Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
313/18.5T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
CONCORRÊNCIA DE CULPA E RISCO
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO LESADO
CULPA EXCLUSIVA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Deve seguir-se a orientação jurisprudencial do STJ quanto à interpretação actualista do art. 505.º do CC, no sentido de acolher a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo automóvel.

II - Porém, admissibilidade da concorrência não é automática só porque o interveniente no acidente tenha sido um veículo, exigindo-se um juízo de adequação sobre a imputação objectiva do acidente.

III - Provando-se a culpa exclusiva do lesado na produção do acidente e não se verificando qualquer contribuição causalmente adequada proveniente dos riscos próprios do veículo, fica afastada a possibilidade de ponderar a concorrência entre a culpa do lesado e o risco do veículo interveniente no acidente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO


1.1.- AA, por si e na qualidade de herdeiro da herança aberta e aceite por óbito de BB e também na qualidade de representante legal do herdeiro menor CC, propôs a presente ação declarativa comum contra

Ascendi Norte – Auto-Estradas do Norte, S.A.

Vibeiras Sociedade Comercial de Plantas, S.A.

Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.

AIG – Europe (por intervenção principal).

Alegou, em resumo:

No dia ... de Outubro de 2015, pelas 8.30 horas, na A... ocorreu um acidente de viação por colisão entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..-FR-.., conduzido por BB, e o veículo automóvel de mercadorias ..-NM-.., conduzido por um funcionário da Ascendi.

Em consequência da colisão, faleceu CC, esposa de AA e mãe de CC.

A responsabilidade do acidente é do condutor do ..-NM-.., pois estava parado na berma, mas a ocupar parte da faixa de rodagem, em que ambos seguiam (sentido G...- F...) e sem sinalização.

A Ré Ascendi é responsável pelo estado do piso (constituído por pisos diferentes).

Em consequência do falecimento de BB, o Autor marido e o autor filho sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediram a condenação das 1ª e 2ª Rés solidariamente, e da 3ª Ré subsidiariamente relativamente ao valor a pagar pela 2ª Ré, nos seguintes pagamentos:

(1) € 80.000,00 (oitenta mil euros) ao autor menor, CC, a título de indemnização pela perda do direito à vida da sua mãe;

(2) € 10.000,00 (dez mil euros) ao autor menor, CC, a título de indemnização pelo sofrimento que precedeu a morte da sua mãe;

(3) € 60.000,00 (sessenta mil euros) ao autor menor, CC, a título de indemnização pelo desgosto e sofrimento moral resultante da perda da sua mãe;

(4) € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ao autor menor, CC, a título de indemnização pela perda dos salários futuros (danos patrimoniais na categoria de lucros cessantes) de sua mãe;

(5) € 50.000,00 (cinquenta mil euros) ao autor marido, AA, a título de indemnização pela perda do direito à vida da sua mulher;

(6) € 5.000,00 (cinco mil euros) ao autor marido, AA, a título de indemnização pelo sofrimento que precedeu a morte da sua mulher;

(7) € 40.000,00 (quarenta mil euros) ao autor marido, AA, a título de indemnização pelo desgosto e sofrimento moral resultante da perda da sua mulher;

(8) € 300.000,00 (trezentos mil euros) ao autor marido, AA, a título de indemnização pela perda dos salários futuros de sua mulher (danos patrimoniais na categoria de lucros cessantes);

(9) Juros moratórios contados desde a data da citação até ao integral pagamento.

1.2. – As Rés contestaram.

A Ré “Vibeiras” defendeu-se por excepção, ao arguir a ilegitimidade passiva, dado que a indemnização peticionada se contém nos limites do seguro obrigatório de responsabilidade que celebrou com a Fidelidade, e por impugnação, imputando à condutora do FR a responsabilidade do acidente.

A Ré “Fidelidade” defendeu-se por impugnação.

