Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
868/10.2TBALR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANO PATRIMONIAL FUTURO
BENEFÍCIO DA ANTECIPAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:

DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/12/2007, PROC. N.º 07A3836
-DE 20/5/2010, PROC. N.º 103/2002.L1.S1
-DE 29/10/2016, PROC. N.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1
Sumário :
I. A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade

II. O dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%.

III. No caso de um jovem com 19 anos de idade à data do acidente, sujeito a quatro cirurgias e 125 sessões de fisioterapia, com alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, ficando afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e incapacidade permanente para a sua profissão habitual, com um quantum doloris de grau 4 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, défice permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 e na actividade sexual de grau 2, sentimentos de tristeza, com isolamento e depressão, carecendo de apoio psicológico, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com uma jurisprudência actualista, seja fixada em € 50.000,00.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, demandou BB - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 250.034,50, bem como indemnização a liquidar referente a retribuições perdidas, devendo ainda pagar os tratamentos que se venham a revelar necessários por agravamento das lesões e da sua incapacidade, decorrentes de acidente de viação da responsabilidade da seguradora.

Após contestação, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar ao A. as quantias de € 13.736,21 a título de danos futuros e de € 20.000,00 a título de danos morais (em ambos os casos com juros desde a data da sentença), bem como as quantias necessárias aos tratamentos do A., a liquidar posteriormente.

Inconformado, o A. apelou, impugnando, desde logo, a decisão proferida em sede de matéria de facto, resultando fixado o seguinte quadro factual:

Da dinâmica do acidente:

2.1.1. No dia 04 de Setembro de 2007, cerca das 19 horas, o A. circulava pela Rua … em …, no sentido A…-C… ou Rua Dr. … para a Estrada de V… B…, vias daquela mesma localidade, conduzindo o motociclo com a matrícula ...-...-FM;

2.1.2. O que fazia na sua mão de trânsito;

2.1.3. No sentido contrário e no mesmo local circulava o CC, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula RS-...-...;

2.1.4. Quando ambos os veículos chegaram ao entroncamento com a Estrada Velha dos Paços, o RS-...-... mudou de direcção para a sua esquerda, atendendo ao sentido de marcha que levava, procurando entrar na Estrada Velha dos Paços;

2.1.5. No entanto, o CC, ao fazer tal manobra, não cedeu passagem ao ...-...-FM, entrando na mão de trânsito contrária e assim obstruindo a passagem do motociclo conduzido pelo A.;

2.1.6. Consequentemente deu-se o embate da frente esquerda do RS-...-... com a frente do ...-...-FM, embate que ocorreu já na mão de trânsito do ...-...-FM;

Das consequências do acidente:


2.1.7. Do embate resultou de imediato para o A. traumatismo crânio encefálico com perda de conhecimento e amnésia para o acidente;

2.1.8. Como consequência directa e necessária do embate e devido ao impacto com a frente do RS-...-... e à posterior queda no chão, o A. sofreu as seguintes lesões:

a)        fractura do colo do fémur, ncop fechada;

b)       fractura das diáfises da tíbia e do peróneo, fechada;

c)       fractura do maléolo medial (tornozelo), fechada;

            tudo com referência ao seu membro inferior esquerdo;

2.1.9. Consequentemente, no dia do acidente o A. foi admitido no serviço de urgência do Hospital Distrital de Santarém, onde foi submetido naquele mesmo dia:

a)      intervenção cirúrgica à fractura do colo do fémur, com osteossíntese daquela fractura;

b)       imobilização do membro inferior esquerdo para tratamento das fracturas mencionadas em 2.1.8., com aplicação de parafusos de fixação;

2.1.10. Para recuperação das lesões e da intervenção a que foi sujeito, o A. ficou internado no Hospital Distrital de Santarém até 26 de Setembro de 2007, data em que, tendo recebido alta hospitalar, saiu daquele hospital;

2.1.11. Posteriormente, em 21/11/2007, veio o A. a ser de novo internado no Hospital Distrital de Santarém, para se proceder a intervenção cirúrgica para remoção de parafuso de fixação do tornozelo esquerdo que lhe tinha sido aplicado aquando do primeiro internamento, tendo saído após aquela intervenção, em 23/11/2007;

