinadas ou rubricadas nos sobreditos termos.

Prova que não fez.


Assim, portanto, sendo aplicável ao contrato sub judice o artº 8º, al. d) do RJCCG (DL 446/85) e provado apenas que o Autor assinou a proposta de seguro (fls. 28 a 33 dos autos) e que da mesma não consta (naturalmente) qualquer das excepções à responsabilidade da seguradora que figuram nas condições gerais da apólice, não pode deixar de se concluir que tais cláusulas se terão por excluídas do contrato singular em causa, por não constarem de documento assinado…após as mesmas.


Trata-se, de facto, de cláusulas que constam, sim, mas de um documento (Condições Gerais…) anexo ao contrato, mas que a seguradora não mostra ter sido entregue ao Autor com a proposta contratual escrita (nem, sequer, aliás, que por ele tivessem sido efectivamente, conhecidas e compreendidas) e ter sido inserido antes da assinatura aposta nessa mesma proposta contratual (apenas consta dessa proposta, a fls. 33, que as Condições Gerais “foram colocadas à disposição” do Autor)[23].


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Pode bem dizer-se que o legislador sabe, quem predispõe cláusulas contratuais gerais sabe, o Tribunal sabe, o ora autor igualmente sabe que a única forma de garantir que o consumidor efectivamente se apercebe da existência e real conteúdo de tais cláu­sulas, da sua extensão e, até, pelo menos das suas epígrafes e ao que se referem, é apor a sua assinatura após as mesmas. Não antes delas.

O que, como visto, in casu não se prova ter acontecido – prova, percute-se, a fazer pela Ré Seguradora.

Com efeito, como ressalta dos autos, não pode considerar-se ter o tomador de seguro rubricado ou assinado os documentos relativos à simulação do seguro, à nota informativa e – aqui com particular relevância – às condições gerais do contrato. Dessa forma se impondo seja excluída do mesmo contrato, designadamente, a cláusula 3ª.2.2.a) dessas mesmas condições gerais (“…construções de reconhecida fragilidade…”), ao abrigo do disposto na al. d) do art. 8º do Dec. Lei n.º 446/85.


Como tal, não apenas as cláusulas de exclusão e limitação das coberturas do seguro, por surgirem após a assinatura do recorrente (na aludida proposta contratual), se têm de considerar excluías, nos termos da al. d) do artº 8º do DL 446/85, como também a declaração negocial do recorrente – a proposta contratual – não abrange essas mesmas cláusulas de exclusão e limitação, dessa forma não podendo as mesmas fazer parte do contrato.


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É verdade que o contrato de seguro deixou de ser formal para passar a ser um negócio consensual, devendo ser formalizado num instrumento escrito, a denominada apólice de seguro; mas certo é, também (o que não pode, de todo, ser olvidado), que a norma do artº 8º do DL 446/85 tem natureza imperativa – e este normativo nada refere acerca da aludida consensualidade do contrato em causa. E, como dito e redito, a mesma foi violada, com as apontadas consequências (designadamente, não poder a Ré seguradora fazer vingar as cláusulas de exclusão do contrato apostas nas condições gerais da apólice).

Em boa verdade, quando o acórdão recorrido refere que o contrato passou a ser consensual, mas titulado pela apólice, o que parece estar a querer dizer é que, como o negócio é consensual, a falta das cláusulas na proposta contratual escrita não implica que tais cláusulas não façam parte do contrato, pois poderão fazer parte de uma declaração não escrita.

Sem razão, porém (como observa o recorrente):

- Primeiro, que as cláusulas em crise não fazem parte da apólice – o que ressalta com toda a nudez da numeração das páginas da mesma – é reforçado pela numeração que surge no documento onde constam as condições gerais e especiais (cfr. pp 34 a 46 vº).

Aliás, como bem observa o Recorrente, não é, sequer, líquido que as condições gerais e especiais juntas aos autos eram as mesmas que, à data da subscrição da proposta contratual, constavam da página da internet da recorrida ou se as mesmas foram alteradas antes ou depois desse momento!

- Segundo, não foram provados – ou alegados, sequer – quaisquer factos dos quais se possa extrair que houve uma qualquer declaração negocial não escrita, emitida pelo Recorrente, conhecendo e aceitando as referidas cláusulas gerais – para o que ora importa, as de exclusão.


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Ou seja, o que resta é, apenas e só, o que consta do documento que o Recorrente, efectivamente, assinou: a proposta de contrato escrita (ver fls. 28 a 33).