A Ré “Ascendi” defendeu-se por impugnação e suscitou o incidente de intervenção principal provocada da seguradora “AIG – Europe” para a qual, por contrato de seguro entre ambas celebrado, transferiu a responsabilidade civil por danos da natureza dos invocados na presente acção.

Admitido o incidente de intervenção da “AIG”, esta contestou impugnando os fundamentos do pedido.

1.3. – No saneador foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade passiva Ré “Vibeiras”.

1.4. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés dos pedidos.

1.5. – Os Autores recorreram de apelação e a Relação, por acórdão de 10/7/2023, confirmou a sentença.

1.6. – Os Autores interpuseram recurso de revista excepcional com as seguintes conclusões:

1)A concorrência entre a culpa do lesado e do risco exige da jurisprudência superior uma maior determinação e estabelecimento de critérios mais apurados em situações, porque quer na doutrina, quer na jurisprudência nacional as opiniões dividem-se tal como doutamente se mencionou nas presente alegações e conclusões que aqui, por uma questão de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas.

2) Nos termos do disposto no artigo 672 nº 2 alínea b) do CPC, considera-se que esta questão da questão da concorrência entre culpa do lesado e risco no âmbito de acidentes rodoviários é altamente relevante em termos sociais dado o facto de Portugal ser um dos país com maior sinistralidade rodoviária na qual, com não pouca frequência, às questões próprias da dinâmica do acidente se associam questões decorrentes de riscos repartidos entre as condutas dos condutores e/ou peões e as condições das vias rodoviárias ou o seu excesso de tráfego rodoviário e, no caso sub judice, ainda mais, já que a morte da falecida deixou os recorrentes AA. em enormes dificuldades económicas e com um filho traumatizada por educar.

3) Assim, consideramos observado o disposto no artigo 672 nº 1 e 2 alíneas a) e b) do C.P.C, e entendemos que a melhor aplicação do direito é a que, no confronto da aplicação entre os artigos 505.° e 570.° do Código Civil considera que não se deve preconizar um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo FR, apenas pela circunstância de ter ocorrido uma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente, devendo, no caso sub judice ser atribuída culpa repartida ao condutor do veículo NM.

4) Porém, caso assim não se entenda, consideramos igualmente observado o disposto no artigo 672.°, n.° 1, alínea c) do C.P.C, na medida em que existe um contradição entre o teor do acórdão do S.T.J., proferido no âmbito do processo n.° 2929/18.4T8AVR.P1.S1, de 22/06/2021 in www.dgsi.pt cuja cópia se junta, na parte supra citada no ponto 3 das alegações deste recurso de revista excepcional e o teor do penúltimo parágrafo do acórdão recorrido do Tribunal da Relação no qual se refere que foi a conduta da lesada que quebrou “o nexo de causalidade entre quaisquer riscos próprios dos veículos e os danos, pelo que a descrita atuação culposa da mesma leva à exclusão da responsabilidade pelo risco de qualquer dos condutores dos veículos”.

5) O acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente dos artigos 503. ° e 505.° do Código Civil.

6) Em primeiro lugar, porque perante a factualidade assente, a solução jurídica é da sua integração na responsabilidade pelo risco, com consequente obrigação de indemnizar pelas RR. recorridas, inexistindo qualquer contribuição do lesado para o resultado, já que, como se evidenciou, não se sabendo da velocidade a que se locomovia a vítima FR, não podia o Tribunal tomar por exclusiva toda a culpa no acidente.

7) E ainda que assim se não entenda, está em causa a abordagem da controversa questão da possível concorrência entre a culpa do lesado e os riscos próprios da viatura na produção do evento, que tem merecido diferentes respostas ao nível doutrinal e jurisprudencial ao longo dos anos e que merece a apreciação deste Alto Tribunal.