2.1.12. Em datas não concretamente apuradas o A. deslocou-se ao Centro de Saúde de F... A... para fazer tratamentos;

2.1.13. O A. foi sujeito a intervenções cirúrgicas em 31/07/2008 e 29/01/2009, para extracção de material de osteossíntese;

2.1.14. Por repercussão das lesões sofridas em consequência do acidente o A. teve de se sujeitar a sessões de fisioterapia, com duas horas de duração entre 14 de Março de 2008 e 24 de Abril de 2009, num total de 125 sessões;

2.1.15. Deslocou-se ainda a exames e consultas médicas, tendo efectuado despesas num total de € 34,05, dado que as deslocações foram quase na sua quase totalidade suportadas pela Ré;

2.1.16. O A. foi seguido nos serviços médicos da Ré, que lhe determinaram o seguinte, quanto a períodos de incapacidade:

ITA/ITP/ % /Período/Nº de dias:


i.       Incapacidade Temporária Absoluta 100% de 04.09.2007 a 27.11.2008; 434 dias;

ii.      Incapacidade Temporária Parcial 20% de 28.11.2008 a 28.01.2009; 60 dias;

iii.       Incapacidade Temporária Absoluta 100% de 29.01.2009 a 23.07.2009, 186 dias;

iv.       Incapacidade Temporária Parcial 30% de 24.07.2009 a 30.03.2010, 246 dias;

2.1.17. Tendo alta, no dia 30.03.2010 com a atribuição de uma incapacidade de 5.91 pontos, mas sem impossibilidade de prestação do trabalho habitual;

2.1.18. Em resultado das lesões sofridas o A. teve um Período de Défice Funcional Temporário Total, situado entre 04/09/2007 e 27/11/2008 e entre 29/01/2009 e 23/07/2009, num total de 627 dias;

2.1.19. E um Período de Défice Funcionário Temporário Parcial situado entre 28/11/2008 e 28/01/2009 e entre 24/07/2009 e 30/03/2010, num total de 312 dias;

2.1.20. Teve igualmente um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total situada entre 04/09/2007 e 27/11/2008 e entre 29/01/2009 e 23/07/2009, num total de 627 dias;

2.1.21. E um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial situado entre 28/11/2008 e 28/01/2009 e entre 24/07/2009 e 30/03/2010 num total de 312 dias;

2.1.22. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30/03/2010;

2.1.23. Sofreu dores que no âmbito médico-legal correspondem a um Quantum Doloris fixável em 4/7;

2.1.24. Sofreu, ainda um Dano Estético Permanente fixável em 4/7;

2.1.25. Em consequência do acidente o A. ficou com um Défice Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 pontos sendo de admitir a existência de danos futuros;

2.1.26. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional impeditivas da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional;

2.1.27. A Repercussão nas Actividade Desportivas e de Lazer é no âmbito médico-legal fixável no grau 3/7;

2.1.28. E a Repercussão na Actividade Sexual é no âmbito médico-legal fixada no grau 2/7;

2.1.29. As sequelas tenderão a agravar-se, com alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha, necessitando de forma permanente de medicação regular, neste caso analgésicos e anti-espasmódicos, e de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, neste caso duas sessões de fisioterapia, três vezes por ano;

2.1.30. O A. viveu com preocupação e angústia a evolução da sua situação clínica, continuando receoso relativamente à possibilidade de agravamento no futuro das sequelas que o afectam. Sentiu também preocupação e sofrimento com a perda do emprego, sendo agora sustentado pela mãe, o que lhe causava complexos em relação ao seu futuro. Sente tristeza e isola-se, padecendo de depressão associada às suas limitações físicas e necessitando de apoio psicológico;

2.1.31. À data do acidente o A. trabalhava como armeiro de segunda para afirma DD, S.A., após renovação sucessiva do seu contrato inicial, que havia já passado a contrato sem termo;

2.1.32. O A. auferia naquela data o vencimento mensal de € 455,40;

2.1.33. Após lhe ter sido dada alta mencionada em 24/07/2009 o A. tentou retomar o trabalho na DD tendo comparecido ao trabalho ainda alguns dias;

