Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6148/12.1TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO
CIRE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CREDITO LABORAL
CRÉDITO FISCAL
SEGURANÇA SOCIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR.
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE E CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITOS - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO.
Doutrina:
- Catarina Serra, Regime Português da Insolvência, 5ª edição, revista e actualizada à luz da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, e do DL. nº 178/2012, de 3 de Agosto, pp. 21, 33.
- Gisela Fonseca, Estudo publicado em “Direito da Insolvência-Estudos”, coordenação de Rui Pinto – no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, pp. 65 a 129.
- Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, pp. 430/431.
- Jorge Reis Novais, Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa, pp. 171, 178.
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, vol. II, p. 46.
- Menezes Cordeiro, no Estudo “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Revista Thémis, Ano XII, nºs 22/23, 2012, pp. 40 e 41/42.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 748.º, 751.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (CIRE), NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº16/2012, DE 20-4: - ARTIGOS 1.º, 47.º, N.º4, ALS. A) E C), 97.º, N.º1, AL. A), 194.º, N.º1, 195.º, 196.º, 197.º, 212.º, 215.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 333.º, N.º1, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º40/07, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT CITANDO O ACÓRDÃO N.º 187/2001, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA II SÉRIE, DE 26 DE JUNHO DE 2001.
Sumário :

1. Com a Reforma de 2012, o CIRE mudou de paradigma, tendo agora como desiderato principal a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza.

2. O art. 194º, nº1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”.O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.

3. No processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.

4. O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.

5. Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.
Decisão Texto Integral:

Proc.6148/12.1TBBRG:G1.S1.

R-444 [1]

Revista


Acordam do Supremo Tribunal de Justiça


               AA e BB interpuseram recurso da sentença, de 3.5.2013, fls. 1017 a 1028, que homologou o plano de revitalização da requerida, CC, Lda.[2], para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 25.11.2013 – 1255 a 1264:

a) Julgou a apelação interposta por AA, procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida.

b) Julgou a apelação interposta por BB improcedente, declarando-se, embora, parcialmente nula a sentença.


***

            Inconformada, a requerida CC, Lda., interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando oposição de Acórdãos, considerando que o Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão-fundamento da Relação de Guimarães, de 18.6.2013 – Proc. 743/12.6TBBVD.G1, da 2ª secção Cível – certificado a fls. 1295 a 1305. O recurso foi recebido por se ter considerado que existe oposição de Acórdãos nos termos do art. 14º, nº1, do CIRE.  


***


            Alegando, Recorrente “CC” formulou as seguintes conclusões:

            I) - Observam-se nos autos os requisitos para ser admitido o recurso de Revista Extraordinária, prevista no artigo 14°, n°1, segunda parte do CIRE, pois sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, concretamente do CIRE, o douto acórdão recorrido está em oposição com outros proferidos pelas Relações, designadamente o do Tribunal da Relação Guimarães, proferido no processo 743/12.6TBBVD.G1, da 2ª Secção Cível, cuja cópia ora se junta, e cujos aspectos de identidade, quanto às questões de facto e de direito, se explicitam nos números 1 a 15 supra.

II) – Sobre a questão fundamental de direito ainda não foi fixada jurisprudência, nos artigos 732°-A e 732°B do Código de Processo Civil.

III) – A questão fundamental de direito no acórdão recorrido e no acórdão fundamento é sobre se o tratamento diferenciado de créditos privilegiados (Segurança Social e Fazenda Nacional e Laborais) viola ou não o princípio da igualdade previsto na supra citada norma legal, previsto no artigo 194º do CIRE.

IV) – O acórdão recorrido está em oposição com aquele proferido pela mesma Relação no Proc. 743/12.6TBBVD.G1, da 2ª Secção Cível.

V – A nulidade parcial da sentença por omissão de pronúncia quanto ao requerimento de não homologação do plano de recuperação do recorrente BB em nada prejudica o conhecimento do presente recurso, porquanto, sendo este procedente, anulando-se o douto acórdão recorrido, os autos baixarão à 1ª instância para que aí se proceda à sua reforma e, portanto, seja tão só suprida aquela nulidade, se bem que, as questões enunciadas no requerimento de não homologação do credor BB são as mesmas que serviram de fundamento ao seu recurso e sobre as quais o Tribunal da Relação de Guimarães já se pronunciou, não lhe dando razão.

VI – O douto acórdão faz uma interpretação literal e restritiva do artigo 194° do CIRE, claramente deslocada da filosofia e da ratio subjacente ao PER, introduzido no CIRE, pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, que dá primazia ao interesse público de preservação do tecido empresarial, da economia nacional, permitindo a diferenciação no tratamento de credores da mesma categoria, de que justificadas por razões objectivas, diferenciação essa, que no caso se justifica pela distinta origem dos créditos da Segurança Social e Fazenda Nacional, e do interesse público e constitucional a eles subjacentes, que justificam a existência de um regime de pagamento das dívidas contributivas e fiscais que de forma imperativa e inderrogável exigem o cumprimento de determinados requisitos e concessões de garantias para que seja autorizado o seu pagamento prestacional.