8) Se, por um lado, a doutrina e jurisprudência tradicionais têm vindo a acolher a tese de que a existência de culpa do lesado exclui, em absoluto, a aplicação das regras de responsabilidade civil objetiva ou pelo risco, a verdade é que uma corrente progressista ou actualista tem-se inclinado, recentemente, no sentido de acolher a interpretação segundo a qual o artigo 505.° do Código Civil consagra a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo.

9) No caso concreto, dúvidas inexistem que os riscos próprios do veículo automóvel contribuíram de forma decisiva para a ocorrência do evento danoso, pois que, o que vem dado por provado, no dia chovia o piso estava húmido, derrapou e embateu no veículo NM que não devia lá estar, porque se não estivesse parado na berma da autoestrada duvida subsistem se a vítima teria morrida.

10) O Tribunal a quo olvidou uma interpretação mais progressista e actualista dos artigos 503.°, 505.° do Código Civil, a jurisprudência do TJUE das Directivas comunitárias, da doutrina e da jurisprudência, decidindo em sentido incompatível.

11) De acordo com uma interpretação correta e actual do artigo 505 do Código Civil, sempre, em último caso, ao apuramento concursal das causas do dano à norma da repartição do dano (570 do Código Civil).

12) Deve o acórdão recorrido ser revogado estabelecendo-se a partilha da culpa do acidente ao condutor do veículo NM por ser essa a que melhor se coaduna com a interpretação conjunta dos artigos 505 e 570 do Código Civil.

1.7.- A recorrida Fidelidade Companhia de Seguros SA contra-alegou defendendo a inadmissibilidade da revista e, no mais, a confirmação do acórdão recorrido.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso

A questão submetida a revista, delimitada pelas conclusões, consiste em saber se a responsabilidade pelo acidente de viação deve ser exclusivamente imputada à condutora do veículo automóvel ..-FR-.. ou repartida entre a culpa da condutora do FR e o risco próprio do veículo ..-NM-...

2.2. – Os factos provados (descritos no acórdão)

1. No dia... de Outubro de 2015, cerca das 8:30, ao km ...30 da A..., na freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação que consistiu na colisão do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-FR-.., conduzido por BB, no veículo automóvel de mercadorias de matrícula ..-NM-.., usado pela empresa VIBEIRAS – SOC. COMERCIAL PLANTAS, S.A., conduzido por DD, funcionário da empresa da “VIBEIRAS” que tem como função a manutenção dos espaços verdes da referida via (artigos 2º, 3º e 6º da p.i.).

2. O veículo automóvel de matrícula ..-NM-.. encontrava-se entregue à empresa VIBEIRAS por contrato de Leasing celebrado com A..., SA. (artigo 7º da p.i.).

3. No momento do sinistro, o ..-NM-.. encontrava-se imobilizado na berma direita do ramo C do nó de ..., atento o sentido de trânsito G... - F..., a auxiliar um terceiro veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., propriedade de EE e conduzido por FF que momentos antes, pelas 8:15, se havia despistado junto ao mesmo local (artigos 3º a 5º e 8º da p.i., 6º da contestação da Fidelidade e 14º da contestação da Ascendi).

4. O veículo ..-NM-.. ostentava, no momento do sinistro, sinalização luminosa na sua parte traseira e no tejadilho, assinalando a sua presença no local (artigo 14º da contestação da Ascendi).

5. O funcionário da 2ª Ré, GG, ocupante do veículo ..-NM-.., dirigiu-se para o início do ramo C do nó de ..., situado a mais de cem metros distante do local onde o NM estava imobilizado, e realizou com raquetes sinalizadoras, na berma direita, movimentos com os braços no ar com vista ao abrandamento do trânsito que se aproximava do local onde se encontrava parado o ..-NM-.. (artigos 9º e 23º da p.i. e 10º da contestação da Fidelidade).

6. BB tripulava o ..-FR-.. pela A... no sentido de marcha G...- F... e, ao chegar ao nó de ..., virou à sua direita para o ramo C que dá acesso à A..., ... e ... (artigos 19º da p.i. e 10º da contestação da Fidelidade).