2.1.34. A actividade profissional do A. implicava que permanecesse de pé durante toda a jornada de trabalho;

2.1.35. A entidade patronal não tinha outro posto de trabalho que pudesse atribuir ao A. onde ele não tivesse de permanecer em pé todo o dia de trabalho;

2.1.36. Ao trabalhar em pé o A. verificou que tinha dores e cansaço muito fortes na perna esquerda;

2.1.37. Que se iam agravando ao longo do dia de trabalho;

2.1.38. Não conseguindo o A. estar de pé mais de 3 ou 4 horas seguidas;

2.1.39. Em 11 de Agosto de 2009 o A. enviou à sua entidade patronal o escrito de fls. 55, que a mesma recebeu, cujo teor é o seguinte:

“Assunto: Caducidade do contrato de trabalho

Conforme é do conhecimento de V. Exas., encontro-me definitivamente impossibilitado, por incapacidade derivada de acidente, de prestar o meu trabalho a V. Exas. Na verdade, na sequência do acidente de viação ocorrido em 4/9/2007, foi-me dada, em 24/07/2009, alta definitiva pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros para a qual o culpado do acidente transferiu a sua responsabilidade. Fiquei afectado de incapacidade permanente que para grande desgosto meu me impede de prestar o meu trabalho a V. Exas. De facto verifico que não reúno as condições físicas mínimas que me permitam continuar a ocupar o meu posto de trabalho, que desejaria a todo o custo manter, tendo V. Exas constatado que não existe outro posto de trabalho que me possam atribuir.

Verifica-se assim a cessação automática do meu contrato de trabalho por caducidade ocorrida em 28/7/2009, nos termos do art. 343.º b) do Código de Trabalho sem necessidade de qualquer denúncia, comunicação ou pré-aviso de V. Exas ou da minha parte)”;

2.1.40. Após a data em que deixou de trabalhar na DD o A. tirou um curso de informática e realizou um estágio remunerado pelo Instituto de Emprego, numa empresa do ramo;

2.1.41. Em Janeiro de 2009 o vencimento mensal do A. era € 469,06;

2.1.42. Entre 04/09/2007 e 27/11/2008 o A. não auferiu qualquer remuneração (14 meses e 19 dias);

2.1.43. Entre 29/01/2009 e 23/07/2009 o A. não recebeu igualmente qualquer remuneração (5 meses e 24 dias);

2.1.44. A Ré pagou ao A. as seguintes quantias:

   em 15/02/2008 a quantia de € 1.755,60 a título de adiantamento salarial de 09/09/2007 a 31/01/2008 como adiantamento por conta da indemnização final;

    em 23/07/2008 a quantia de € 2.153,73 a título de adiantamento salarial de 01/02 a 31/07/2008 e despesas apresentadas tudo por conta da indemnização final;

      em 23/07/2008 a quantia de €2,90 como adiantamento por conta da indemnização final;

             Da responsabilidade:

  2.1.45. À data do acidente, a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula RS-...-... encontrava-se assumida pela Ré BB – Companhia de Seguros S.A., por contrato de seguro do ramo “Automóvel” titulado pela Apólice nº 00…;

2.1.46. A Ré, em 18/10/2007, remeteu aos pais do A. a carta junta como documento 20 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde pode ler-se: “Assunto: acidente de viação em 04/09/07; Reportamo-nos ao acidente em epígrafe e servimo-nos deste meio para informar que assumimos a responsabilidade; deste modo agradecemos que logo que a situação clínica do filho de V. Ex.ªs o permita nos contactem para efeitos de marcação de uma consulta nos nossos serviços clínicos para exame e tratamento. Entretanto anexamos recibo de indemnização parcial relativamente aos objectos comunicados no valor acordado com o perito de EUR 170,00, o qual depois de legalizado deve ser apresentado à cobrança nos nossos serviços”,

                Outros factos com interesse para a decisão da causa:

 2.1.47. À data do acidente o A. tinha 19 anos de idade (nasceu a 28.07.1988);

 2.1.48. Actualmente o A. é ajudado economicamente pela mãe e por um irmão;

 2.1.49. A fs. 143 e com data de 29 de Novembro de 2011, o A. veio dar conhecimento que recebeu da Ré a quantia de € 10.000,00 a título de adiantamento por conta da indemnização a receber a final.



