Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1628/21.0TXLSB-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: HABEAS CORPUS
PENA DE EXPULSÃO
PRAZO
PENA DE PRISÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excecional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade.
II - Compete ao SEF dar execução às decisões de expulsão.
III - Os marcos temporais de execução da pena acessória de expulsão têm paralelo com as datas de concessão da liberdade condicional o que já foi considerado como substituição ope legis da liberdade condicional pela execução da pena de expulsão.
IV - O despacho que inicia o procedimento de execução da pena de expulsão só é exequível depois de transitado em julgado.
V - Proferida a decisão a ordenar a expulsão de território nacional e tornando-se a mesma exequível inicia-se a execução propriamente dita. A lei não fixa prazo para a expulsão, mas atendendo aos interesses em jogo, terá de concluir-se que ela deverá concretizar-se imediatamente, ou seja, logo que possível, atendendo às diligências, umas de ordem legal, outras de ordem burocrática, necessárias para viabilizar a expulsão. Importa não perder de vista que estão em causa pessoas com direitos e estados estrangeiros com regras.
VI - Tudo o que em concreto ultrapasse um prazo razoável por facto imputável ao Estado Português poderá constituir violação do princípio da proporcionalidade.
VII - Estando o requerente em cumprimento de uma pena de prisão de 4 anos e 8 meses, transitada em julgado e aplicada por entidade competente, é, em última instância, ao máximo da sua duração que se deve atender para aferir da sua legalidade. Não podendo executar-se a pena de expulsão (porque o condenado está indocumentado, porque há duvida se é ou não cidadão nacional), não estando o requerente submetido a regime previsto no art. 160.º, n.º 3, da Lei n.º 23/2007, subsiste a pena de prisão aplicada na condenação até a expulsão se concretizar e o TEP declarar extinta a pena de prisão.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1628/21.OTXLSB-A.S1

Habeas Corpus

Acordam, em audiência, no Supremo Tribunal de Justiça
I
1. AA veio através de defensor requerer a providência de habeas corpus alegando o seguinte (transcrição):
«(…) foi julgado e condenado à ordem do processo nº 103/18..., do Juízo Central Criminal ... (J ...), estando a cumprir a pena de 4 anos e 8 meses de prisão, (…) foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, tendo-se fixado o período de interdição de entrada pelo período de 5 anos.
Foi hora notificado que atingiu a metade da pena em 11-03-2022 e nesse sentido foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do território nacional no dia 11.03.2022, tendo sido comunicada essa decisão ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, emitidos mandados de libertação, passados após trânsito da referida decisão, dado que não interessa a sua prisão à ordem de outros autos, pois o demais registo criminal do requerente nada mais tem registado e a libertação dever-se-ia ter consumado com a entrega ao SEF do recluso para execução da pena acessória de expulsão.
Havia a questão de o recorrente ser expulso para o ... ou para o ..., dado ser cidadão nascido no ..., mas com autorização de residência no ..., porém o recorrente aqui declara que, para onde é expulso já em nada lhe interessa, o que lhe interessa mesmo é ser expulso, seja para um país, seja para outro.
Interessa que o aqui recorrente seja expulso seja para o ..., seja para o ..., dado que sendo à data do presente requerimento 28/3/2022 e devendo ter sido expulso no dia 11/3/2022, está o mesmo privado de liberdade desde essa data.
Diz a última decisão de que foi notificado o recorrente que a execução da pena acessória de expulsão é obrigatória cumprida metade da pena não superior a cinco anos de prisão e que é necessário apenas o preenchimento de um único requisito: o cumprimento de metade da pena. Não é sequer necessário obter o consentimento do recluso, nem ouvir o Conselho Técnico ou o Ministério Público.
E acrescenta que, nos presentes autos, verificou-se o aludido requisito – previsto na al. a) do nº 1 do art. 188º-A do CEPMPL, em 11/3/2022 pelo que foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do recluso, sem necessidade de apurar se estão ou não preenchidos os pressupostos materiais da liberdade condicional, pois, verifiquem-se ou não, é obrigatória a execução da referida pena acessória.
Desde 11/3/2022 o arguido está preso contra sua vontade e contrariando a vontade do Juízo de Execução ... - Juiz ....
O recorrente ofereceu-se já a pagar o seu bilhete de avião, a comprá-lo se necessário for, mas a ser colocado no aeroporto, para ser embarcado de imediato.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não foi ainda buscar o recorrente com a justificação, com a qual se não pode concordar, que
Foi solicitado à Embaixada do ... em Portugal, autorização para a expulsão poder ser efetuada para esse destino e que os Centros de Instalação Temporários deste Serviço encontrarem-se lotados, solicita-se a V. Exa que autorize a manutenção do cidadão em ambiente prisional até que seja possível executar o afastamento, o que ocorrerá logo que estejam reunidos todos os requisitos necessários.
O recorrente responde que, se a Embaixada do ... em Portugal não responde, pode de imediato ser expulso para o ..., o que tem é que ser restituída à liberdade de imediato.
O recorrente disponibiliza-se mesmo a pagar de imediato o seu bilhete de avião, porquanto a sua liberdade não tem preço, sendo o bem supremo a seguir à saúde.
É consabido que o instituto jurídico de Habeas Corpus, surge como garantia da liberdade física da pessoa, designadamente da liberdade ambulatória.
O Habeas Corpus é uma providência que pode ser trazida a Juízo por qualquer pessoa, a qualquer tempo e em qualquer instância, sempre visando salvaguardar a liberdade de algum cidadão, ou cidadãos.
Inclusivamente, o artigo 31º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
A polícia a que se dá o nome de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras está a violar uma ordem judicial, dado que já desde 11/3/2022 devia ter cumprido o mandado de expulsão e retirado o recorrente do meio prisional, onde o mesmo se mantém de forma ilegal e abusiva nos termos da lei.
A previsão e, precisão, da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excecional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado.
O habeas corpus visa então reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção da prisão manifestamente de forma ilegal, ou fora dos limites legalmente impostos, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual "grave, grosseiro e rapidamente verificável" integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal.
O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1 que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Esta providência, segundo o nº 2 do mesmo normativo, "deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de, nomeadamente: b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
Ora se a estamos perante uma prescrição do procedimento criminal, há um facto pelo qual a lei não permite prisão e, destarte, há ilegalidade da mesma.
Pressuposto formal de habeas corpus é a decisão que determinou o mandado de expulsão e não qualquer documento do ... ou a existência de vaga no serviço dos Serviços de Estrangeiro.
Assim, a manutenção no meio prisional é manifestamente ilegal, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual grave, grosseiro e facilmente verificável de que trata a presente petição.
Assim se não entendendo, desde já se argui a nulidade dependente de arguição, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, de qualquer despacho posterior, nos termos do art.º 120.º, nº 2 alínea d) in fine do CPP, e violação de lei expressa, desde logo o artigo 213.º, n.º do CPP.
Também não depende da existência de passaporte válido, porquanto para proceder à expulsão não é o mesmo necessário.
Destarte a manutenção da prisão do aqui requerente revela-se ilegal e manifestamente inconstitucional, designadamente por conduzir a uma situação de indefeso, violando os artºs 20º e 31º da Constituição da República Portuguesa. (…).
Nos termos dos artºs 31º Constituição da República Portuguesa e do artº 222º nº 2 aliena b) do CPP, a Arguida encontra-se ilegalmente presa, mostrando-se violado o disposto nos artºs 27º nº1-3 alínea b) e 28º nº2 da CRP e artºs191º, 192º, 193º, 202º nº 1 alínea a) do CPP, pelo que deve a prisão ser declarada ilegal, o recorrente tem de ser imediatamente expulso seja para o ... seja para o ..., o que for mais imediato, porque a manutenção em meio prisional é ilegal e deve ser ordenada a imediata expulsão do recorrente, independentemente de ter ou não documentos de identificação e independentemente de autorização da embaixada do ... em Portugal porquanto se esta não vem, que seja o mesmo expulso para o ...».

2. Foi prestada a informação de acordo com o disposto no art. 223.º/1, CPP, nos seguintes termos (transcrição):
«O condenado AA foi condenado no processo nº 103/18..., do Juízo Central Criminal ... (J ...) numa pena de 4 anos e 8 meses de prisão.
Nesse processo o recluso foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, tendo-se fixado o período de interdição de entrada pelo período de 5 anos.
Por decisão de 09-03-2022 foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do território nacional no dia 11-03-2022, data em que o condenado atingia o meio da pena que cumpria (conforme artigo 188º-A, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade).
Foi igualmente emitido mandado de libertação e determinada a entrega do condenado ao SEF.
Comunicado ao tribunal que não se mostrava viável a execução do mandado pelos motivos expostos pelo SEF, foi por esta entidade solicitado que o condenado se mantivesse no estabelecimento prisional uma vez que os centros de detenção temporária se encontravam lotados.
Conforme promovido, aguarda-se que seja resolvido o entrave a nível de documentação do condenado e comunicada a expulsão do condenado a fim de se declarar a extinção da pena».

3. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, realizou-se a audiência (arts. 11.º/4/c, 223.º/2/ 3, e 435.º, CPP).
II
1. Questão a decidir: a legalidade da manutenção da pena de prisão aplicada ao requerente.

2. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento resulta da petição de habeas corpus, quer da informação, quer da certidão que acompanha os presentes autos e é o seguinte:
2. 1. O arguido AA, foi condenado no processo nº 103/18..., do Juízo Central Criminal ... (J ...) na pena de 4 anos e 8 meses de prisão. Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, tendo-se fixado o período de interdição de entrada pelo período de 5 anos.
2.2. Por decisão de 09-03-2022 foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do território nacional no dia 11-03-2022, data em que o condenado atingia o meio da pena.
2.3. Foi igualmente emitido mandado de libertação e determinada a entrega do condenado ao SEF.
2.4. No dia 10.03.2022 o condenado foi notificado da decisão referida em 2.2. Nesse mesmo dia o condenado declarou que prescindia do prazo de recurso dessa decisão.
2.5. No dia 10.03.2022, o SEF informa que o condenado estava indocumentado, que o ... não tinha respondido ao pedido de autorização de expulsão para esse país, não dendo possível executar a pena acessória de expulsão em 11.03.2022. Porque os Centros de Instalação Temporária se encontravam lotados, o SEF solicitou autorização para que o cidadão continuasse em ambiente prisional.
2.6. No dia 11.03. 2022 o M. P. renuncia ao prazo legal de recurso e nada opõe à manutenção do condenado em ambiente prisional.
2.7. No dia 11.03.2022, o SEF informa que o condenado tem nacionalidade portuguesa pelo que não pode ser expulso.
2.8. No dia 11.03.2022, nova informação do SEF no sentido de que consultado o acórdão condenatório aí consta como provado que o condenado obteve a nacionalidade portuguesa com recurso a documentos falsos.
2.9. O TEP autoriza que o cidadão continue em «ambiente prisional».
2.9. Iniciadas diligências junto do tribunal da condenação e do IRN no sentido de regularizar em termos registrais a questão da nacionalidade portuguesa do condenado.

3. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (arts. 27.º e 31.º, CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, art. 31.º/3, CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o acrescento do n.º 2 ao art. 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso (arts. 7.º/1/m, e 179.º, CEPMPL, no caso de cumprimento de pena de prisão).
4. Quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art. 222.º CPP:
«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso (…) e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
(…)

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

5. O requerente AA foi condenado no processo nº 103/18..., do Juízo Central Criminal ... na pena de 4 anos e 8 meses de prisão. Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, tendo-se fixado o período de interdição de entrada pelo período de 5 anos.
6. Por decisão do TEP de 09-03-2022, foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do território nacional para o dia 11-03-2022, pois nesta última data o condenado atingia o meio da pena, foi emitido mandado de libertação e determinada a entrega do condenado ao SEF. Notificados, condenado e M.P., prescindiram do prazo de recurso pelo que a decisão transitou em julgado (art. 107.º, CPP).
7. Compete ao SEF dar execução às decisões de expulsão (art. 159.º, Lei 23/2007). E de pronto, como documentam os autos, começou a dar execução à decisão judicial. Ocorre que várias circunstâncias – o condenado estava indocumentado no EP (facto 2.5.); o ..., país onde o condenado tinha autorização de residência e para onde queria ser expulso, não respondeu ao pedido de autorização de expulsão; formalmente o condenado é cidadão português –, obstaram a que na data designada pelo TEP fosse possível executar a decisão de expulsão.
8. Segundo o recorrente «como foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do recluso, desde 11/3/2022 o arguido está preso contra sua vontade e contrariando a vontade do Juízo de Execução .... Se a Embaixada do ... em Portugal não responde, pode de imediato ser expulso para o ..., o que tem é que ser restituída à liberdade de imediato. (…) Ora se a estamos perante uma prescrição do procedimento criminal, há um facto pelo qual a lei não permite prisão e, destarte, há ilegalidade da mesma. (…) a manutenção no meio prisional é manifestamente ilegal, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual grave, grosseiro e facilmente verificável».