7. A ramo C da autoestrada, no local e na ocasião do acidente, apresentava uma curva para a direita, em que a visibilidade era limitada pelo ângulo da curvatura e pelo porte desenvolvido dos arbustos que se encontravam no terreno confinante com a berma direita da autoestrada (artigo 12º da p.i.).

8. O piso da autoestrada encontrava-se molhado e escorregadio por haver chovido (artigos 14º da p.i. e 12º da contestação da Ascendi).

9. Devido à velocidade a que circulava em aproximação ao local onde se encontrava parado o ..-NM-.. e ao estado molhado e escorregadio do pavimento, o veículo ..-FR-.. conduzido por BB despistou-se (artigo 8º da contestação da Fidelidade).

10. Derrapando e indo embater com as partes da frente e lateral esquerdas do ..-FR-.. na traseira do veículo de matrícula ..-NM-.. quando este se encontrava parado na berma direita, empurrando-o para a frente mais de 7 metros (artigos 13º da p.i., 7º da contestação da Fidelidade e 10º da contestação da Ascendi).

11. No local onde se deu o acidente em apreço nos presentes autos ocorreram anteriormente outros acidentes (artigos 12º da p.i. e 9º da contestação da Fidelidade).

12. No local do acidente, o piso da estrada era constituído por dois tipos de pisos diferentes, um mais antigo e outro mais recente (artigo 49º da p.i.).

13. As diligências efetuadas pela Ré Ascendi no local do acidente ocorreram com um intervalo de minutos (artigo 90º da p.i.).

14. A morte de BB foi causada pelas lesões traumáticas crânio-torácicas e abdominais sofridas com embate do veículo automóvel ..-FR-.. no veículo ..-NM-.. (artigo 11º da p.i.).

15. A Ascendi efetua patrulhamentos pelos seus funcionários, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano (artigo 28º da contestação da Ascendi).

16. A R. Ascendi obrigou-se a, em condições normais, efetuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem (artigo 31º da contestação da Ascendi).

17. Os patrulhamentos da R. passaram no local do sinistro cerca das 6:12, não se verificando, nessa ocasião, qualquer problema na autoestrada (artigos 33º e 34º da contestação da Ascendi).

18. BB amava o marido e o filho, sendo uma mãe dedicada (artigo 28º da p.i.).

19. BB era trabalhadora, bem-humorada, próxima dos amigos e disponível, contribuindo com o seu trabalho para o sustento da família (artigos 30º e 31º da p.i.).

20. BB era uma pessoa saudável, não sofrendo de doenças e com boa compleição física (artigo 32º da p.i.).

21. BB amava a vida, gostava de viajar e era estimada por amigos e colegas (artigo 33º da p.i.).

22. Após o acidente, BB permaneceu viva durante alguns minutos, sofrendo nesse lapso de tempo dores físicas, angústia e desespero, apercebendo-se que ia morrer (artigos 34º e 35º da p.i.).

23. BB foi transportada de urgência ao Hospital ... (artigo 36º da p.i.).

24. BB constituía com o marido e filho, uma família de respeito e carinho mútuos (artigo 37º da p.i.).

25. A morte de BB abalou profundamente os AA. que choram quando dela se fala (artigo 38º da p.i.).

26. O A. marido e filho passaram período de luto e de isolamento de amigos e familiares (artigo 40º da p.i.).

27. Antes da morte de BB, os AA. eram pessoas alegres e bem-dispostas (artigo 41º da p.i.).

28. Na ocasião do acidente, BB trabalhava como formadora e realizava tarefas domésticas em casa (artigo 43º da p.i.).

29. À data do acidente, BB auferia rendimento mensal de aproximadamente € 600,00, gastando mensalmente consigo 30% deste valor e afetando o resto às suas despesas familiares (artigos 44º, 140º e 148º da p.i.).