2. Passando a apreciar as questões jurídicas suscitadas, considerou a Relação no acórdão recorrido:

       1.ª Questão: Da indemnização por perda de ganho

     Relativamente ao cálculo dos danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de ganho, o tribunal deverá considerar a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, o prazo de vida previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis. Acima de tudo, há que reconstituir a situação que existiria não fora o acto danoso, e a indemnização terá de ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos - arts. 562.º e 566.º n.º 2 do Código Civil.

E se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente entro dos limites que tiver provados – n.º 3 deste art. 566.º.

Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2009, no Proc. 381-2002-S1, disponível em www.dgsi.pt, «a indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes da IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre, de modo a alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas.»

Socorrendo-nos da tabela utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007, no Proc. 07A3836, igualmente adoptada no Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2014, no Proc. 227/09.0TBRSD.P1, ambos publicados na referida base de dados, e ponderando um tempo provável de vida do A., de 75 anos (logo, com 54 anos de vida provável após o despedimento), uma perda inicial de rendimentos anuais de € 459,68 (€ 6.566,84 x 0,07) e aplicando a fórmula C = [(1 + 0,243%)54 - 1 : (1+0,243%)54 x 0,243%] x € 459,68, obtém-se o resultado de € 23.236,65.

Quanto a uma eventual dedução por entrega imediata do capital, entende-se não dever ter lugar neste caso concreto: o A. perdeu o emprego em Agosto de 2009 e os juros só foram concedidos desde a data de prolação da sentença em Janeiro de 2016, pelo que não se pode afirmar ocorrer alguma forma de enriquecimento ilícito, muito pelo contrário. Tanto mais que ocorre outro factor de agravamento da situação do A.: dadas as lesões na perna esquerda, não consegue estar de pé mais de 3 ou 4 horas seguidas, estando impedido de exercer a sua actividade profissional habitual e sendo actualmente ajudado economicamente pela mãe e por um irmão. O que tudo justifica a elevação do resultado obtido através da fórmula supra em pelo menos 40%.

De todo o modo, o que releva são os critérios de equidade, uma vez que estamos perante meras estimativas – art. 566.º n.º 3 do Código Civil. Tanto mais que as tabelas nos concedem «um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas», como refere o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2009 supra citado, pelo que, equitativamente, se considera justo e adequado valorizar este dano em € 35.000,00.

Porém, a este título o A. peticiona nas suas alegações apenas € 29.208,63, pelo que a ela nos cingiremos, em obediência ao princípio da limitação do pedido.

Deduzindo o saldo sobrante já recebido pelo A. da Ré, de € 4.246,89 (ponto 2.1.49 da matéria de facto), obtém-se a quantia final de € 24.961,74 que se peticiona, pelo que esta parte do recurso merece provimento.

2.ª Questão: Da indemnização por danos não patrimoniais

A este propósito, e tendo em atenção serem aplicáveis critérios de equidade, como previsto no art. 496.º n.º 3, primeira parte, do Código Civil, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça :

•       Acórdão de 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1: jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00;

•      Acórdão de 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1: jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos; incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00;

•      Acórdão de 26.01.2016, no Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1: jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 45.000,00;

•      Acórdão de 28.01.2016, no Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1: quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação, dano estético de grau 4 – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00; e,

•       Acórdão de 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1: jovem de 22 anos de idade, défice funcional permanente de 8%, quantum doloris de grau 4, sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, dano estético de grau 3, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 e diversas sequelas psicológicas – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00.

No caso, sabemos que o acidente ocorreu quando o A. tinha 19 anos de idade, sendo sujeito a quatro cirurgias, a 125 sessões de fisioterapia e tendo alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, com 627 dias de incapacidade temporária absoluta e 312 de incapacidade temporária parcial. Ficou afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e a incapacidade permanente para a sua profissão habitual. O quantum doloris foi de grau 4 (numa escala de 1 a 7), o dano estético é igualmente de grau 4, o défice permanente de integridade físico-psíquica é de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 e na actividade sexual de grau 2. Por outro lado, o A. ficou dependente economicamente da mãe e de um irmão, o que lhe causa complexos (naturais), sente tristeza, isola-se e padece de depressão, carecendo de apoio psicológico.