VII – o Plano de pagamento previsto no plano de recuperação para os créditos do Instituto da Segurança, Fazenda Nacional e crédito laborais, diga-se votado favoravelmente por quatro trabalhadores, não viola o princípio da igualdade previsto no artigo 194° do CIRE.

VIII – Embora inseridos na mesma categoria de créditos privilegiados, os créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional têm origem diferente, radicando no interesse público, constitucionalmente consagrado, no caso da Segurança Social, citando o douto acórdão fundamento, em “garantir a toda a população protecção em todas as situações de falta ou diminuição de meio de subsistência ou de capacidade de trabalho” e, no da Fazenda Nacional, no “cumprimento do programa constitucional do Estado”., constituindo estes interesses públicos razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado de tais créditos.

IX) – Razões objectivas que radicam também no próprio regime legal de pagamento das dívidas à Segurança social e à Fazenda Nacional que impõe taxativa e imperativamente requisitos muito concretos de admissibilidade do pagamento em prestações, concretamente a al. b) do n° 2 do artigo 190° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e nºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 196º do CPPT e do DL. 73/99, de 16/3, os quais, em síntese, autorizam o pagamento prestacional de dívidas dessa natureza, limitando, contudo, o número de prestações, limita perdão de juros vencidos e impõe uma taxa mínima de juros vincendos a constituição de garantias patrimoniais.

X – O diferente tratamento dado no plano de recuperação aprovado por 98,27% dos votos emitidos, tendo votado 83,36% dos credores, está de certa de forma mitigado, pois que para a Segurança Social e Fazenda Nacional está previsto o seu pagamento, respectivamente, em 150 (10 anos) e 36 (3 anos) prestações, com início ao mês seguinte à data da sentença homologatória, entenda-se ao seu trânsito em julgado e para os trabalhadores está previsto o seu pagamento em menos prestações, ou seja em vinte e quatro prestações (dois anos), com início em data certa (31 Janeiro de 2014), podendo ser antecipado com 13ª venda das fracções que a devedora, na prossecução do seu objecto social, se propõe comercializar.

XI – Além de que a eventual constituição de garantias a favor dos credores laborais seria inócua, pois que estes gozam sempre, em qualquer circunstância, de privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333°, n°1, al. b do Código de Trabalho, sendo graduados antes dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional, ainda que garantidos por hipoteca – cfr. artigos 748º e 751º do Código Civil.

XII – O plano de recuperação da recorrente não viola o princípio da igualdade de credores e corresponde ao entendimento e interpretação axiológica e teleológica da Lei nº16/2012, de 20 de Abril, sufragadas, além do acórdão-fundamento, cujo cópia se junta, noutros acórdãos das Relações, designadamente no acórdão da Relação de Lisboa, de 09/05/3013 proferido no processo 1008/12.9TYLSB.L1-8, publicado in www.dgsi.pt e Relação de Guimarães, de 04/03/2013 3695/12.9TBBRG-G1, in www.dgsi.pt, acima citados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

XIII – Violou o dito acórdão recorrido o disposto no artigo 194° do CIRE.

XIV – Termos em que, concedendo provimento ao recurso de revista, em sentido oposto ao douto acórdão recorrido, se espera ver decidido, como no sumário do douto acórdão fundamento:

“ (…) 4°- O princípio da igualdade dos credores, consagrado no artigo 194° do CIRE não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por serem justificadas por circunstância objectivas.

5°- Entre as circunstâncias que, em concreto, podem justificar estas diferenciações, contam-se a distintiva classificação dos créditos, as categorias hierárquicas dos créditos a diversidade das suas fontes.

6°- Razões suplementares ligados à origem do crédito justificam a diferenciação de tratamento dos créditos tributários da Segurança Social e da Fazenda Nacional”.

Concedendo provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, será feita Justiça.


***

            O recorrido AA contra-alegou, pugnando pela manutenção do Acórdão.

            O Ministério Público, nas suas contra-alegações, além de defender a irrecorribilidade da decisão, por considerar que não existe oposição de Acórdãos, sustenta que, a admitir-se o recurso, seja ele julgado improcedente.


***

           

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou relevante o seguinte:

1. Por despacho proferido a fls. 240, foi liminarmente admitido processo especial de revitalização relativo à requerente CC, LD.ª.

2. Proposto e sujeito a votação plano de revitalização, veio o mesmo a ser aprovado pelas percentagens indicadas no despacho de fls. 954 a 957 e, consequentemente, tal deliberação foi notificada e publicitada nos termos do disposto no artigo 213.º, do CIRE.