30. Para contratar uma pessoa que realizasse as tarefas domésticas que BB efetuava em horário pós-laboral, os AA. despenderiam quantia mensal não inferior a € 200,00 (artigo 46º da p.i.).

31. O Autor despendeu € 1.843,00 com o funeral de BB e recebeu do Centro Nacional de Pensões uma pensão de sobrevivência de € 141,00 mensais (artigo 145º da p.i.).

32. BB faleceu com 28 anos de idade no dia....10.2015, no estado de casada com AA (cfr. certidão de assento de óbito junta como documento 9 da p.i. - fls. 23 v.º do processo físico).

33. CC nasceu a ....04.2010, filho de BB e de AA (cfr. certidão de assento de nascimento junta como documento 10 da p.i. – fls. 24 do processo físico).

34. Entre a “Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.” e a “Vibeiras – Sociedade Comercial de Plantas, S.A.” foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º ...77, reproduzida a fls. 25 v.º e ss. dos autos, válido e em vigor a 29.10.2015, tendo por objecto a circulação do veículo de matrícula ..-NM-...

35. Entre a “Ascendi Norte – Auto-Estradas do Norte, S.A.” e a “A.I.G. Europe, Limited – Sucursal em Portugal” foi celebrado o contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Geral, titulado pela Apólice número PA...30, sujeito às condições particulares reproduzidas a fls. 168 v.º e ss. dos autos.”

2.3. – A responsabilidade pelo acidente

A pretensão dos Autores situa-se no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual (art.483 e segs. do CC). São pressupostos da obrigação de indemnização, o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto. Incumbe ao autor, como facto constitutivo do seu direito, a prova dos pressupostos do direito de indemnização (arts.342 nº1 e 487 C.C.), designadamente da culpa, através da chamada “prova da primeira aparência”, salvo havendo presunção legal de culpa.

As instâncias, ponderando a factualidade apurada, responsabilizaram exclusivamente a condutora do veículo FR pela eclosão do acidente, ao embater no veículo NM, parado na berma, imputando-lhe a violação dos arts.13 nº1 e 24 do Código da Estrada.

Os recorrentes consideram que não houve sequer culpa por parte da condutora do FR, pelo que a situação deve ser solucionada com base no risco. No entanto, mesmo que se entenda haver culpa, impõe-se também responsabilizar o veículo NM pelo risco, por ser hoje admissível a tese do concurso entre a culpa e o risco.

Como se sabe, o conceito de velocidade excessiva, definido no art.24 nº1 do CE, comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que exceda os limites legais) e uma vertente relativa, a não adequação à situação concreta, que leva a que condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente. E com a vertente relativa, a norma pretende que o condutor assegure que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente, para no caso de necessidade fazer parar o veículo sem ter de contar com os obstáculos que lhe surjam inopinadamente. Na verdade, o espaço livre e visível para o efeito de se considerar excessiva a velocidade tem sido entendida como a secção da estrada isenta de obstáculos que fica abrangida pelas possibilidades visuais do condutor. Em conformidade, prescreve o art.18 nº1 do CE que “O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste”, e a ratio legis consiste em propiciar uma paragem rápida sem perigo de acidente, ou seja, garantir uma distância de segurança.

O acidente ocorreu quando Sandra Mendes da Silva, condutora do veículo FR circulava pela A... no sentido de marcha G...- F..., ao chegar ao nó de ..., virou à sua direita para o ramo C que dá acesso à A..., ... e ..., e numa curva de visibilidade reduzida, devido à velocidade a que seguia e ao estado molhado e escorregadio do pavimento, despistou-se, derrapou e foi embater no FN, que estava parado na berma.

Neste contexto, corrobora-se o juízo das instâncias quanto à violação das regras de circulação rodoviária positivadas nos arts.13 nº1 e 24 do Código da Estrada, pois na condutora do FR não adequou a velocidade às condições da via, de fraca visibilidade e piso molhado, de modo a não invadir a berma do lado direito.