Ponderando os estalões indemnizatórios supra referidos, notando que o caso dos autos tem alguns parâmetros mais graves que o decidido no Acórdão de 07.04.2016 supra citado – o A. é mais jovem, ficou incapacitado para a sua profissão habitual e o dano estético e a repercussão nas actividades desportivas é mais grave – e não olvidando os seis anos decorridos desde a propositura da causa, entendemos equitativa a indemnização de € 50.000,00 peticionada a este título pelo Recorrente, pelo que também aqui se concede provimento ao recurso.

DECISÃO

Destarte, concede-se provimento ao recurso, alterando-se as als. a) e b) do dispositivo da sentença nos termos que seguem:

a)       a indemnização ainda a pagar pela Ré, a título de danos patrimoniais futuros, fixa-se em € 24.961,74;

b)    a indemnização a pagar pela Ré a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, fixa-se em € 50.000,00.

No mais se mantém a decisão recorrida – taxa e tempo de contagem dos juros devidos por estes valores, bem como a condenação no pagamento dos tratamentos ainda necessários, constante da al. c) daquele dispositivo.


3. Inconformada, interpôs a seguradora demandada a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela relação de Évora que decidiu condenar a Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de:

a)     24.961,74€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros; e

b)    50.000,00€, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

2.   Entende a Apelante que a Relação a quo andou mal na determinação do valor devido a título pelos danos patrimoniais futuros por considerar que não deve ser efectuada qualquer dedução por entrega imediata do capital;

3.      Com efeito, de acordo a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 25.11.2009, em Acórdão que veio complementar a jurisprudência/tabela utilizada no Acórdão daquele mesmo Tribunal em 04.12.2007, "XIX - Após determinação do capital, há que proceder ao "desconto", "dedução" ou "acerto" porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% (realce nosso)";

4.     Impõe-se, pois, a subtracção do benefício decorrente da recepção antecipada do valor de indemnização, sob pena de o sistema legal compactuar com um enriquecimento sem causa do lesado à custa de outrem;

5.    O entendimento de que se impõe uma dedução pelo pagamento antecipado do valor de indemnização tem vindo a ser amplamente adoptado pela jurisprudência nacional, nesse sentido vejam-se, entre outros: Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 04.10.2010 (Processo n.º 307/05.0TAGMR.G1.S1); Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 02.12.2010 (Processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1); Supremo Tribunal de Justiça, de 19.04.2012 (Processo n.º 3046/09.0TBFIG.S1); Ac. da Relação de Lisboa, de 28.06.2012 (Processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2); e Ac. da Relação do Porto, de 23.10.2014 (Processo n.º 148/12.9TBVLP.P1).

6.     Entende, assim, a Recorrente que, ao decidir nos termos em que o fez, a Relação violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, e ainda o disposto no artigo 473.º, do mesmo Código, colocando o Autor numa situação patrimonial desproporcionalmente mais favorável, atribuindo-lhe um enriquecimento injustificado;

7.   Assim, à quantia de 23.236,65 €, correspondente ao resultado obtido pela aplicação da fórmula C=[(l-,243%)54 -l:(l+0,243%)54x0,243%]x459,64€, deverá ser aplicada uma dedução de 20% por entrega imediata do capital e, ainda, do montante já recebido no valor de 4.246,89€, perfazendo o total de 14.342,43;

8.    A Apelante não pode, igualmente, deixar de discordar da decisão na parte em que procede à correcção, através da utilização de critérios de equidade, do montante obtido pela aplicação da fórmula, de 23.236,65€, para chegar a um valor 50% superior, de 35.000,00€, na medida em que o resultado apurado contabiliza, desde já, o agravamento pela circunstância de o autor ter ficado em situação de "absoluta incapacidade de exercer a [sua] profissão" e não opera qualquer dedução pela entrega imediata da indemnização;

9.    Pelo que entende a Recorrente que atribuir - ainda! - uma majoração de 50% é ir ao encontro da arbitrariedade e não da equidade;

10.    Discorda-se, pois, da conclusão da Relação de que o montante apurado deve ser corrigido por critérios de equidade;

11.        Finalmente, entende a Recorrente que também a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais peca por excesso, sendo violadora dos critérios fixados no art.º 496.º do CC;