 

3. Por requerimento de fls. 880, vieram os credores (trabalhadores) AA, DD, EE, FF e GG solicitar a não homologação do plano de revitalização proposto, invocando, por um lado, a violação do princípio da igualdade dos credores (art.º 194.º, n.º1, do CIRE) e, já por outro, referindo que a sua situação ao abrigo do plano de revitalização é, previsivelmente, menos favorável do que aquela em que ficariam na ausência da plano, pois poderiam recorrer ao Fundo de Garantia Salarial ou mesmo obter a satisfação dos seus créditos por via de liquidação.

 

4. Sobre tal requerimento, pronunciou-se a requerente CC, pugnando pelo indeferimento do requerido.

   

5. Através do requerimento que integra fls. 885, BB veio opor-se à homologação do plano, alegando, em síntese, que é ininteligível a lista de votações, sendo óbvio que a credora Caixa HH votou em violação do disposto no art. 212º/2-a) do CIRE, que a homologação do plano sanciona operações de escrituração a favor de II, em operações que tem como simuladas, que, a não ter havido simulação, está indiciado um crime de favorecimento de credores, que não existe qualquer empresa para revitalizar, pelo que o plano se destina a sancionar desvios de bens e a garantir que um dos credores ultrapasse os demais.

 

6. Foi, após, proferida sentença que homologou o plano de revitalização constante de fls. 822 a 848, cujo teor é o seguinte:

3.3.1. Credores Públicos

3.3.1.1. Segurança Social:

a) A Segurança Social, conforme alínea b) IV do n.º 2 do art.º 3.° do Decreto-Lei n.º 260/99, de 7 de Julho com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 112/2004, de 13 de Maio, conjugado com a alínea b) do n.º 2 do artigo 190.° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segunda Social, e sem prejuízo pela posterior análise que efectuarão à renúncia dos credores privados e garantias prestadas, perdoará 80% dos juros vencidos. Os valores em dívida vencerão juros à taxa anual de 2,5%.

b) Nos termos previstos na legislação acima referida, as contribuições para a Segurança Social e juros de mora não perdoados serão liquidados em 150 prestações mensais progressivas distribuídas equitativamente no valor das prestações sem progressividade (VP), e de acordo com a seguinte quadro:

Da 1ª à 12ª 25% VP

Da 13ª à 24ª 50% VP

Da 25ª à 36ª 75% VP

A partir da 37ª 100% VPR

c) A administradora judicial provisória emitirá declaração em como “…o perdão de 80% dos juros é uma condição imprescindível para o saneamento da insolvente, no sentido de evitar eventuais rupturas de tesouraria e novas situações de incumprimento por parte da insolvente”.

d) A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data da sentença homologatória do plano de recuperação.

e) Para garantia do regime prestacional e nos termos da legislação em vigor, constituirá a requerente, a favor do IGFSS, IP, hipoteca voluntária sobre o seguinte bem imóvel: Loja comercial situada no r/c …. … do prédio sito na Rua ..., n.º … - …-… Braga, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...-…, com o valor patrimonial de 72.180€,00.

f) Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se encontram suspensas na respectiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação.

3.3.1.2. Fazenda Nacional:

a) O crédito a regularizar no âmbito do presente plano, sem prejuízo pelo disposto no ponto 3.3.3 abaixo, é o crédito vencido e reconhecido no presente processo; não se considerando, por conseguinte, o crédito sob condição nos termos do art. 50.º do CIRE, por estar sujeito à verificação de um acontecimento futuro e incerto, ou seja, a improcedência do processo n.º927/07.9BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no valor de € 756.887,93 onde, de resto, foi já emitido parecer pelo Digníssimo representante do Ministério Público junto daquele Tribunal no sentido de se proceder à anulação das liquidações efectuadas pela administração fiscal (Anexo III); e, muito embora a contrario da referida promoção, mesmo que venha a ser considerado devido aquele crédito a devedora assume desde já que apresentará nas quarenta e oito horas seguintes ao transito em julgado dessa decisão o competente pedido de pagamento prestacional nos termos da lei em vigor, acompanhado naturalmente da entrega de imóvel para boa garantia do seu cumprimento.

b) A Fazenda Nacional, nos termos dos n°s 3, 4, 5 e 6 do art. 196º do CPPT e do DL 73/99, de 16/03, e atendendo ao referido no ponto 3.3.1.1.a), perdoará 80% dos juros vencidos. Os valores em dívida vencerão juros à taxa anual de 2,5% ou da que vier a ser estipulada pela AT, após análise que efectuarão à renúncia dos credores privados e garantias prestadas.