Muito embora a lei proíba a paragem na berma das auto-estradas e respectivos acessos (art.72 nº2 b) Código da Estrada), nenhuma censura se impõe ao condutor do veículo NM, visto que parou na berma numa situação de emergência, a fim de prestar auxílio, sendo certo que sinalizou convenientemente, como resulta dos factos provados ( cf pontos 3, 4 e 5). Na ocasião do embate, não só o veículo NM ostentava sinalização luminosa na sua parte traseira e no tejadilho, assinalando a sua presença no local, como o funcionário da Vibeiras, no início do ramo C do nó de ... realizava na berma direita com os braços e com raquetes sinalizadoras, movimentos com vista ao abrandamento do trânsito que se aproximava do local.

Ora, se o veículo NM estava parado na berma a prestar assistência a uma emergência; se sinalizava devidamente a sua presença naquele local – a mais de 100 metros de distância do local onde se situava - tal atuação configura uma das excepções consentidas à paragem em berma de autoestrada que noutras condições é proibida (cf. art.72 CE). Essa manobra não comprometeu a segurança ou impediu o trânsito, estando devidamente sinalizada (arts. 3 nº2, 5 nº1 e 2 CE), e revela-se justificada, em face do dever de auxílio.

Por outro lado, e como também foi anotado no acórdão recorrido, a paragem na berma do veículo NM não foi causal do acidente.

O problema do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil tem sido objecto de diversas teorias, sendo que a lei civil (art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano (cf., por ex., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pág.743).

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Noutra perspectiva, e a propósito da imputação, convoca-se o princípio do incremento do risco, com o seguinte método: deve, em primeiro lugar, examinar-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; depois, estabelecer-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do agente, para se comprovar, então, se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido ( cf. Claus Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág.152).

Perante os elementos factuais disponíveis, pode concluir-se ter sido a actuação da condutora do FR quem desencadeou a dinâmica do acidente, e não o condutor do NM, já que o veículo estava parado dentro da berma e devidamente sinalizado.

Afirmada a responsabilidade exclusiva da condutora do veículo FR, vejamos a questão do concurso da culpa com o risco.

Nos termos do disposto no artigo 505 do Código Civil, [s]em prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.”

Tradicionalmente, desconsiderando o elemento literal que consta da parte inicial do normativo, entendia-se que não era legalmente admissível o concurso do risco do lesante com a culpa do lesado, argumentando-se, por maioria de razão, com o regime jurídico decorrente do nº 2 do artigo 570 do Código Civil (cf. Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª Edição, págs 517 e 518).

Porém, mesmo então, não havia unanimidade já que o Professor Vaz Serra em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1966, sustentava a aplicação analógica do regime do artigo 570 do Código Civil ao caso do concurso do risco criado pelo responsável com a culpa do lesado ( cf. Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99, nº 3332, páginas 361 a 366 e nº 3333, páginas 372 a 373 ).

Em tempos mais recentes, o Professor Brandão Proença - na sua dissertação de doutoramento “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, Almedina, 1997, págs. 266 a 295 e 795 a 797 - pronunciou-se por “uma certa interpretação do artigo 505.º (efeito não preclusivo da conduta levemente culposa e da conduta dos inimputáveis), podendo vir a comportar, como solução ideal, uma tutela automática (até certa faixa etária e no seio dos danos corporais relacionados, pelo menos, com acidentes de viação […]), enquanto que, nas hipóteses concursuais, o corolário de considerandos já feitos leva-nos a crer que a ponderação deverá ser tendencialmente favorável ao lesado, sobretudo se o risco for considerável e estiver coberto pelo seguro ou a situação económica do responsável permitir esse melhor tratamento […]”. E este mesmo autor veio reiterar a admissibilidade do concurso do risco do detentor do veículo com a culpa do lesado em anotação crítica ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de novembro de 2003 - publicada nos Cadernos de Direito Privado, nº 7, julho/setembro 2004, páginas 19 a 31.