Ora, nessa proposta o que há é, apenas, duas referências a “condições gerais”:

- Uma, na segunda página da minuta da apólice, com o título “Condições Particulares da Apólice” – em que se menciona sendo de €130 000,00 o capital coberto para o caso de “incêndio, raio e explosão” – , onde surge a expressão “As Condições Gerais aplicáveis à presente Apólice de Seguro”, ali se referindo que foram colocadas à disposição do tomador e que podem ser consultadas numa página da internet (ver fls. 28-vº).

- Outra, depois, na página assinada pelo Recorrente, no rectângulo com o título “Declaração de Dados Pessoais”, onde se encontra uma declaração que refere as condições gerais de modo idêntico à referida segunda página da minuta da apólice e de ter recebido uma nota informativa com um resumo das condições gerais e especiais (ver fls. 33).

Ora, as referências, vagas e imprecisas, sobre umas condições gerais, que serão “aplicáveis” ao contrato, e a um resumo de umas condições especiais, sobre cuja “aplicabilidade” nada se diz, não reflectem (não podem reflectir) uma expressão de vontade, clara e segura, de que tais condições façam parte do contrato. Por isso, aceita-se que tais condições gerais e especiais não fazem parte da declaração negocial, no sentido de vincular o seu autor – com excepção, naturalmente, das que surgem expressas na minuta da apólice.

Assim, e ponderando o teor do artº 217º do CC (declaração negocial…), não se pode considerar que a cláusula 3º das condições gerais e a cláusula única relativa à cobertura dos danos da privação do uso, das condições especiais, alguma vez tenham sido objecto do consenso contratual e daí que jamais possam considerar-se ter feito parte do contrato, delas não podendo servir-se a seguradora, maxime para se furtar à responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Recorrente com o sinistro dos autos, logrando afastar a improcedência dos pedidos A, B e C da P.I.


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Em suma: quer por via do artº 217º do CC – nos termos acabados de explanar – , quer por via do disposto no artº 8º, al. d) do DL 446/85 (que, pelas razões explicitadas supra, leva à exclusão das cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade constantes das condições gerais da apólice – dado que tais cláusulas figuram dum documento anexo ao contrato e que a Ré não mostra ter sido assinado pelo Autor/Recorrente), sempre assistiria razão ao Autor, não vingando a defesa da Ré Seguradora, servindo-se das cláusulas de exclusão de responsabilidade constantes das condições gerais da apólice para se furtar às suas obrigações contratuais.

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Uma nota final, a propósito da proposta de alteração (apenas “do local de risco” – cfr. fls. 48-vº), para dizer que a mesma não tem qui qualquer relevância, pois mais não fez do que corrigir o lapso no endereço do local seguro, dela nada constando quanto ao clausulado do contrato. O que significa, obviamente, que não pode ter o condão de sanação do apontado vício (falta de assinatura e respectivas consequências).

Aliás, como acima ficou dito e tem sido salientado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, a qual cremos francamente dominante[24], a expressão “depois” contida na alínea d) do artigo 8º do DL nº 446/85, refere-se à inserção espacial, e não temporal, da assinatura.


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Assim sendo, e como em causa na revista está apenas esta questão da aplicação da citada al. d) do artº 8º DL 446/85 ao contrato sub judice, questão que procedeu –  dessa forma se não dando razão à Ré seguradora no que tange à sua pretensão da manutenção e eficácia das cláusulas de exclusão contidas nas condições gerais da apólice – , não podemos deixar de concluir pela efectiva responsabilidade da Ré Seguradora pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor, emergentes do acidente (incêndio) descrito nos autos, na medida em que a mesma responsabilidade resulta do contrato de seguro em causa, embora sempre limitada ao âmbito ou limite do capital segurado, constante das (assinadas) Condições Particulares da Apólice (ut fls. 29).

Eectivamente, provado está que no dia 1 de abril de 2014, o A. celebrou com a Ré um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, opção “Valor Mais”, titulado pela apólice ...47, tendo por objecto um armazém, contrato esse que garantia os riscos previstos nas Condições Especiais da apólice, quando expressamente contratados e designados nas Condições Particulares, até aos limites previstos nestas últimas, abrangendo, entre outras, as seguintes coberturas: incêndio, raio e explosão, ..., demolição e remoção de escombros e privação temporária do uso do local.

Trata-se de um contrato de seguro facultativo, integrando o denominado seguro de danos (pois tem por finalidade a cobertura de riscos relativos a coisas, bens materiais, créditos e outros direitos patrimoniais).  E dado que respeita a uma coisa (um bem imóvel), é um seguro de coisa (arts. 43º, n.º 2, 123º e 130º do RJCS – DL 72/2008, de 16.04) – note-se que o contrato de seguro, que estava disciplinado, fundamentalmente, nos arts.425º a 462º do Código Comercial, está-o hoje no aludido DL 72/08, de 16.04 (diploma que revogou os citados preceitos do Código Comercial: cf. art.6º-2/a), que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

Ora, o edifício do Autor foi alvo de incêndio, tendo deixado de poder ter qualquer uso, necessitando de ser reconstruído (factos 1.7 a 1.9).

Para reparação dos danos sofridos no edifício, através da sua reconstrução, foram necessários os trabalhos e obras descritos no anexo do relatório de peritagem de fls. 129 e 130, sendo que o custo total desses trabalhos e obras ascende a €48.351,90, acrescido de IVA (factos 1.21 e 1.22).

Provado ficou que “O capital máximo em risco para a cobertura de INCÊNDIO correspondia, à data da celebração deste contrato de seguro, ao montante de 130.000,00€, sem franquia.” (facto 1.29 – e condições particulares da apólice, ut fls. 29, estas, sim, assinadas pelo Autor).

Assim se vê, portanto, que os danos sofridos pelo Autor, com o incêndio (reconstrução do edifício…) se encontram cobertos pelo seguro que com a Ré contratou. Donde a obrigação desta em os ressarcir.


***


Atentemos, melhor, nos pedidos do Autor.

1. Quanto ao pedido A):

Procede este pedido, pois, como visto, considerou-se que, designadamente, atento o estatuído na al. d) do artº8º do DL 446/85, não integram o contrato ou dele se consideram excluídas as cláusulas de exclusão da cobertura, incluindo as cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª, das condições gerais da apólice.


Impõe-se, aqui, notar o seguinte:

Nos autos vinha suscitada a questão da violação, pela seguradora, dos deveres de informação e de comunicação previstos nos arts. 5º e 6º do Dec.-Lei nº 446/85, no fito de se lograr a exclusão das referidas causas de exclusão de responsabilidade (clªas cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª, nº4, al. b)).

No entanto, embora a Relação tenha considerado que a seguradora logrou demonstrar que cumpriu com tais deveres (o que nos deixa as reservas supra observadas), o certo é que tal sempre seria irrelevante no mérito dos autos, face à exclusão, aqui considerada, de tais causas de exclusão nos termos da al. d) do artº 8º do Dec.-Lei nº 446/85 (como referido, norma imperativa, aqui aplicável).

Ou seja, esta questão (dos deveres de informação e de comunicação) acabou por perder a sua utilidade prática em face da decisão supra quanto à exclusão dessa cláusula, ao abrigo do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais.


E o mesmo se diga no que tange ao aspecto da eventual prestação, pelo tomador do seguro, de declarações reticentes ou inexactas.

Aliás – como bem observou a Relação (cfr. pp 58 do acórdão) e se extrai do que acima ficou referido acerca daquela al. d) do artº 8º do Dec.-Lei nº 446/85 – , o funcionamento da causa de exclusão da cobertura do seguro coloca-se independentemente de o tomador do seguro ter ou não prestado declarações reticentes ou inexactas.


Em suma: se não prevalecem as referidas cláusulas de exclusão, as “questões” da hipotética violação de deveres de informação e/ou comunicação, ou da, também hipotética, prestação de declarações reticentes ou inexactas deixam de ser relevantes, pois a(s) cláusula(s), simplesmente, é/são excluída(s) do contrato.

Donde, portanto, não haver necessidade de aqui chamar à colação os artsº 24º a 26º, do RJCS.


Da mesma forma, alegara o Recorrente, na apelação, que a cláusula 3ª, 2.2, alínea a), sempre seria nula por ser abusiva e contrária à boa fé, nos termos dos arts 15º e ss do mencionado diploma legal.

Ora, tendo, embora, a Relação entendido que afastada está a violação do princípio da boa fé (pp 57 do acórdão), o certo é que também este aspecto se torna irrelevante para o mérito dos autos, face à exclusão, aqui considerada, das apontadas exclusões, nos termos da al. d) do artº 8º do Dec.-Lei nº 446/85. Pois que a arguição de nulidade das referidas causas de exclusão vinha suscitada, também, no objectivo da exclusão dessas mesmas cláusulas.


2. Quanto ao pedido B:

Pede-se aqui a condenação da Ré a pagar/reembolsar o A. pelos custos da demolição e remoção de escombros, e reconstrução do edifício referido no artigo 2º da p.i..

Tais danos – cujo custo total ascendeu a €48.351,90, acrescido de IVA (ut factos provados 1.21 e 1.22) – , são, obviamente, indemnizáveis e estão abrangidos pela cobertura do seguro (cfr. capital máximo segurado, referido supra).

Com efeito, atenta a “invalidade” da causa de exclusão da cobertura do seguro, ínsita na referida cláusula 3ª, 2.2, alínea a) das condições gerais da apólice – cláusula essa que, ao abrigo do artº 8º, l. d) do RJCCG, fica excluída do contrato – , nos termos do contrato de seguro firmado, nos sobreditos termos, não podem tais danos deixar de ser ressarcidos, pela Ré, ao Autor.

Daí a procedência deste pedido.


3. Quanto ao pedido C:

Em causa o chamado dano da privação do uso.

Não há lugar ao ressarcimento de tal dano – aqui assistindo razão à Ré/Seguradora.

Efectivamente, conforme preceituado na condição especial de “Privação Temporária de Uso do Local”, “em caso de sinistro coberto pelo Contrato que origine privação temporária de uso do local de risco, o Segurador indemnizará o Segurado, dentro dos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares, pelas despesas que o mesmo tiver razoavelmente de incorrer com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento, ou com o exercício provisório da actividade noutro local[25].


Ora, manifestamente não é o caso dos Autos – nem, sequer (diga-se em verdade), tal vem alegado pelo Autor.

Daqui a improcedência deste pedido.


*


Ficamos, porém, com o decidido no ac. recorrido, quanto ao pedido subsidiário formulado em D) (condenação da Ré na indemnização do Autor pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro – que a Relação quantificou em €1.050,00 e juros de mora).

Este segmento da decisão da Relação, porque não foi objecto de recurso de qualquer das partes, transitou.


**



IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, conceder parcialmente a revista, em função do que:

1. Declara-se que não integram o contrato, dele se considerando excluídas, as referidas cláusulas de exclusão da cobertura, incluindo as cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª;

2. Condena-se a Ré a pagar/reembolsar o A. na quantia de €48.351,90 (quarenta e oito mil trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), acrescido de IVA, que despendeu com os trabalhos e obras necessários à reparação dos danos sofridos no edifício em causa nos autos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

3. Improcede o pedido deduzido sob a al. C).

4. No mais, confirma-se o acórdão recorrido (indemnização pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro).


Custas na proporção de ¾ para a Ré Seguradora e ¼ para o Autor.


Lisboa, 13 de outubro de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

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[1] Mais alega o A. que tais cláusulas de exclusão não fazem parte do contrato de seguro, pois o A. nunca as aceitou, nunca assinou qualquer documento de onde elas constassem, nem as mesmas sequer lhe foram comunicadas. Mas se o tivessem feito, seriam excluídas e inválidas, nos termos do artigo 8º do D.L. nº 446/85. Mas mesmo que tais cláusulas pudessem ser válidas, a sua invocação constitui abuso de direito, pois em virtude das mesmas o objecto seguro fica excluído da cobertura do seguro, em que nenhum sinistro está coberto: a Ré celebrou um contrato de seguro, fez seus os respectivos prémios, que foram pagos ao longo do tempo, teve informação suficiente para aferir da natureza do edifício objecto do seguro, e que, se mais informação necessitava, não a pediu ao A., como era seu ónus; passados anos em que o A. cumpriu as suas obrigações contratuais, ocorrido o sinistro, vem a Ré invocar cláusulas que esvaziam o seguro de qualquer utilidade, frustrando o seu fim, pois, afinal, nada estava, na prática, segurado.

Era obrigação contratual da Ré dar uma resposta num prazo razoável, ou seja, até final de Dezembro de 2017. A Ré não cumpriu tal obrigação, tendo ultrapassado o prazo razoável em três meses e meio. A demora na resposta implica igual demora na reconstrução e estabelecimento de condições para a utilização do edifício. Se não for concedida a cobertura da privação do uso, a Ré terá sempre de indemnizar o A. pela demora na comunicação da sua posição - em concreto, pelo valor de três meses e meio do valor da renda de um edifício de características semelhantes.
[2] Conclusões que, a bem dizer, só aparentemente o são, pois são uma quase repetição das alegações propriamente ditas – ao arrepio do estatuído no artº 639º, nº1 CPC. E só não convidamos à sua sintetização, nos termos do nº 3 do aludido preceito, para se não atrasar (ainda) mais o desfecho do mérito dos autos.
[3] Cfr. Acórdãos do STJ de 05FEV2020, proc. 13097/17.5T8LSB.L1.S1, 20FEV2020, processos 1893/12.4TBSCR.L2.S2 e 6126/15.9T8BRG.G1.S1 e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs.434-436.
[4] Sem prejuízo, ainda, da possibilidade de intervenção do Supremo para aferir, oficiosamente, da suficiência ou coerência da base factual fixada pelas instâncias.
[5] E quanto ao mais, remete-se para o que, em sede de motivação da decisão da matéria de facto, foi vertido a pp 37-37 do acórdão, e que aqui não é despiciendo aludir.
[6] E quanto ao mais, remete-se para o que, em sede de motivação da decisão da matéria de facto, foi vertido a pp 37-37 do acórdão.
[7] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, 1993, p. 17, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2000, Almedina, pp. 416/417.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Sobre cláusulas contratuais gerais nos contratos de seguro, pode ver‑se, designadamente: Almeno de Sá — Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª ed., Almedina, 2001; Arnaldo Filipe Oliveira, Cláusulas Abusivas e o Contrato de Seguro, Comunicação no Congresso Luso‑Hispano de Direito dos Seguros, Lisboa, Novembro 2005; Contratos de Seguro Face ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, in BMJ 448, 1995, pp. 69 e ss.; Dois Exemplos Portuguesas da Resistência Material do Contrato de Seguro ao Direito das Cláusulas Contratuais Gerais, in BMJ 467, 1997, pp. 5 e ss.; Francisco Xavier Tirado Suarez, Cláusulas Abusivas e o Contrato de Seguro, Comunicação no Congresso Luso‑Hispano de Direito dos Seguros, Lisboa, Novembro 2005; François Glansdorff e Roland Hardy — La Protection à l' Égard des Clauses Abusives, cit., pp 491 e ss.; João Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, cit., pp. 146 e ss.; José Carlos Moitinho de Almeida, Cláusulas Abusivas e o Contrato de Seguro, Comunicação no Congresso Luso‑Hispano de Direito dos Seguros, Lisboa, Novembro 2005; Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, Conflitos de Consumo, Almedina, 2006, p. 181; Mário Frota, Registo das Cláusulas Abusivas — o caso português —, in Revista Portuguesa do Direito do Consumo, n.º 45, Março 2006, pp. 13 e ss.; Paula Alves, Comunicação e Informação de Cláusulas Contratuais Gerais — Especificidades do Contrato de Seguro, pp. 31 e ss.; e Pedro Romano Martinez, Conteúdo do Contrato de Seguro e Interpretação das Respectivas Cláusulas, in II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Almedina, 2001, pp. 59 e ss.
[10] O destaque é nosso.
[11] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, pág. 24.
[12] Ob e loc. Cits. – destaque nosso.
[13] Ac. STJ de 15/03/2005, in www.djsi.pt, Ver também Ac. TRL de 07/04/2005, in www.dgsi.pt: "Atento o regime das cláusulas contratuais gerais, devem considerar-se excluídas dos contratos singulares" as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contra­tantes" (art.° 8°, alínea d) do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro). A referida disposição legal não tem a ver com uma inserção temporal da cláusula em momento diverso da assinatura, mas sim com a inserção física da cláusula no contrato depois da assinatura de algum dos contraentes – destaque nosso.
[14] Disponível em www.dgsi.pt
[15] Destaques nossos.
[16] Destaque nosso.
[17] In www.dgsi.pt
[18] Destaque nosso.
[19] In www.dgsi.pt. - destaque nosso.
[20] Cfr., ainda neste sentido, Acórdãos do S.T.J. de 31.05.2005, de 20.03.2007, de 11/9/2007 (Revista 2209/07) e de 3/5/2007 (Revista 1650/06).
[21] In www.dgsi.pt.
[22] Cfr. Acs. do STJ de 13/07/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 9/01/2018 (relator José Rainho) e de 18/02/2021 (relator Oliveira Abreu), todos disponíveis in www.dgs.pt.; na doutrina, JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, (…), p. 334 e MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, Contrato de seguro e conduta dos sujeitos ligados ao risco, Almedina, 2018, p. 36 e ss.
[23] Aliás, o Autor, no seu requerimento de 01.10.2018, refª 30255983, até teve (precisamente) o cuidado de impugnar a letra e assinatura do documento junto à Contestação, titulado “Condições Gerais” e “Condições Especiais”, que consta das páginas 39 a 64 da douta Contestação, pois:
1 – A letra de tal documento não é da autoria do A., nem o mesmo o assinou”.
[24] Cfr. jurisprudência citada. Ver, também, o acórdão da Relação de Lisboa, de 07/04/2005 (proc. nº 2352/2005-8 - Salazar Casanova).
[25] Destaques nossos.