Não haverá lugar à redução de coimas e custas;

c) Nos termos previstos na legislação acima referida, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados serão liquidados em trinta e seis prestações mensais iguais.

d) Nos termos do artigo 199º do CPPT e tendo em consideração o Oficio Circulado n.º … de 29.07.2010 da DSGCT, para garantia do regime prestacional acima referido, a insolvente propõe a constituição a favor da AT, hipoteca voluntária sobre o seguinte imóvel: Loja comercial inscrita na matriz sob o artigo … da freguesia da … concelho de Braga, com o valor patrimonial de 50.547,00€, já dado como garantia à AT precisamente para pagamento prestacional da quantia aqui em causa (Processo 0361201201077783).

e) A AT, dentro do mês seguinte ao término do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE, após análise nos termos do n° 1 e 2 do artigo 197° e nº9 do artigo 199° do CPPT, aferirá a qualidade da garantia a ser prestada bem como a taxa dos juros vincendos e o perdão dos juros vincendos, sendo comunicada ao devedor as condições a cumprir para que seja efectuado o respectivo registo predial da hipoteca e se possa cumprir o prazo referido na alínea f) abaixo.

f) A primeira prestação vencerá no mês seguinte ao término do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE.

g) Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 196º do CPPT, será considerado o referido na alínea a) do ponto 3.3.5. abaixo.

h) Dentro do período referido na alínea f) acima, a devedora apresentará no serviço de finanças de Braga-1 o competente pedido de pagamento prestacional para pagamento das quantias existentes em processos de execução fiscal não reclamados nos presentes autos, conforme o disposto no ponto 3.3.4. abaixo.

3.3.2. Credores Privados

3.3.2.1. Caixa HH, S.A. (C…)

a) Manutenção de todas as garantias constituídas;

b) O valor dos expurgos será calculado em função das actuais 34 fracções de propriedade da devedora referentes ao prédio sito na Rua ..., n.º … – … Braga, sem prejuízo pelo referido na alínea e) abaixo.

c) Do crédito n.º …: Com o valor actual de 1.982.954,42€:

i. Manutenção da sua actual forma de crédito (conta corrente) pelo período máximo de doze meses;

ii. No decurso, a pedido da devedora, ou no final daquele período, a C… converterá o valor em dívida num crédito de médio e longo prazo (construção) com vencimento a dois anos, havendo a possibilidade de renovação por períodos de um ano, com o limite em 31.01.2020 (ano limite de pagamento aos credores privados), mediante acordo prévio entre as partes.

iii. Manutenção do indexante e o spread vigentes.

iv. Redução das comissões de gestão, acompanhamento e renovação durante a vigência dos contratos, para um valor anual de 1.000,00€.

v. O imposto de selo será pago mensalmente enquanto estiver em vigor o primeiro período do contrato, sendo pago de uma só vez e antecipadamente aquando a conversão do contrato. O imposto de selo observará a taxa legal em vigor em cada um daqueles períodos.

vi. Pagamento de juros (postecipados): No que se refere ao primeiro período de vigência do contrato (prazo máximo de doze meses acima referidos), os juros seriam liquidados aquando a conversão do crédito. No contrato já sob a forma de MLP seriam pagos em duas semestralidades no primeiro ano e em quatro trimestralidades nos restantes.

vii. Amortização de capital pelas vendas (sendo este crédito amortizando em primeiro lugar), com observação da seguinte tabela de expurgos2 que resulta do referido na alínea b) acima:

Localização do imóvel garantido: Rua ..., nº …, …, …, …, … e .. Freguesia: … (…) C.R.Predial nº ….

Características dos bens Valor do Expurgo:

Piso Bloco Letra Tipo Tipologia (euros)

R/C … Comércio Loja 93.655

R/C … Comércio Loja 65.558

1º … Habitação T3 96.777

1º … Habitação T4 103.020

1º … Habitação T3 90.533

1º … Habitação T2 71.802

2º … Habitação T3 96.777

2º … Habitação T4 103.020

2º … Habitação T3 87.411

2º … Habitação T2 71.802

8º … Habitação T3 87.411

8º …. Habitação T2 71.802

9º ... Habitação T4 106.142

9º …. Habitação T3 87.411

9º … Habitação T2 71.802

10º … Habitação T3 93.655

10º …. Habitação T4 106.142

10º … Habitação T3 87.411

10º … Habitação T2 71.802

11º …. Habitação T3 93.655

11º …. Habitação T4 107.703

11º … Habitação T3 87.411

11º … Habitação T2 71.802

12º … Habitação T3 95.216

12º … Habitação T4 106.142

12º … Habitação T3 87.411

12º … Habitação T2 71.802

13º … Habitação T3 93.655

13º …. Habitação T4 103.020

13º … Habitação T3 87.411

13º … Habitação T2 71.802

14º … Habitação T3 103.020

14º … Habitação T3 99.899

14º … Habitação T2 73.363

TOTAL € 3.017.250,00

2. Inclui um acréscimo de 10% do valor do capital em dívida para garantia de eventuais juros e outros encargos que possam vir a verificar-se, sendo que no último expurgo se fará o acerto dos eventuais valores liquidados em excesso.