12.       E não se encontrando em conformidade com a tendência jurisprudencial portuguesa, nomeadamente as decisões proferidas nos: Ac. da Relação do Porto, de 24.04.2012 (Processo n.º 2094/10.1TBSTS.P1); Ac. da Relação do Porto, de 27.09.2016 (Processo n.º 791/09.3TBVCD.P1); Ac. da Relação de Lisboa, de 06.11.2013 (Processo n.º 589/10.6TVLSB.L1-8); Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.01.2008 (Processo n.º 07A4338); Ac. da Relação de Coimbra de 26.01.2016 (Processo n.º 309/11.8TBVZL.C1); Ac. do STJ de a 19.02.2015 (Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1); Ac. Relação do Porto, de 09.12.2014 (Processo n.º 1494/12.7TBSTS.P1) e Ac. da Relação de Lisboa de 28.06.2012 (Processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2);

13.     Por tudo o exposto, deve ser revogada a decisão sub judice e substituída por outra que absolva a Réu do pedido;

Com o que, concedendo provimento ao recurso, e declarando o Tribunal a quo competente para apreciação do litígio em causa, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!


O recorrido contra alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido e formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:

1.        A indemnização atribuída no acórdão recorrido a título de ressarcimento de danos patrimoniais futuros não deverá ser sujeita a qualquer dedução porque a fórmula matemática aplicada para o seu cálculo (com base nos Acórdãos do STJ de 4/12/2007, Proc. 07A3836 e de 05/05/1994 in CJSTJ, II, tomo II, 86) representa um capital que se extinguirá ao fim da vida do ora Recorrido e que será susceptível de garantir, durante ela, os rendimentos perdidos ao longo dos anos, sendo que da aplicação daquela fórmula e das de tabelas financeiras como a da Portaria 377/2008, de 26/5, já resulta uma dedução ao capital a atribuir atendendo à taxa de juro aplicável, não fazendo sentido proceder-se a uma segunda dedução como pretende a Recorrente.

2.        Acrescendo que aquela fórmula não contempla a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções salariais por progressão na carreira que o Recorrido pudesse vir a ter, o que levaria mesmo a um aumento do valor daquela indemnização (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 04/04/1995, in CJ, ano XX 1995, tomo II, pág. 23).

3.     Não se deve ainda proceder a qualquer desconto decorrente do imediato recebimento do capital, porquanto também não é possível fazer uma adequada previsão sobre qual a evolução da remuneração do lesado, para mais um jovem com a vida à sua frente, num longo período de vida activa (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 05-03-2013, Proc. 1556/07.2TBAGD.CI, disponível em www.dgsi.pt).

4.    Mesmo que se entendesse que se deveria proceder à dedução defendida pela Recorrente (o que por mera hipótese e sem conceder se admite), sempre se dirá que ela nunca poderia corresponder a 20% do capital atribuído mas quanto muito apenas a 1,5%, tal como já se entendeu neste Supremo Tribunal atendendo a «que, na actualidade, são baixos os valores das remunerações resultantes do capital» (cfr. Acórdão proferido no Proc. 1893/14.0TBVNG.P1.S1 em 19-10-2016, disponível em www.dgsi.pt).

5.    Não seria ainda equitativo proceder a tal dedução atendendo às circunstâncias do caso concreto: o Recorrido perdeu o emprego em Agosto de 2009 e os juros só foram concedidos desde a data de prolação da sentença em Janeiro de 2016, pelo que não se pode afirmar ocorrer alguma forma de enriquecimento ilícito, muito pelo contrário.

6.     É manifesto que os danos patrimoniais futuros sofridos pelo Recorrido são mais graves do que uma simples incapacidade permanente parcial, trata-se aqui de uma incapacidade permanente absoluta para a prática da profissão habitual, embora com possibilidade de reconversão para outras profissões dentro da sua área de formação técnico-profissional, pelo que se mostra absolutamente justificada, contrariamente ao alegado pela Recorrente, a majoração da indemnização em 50% operada pelo acórdão recorrido em confirmação do já decidido na 1 .ª Instância (decisão da 1 .ª Instância com a qual a Recorrente então se conformou). Confiram-se em tal matéria e no mesmo sentido o acórdão da Relação de Coimbra de 03/02/2010, publicado em www.dgsi.pt (Proc. 276/03.1GBOBR.C1) e o art. 7.º,3 da Portaria 377/2008, de 26/5 como exemplos da indispensável majoração da indemnização por comparação com a calculada para quem ficou a padecer apenas de uma incapacidade permanente parcial.