Também o Professor Calvão da Silva veio sufragar esta interpretação atualista do artigo 505 do Código Civil na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, nºs 3924 e 3925, páginas 115 a 118.

No mesmo sentido se pronunciou o Professor Sinde Monteiro na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 142, nº 3977, páginas 124 a 131.

A posição tradicional foi sendo seguida jurisprudencialmente até que o Ac STJ de 4/10/2007, proferido no processo 07B1710, disponível em www dgsi - por maioria, sustentou que o artigo “505º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objetiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

A tese do concurso do risco do responsável com a culpa do lesado suscitou um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia pedindo pronúncia sobre a interpretação a dar à 3ª Diretiva Automóvel – art.1º-A – e se ela se opõe ao segmento do direito nacional interpretado no sentido de impedir assim que concorresse com a culpa do menor a responsabilidade pelo risco por parte do veículo ligeiro, vindo esse tribunal, em acórdão de 09 de Junho de 2011 a decidir que “A Diretiva 72/166/CEE do Conselho de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, a Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e a Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretadas no sentido que não se opõem a disposições nacionais do domínio do direito da responsabilidade civil que permitem excluir ou limitar o direito da vítima de um acidente de exigir uma indemnização a título de seguro de responsabilidade civil do veículo automóvel envolvido no acidente, com base numa apreciação individual da contribuição exclusiva ou parcial dessa vítima para a produção do seu próprio dano.”

Na sequência deste reenvio prejudicial veio a ser proferido o Ac STJ de de 05/6/2012, proc. nº 100/10.9YFLSB, acessível na base de dados da dgsi, tendo-se consolidado no Supremo Tribunal de Justiça uma interpretação do art. 505 do Código Civil no sentido de que não implica “uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura. Porém, tal não implica que, por si só e de forma imediata, se responsabilize o detentor efetivo do veículo (e respetiva seguradora) pelos danos sofridos pelo lesado, implicando sim que, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa” ( cf Acs. STJ de 14 /12/2017, no proc. nº 511/14.0T8GRD.D1.S1; de 11/1/2018 no proc. 5705/12.0TBMTS.P1.S1; de 17/10/2019 no proc. 15385/15.6T8LRS.L1.S1 e de 15/3/2022 no proc. 23399/19.0T8PRT.P1.S1, todos disponíveis em dgsi.pt).

Ainda de forma mais expressa o Ac. do STJ 1/6/2017 (no proc. 1112/15.1T8VCT.G1.S1, em dgsi.pt.) resumiu este entendimento como ainda hoje se encontra acolhido, referindo que “[o] regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos atualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura. Compete ao Tribunal formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, ativo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente”

A jurisprudência tem assumido uma interpretação actualista do art.505 em conjugação com o art.570 do CC, ou seja, do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, em particular nas situações das chamadas “vítimas frágeis” (passageiros, peões e ciclistas), embora também para o caso de motociclos (cf por ex., Ac STJ 13/4/2021 (proc nº 4883/17T8GMR.G1), Ac STJ de 16/11/2023 (proc nº 849/20.8PRT.P1.), em www dgsi.pt).

Contudo, o que se tem mantido igualmente como dominante na jurisprudência do STJ é a ideia de que estando demonstrado que o acidente se deveu exclusivamente à conduta do lesado, não é, evidentemente, possível equacionar a hipótese de concurso da culpa do lesado com responsabilidade pelo risco (e, designadamente, considerar a aplicabilidade do artigo 505.º do CC, na interpretação atualista) – o que está presente em todos os acórdãos do STJ citados.

Os recorrentes invocam como acórdão fundamento, o Ac STJ de 22/6/2021 (proc nº 2929/18.4T8AVR.P1. S1), em dgsi.pt, mas não existe qualquer contradição. Desde logo, nele estava em causa o embate entre um veículo pesado de mercadorias e um velocípede sem motor, e seguiu a orientação jurisprudencial do STJ, sustentando dever “interpretar-se o art. 505º do CC no sentido de que a responsabilidade pelo risco só deve ser afastada quando o acidente for imputável exclusivamente ao próprio lesado ou a terceiro ou resultar exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

Na situação dos autos, a circunstância do veículo NM estar parado na berma do lado direito não se apresenta como causal do acidente, como já se referiu. A responsabilidade do acidente é exclusivamente imputável à condutora do FR.

Na verdade, a imobilização da viatura da forma como se encontrava (totalmente na berma) retira-lhe a possibilidade de poder ser considerada causal do acidente. Para que o embate tenha ocorrido é a restante realidade apurada e reveladora do comportamento da vítima como condutora do veículo FR que explica a colisão sem qualquer intervenção do veículo NM estar parado na berma e sem que esta situação tivesse originado ou contribuído em qualquer percentagem para o embate, o qual, sempre ocorreria independentemente de o veículo NM estar ou não parado na berma.

Como já se observou, o sinistro ocorre e tem como causa exclusiva a incorreta adequação da velocidade do veículo FR às condições do traçado que se desenvolvia em curva para a direita, com visibilidade limitada pelo ângulo da curvatura e pelo porte desenvolvido dos arbustos que se encontravam no terreno confinante com a berma direita da autoestrada, a que acrescem as condições de aderência do pavimento que se encontrava molhado e escorregadio por haver chovido.

Nestas circunstâncias, o desconhecimento da velocidade concreta a que seguia o veículo FR não altera a conclusão da imputação exclusiva porque essa mesma velocidade, não na sua quantidade mas no seu juízo de adequação, reporta à indagação sobre se o condutor regulou a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, pudesse em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seria de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

E é esta enunciação sobre a (in)adequação da velocidade que, com os factos que ficaram provados, faz concluir pela exclusividade da responsabilidade pela produção do acidente por parte da condutora sinistrada. E isto porque os riscos próprios quer do veículo NM quer da estrada em si mesma, na economia da prova, não concorreram minimamente para que o acidente ocorresse.

Alegando os recorrentes que a corrente progressista ou actualista se tem inclinado no sentido de acolher a interpretação segundo a qual o art. 505 do Código Civil consagra a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, é de realçar que esse entendimento tem afastado a possibilidade desse concurso quando a culpa do lesado tenha sido exclusiva, significando não ser automática a fixação de concorrência só porque o interveniente no acidente tenha sido um veículo.

Valorando a gravidade da culpa imputável à condutora do FR e só se podendo considerar a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo na medida da sua relevância causal para o acidente, tais riscos específicos em sede de responsabilidade objetiva valem apenas quando os factos permitirem concluir que aqueles não foram estranhos ao acidente e concorreram para que tenha acontecido. O facto de um veículo estar parado na berma, com a faixa de rodagem totalmente desimpedida, estando essa paragem devidamente sinalizada, nada aporta em termos de riscos próprios do veículo, se se conclui que para o resultado verificado (a colisão) seria indiferente se nesse mesmo local na berma se encontrasse qualquer outro objecto.

Improcede a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

2.4. Síntese conclusiva

1.Deve seguir-se a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça quanto à interpretação actualista do art. 505 do Código Civil, no sentido de acolher a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo automóvel.

2.Porém, admissibilidade da concorrência não é automática só porque o interveniente no acidente tenha sido um veículo, exigindo-se um juízo de adequação sobre a imputação objectiva do acidente.

3.Provando-se a culpa exclusiva do lesado na produção do acidente e não se verificando qualquer contribuição causalmente adequada proveniente dos riscos próprios do veículo, fica afastada a possibilidade de ponderar a concorrência entre a culpa do lesado e o risco do veículo interveniente no acidente.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2)

Condenar os Autores/recorrentes nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Fevereiro de 2024.

Jorge Arcanjo (Relator)

Jorge Leal

Pedro Lima Gonçalves