d) Do Crédito n.º 0359001140891: Com o valor de € 760.000:

i. Manutenção da sua natureza de um crédito de médio e longo prazo (construção).

ii. Ajustamento do vencimento para acompanhar o vencimento do crédito acima referido;

iii. Manutenção do indexante e o spread vigentes.

iv. Redução em 50% das despesas e comissões de gestão e acompanhamento e renovação durante a vigência do contrato.

v. Pagamento de juros (postecipados): em duas semestralidades no primeiro ano e em quatro trimestralidades nos restantes.

vi. Amortização de capital pelas vendas (sendo que se iniciará a sua amortização apenas após o término da amortização do anterior crédito)

e) No caso de a CHH receber de terceiros os correspondentes valores dos distrates efectuados sobre as restantes fracções do prédio referido na alínea b) e portanto não incluídas na tabela acima exibida, abaterá esse mesmo montante ao valor da dívida a solver pela devedora.

f) Os valores vencidos e não liquidados relativos aos contratos supra, serão regularizados no prazo de 3 meses após homologação do plano.

3.3.2.2. Trabalhadores

a) Perdão de juros vencidos e juros vincendos.

b) Os créditos dos trabalhadores serão liquidados em 24 prestações mensais iguais.

c) A primeira prestação vencerá a 31 de Janeiro de 2014, salvo se até a essa data for distratado mais de doze fracções, antecipando-se o início do regime prestacional aquando o distrate da décima terceira fracção.

3.3.2.3. Fornecedores e restantes credores (Inclui o Banco JJ, S.A.):

a) Perdão de juros vencidos e juros vincendos.

b) Perdão de 50% de capital da dívida.

c) Pagamento do remanescente em 16 trimestralidades, com início a 31 de Janeiro de 2014, salvo se até a essa data for distratado mais de doze fracções, antecipando-se o inicio do regime prestacional aquando o distrate da décima terceira fracção.

3.3.3. Credores não identificados no processo:

1. Não haverá lugar a qualquer pagamento relativamente a créditos não reconhecidos neste processo.

2. Eventuais credores que venham a reclamar, e serem reconhecidos judicialmente, créditos anteriores à data da entrada da petição inicial do presente processo em Tribunal, ficarão subrogados às exactas condições previstas nos pontos 3.3.1 a 3.3.2 acima, consoante a natureza e característica do crédito e/ou credor.

3.3.4. Regularização dos créditos da devedora contraídos após a data de entrada da petição inicial do presente processo em Tribunal:

Serão observados os vencimentos e condições de pagamento contratados, sem prejuízo pela negociação pontual dos mesmos ou da constituição de regime prestacional especifico.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a homologação do plano de recuperação viola o princípio da igualdade por ter atribuído um regime menos favorável em relação ao crédito laboral do recorrido, no confronto com os créditos e garantias que exornam no plano  de recuperação, os créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional.

Vejamos:

Decorre do art. 1º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa (CIRE), na redacção introduzida pela Lei nº16/2012, de 20.4, que criou o Plano de Revitalização de Empresa (doravante PER) que o processo de insolvência é um processo de execução universal “que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

O Direito falimentar português tem sido objecto de reformas, sempre oscilando entre dois paradigmas, tendo em conta a situação da economia e das empresas – indissociável da conjuntura económica e financeira nacional e transnacional – num tempo histórico em que a globalização tornou vulneráveis as economias de muitos países, mormente, daqueles cuja situação económica e financeira, por ser mais precária, foi mais atingida por uma nova realidade. Um, dando primazia à recuperação, outro, optando pela liquidação.

Assim é, que o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falências (CPEREF) – DL.123/93, de 23, revisto pelo DL.315/98, de 20.10, tinha por objectivo primordial a recuperação das empresas e não a sua liquidação.

O art. 1º dispunha – “1 – Toda a empresa em situação económica difícil ou em situação de insolvência pode ser objecto de uma medida ou de uma ou mais providências de recuperação ou ser declarada em regime de falência”.

Em consonância, com o propósito nodal de salvação da empresa por adopção de medidas recuperatórias o art. 4º previa – “Constituem providências de recuperação da empresa a concordata, a reconstituição empresarial, a reestruturação financeira e a gestão controlada.”, e ainda o art. 5º ao estatuir – “A empresa insolvente ou em situação económica difícil que se considere economicamente viável e julgue superável a situação em que se encontra pode requerer em juízo a providência de recuperação adequada.”

Sobre a natureza do novo diploma, Catarina Serra, in o “Regime Português da Insolvência”, 5ª edição, revista e actualizada à luz da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, e do DL. nº 178/2012, de 3 de Agosto, na pág. 21, afirma:

  “No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL. nº53/2004, de 18 de Março foi-se mais longe e, numa fase inicial, eliminou-se o primado da recuperação. Por este motivo, ainda em Projecto, o CIRE suscitou críticas cerradas.

Mas não ficaram por aqui as novidades. Além disto, eliminou-se o próprio processo de recuperação. Conforme resulta, ainda hoje (i.e., depois de todas as alterações legislativas), claramente do n.º1 do art. 1º a recuperação de empresas insolventes é apenas uma das finalidades do processo de insolvência, em alternativa à liquidação…”

Mais adiante, pág. 33:

 “A grande novidade do CIRE é a supressão da dicotomia recuperação/falência [cfr. ponto7. do Relatório do Diploma Preambular que aprovou o CIRE (DL. nº53/2004, de 18 de Março)]. O processo de insolvência é agora um processo único.

Caracteriza-se por uma tramitação supletiva baseada na liquidação do património do devedor, existindo a possibilidade de os credores aprovarem um plano de insolvência (cfr. arts. 192.º e segs.), com o fim de prover à realização da liquidação em moldes distintos ou de recuperar a empresa. Mais precisamente, a lei define o processo de insolvência como um processo de execução universal com a finalidade de liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, mas admite que a satisfação dos credores venha a realizar-se por (outras) formas previstas num plano de insolvência, que pode, nomeadamente, passar pela recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (cfr.art.1º. nº1).

Em suma, o processo de insolvência é um processo de liquidação e o plano de insolvência é o único mecanismo que pode ter como fim a recuperação da empresa insolvente [cfr. art. 1º, n.º1, e art. 195.º, n.º2, al. b)].”

Depois, da Reforma de 2012, o CIRE mudou de paradigma, tendo agora, como desiderato principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza.

Com o advento de nova realidade económica, em tempo de crise global e por imposição da troika, assumida pelo Estado Português – o CIRE – a lei insolvencial vigente, coloca a tónica na recuperação sendo essa a ratio do diploma.

Menezes Cordeiro, no Estudo “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Revista Thémis, Ano XII, nºs 22/23, 2012, págs. 40 e 41/42, sobre o CIRE:

 “O Código da Insolvência surge estruturalmente novo.

   A continuidade em relação ao Direito anterior é assegurada pela Ciência do Direito.

   Se procurarmos enumerar as grandes linhas inovatórias, encontramos: a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo…A primazia do interesse dos credores (46.°/1) pretende afastar o óbice da recuperação: esta deixa de ser o fim último do processo; surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funcionaria, apenas, em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente. Donde o princípio geral do artigo 102.°/1, referente a negócios ainda não cumpridos: o seu cumprimento fica suspenso até o administrador de insolvência declarar optar pela execução ou recusar o cumprimento”.

O art. 194º estabelece o princípio da igualdade dos credores da insolvência estatuindo:

 

“1 — O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.

  2 — O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.

 3- […]”.

 

            O normativo consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”.

 O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.

            Em anotação àquele preceito pode ler-se, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, vol. II, pág. 46:

 “Com efeito, o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência.

A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis.

 O tribunal deve, por isso, se não for atempadamente recolhido o assentimento do lesado, recusar a homologação do plano.

 Doutro passo, se coincidir a verificação de alguma das situações contempladas no nº1 do art. 216°, o credor lesado pode tomar a iniciativa de solicitar ao tribunal uma decisão de não homologação”.

Do art. 47º, nº4, als. a) e c) do CIRE resulta relevante a consideração de várias “classes de créditos sobre a insolvência” – a) “Garantidos” e “privilegiados” os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; “subordinados” os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência c) “Comuns” os demais créditos.”.

O art. 195º versa sobre o conteúdo do plano de insolvência e o art. 196º sobre providências com incidência no passivo.

O art. 196º:

“1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:

 a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula “salvo regresso de melhor fortuna”;

b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor;

c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;

d) A constituição de garantias;

e) Cessão de bens aos credores.

 2 - O plano de insolvência não pode afectar as garantias reais e os privilégios creditórios gerais acessórios de créditos detidos pelo Banco Central Europeu, por bancos centrais de um Estado membro da União Europeia e por participantes num sistema de pagamentos tal como definido pela alínea a) do artigo 2.° da Directiva n.° 98/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, ou equiparável, em decorrência do funcionamento desse sistema.”

O art. 197º estipula:

Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência:

 a) Os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano;

 b) Os créditos subordinados consideram-se objecto de perdão total;

 c) O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes.”.

A expressão “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência”, atribui cariz supletivo ao preceito, o que implicita que pode haver regulação diversa, contendendo com os créditos previstos nas als. a) e b) o que deve ser entendido como afloração do princípio da igualdade e reconhecimento que, dentro da legalidade exigível, o plano pode regular a forma como os credores estruturam o Plano de Insolvência.  Só assim não será se não houver expressa adopção de um regime diferente.