7.      Não se mostra de forma alguma excessiva a indemnização atribuída no douto acórdão recorrido ao lesado a título de reparação dos graves danos não patrimoniais por ele sofridos, face à extrema gravidade deles, danos esses elencados no acórdão ora em causa (penúltimo parágrafo da respectiva pág. 18). Que a atribuição de tal soma (50.000€) não é contrária à «tendência jurisprudencial portuguesa» resulta da análise dos seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, todos eles relativos a jovens lesados como o Recorrido e todos publicados em www.dgsi.pt:

a)            de 4/9/2016, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1;

b)            de 21/1/2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1;

c)            de 26/1/2016, Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1;

d)            de 28/1/2016, Proc. 7793/09.8TOSNT.L1.S1;

e)            de 7/4/2016, Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1;

e ainda do acórdão do STJ, 2.ª Secção, Proc. 198/06TBPMS.C1.S1, datado de 24-04--2013, também publicado em www.dgsi.pt;

8.    sendo ainda que todos os acórdãos citados pela Recorrente em apoio da sua tese se referem a situações de menor gravidade por não envolverem, contrariamente ao presente, perda do posto de trabalho e incapacidade permanente para a profissão habitual e por em pelos menos 3 casos os lesados terem idade muito superior à que o Recorrido tinha aquando do acidente,

9.        O Acórdão recorrido não violou pois, contrariamente ao alegado pela Recorrente, qualquer disposição legal e nomeadamente os arts. 473.º; 483.º, 1; 496.º, 562.º e 566.º, 1 e 2 do Código Civil.

10.       Pelo alegado, deverá manter-se integralmente a decisão constante do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo que concedeu provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrido, julgando-se improcedente a Revista, com o que se fará a merecida


JUSTIÇA!


4. Começa a recorrente por se insurgir contra o arbitramento de indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante peticionado pelo recorrente - €29.208,63,- questionando fundamentalmente a circunstância de o acórdão recorrido não ter procedido ao desconto do benefício da antecipação pelo imediato recebimento do montante global da indemnização, sustentando a aplicação de uma taxa de redução de 20%, discordando ainda do apelo feito pelas instâncias a critérios ou juízos de equidade, que completem ou corrijam a aplicação mecânica e formal das tabelas financeiras correntemente usadas (notando-se que a majoração que a Relação entendeu que seria justa e adequada à integral compensação dos danos, face à particularidade do caso sub juditio, acabou por se não projectar inteiramente no montante arbitrado, por se ter feito funcionar o princípio dispositivo).

Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase absolutamente inicial da sua vida profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas – envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são, em bom rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios, possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)

Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.


Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro que à época se balizava em 3%.

Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização ( e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).

Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.



Valorando adequadamente os dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido pela Relação, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas na remuneração à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado à lesada, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade que obviamente não podem deixar de ter um papel decisivo no alcance da justiça do caso concreto.

Não está em causa o princípio de que o benefício da antecipação deve ser ponderado no valor indemnizatório arbitrado, de modo a valorar a vantagem e as prováveis potencialidades de ganho para o lesado que decorrem do imediato recebimento do valor global dos danos futuros: porém, essa regra ou princípio geral – cuja razoabilidade e justificabilidade genérica  é óbvia e inquestionada - pode e deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar.

Foi precisamente isto que ocorreu no caso concreto, entendendo o acórdão recorrido, em aplicação de critérios equitativos, que a particular onerosidade dos danos patrimoniais futuros, inelutavelmente decorrentes das sequelas gravosas das lesões decorrentes do acidente – implicando o impedimento para o exercício da actividade profissional habitual e a perda do emprego exercido à data do acidente, exigindo uma problemática reconversão profissional (até agora não conseguida, já que o lesado carece da ajuda económica da mãe) – justificavam alguma ampliação do valor pecuniário estritamente resultante das tabelas financeiras (de cerca de €6.500) e deviam anular ou compensar o referido benefício da antecipação.