9. Em tema de execução da pena de expulsão, dispõe o art. 188.º-A/1, do CEPMPL que «tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que: a) cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas. De igual modo dispõe o art. 151.º/4, Lei 23/2007, que sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que cumpridos metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão (…).
10. O TEP por despacho de 09-03-2022 ordenou a execução da pena acessória de expulsão do território nacional no dia 11-03-2022, data em que o condenado atingia o meio da pena. Será então que, como sustenta o recorrente, desde 11.03.2022 a prisão do requerente é ilegal?
11. A invocação de «prescrição do procedimento criminal», ou é lapso do requerente ou alegação infundada. Transitada a decisão condenatória e iniciada a execução da pena já não é tempo de prescrição do procedimento criminal e o prazo de prescrição da pena aplicada (10 anos, art. 122.º/1/c, CP) ainda não está num horizonte próximo.
12. Os marcos temporais de execução da pena acessória de expulsão têm paralelo com as datas de concessão da liberdade condicional o que já foi considerado como substituição ope legis da liberdade condicional pela execução da pena de expulsão (ac. STJ 12.08.2011, SASTJ 2011, p. 370). O despacho a ordenar a expulsão de território nacional inicia o procedimento de execução pelo que essa decisão só é exequível depois de transitada em julgado. Contrariamente ao que pretende o requerente a circunstância de atingir o meio da pena não determina a sua libertação automática e imediata (ac. STJ de 08.06.2011, SASTJ 2011, p. 274). Nenhum preceito legal o afirma ou impõe.
13. Proferida a decisão e tornando-se a mesma exequível, porque os sujeitos processuais com legitimidade (M.P. e condenado) prescindiram do prazo de recurso (art. 107.º/1, CPP), iniciou-se a execução propriamente dita (ac. STJ de 08.06.2011, SASTJ 2011, p. 274). A lei não fixa prazo para a expulsão, mas atendendo aos interesses em jogo, terá de concluir-se que ela deverá concretizar-se imediatamente, ou seja, logo que possível, atendendo às diligências, umas de ordem legal, outras de ordem burocrática, necessárias para viabilizar a expulsão. Importa não perder de vista que estão em causa pessoas com direitos e estados estrangeiros com regras.
14. Tudo o que em concreto ultrapasse um prazo razoável por facto imputável ao Estado Português poderá constituir violação do princípio da proporcionalidade (art. 18.º/2, CRP, ac. STJ 01.10.2009 SASTJ, 2009, p. 466). De qualquer modo, estando o requerente em cumprimento de uma pena de prisão de 4 anos e 8 meses, transitada em julgado e aplicada por entidade competente, é, em última instância, ao máximo da sua duração que se deve atender para aferir da sua legalidade (ac. STJ de 08.06.2011, SASTJ 2011, p. 274, ac. STJ 31.07.2015, SASTJ 2015, p. 391, ac. 28.02.2019, SASTJ 2019, p. 138, ac. 26.07.2019, www.dgsi.pt, ac. 02.07. 2020, SASTJ 2020, p. 609). Sem eufemismos, a manutenção [do requerente] no estabelecimento prisional uma vez que os centros de detenção temporária se encontravam lotados e aguardar que seja resolvido o entrave a nível de documentação, não é senão a continuação do cumprimento da pena de prisão. O EP não é centro de instalação temporária ou espaço equiparado (art. 160.º/3/a, Lei 23/2007).
15. No caso, aguarda-se resposta do ... país para onde o condenado manifestou vontade de ser expulso e onde tem autorização de residência. Ocorre que, consabidamente o condenado não pode ser recambiado para o ... sem existir a garantia de que aí vai ser aceite. Esse é um primeiro obstáculo à execução pronta da expulsão. Entretanto, estando inicialmente indocumentado constatou-se também que, formalmente, o condenado tem cidadania portuguesa, mas que tal derivaria do uso de documentos falsificados e como tal declarados no processo da condenação, o que implica a intervenção do IRN, tendo o SEF encetado diligências nesse sentido…
16. É sabido que a Constituição proíbe a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional (art. 33.º/1, CRP). Importa esclarecer, sem resta de dúvida, essa questão. Qualquer das duas ocorrências obstam à uma imediata execução da pena acessória de expulsão. A aplicação dos arts. 188.º-A, n.º1, do CEPMPL e 151.º/4, Lei 23/2007, pressupõe a verificação das condições necessárias à execução da pena acessória de expulsão. Não podendo executar-se a pena de expulsão, não estando o requerente submetido a regime previsto no art. 160.º/3, Lei 23/2007, subsiste a pena de prisão aplicada na condenação e que ainda não se escoou, pelo que não há prisão ilegal. A pena de prisão em execução, com a duração fixada no acórdão condenatório, mantém-se durante o procedimento de execução da pena acessória de expulsão (sem prejuízo da liberdade condicional automática, o que não é o caso, art. 61.º/4, CP) até esta se concretizar, declarando então o TEP extinta a pena de prisão (art. 138.º/4/e, CEPMPL, ac. STJ de 26.07.2019, www.dgsi.pt).
17. Subsidiariamente o requerente arguiu a nulidade, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do art.º 120.º, nº 2 alínea d) in fine do CPP, e violação de lei expressa, desde logo o artigo 213.º, n.º do CPP.
18. A rematar, diremos que a providência excecional de habeas corpus não é o meio processual adequado a arguir nulidade por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade nos termos do art.º 120.º, nº 2 alínea d) in fine do CPP. Essa é matéria processual estranha à providência de habeas corpus. Como uniformemente vem afirmando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (art 399.º e ss. CPP). De qualquer modo o requerente não identifica qualquer diligência que foi omitida.

III
Indefere-se a providência de habeas corpus por falta de fundamento legal.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em três UC – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.
Supremo Tribunal de Justiça 7 de abril de 2022.


António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro (Presidente)