Ora, no caso em apreço, a assembleia de credores aprovou, maioritariamente, com o quorum legalmente exigível – art. 212º do CIRE – um plano de insolvência por si moldado, pelo que não se aplica a regra supletiva do artigo 197º.

Os tratadistas citados, em anotação a tal preceito, escrevem.

“O proémio do preceito explicita inequivocamente o carácter supletivo da estatuição legal. Mas, como aí também se clarifica, o afastamento é possível através de determinação constante do próprio plano.

Isto vai ao encontro da ideia segundo a qual, sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção”. […] e mais adiante, a fls. 55 – nota 6 – […].

 Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afectação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos.

 A questão não suscita particular dificuldade nos casos em que os lesados previamente aquiesçam na lesão. Mas exactamente o que se questiona é se, à vista do que está prescrito, o consentimento e necessário.

 Há uma dúvida complementar que se resolve por recurso ao princípio da igualdade, tal qual resulta do art. 194º

Respeita à necessidade de acordo do prejudicado para o caso de tratamento desfavorável cora relação a outros colocados em posição idêntica.

Admitamos uma proposta de plano que cerceie, total ou parcialmente, as garantias de todos os credores em igual situação, sem nenhuma distinção entre eles.

Pergunta-se se em tal eventualidade é ou não essencial a adesão de todos os atingidos ou se, pelo contrário, o facto de algum ou alguns se opor não obsta à aprovação, obtidas as maiorias necessárias. Ora, a verdade é que nada neste art. 197.° fundamenta a imperiosidade do acordo de todos os afectados para que as garantias possam ser atingidas.

 E a conclusão mais se consolida pela comparação com o citado art. 62°, nºl, do CPEREF, que constitui o caso paralelo do Direito pregresso, do qual inequivocamente decorria que os direitos do credor beneficiário de garantia só podiam ser atingidos na medida consentida.

Acode ainda em favor desta solução o elemento adjuvante que se extrai do disposto nos artigos 202.° e 203.°.

 Reportando-se ambos a certas providências que requerem o consentimento de quem por elas é directamente envolvido, são, todavia, totalmente omissos quanto à hipótese que aqui nos ocupa. Acresce que tal regime não deixa o prejudicado sem defesa […].

 Naturalmente, a dispensa da exigência do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência…” – (destaque e sublinhados nossos).

Em caso de violação de normas processuais ou de índole substantiva, o CIRE – seu art. 215º – confere ao juiz o poder de recusar, oficiosamente, a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

Hoje, no processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.

O recorrido afirma que “o Plano de Revitalização aprovado e homologado prevê o pagamento dos créditos laborais, incluindo o do recorrido, em 24 prestações mensais, com perdão integral dos juros vencidos, sem constituição de quaisquer garantias nem o pagamento dos juros vincendos.

O Plano de Revitalização aprovado e homologado nos presentes autos prevê a constituição de garantias patrimoniais (hipotecas voluntárias) a favor dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional, bem como o pagamento de 20% dos juros vencidos e a totalidade dos juros vincendos relativamente a estes créditos. Ora, os créditos laborais, bem como os créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional, são todos créditos privilegiados, pelo que deveriam gozar do mesmo tratamento e dos mesmos benefícios.” – cfr. fls. 1353/1354.

O Plano quanto aos créditos laborais aprovou:

a) Perdão de juros vencidos e juros vincendos.

b) Os créditos dos trabalhadores serão liquidados em 24 prestações mensais iguais.

c) A primeira prestação vencerá a 31 de Janeiro de 2014, salvo se até a essa data for distratado mais de doze fracções, antecipando-se o início do regime prestacional aquando o distrate da décima terceira fracção.

Efectivamente, o plano de recuperação aprovado nos autos, quanto aos créditos laborais prevê o seu pagamento em 24 prestações mensais iguais, vencendo-se a primeira a 31 de Janeiro de 2014, salvo se até a essa data for distratado mais de 12 prestações, antecipando-se o início do pagamento prestacional aquando do distrate da décima terceira fracção, perdão de juros vencidos e vincendos, não estando prevista a constituição de garantia patrimonial.

Quanto aos credores Instituto da Segurança Social e Fazenda Nacional prevê o pagamento, respectivamente, em 150 e 36 prestações mensais, a iniciar no mês seguinte à data da sentença homologatória, o perdão de 80% dos juros e o pagamento de juros vincendos à taxa de 2,5% e constituição de garantia patrimonial (hipoteca).

Há, assim, uma diferença de tratamento entre o crédito laboral do recorrido trabalhador da sociedade requerente do PER e os créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social, muito embora estas entidades não tenham feito questão fechada quanto à intangiblidade dos seus créditos, ao invés do que não raramente sucede; com efeito, cederam quanto ao pagamento prestacional e concederam moratória, perdoando ainda parte dos juros vencidos.

            O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere para os que deles beneficiam um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha e esse direito de crédito, como qualquer outro que seja disponível após estar vencido, pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla a par do princípio da igualdade[3], o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na Dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.

            A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE contém uma atenuação do princípio da igualdade dos credores da insolvência, consentindo que possa ser atenuado ou derrogado desde que objectivamente se justifique diferenciação.

            Pese embora os créditos laborais e da Fazenda Nacional e da Segurança Social gozarem de privilégios nos termos da lei, garantias reais, sendo que os créditos laborais têm natureza privada individual visando a remuneração do trabalho; já os créditos por impostos e as contribuições para a Segurança Social, visando assegurar interesses do Estado, quer pela cobrança de impostos[4], quer pela implementação de um sistema previdencial[5], assim os tributos e as contribuições realizam públicos, que se situam num patamar diferente, supra individual, sem menosprezo pela dignidade do preço do trabalho.

            Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa particular enquanto estrutura organizada de meios de produção, cujo funcionamento transcende interesses meramente privados de obtenção de lucro, seja para a empresa e para os seus sócios ou accionistas, já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa.

A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade.

Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171:

“…Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.

Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que nesta avaliação assumem as questões competenciais, mormente o problema da margem de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração e juiz.” (pág. 178) [sublinhámos].

Como se afirma no Acórdão n.º40/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt citando o Acórdão n.º 187/2001, publicado no Diário da República II Série, de 26 de Junho de 2001:

 O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.

Ora, numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo especial de revitalização fosse inviabilizado pelo facto de um dos credores, por não ter visto contemplado o seu crédito na plenitude das garantias que o exornam, pudesse conduzir à não homologação do plano de recuperação de uma empresa, sendo que no caso o crédito do recorrido/trabalhador, em princípio, gozar do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333°, n°1, al. b) do Código do Trabalho, sendo graduado antes dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional, ainda que garantidos por hipoteca – artigos 748º e 751º do Código Civil.

            É complexa a natureza jurídica do plano de insolvência como nos dá conta Gisela Fonseca, no douto Estudo publicado em “Direito da Insolvência-Estudos”, coordenação de Rui Pinto – no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, págs. 65 a 129, quando nas conclusões afirma:

            “O plano de insolvência apresenta-se, no actual direito falimentar português, como uma figura jurídica de natureza complexa, sendo que a própria apreensão do modo intrincado como o mesmo nasce, evolui e morre permite validar esta afirmação…o domínio do direito da insolvência pelo direito civil, face à falta de autonomia dogmática desta disciplina para que possa ser considerada um ramo especial do direito civil, projecta-se na própria tentativa de estabelecimento da natureza jurídica do plano de insolvência, a qual deve ser procurada nas estruturas dogmáticas do direito civil. A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial, explicação que não abrange, em termos globais, toda a complexidade deste novo instituto do direito da insolvência português…Apenas uma visão dualista do plano de insolvência e a sua recondução à figura da transacção possibilitam responder à problemática da sua natureza jurídica, permitindo ao intérprete-aplicador alcançar verdadeiramente a complexidade desta peça central do direito da insolvência português”.

Nesta perspectiva, ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atenta a sua relevância pública.

 

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

1. Depois da Reforma de 2012, o CIRE mudou de paradigma, tendo agora como desiderato principal a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza.

2. O art. 194º, nº1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”.O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.

3. No processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.

4. O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade[6], o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.

5. Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.

            Decisão.

            Nestes termos, concede-se a revista, repristinando-se a decisão da1ª Instância, no que respeita à homologação do plano de recuperação.

            Custas pelo recorrido AA, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

                                              

 Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Março de 2014

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

______________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] O Processo Especial de Revitalização deu entrada no Tribunal Judicial de Braga – 3º Juízo Cível – em 12.9.2012.
[3] Acerca do princípio da igualdade e da igualdade de oportunidades, o Professor Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, págs. 430/431, escreve: “[…] Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de “justiça social” e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no artigo 13.°/2 que, deste modo, funciona não apenas com fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão)”.
[4] Nos termos do art. 103º da Constituição da República – “1.O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. 2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. 3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
O art. 104º da Lei Fundamental estatui – “1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. 2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. […]”.

[5] O art. 63º, nº1, da CR estabelece – “Todos têm direito à segurança social”. O nº2 – “Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.
3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. […]”
[6] Acerca do princípio da igualdade e da igualdade de oportunidades, o Professor Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, págs. 430/431, escreve: “[…] Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de “justiça social” e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no artigo 13.°/2 que, deste modo, funciona não apenas com fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão)”.