Note-se que, no caso dos autos, o défice de integridade física de 7 pontos, implicou uma impossibilidade de o A. exercer a sua actividade profissional habitual, revelando-se incompatível com actividades que exigissem esforços físicos ou a permanência de pé durante a jornada de trabalho, determinado a caducidade, por esse motivo, da relação laboral por ele mantida à data do acidente e exigindo um esforço de reconversão profissional para actividades compatíveis com as limitações de que passou a padecer.

Por outro lado – e como decorre da matéria de facto - tais sequelas tenderão a agravar-se de forma relevante, o que naturalmente não deixará de se projectar desfavoravelmente nas capacidades laborais futuras do lesado e nas oportunidades profissionais ao longo da sua vida.

Ora, perante este quadro global, não se vê razão para pôr em causa o critério seguido pela Relação, ao fixar equitativamente as prováveis perdas salariais, durante a integral vida profissional do lesado, partindo de valores próximos do salário mínimo, nos referidos €29.208,63 – e considerando compensada com a onerosidade de tais danos futuros, face à especificidade do caso concreto, o referido benefício da antecipação.

Saliente-se ainda que o dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico existente e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - aderindo-se inteiramente ao decidido nesta mesma Secção, no Ac de 29/10/16., proferido no P. 1893/14.0TBVNG.P1.S1, em que se decidiu que:

Constitui um facto do domínio público e, por conseguinte, facto notório (artigo 412º nº 1 do Código de Processo Civil) que na actualidade são baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital.

Esta realidade, que não pode deixar de ser considerada, leva a que se tenha como excessiva a dedução, no caso presente, do equivalente à aplicação de uma taxa de 10% ao capital que constitui a indemnização por danos futuros. Uma tal dedução revelar-se-ia altamente penalizadora para o lesado e desfasada do contexto actualmente vivido.

Consideramos, por conseguinte, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora AA a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%, (…)

Considera-se, pois, pelas razões apontadas e face às particularidades do caso concreto, que o acórdão recorrido, ao quantificar os danos patrimoniais futuros no montante que arbitrou, não violou qualquer norma ou princípio legal.


5. Discorda ainda a seguradora /recorrente da valoração dos danos não patrimoniais, considerando excessivo o montante de €50.000 arbitrado a tal título no acórdão recorrido – e em que os juízos de equidade funcionam naturalmente como critério ou elemento decisivo.

Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade.

Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.

Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro fundamental:

- existência em lesado jovem, de 19 anos de idade, de múltiplos traumatismos e fracturas em consequência do acidente: traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento e amnésia e fracturas múltiplas do membro inferior esquerdo, incluindo fractura do colo do fémur;

- sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento , referenciadas no ponto 2.1.30 da matéria de facto

- internamentos hospitalares para sujeição a várias intervenções cirúrgicas, entre 2007 e 2009 e necessidade de contínuos tratamentos e sessões de fisioterapia, com os períodos de prolongada incapacidade referenciados no ponto 2.1.16 da matéria de facto;

- ficou o lesado com um défice permanente de integridade físico psíquica de 7 pontos, sendo de admitir a existência de provável agravamento das sequelas, com prejuízo das actividades que impliquem permanência de pé ; e um quantum doloris de 4 pontos em 7 , dano estético de 4 pontos em 7, com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável no grau 3 em 7 e na actividade sexual em grau 2 em 7.


Ora, ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, conduzindo frequentemente a valores indemnizatórios da ordem dos €40.000/50.000 (importando notar que, em alguns arestos, o valor indemnizatório arbitrado era questionado apenas pela seguradora/ recorrente, pelo que estava fora do objecto do recurso qualquer ampliação do montante fixado na Relação).

Em suma, seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €50.000, num caso que – estando embora longe das situações que têm levado ao estabelecimento de montantes indemnizatórios na ordem dos €150.000 (implicando situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado) – implica uma onerosidade e gravidade objectiva e subjectiva (pela extensão e multiplicidade das lesões, físicas, psíquicas e pelo seu reflexo profundamente adverso e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida de sinistrado jovem) que não justifica qualquer redução do valor indemnizatório arbitrado.


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o decidido no acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 25 de Maio de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra