Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4307/18.2YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
ACEITAÇÃO DA OBRA
ACEITAÇÃO TÁCITA
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
PAGAMENTO
ÓNUS DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
ESTIPULAÇÕES VERBAIS ACESSÓRIAS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. No âmbito do recurso de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça restringe-se à apreciação da decisão de direito; mesmo nos casos em que pode alterar a matéria de facto que vem fixada, tal possibilidade, em bom rigor, é ainda um resultado de uma decisão em matéria de direito.

II. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando a coerência interna da sentença – no sentido de que a decisão deve ser coerente com os fundamentos, deve ser a sua consequência – não se verifica.

III. No contrato de empreitada, a aceitação da obra pode ser tácita, deduzida de factos que “com toda a probabilidade, a revelam” (n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil).

IV. A aceitação que a recorrente entende resultar do pagamento parcial das facturas 16/62 e 16/70 só lhe aproveitaria se fosse total – justamente porque só assim permitiria considerar vencida a totalidade do crédito invocado.

V. Da aplicação do critério da impressão do destinatário medianamente informado e diligente, colocado na posição da recorrente – que sabia que, na sua perspetiva, os pagamentos efectuados correspondiam a parte do preço – não se pode retirar que a recorrente interpretaria esses pagamentos parciais como significando uma aceitação total.

VI. Segundo as regras de repartição do ónus da prova, a incerteza sobre um facto corre contra a parte a quem incumbia o ónus de o provar (art. 342.º do Código Civil).

VII. Não se podendo considerar provada a aceitação por parte da ré, nem tão pouco quando teria ocorrido, não se pode ter como provada a exigibilidade dos pagamentos pretendidos nesta acção, que estão em causa neste recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em acção declarativa resultante da conversão de uma injunção requerida contra JVC – Construção Civil, Lda., por Obracima – Construções Unipessoal, Lda., foi proferida sentença pelo Juízo … doTribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que decidiu:

«a) condenar a Ré a pagar à Autora as quantias de €46.150,00 e de €70.849,98, respeitantes às facturas nºs 16/62 e 16/70, valores aos quais acrescem os juros moratórios à taxa supletiva aplicável aos créditos das empresas comerciais e constantes dos avisos publicados pelo Banco de Portugal a contar desde a data de vencimento das facturas nº 16/62 e 16/70 e até efectivo e integral pagamento;

b) absolver a Ré quanto ao pagamento da restante quantia peticionada pela Autora, mais precisamente aquela a que se reporta a factura nº 16/71;

c) julgar improcedente o incidente de condenação como litigante de má-fé deduzido pela Ré contra a Autora.»

A requerente tinha pedido a condenação da ré no pagamento de € 184 944,48, com juros de mora, alegando não lhe terem sido pagas, em parte, as facturas n.ºs 16/62 e 16/70 e, na totalidade, a factura n.º 16/71, devidas por serviços prestados no âmbito da sua actividade de “construção de edifícios (residenciais e não residenciais)” – requerimento de injunção:

“No âmbito da sua atividade, a partir da data de 04/05/2017, prestou serviços à requerida, titulados pela fatura n.º 16/62, com data de vencimento a 18/10/2017, onde foi paga a quantia de € 234.500,00 (duzentos e trinta e quatro mil e quinhentos euros) e ficou por liquidar a quantia de € 1.650,00 (mil e seiscentos e cinquenta euros); a fatura n.º 16 /0, com data de vencimento a 03/01/2018, com a quantia por liquidar de € 115.349.98 (cento e quinze mil e trezentos e quarenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); e, a fatura n.º 16/71, com data de vencimento a 03/01/2018, com a quantia por liquidar de € 67.791,50 (sessenta e sete mil e setecentos e noventa e um euros e cinquenta cêntimos).

No total, deve a requerida à requerente a quantia de € 184.791,48 (cento e oitenta e quatro mil e setecentos e noventa e um euros e quarenta e oito cêntimos).

Apesar de interpelada extrajudicialmente a pagar a quantia em dívida, a requerida não o fez.

Contrato Empreitada emitida em 12/01/2018 no valor de 184 944,48 € + juros entre 04/05/2017 e 12/01/2018 (2 057,19 € (58 dias a 7,00%) + 6 526,26 € (184 dias a 7,00%))”

A requerida deduzira oposição, alegando, em suma, incumprimento da requerente, resolução dos contratos de empreitada entre ambas celebrados, pagamento do que lhe devia, e, subsidiariamente, excepção de não cumprimento e compensação com um crédito de valor superior, resultante do que pagou a mais e dos prejuízos provocados pelo incumprimento.

Em breve síntese, a sentença considerou provada a celebração de dois contratos de empreitada, não terem sido parcialmente pagas as facturas 16/62 e 16/70 (“€ 46 150,00 e € 70 849,98, respectivamente”) e não poder considerar a factura n.º 16/71, porque “não se encontram provadas quais as alterações a que respeita, quais as que foram executadas e acima de tudo se foram aprovadas pelo dono da obra, a aqui RÉ”.

A sentença veio, todavia, a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que alterou parte da decisão sobre a matéria de facto, julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido:

“Tendo sido expurgados da matéria factual considerada provada os factos descritos nas alíneas P), Q) e S), óbvio é que a sentença recorrida – ao julgar parcialmente procedente a acção, no pressuposto de que o pagamento das facturas n°s 16/62 e 16/70, nos valores, respectivamente, de € 46.150,00 e de € 70.849,98, seria devido, porquanto, em 31-01-2018, já estava executada 40,54 % dos trabalhos compreendidos na empreitada relativa à construção de 3 moradias a edificar nos lotes 30 e 31 e, como tal, sendo o preço total desta empreitada de € 435,000,00 já com IVA incluído, a Ré já deveria ter pago à Autora, naquela data, por conta do preço desta empreitada, o valor de € 176.349,00, do qual só lhe teria pago € 37.625,00 – não pode subsistir.

Efectivamente – como vimos – , o preço desta empreitada só era devido no momento da aceitação das obras compreendidas no respectivo objecto, nos termos da regra geral supletiva contida no cit. art. 1211°, n° 2, do Código Civil, já que – como se provou – a dona da obra (ora Ré) e a empreiteira (ora Autora) não convencionaram o que quer que fosse, no referido orçamento n" 16/47 (único documento assinado entre as partes), quanto ao prazo de conclusão das obras compreendidas no objecto da empreitada e quanto ao prazo em que deveria ser pago o preço da mesma. Ora, não se provou sequer se essa aceitação da obra já ocorreu e, em caso afirmativo, em que data é que tal facto se verificou.

Assim sendo, à luz da matéria factual provada, ficou por demonstrar que a Autora seja titular de qualquer crédito pecuniário sobre a Ré, relativo ao preço da empreitada respeitante à construção de três moradias sitas na Rua ..., Lotes 30 e 31, ..., ..., concelho de ..., pelo preço total de €435.000,00 com IVA incluído – que é a empreitada a que respeitam todas as facturas cujo pagamento a Autora veio exigir da Ré, na presente acção. Como tal, a sentença recorrida não pode senão ser revogada, porquanto a acção improcede, na totalidade (e não apenas em parte – como decidiu a 1a instância).”

2. A autora interpôs recurso de revista. Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes, que delimitam o objecto do recurso:

A) O presente recurso tem como objecto o Douto Acórdão que julgou procedente a apelação, revogando a decisão recorrida;

B) Refere, em suma, o venerando Tribunal da Relação, Tribunal “a quo”, a fls 23 e 34 do douto acórdão, que,

C) - é incontroverso que as facturas números 16/ 62 e 16/70 cujo pagamento foi exigido pela autora na injunção instaurada contra a ré, que dizem respeito aos trabalhos realizados nos lotes 30 e 31 – o que é verdade;

D) - que esses trabalhos realizados nos lotes 30 e 31, que foram efectuados no âmbito do segundo contrato de empreitada, que constitui os documentos juntos a folhas 29 a 40 e 42 a 52 (alínea m) dos factos provados);

E) - que como esse segundo contrato não foi assinado, que assim sendo, que o mesmo é regulado pelo orçamento que lhe precedeu, o orçamento 16/47 de fls. 99 verso a 100, e,

F) - que constando do orçamento 16/47 que “os pagamentos são a combinar”, que nesse sentido que não tendo as partes levado a cabo esse combinado, que vigora a regra do artigo 1211º do código civil pelo que alegadamente o preço deveria ser pago no acto de aceitação da obra pois que as facturas só seriam exigíveis com essa aceitação;

G) - e que é assim entendimento do tribunal “a quo” que a autora não provou que a obra tivesse sido aceite pelo que entende o tribunal “a quo” que consequentemente, que devem ser expurgados os factos tidos como provados e vertidos nas alíneas p), q) e s), ou seja;

H) - Entendeu o Tribunal “A Quo” que pelo facto do contrato não ter sido assinado que os trabalhos que foram realizados nos lotes 30 e 31 que estão sujeitos ao orçamento 16/47 que diz que “os pagamentos são a combinar”;

I) - E que nesse sentido que não tendo as partes levado a cabo esse combinado, que o preço para ser pago só poderia ser pago no acto de aceitação da obra que as facturas só seriam exigíveis com essa aceitação;

J) E que se não provou que a obra tivesse sido aceite pelo que assim sendo que as facturas números 16/ 62 e 16/70 cujo pagamento foi exigido pela autora na injunção não devem ser pagas;

K) É entendimento da autora recorrente que não assiste razão ao Tribunal “A Quo”, pois que ao andar como andou, interpreta e aplica erradamente a lei;

L) Ao expurgar a alínea S) dos factos provados (expurgação que o Tribunal “A Quo” leva a cabo porque entende que os trabalhos realizados nos lotes 30 e 31 que foram efectuados no âmbito do segundo contrato de empreitada não assinado, e logo, sujeitos ao orçamento 16/47 de fls. 99 verso a 100 que diz que “os pagamentos são a combinar” pelo não havendo combinado nesse sentido não há pagamento) o Tribunal “A Quo” ignora o relatório pericial de folhas 403 a 437 e os esclarecimentos de folhas 440 a 444, assim violando o disposto no artigo 615.º, n.º1, alínea d) do CPC e,

M) Com tal expurgação o Tribunal “A Quo” caminha mais longe na ilegalidade em clara violação do disposto nos artigo 615.º, n.º1, alínea d) do CPC pois o raciocínio é;

N) Entende o Tribunal “A Quo” que os trabalhos realizados nos lotes 30 e 31 que estão sujeitos ao orçamento e entende que assim sendo que não havendo combinado quanto ao pagamento que não deve haver pagamento não havendo crédito e que consequentemente que se deve expurgar a alínea S) dos factos provados que diz com base num relatório pericial, que a 31 de Janeiro de 2018 que a obra do prédio se encontrava a 50,55% e que a obra dos lotes se encontrava a 40,54%.

O) Portanto, ao expurgar a alínea S) dos factos provados, o que o Tribunal “A Quo” faz mais não é do que dizer; A obra não está feita não existe,

P) Quando se sabe que a obra está feita que a obra existe, com base em toda a documentação que consta dos autos, e nomeadamente (mas não só) com base no já referido relatório pericial de folhas 403 a 437 e os esclarecimentos de folhas 440 a 444;

Q) Ou seja, do documento (relatório pericial) de folhas 403 a 437 e dos esclarecimentos de folhas 440 a 444 resulta que no mundo real há uma obra efectuada em 40,54%, e, ainda que o Tribunal “A Quo” entendesse (mesmo erradamente) que por não haver contrato assinado que não havia consequentemente crédito (também erradamente), mas ainda que assim o entendesse, não se vê em que termos é que tal entendimento (errado) poderia levar à expurgação da a alínea S) dos factos provados,;

R) O que equivale a dizer; relativamente àquela obra da qual existe um relatório que diz que aquela obra existe e que está feita, para o Tribunal, todavia aquela obra não existe porque se deve entender que não está provado que ela existe e a 40,54%.

S) O Tribunal “A Quo” ignora a lei ao dizer que não há (quando há) obra feita no mundo real; Ignora o relatório e esclarecimentos assim o atestam;

T) Portanto, também aqui, a violação da lei é grosseira, no caso o disposto no artigo 615.º, n. º1, alínea d) do CPC.

U) Aquilo que deveria o Tribunal “A Quo” ter feito, mesmo que quisesse seguir (erradamente) o seu raciocínio de “não há contrato não há pagamento” mesmo que quisesse seguir esse raciocínio, e poderia (ainda que forçadamente) tê-lo feito mas se o fizesse não poderia expurgar a alínea S) porque atesta obra feita no mundo real, e aquilo que deveria ter feito seria precisamente ir pelo enriquecimento sem causa, jamais expurgar a alínea S), e pelo enriquecimento sem causa manter a condenação da primeira instância.

V) Não o tendo feito, violou o Tribunal “A Quo” o disposto no artigo 615.º, n.º1, alínea c).

W) Ademais, o raciocínio do Tribunal “A Quo” também teria de falecer por outros motivos;

X) Diz o Tribunal “A Quo” que não há contrato que não há aceitação da obra que não há crédito e por isso nega para si próprio a existência da obra real e expurga a alínea S) dos factos provados.;

Y) Ainda que esse raciocínio de não há contrato que não há aceitação da obra que não há crédito pudesse colher (não nos parece);

Z) Mas ainda que pudesse colher, nunca poderia é colher a expurgação forçada do disposto na alínea S) dos factos provados);

AA) Porém, a verdade é que também o raciocínio de não há contrato que não há aceitação da obra não pode colher porquanto;

BB) Não obstante a não redução a escrito de um contrato de empreitada relativo à construção de três moradias sitas na Rua ..., Lotes 30 e 31, ..., ..., concelho de ..., pelo preço total de €435.000,00 com IVA, a verdade é que, materialmente, tal relação contratual existiu entre partes;

CC)Nesta senda, o artigo 1207º do Código Civil define o contrato de empreitada da seguinte forma: “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”;

DD) Como consta do requerimento de injunção que deu entrada na sequência de serviços de empreitada e obras solicitadas pela recorrida à recorrente, devendo pois a recorrente ser paga pelos serviços que prestou;

EE) De facto, de acordo com a definição legal de contrato de empreitada, a recorrente assumiu (e cumpriu) com a obrigação assumida de realização da obra, sendo que a recorrida assumiu a obrigação de pagamento do preço;

FF) O direito peticionado é o direito da autora recorrente ser paga por trabalhos efectivamente realizados;

GG) E esse direito não pode, de todo, ficar precludido pelo facto de não existir um contrato de empreitada reduzido a forma escrita;

HH) Por outro lado, sempre se diga que a integração da lacuna relativamente ao estabelecimento das condições do pagamento pela R. recorrida não pode ser integrada pelo recurso ao previsto no orçamento n.º 16/47 ou pelo artigo 1211.º, n.º 2 do CC.

II) De facto, admitindo-se a falta de redução a escrito do contrato de empreitada entre a recorrente e recorrida, no decurso dos autos, foi admitida, porém, o estabelecimento material da relação contratual de empreitada entre as partes, as prestações a que a recorrente se obrigou e o preço estipulado, a execução de parte do mesmo pela recorrente e o pagamento apenas parcial do preço o Tribunal da Relação teria de atender à prova produzida para aquilatar da justeza do pedido formulado pela autora norteados pelo princípio da boa fé que rege a disciplina dos contratos– vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.10.2017,disponível para consulta em www.homepagejurídica.pt. (negritos nossos).

JJ) Assim. o Tribunal “A Quo” ao invés de proceder à aplicação do normativo legal previsto no artigo 1211.º, n.º 2 do CC, deveria ter procedido à aplicação do artigo 227.º do Código Civil relativo ao princípio da boa-fé que deve reger as relações contratuais, quer durante a fase negocial, quer durante a sua execução;

kk) Mesmo que assim não entenda, sempre se diga que a ré ora recorrida, no que concerne às faturas n.º 16/62 e 16/70 que procedeu ao pagamento da quantia de € 234.500,00 (duzentos e trinta e quatro mil e quinhentos euros) o que corresponde a aceitação tácita da obra e em momento algum há sequer denúncia de defeitos, porque inexistem defeitos.

ll) Neste sentido, mesmo admitindo-se – o que apenas se faz por mera cautela de patrocínio e num exercício hipotético e meramente académico – que a recorrida apenas teria a obrigação de pagamento no ato da aceitação da obra, a verdade é que os pagamentos parciais das Faturas n.º 16/62 e 16/70 constituí uma aceitação tácita da obra por parte da ré recorrida.

mm) Assim, cumpre referir que a aceitação da obra é tácita se resultar de actos que a revelam, como seja se o dono da obra manifesta adesão à obra entregue – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31-01-2012, proferido no âmbito do processo n.º 191/07.0TBGDM.P1, proferido pela Relatora. Maria Cecília Agante

(negrito e sublinhados nossos).

nn) Ora, indubitavelmente, os pagamentos parciais realizados pela ré aqui recorrida constituí uma manifestação da sua adesão e aceitação da obra.

oo) No que concerne aos factos que a ré ora recorrente, reputava indevidamente considerados não provados, nomeadamente “3- A quantia a que alude a alínea E) corresponde a 35% das obras executadas a que aludem as alíneas A) e C”.

pp) Aqui, o Tribunal “A Quo”, resumidamente, entendeu e bem que “o facto ora Apelante pretende ver acrescentado ao elenco dos factos considerados provados é destituído de relevância.”

qq) Considerando, consequentemente, improcedente, nessa parte, da impugnação da matéria de facto realizada pela ré ora recorrida.

rr) Por último, a questão levantada, e a saber, se, uma vez alterada a decisão sobre matéria de facto, nos termos propugnados pela Apelante, deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se a Ré/Apelante do pedido contra ela formulado pela Autora/Apelada.

ss) Acima, abordou-se esta questão, onde detalhadamente se referiu que não poderiam nem deveriam ter sido expurgados da matéria factual provada os factos descritos nas alíneas P), Q), e muito menos S), devendo assim, o Douto Acórdão ser revogado, com os fundamentos supra expostos, e outros que V. Exas. Colendos Conselheiros melhor determinarão.

tt) Assim, com os fundamentos acima expostos, pela errada interpretação da lei, errada aplicação da lei (ou não aplicação da lei), no caso nomeadamente os artigos 3º, 217º, 227º, 406º, 473º, 1207º, 1208º, 1211º do código civil e do artigo 615º nº 1 alínea C) e D) do Código do Processo Civil, ou outros que V.Exas. melhor e Doutamente determinarão, requer-se assim a V. Exas. Colendos Conselheiros que o Douto Acórdão seja revogado por outro que mantenha a condenação da ré.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. COLENDOS CONSELHEIROS MELHOR E DOUTAMENTE DETERMINARÃO, PELOS FUNDAMENTOS APONTADOS, REQUER-SE QUE SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA, NA PARTE EM QUE A MESMA TEM POR OBJECTO A ERRADA INTERPRETAÇÃO, ERRADA APLICAÇÃO (OU NÃO APLICAÇÃO DA LEI), E QUE O DOUTO ACÓRDÃO SEJA REVOGADO POR OUTRO QUE MANTENHA A CONDENAÇÃO DA RÉ.”

A ré contra-alegou, concluindo a sua alegação desta forma:

“I. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterou a matéria de facto.

II. O douto Tribunal da Relação de Lisboa conclui que os factos vertidos nas alíneas P), Q) e S) da matéria factual considerada provada têm de ser expurgados do elenco dos factos considerados provados, ou seja, deu como não provados tais factos.

III. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa refutou indevidamente considerando não provados, os factos constantes do ponto 3 dos factos dados por não provados, pelo que tem de ser elencados aos factos considerados provados;

IV. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterou a matéria de facto fixada pelo douto Tribunal de 1.ª Instância, ao dar como não provados os factos constantes das alíneas P), Q) e S) dos factos dados por provados pelo douto Tribunal de 1.ª Instância e também ao dar como provados os factos constantes do ponto 3 dos factos dados por não provados pelo douto Tribunal de 1.ª Instância;

V. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fixou definitivamente a matéria de facto e no presente recurso, a matéria de facto não é objecto de reapreciação;

VI. A fundamentação do recurso é no sentido da reapreciação da matéria de facto fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o que está vedado, nos termos do artigo 674.º do Código de Processo Civil;

VII. A reapreciação da matéria de facto fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não constitui fundamento para o recurso de revista pelo que, nesta parte, deve ser liminarmente rejeitado;

VIII. A Recorrente alega que foi violado por omissão o artigo 473.º do Código Civil;

IX. A Recorrente não alegou, em 1.ª Instância e no Recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quaisquer factos inerentes

I. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterou a matéria de facto;

II. O douto Tribunal da Relação de Lisboa conclui que os factos vertidos nas alíneas P), Q) e S) da matéria factual considerada provada têm de ser expurgados do elenco dos factos considerados provados, ou seja, deu como não provados tais factos;

III. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa refutou indevidamente considerando não provados, os factos constantes do ponto 3 dos factos dados por não provados, pelo que tem de ser elencados aos factos considerados provados.

IV. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterou a matéria de facto fixada pelo douto Tribunal de 1.ª Instância, ao dar como não provados os factos constantes das alíneas P), Q) e S) dos factos dados por provados pelo douto Tribunal de 1.ª Instância e também ao dar como provados os factos constantes do ponto 3 dos factos dados por não provados pelo douto Tribunal de 1.ª Instância;

V. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fixou definitivamente a matéria de facto e no presente recurso, a matéria de facto não é objecto de reapreciação;

VI. A fundamentação do recurso é no sentido da reapreciação da matéria de facto fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o que está vedado, nos termos do artigo 674.º do Código de Processo Civil;

VII. A reapreciação da matéria de facto fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não constitui fundamento para o recurso de revista pelo que, nesta parte, deve ser liminarmente rejeitado;

VIII. A Recorrente alega que foi violado por omissão o artigo 473.º do Código Civil;

IX. A Recorrente não alegou, em 1.ª Instância e no Recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quaisquer factos inerentes aos pressupostos da figura jurídica do enriquecimento sem causa e muito menos invocou questões de direito relativamente a esta questão, pelo que não pode agora vir invocar o enriquecimento sem causa;

X. Sinceramente, não se descortina com que fundamento a Recorrente alega que o Acórdão recorrido violou por omissão, por não aplicação do regime de enriquecimento sem causa quando este regime nunca foi alegado;

XI. A Recorrente, no seu recurso, limita-se a citar os artigos do Código Civil que regem o Contrato de Empreitada, mas, mais uma vez, não fez quaisquer alegações de direito que consubstanciem qualquer violação de direito no Acórdão recorrido;

XII. A Recorrente, pelo contrário, apresenta uma alegação contrária à realidade;

XIII. No caso vertente não houve aceitação de obra e o contrato de empreitada não foi reduzido a escrito por culpa exclusiva do Recorrente que não assinou;

XIV. Sobre esta matéria, vejamos a fundamentação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a págs. 24 e 25 do referido Acórdão;

XV. A Recorrente, nas suas alegações, de forma muito extensa, desordenada e caótica, pretende reapreciar a matéria de facto, o que lhe está vedado e não apresenta fundamentos de direito que justifiquem o presente recurso;

XVI. O Venerando Acórdão objecto do presente recurso não viola a lei substantiva aplicada ao caso concreto;

XVII. Em suma, o presente recurso é manifestamente desorganizado e omisso nos fundamentos da matéria de direito, pelo que sem necessidade de mais considerandos, dir-se-á que deve ser negado provimento;

XVIII. O Acórdão recorrido é claro, objectivo e está excelentemente fundamentado, pelo que é inatacável;

XIX. O Acórdão recorrido não merece qualquer reparo face à qualidade jurídica evidenciada, pelo que deve negar-se provimento ao recurso;

Assim decidindo, mais uma vez, será feita Venerandos Conselheiros, a costumada e verdadeira Justiça.”

O recurso foi admitido.

3. Vem provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido, assinalando as alterações introduzidas na Relação):

«A - Entre Autora, na qualidade de empreiteira, e Ré, na qualidade de dona de obra, foi celebrado o seguinte:

"Contrato de Empreitada

(...)

Cláusula 1a

1 - 0 dono da obra adjudica ao empreiteiro e este aceita, a empreitada geral de construção de um edifício multifamiliar, a implantar no lote 13 sito na Rua ..., União das freguesias de ... concelho de ... e Distrito de ..., orçamento e adjudicação n° FT 16/47 de acordo com o projecto de arquitectura, e execução fornecido pelo dono de obra, compreendendo o conjunto de trabalhos de construção civil, descritos no presente contrato e seus anexos.

2 - A obra inclui também, mesmo nos casos em que não haja nenhuma indicação expressa nesse sentido, todos os trabalhos acessórios e preparatórios que forem necessários para a sua realização completa e segundo o uso corrente, correspondendo às exigências das funções para que foram concebidas e das quais o empreiteiro declara ter perfeito conhecimento.

3 - Em caso de injustificado incumprimento pelo empreiteiro, ou de este se revelar incapaz do cumprimento pontual do contrato, o dono de obra reserva-se o direito de executar ele próprio, ou mandar executar por terceiros, e por conta do empreiteiro, podendo, inclusivamente, abranger serviços incluídos no objecto do presente contrato. (...)

Cláusula 2a

1 - A empreitada objecto do presente contrato reger-se-á pelo mesmo e, em tudo o que for omisso, observar-se-á o disposto nos documentos que em seguida se enumeram, que ficam a fazer parte do presente contrato e que serão aplicáveis em tudo
quanto não o contrariem:

Documento 1

- caderno de encargos;

Documento 2

-orçamento;

Documento 3

-projectos de arquitectura e especialidades;

Documento 4

- calendarização e plano de pagamentos;

2 - Caso se verifiquem divergências, entre as peças contratuais enunciadas nas várias alíneas do número anterior, elas prevalecem umas sobre as outras por ordem pela qual são enumeradas, observando-se em primeiro lugar o disposto neste contrato.

(...) Cláusula 3a

1. - O preço global da empreitada objecto do presente contrato é de €750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), com IVA incluído à taxa legal em vigor.

2. - Todas as alterações ou variantes aos projectos devem constar de documento escrito assinado pelo dono de obra e pelo empreiteiro, podendo ser aditados ou suprimidos determinados trabalhos.

4 - O empreiteiro analisou o local de execução da obra e os projectos identificados na cláusula segunda, garantindo que não haverá lugar a qualquer reclamação por erros e omissões que resultem de divergências entre as listas de quantidade e de trabalho e o projecto, que decorram da falta de compatibilização dos diversos projectos.

(...)

7 - Na falta de pagamento pontual em qualquer uma das fases indicadas na calendarização (doe. 4), poderá a empreiteira suspender os trabalhos em curso da obra, até que a falta do pagamento seja sanada pelo dono da obra.

(...) Cláusula 5a

1 - O dono de obra fez consignação da obra no dia 01 de Maio de 2017, tendo o empreiteiro iniciado os trabalhos nesta data.

2 - O empreiteiro é responsável pela conclusão da obra, de acordo com os projectos e sem vícios, defeitos ou irregularidades, no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta dias) de calendário, a contar da data da consignação dos trabalhos.

3-O prazo fixado no número dois da presente cláusula é improrrogável, salvo autorização expressa e escrita do dono de obra ou outras razões que o justifiquem nomeadamente as de força maior ou as decorrentes de alterações ao projecto ou trabalhos a mais solicitados pelo dono de obra.

(...) Cláusula 6a

1. - Até ao dia 25 de cada mês, o empreiteiro apresentará o mapa de medição das quantidades de trabalhos executadas durante o mês em curso, à fiscalização, a qual dispõe de 3 (três) dias para conferência, e entrega ao dono da obra.

2. - As facturas do empreiteiro serão elaboradas de acordo com os mapas de medição das quantidades de trabalhos executados em cada mês, aprovadas pela fiscalização e serão pagas pelo dono da obra, até ao final do mês a que disser respeito.

3. - O dono de obra liquidará ao empreiteiro o custo dos trabalhos realizados mensalmente, com base em facturas por este apresentadas, em conformidade com os respectivos autos de medição e emitidas até ao dia 25 de cada mês.

(...) Cláusula 8a

1 - Para controlar o andamento progressivo, a qualidade da execução dos trabalhos, o cumprimento do plano de trabalhos e a promoção de acções correctivas consideradas necessárias, realizar-se-ão reuniões semanais em dia a fixar pela fiscalização, das quais são lavradas actas, que são assinadas pelos presentes, onde serão registados todos os factos significativos que tenham ocorrido na semana anterior.

(...)

3 - 0 empreiteiro compromete-se a informar imediatamente o dono de obra, por escrito, de qualquer facto próprio ou causa de força maior, susceptível de provocar atrasos ou mesmo suspensão dos trabalhos.

(...)

Cláusula 15a

1. - A rescisão unilateral do presente contrato por qualquer dos outorgantes terá lugar e processar-se-á de acordo com o clausulado do presente contrato e demais legislação aplicável, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2. - A rescisão será feita através de carta registada com aviso de recepção e produzirá efeitos imediatos. (...)

4 - A rescisão do contrato determinará a imediata suspensão dos pagamentos e o apuramento definitivo de saldos credores e devedores.

(...)

Cláusula 17a

1 - Nada foi convencionado entre os outorgantes, directa ou indirectamente, relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas cláusulas e documentos anexos.

2 - Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das aditadas ou modificadas.

(...)"., tudo conforme documento junto a folhas 17 a 28 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

B - O início dos trabalhos a que alude a alínea A) ocorreu no dia 01 de Maio de 2017.

C - A Ré contratou ainda a Autora para a realização de empreitada de três moradias sitas na Rua ..., Lotes 30 e 31, ..., ..., concelho de ..., cujo preço total foi de €435.000,00 com IVA incluído.

D - A Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes facturas:

»» Factura n° 16/62, datada de 18 de Outubro de 2017, com vencimento em 18 de Outubro de 2017, no valor de €236.150,0 (duzentos e trinta e seis mil cento e cinquenta euros), já com IVA incluído à taxa legal e da qual consta da sua descrição "facturação dos trabalhos conforme orçamento n 16/67 datado a 02/04/2017 e adjudicação; Facturação dos trabalhos conforme orçamento n 16/67 datado a 02/04/2017 e adjudicação", tudo conforme documento junto a folhas 101 verso e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

»» Factura n° 16/70, datada de 03 de Janeiro de 2018, com vencimento no dia 03 de Janeiro de 2018, no valor de €115.349,98 (cento e quinze mil trezentos e quarenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), já com IVA incluído à taxa legal, e da qual consta da sua descrição "facturação dos trabalhos conforme orçamento n 16/67 datado a 02/04/2017 e adjudicação", tudo conforme documento junto a folhas 102 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

»» Factura n° 16/71, datada de 03/01/2018, com vencimento no dia 03 de Janeiro de 2018, no valor de €67.791,50 (sessenta e sete mil setecentos e noventa e um euros e cinquenta cêntimos), já com IVA incluído à taxa legal, e da qual consta da sua descrição "facturação das alterações aprovadas pelo cliente conforme mapa em anexo datado a 03 de Janeiro de 2018", tudo conforme documento junto a folhas 102 verso e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

E - A Ré das construções a que aludem as alíneas A) e C) pagou à Autora a quantia de €416.750,00 (quatrocentos e dezasseis mil setecentos e cinquenta euros).

F- Por carta registada com aviso de recepção datada de 12 de Fevereiro de 2018 a Ré comunicou à Autora o seguinte:

Ex.mo.(s) Sr.(s).

Solicitamos a Va,(s) Exa.(s), para outorgarem os contratos de empreitada cujas cópias se anexa, conforme solicitado no passado dia 5 de maio de 2017, por email.

Inexplicavelmente nunca assinaram os contratos, não obstante terem assinado o contrato relativo a empreitada de outro imóvel.

Acordaram executar 3 moradias, de acordo com a calendarização anexa ao contrato.

A nossa empresa na qualidade de dona de obra, adjudicou a Va. Exa. (s), a empreitada de construção de 3 moradias.

A vossa empresa obrigou-se a concluir a obra, de acordo com os projectos e sem vícios, defeitos e irregularidades, no prazo máximo de 240 dias após o início das obras, que ocorreu a 1 de Junho de 2017.

Segundo a calendarização de trabalhos, no final de Janeiro de 2018, já devia ter sido executado 100%.

Têm existido atrasos sucessivos no bom andamento de obra, pelo que não conseguiram concluir a obra no prazo acordado, o que vai implicar sermos objecto de pedido de indemnização por parte dos promitentes-compradores.

Com efeito, já prometemos vender as moradias, e caso a obra não seja entregue no mês em curso, vamos ter de indemnizar os promitentes-compradores.

A Obracima Lda revelou-se totalmente incapaz de executar a obra no prazo constante na clausula 5a do contrato, sendo certo que o lamentável atraso, sem qualquer justificação revela claramente que não foram capazes de executar a obra no prazo acordado, pelo que vamos ter de assumir a execução da mesma.

Com base do incumprimento atrás referido, por causa imputável unicamente a vossa empresa, vimos rescindir unilateralmente o contrato de empreitada

Assim, vimos solicitar nos termos da clausula 13a, do contrato de empreitada, que a Obracima, retire da obra todos os equipamentos, maquinaria, pessoal, materiais e levante o estaleiro no prazo de 3 dias úteis, após a recepção desta carta

(...)." (tudo conforme documento junto a folhas 67 a 69 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

G - Por carta registada com aviso de recepção datada de 12 de Fevereiro de 2018 a Ré comunicou à Autora o seguinte:

Ex.mo.(s) Sr.(s).

A JVG - Construção Civil Lda outorgou com Va. (s) Exa.(s) em 4 de Maio de 2017, um contrato de empreitada.

Na qualidade de donos da obra adjudicamos a Va. (s) Exa.(s), na qualidade de empreiteira a empreitada geral de construção de um edifício multifamiliar a implantar no lote 13, da Rua ..., ..., concelho de ....

Nos termos da cláusula 5a do aludido contrato de empreitada, Va. (s) Exa. (s). obrigaram-se a concluir a obra, de acordo com os projectos e sem vícios, defeitos e irregularidades, no prazo máximo de 360 dias, os quais tiveram inicio a 1 de Maio de 2017.

Segundo a calendarização de trabalhos, no final de Janeiro de 2018, já devia ter sido executado 81% da obra, quando ainda foi só executada 30%.

Têm existido atrasos sucessivos no bom andamento de obra, pelo que existe o sério risco de sermos fortemente penalizados por terceiros, promitentes-compradores de várias fracções, em virtude de o prédio não se encontrar concluído até ao prazo acordado.

A Obracima Lda, enviou-nos por email, a factura 16/71 a reclamar a quantia de 67.791,50€ (sessenta e sete mil setecentos e noventa e um euros e cinquenta cêntimos) relativo a alterações, que não tem qualquer justificação.

No contrato de empreitada que outorgamos, no n° 2 da clausula 1a, diz expressamente que qualquer alteração a execução da obra dependerá sempre da aprovação escrita do dono de obra.

Sucede que não aprovamos, nomeadamente por escrito, qualquer alteração, pelo que rejeitamos, por não serem devidos, o valor reclamado na referenciada factura.

A Obracima Lda revelou-se totalmente incapaz de executar a obra no prazo constante na clausula 5a do contrato, sendo certo que o lamentável atraso, sem qualquer justificação revela claramente que não vai conseguir executar a obra no prazo acordado, pelo que vamos ter de assumir a execução da mesma.

Com base do incumprimento atrás referido, por causa imputável unicamente a vossa empresa, vimos rescindir unilateralmente o contrato de empreitada outorgado a 4 de Maio de 2017, nos termos da clausula 15a do mencionado contrato.

Assim, vimos solicitar nos termos da clausula 13a, do contrato de empreitada, que a Obracima, retire da obra todos os equipamentos, maquinarias, pessoal, materiais e levante o estaleiro no prazo de 3 dias úteis, após a recepção desta carta.

Melhores cumprimentos,

..., 12 de Fevereiro de 2018

(...)"., ludo conforme documento junto a folhas 70 a 72 dos autos e cujo teor se dá aqui por Integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

H - Do montante a que alude a factura n° 16/70, a Ré pagou a quantia de €44.500,00.

I - Do montante a que alude a factura n° 16/62, a Ré pagou a quantia de €190.000,00.

J - Por carta enviada em 09 de Fevereiro de 2018, junta a folhas 103 verso a 104 verso, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Autora comunicou à Ré o seguinte:

"Boa tarde SR. AA,

Vimos, por este meio, relembrar que a JVG, Lda contratou a primeira empreitada com a Obracima, Lda conforme consta do orçamento , da adjudicação n° 16/67 datada de 02/04/2017, e bem assim do contrato assinado a 19/05/2017 para execução de um edifício de habitação unifamiliar situado na Urbanização ... lote 13 ..., no valor de €750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), com IVA incluído.

Passados que foram, aproximadamente dois meses, a JVG, Lda contratou a segunda empreitada com a Obracima, Lda conforme consta do orçamento, da adjudicação n° 16/47 datada de 22/11/2016, sendo que o orçamento e adjudicação assinados a 25/08/2017 foram para a construção de três moradias situadas na Rua ..., lotes 30 e 31, ... ..., no valor de €435.000,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil euros) com IVA incluído.

A faturação dos trabalhos executados começou como consta no plano de pagamentos anexo ao contrato de empreitada e conforme consta na fatura 16/54 no valor de €52.250,01 e datada de 19/05/2017 liquidada a 25/05/2017, e na fatura 16/57 no valor de €129.500,01 datada de 23/06/2017 cujos pagamentos já não coincidem com o plano de pagamentos anexo ao contrato, pois os trabalhos contratados tinham acrescido dos orçamentos e adjudicação do valor de €750.000,00, para o valor de €1.185.000,00 (um milhão e cento e oitenta e cinco mil euros), pois, por mútuo acordo deu-se inicio aos trabalhos do orçamento 16/47, tudo como consta do plano de pagamentos, que depois ficou sem efeito e começou-se a faturar a pedido do Sr. AA por percentagem global dos trabalhos adjudicados no valor de €1.185.000,00 conforme consta das faturas seguintes com o n° 16/62 datada de 18/10/2017, n° 16/70 datada de 03/01/2018, n° 16/71 datada fr 03/01/2018 tudo nomeadamente de trabalhos a mais solicitados pelo Sr. AA - n° 16/72 datada a 29/01/2018.

A partir de Junho começou-se a notar a falta do pagamento total das faturas. Como estávamos em várias obras da JVG, Lda e o Sr. AA aparecia na fiscalização das mesmas, fomos andando com os trabalhos, nunca se esquecendo porém que se encontravam vários valores vencidos na conta corrente, sendo o mesmo abordado várias vezes com a falta de pagamento dos valores vencidos.

Saliento também que os prazos assumidos entre a JVC, Lda e a Obracima, Lda e como consta no contrato para a construção quer do prédio quer das moradias é de um ano, não esquecendo a falta de pagamentos nas datas devidas, escolhas dos materiais e indefinições nos vários projetos conforme os mesmos.

A rescisão nos moldes referidos mais não é que uma forma de "virar o bico ao prego" quando bem sabe a dona de obra, que deve valores vários, tendo sido várias as tentativas de receber os valores em divida na conta corrente.

(...)."

L - A construção das três moradias pelo valor a que alude a alínea C) importou apenas a celebração de um único contrato, o qual foi precedido da elaboração e aceitação do orçamento n° 16/47 tudo conforme documento junto a folhas 99 verso a 100 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

M - A Ré enviou à Autora os documentos juntos a folhas 29 a 40 e 42 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, denominados de "contrato de empreitada" referentes à construção nos lotes 30 e 31 respectivamente, os quais não foram assinados pela Autora.

N - A meio da realização das obras a que aludem as alíneas A) e C), os trabalhos contratados passaram a ser facturados por "percentagem global", ou seja, de acordo com os trabalhos executados.

O - A data de inicio das obras a que alude a alínea C) foi o dia 10 de Junho de 2017 para o lote 30 e 10 de Agosto de 2017 para o lote 31 e o prazo máximo de construção seria de 09 meses.

P - Por referência à factura n° 16/62 a Ré não pagou à Autora a quantia de €46.150,00. ELIMINANO PELA RELAÇÃO

Q - Por referência à factura n° 16/70 a Ré não pagou à Autora a quantia de €70.849,98. ELIMINANO PELA RELAÇÃO

R - A Ré não pagou à Autora a totalidade da quantia a que alude a factura n° 16/71.

S - Em 31 de Janeiro de 2018 encontrava-se executada 50,55% da obra referente ao lote 13, quanto aos lotes 30 e 31 encontrava-se executada 40,54% da obra. ELIMINANO PELA RELAÇÃO

T - Para além das facturas a que alude a alínea D) por referência à obra do lote n° 13 e das obras dos lotes 30 e 31, a Autora emitiu as seguintes facturas: n° 16/57 no valor de €129.500,01 e a factura n° 16/72 no valor de 59.250,00.

U - No 1o Juízo da Instância Central Cível de ..., Comarca de Lisboa, correu termos a acção sob a forma de processo comum n° 18547/18.0..., onde era peticionada a condenação da aqui Ré da factura n° 16/72, no montante de €59.250,00, acrescida de €4.931,55 a título de juros de mora vencidos.

V - Por decisão proferida nos autos a que alude a alínea U), confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e já transitada em julgado, foi a referida acção julgada improcedente e a Ré integralmente absolvida do pedido.

Factos Considerados Não Provados na Ia Instância e não alterados na Relação:

1. - A construção das três moradias pelo valor a que alude a alínea C) importava a celebração de dois contratos.

2. - A Ré como dona de obra aprovou alterações à/s obra/s, alterações essas a que corresponde a Factura n° 16/71 a que alude a alínea D).

3. - A quantia a que alude a alínea E) corresponde a 35% das obras executadas a que aludem as alíneas A) e C).

4. - 0 constante da alínea N) foi a pedido da Ré, pela pessoa de AA.

5. - A Autora viu-se obrigada a abrandar o ritmo dos trabalhos, sem nunca ter parado de trabalhar na obra, apenas devido à falta de pagamentos por parte da Ré que, não obstante ter sido interpelada, não pagou as quantias em falta.

6. - A Autora não paga aos fornecedores.

7. - A Ré sofreu prejuízos causados pela Autora.

8. - Em virtude do constante da alínea N) não foi elaborado qualquer plano de pagamentos para o orçamento a que alude a alínea L).

4. Estão assim em causa as seguintes questões:

– Nulidade do acórdão recorrido, nos termos das alíneas c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil;

– Indevida eliminação dos pontos P), Q) e S) dos factos considerados provados em 1.ª instância (questão que em parte se sobrepõe à anterior);

– Violação de lei (ainda) por falta de apreciação do pedido à luz do princípio da boa fé ou do enriquecimento sem causa;

– Aceitação tácita da obra;

5. A recorrida sustenta que o recurso não é admissível porque a sua “fundamentação é no sentido da reapreciação da matéria de facto fixada” pelo acórdão recorrido, “o que está vedado nos termos do artigo 674.º do Código de Processo Civil”, razão pela qual “deve ser liminarmente rejeitado”.

É certo que, no âmbito do recurso de revista, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente recordado, a sua intervenção se restringe à apreciação da decisão de direito (cfr. n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil); mesmo nos casos em que pode alterar a matéria de facto que vem fixada, tal possibilidade, em bom rigor, é ainda um resultado de uma decisão em matéria de direito (cfr. n.º 3 do artigo 674.º e n.º 2 do citado artigo 682.º). Pode, por exemplo, controlar meios de prova com força legalmente tabelada, mas não aqueles que estão sujeitos à regra da livre apreciação (cfr., apenas como ex., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2023, www.dgsi.pt, pro. n.º 549/21.1T8VCT-B.G1.S1 e jurisprudência nele citada).

O recurso é admissível, por respeitar também a questões de direito.

6. Antes de passar ao conhecimento das questões que integram o objecto do recurso, convém frisar o seguinte:

– Como a sentença recorda, não está em discussão nesta acção – e, portanto, neste recurso – “apurar se a ré, enquanto dona das obras, podia ou não rescindir unilateralmente os contratos de empreitada por incumprimento imputável à autora (esta questão não foi posta em causa pelas partes)” (sentença, pág. 23);

– Não se interpreta o acórdão recorrido no sentido de ter entendido «que por não haver contrato assinado que não há aceitação da obra que não há crédito (erradamente). E por assim entender (erradamente), se o tribunal “a quo” não expurgasse a alínea S) dos factos provados, ficaria com “um problema” em mãos (passe a expressão) que seria o seguinte; (…) ter-se-ia como provado (o que é verdade no mundo físico) que a obra está feita e a 40,54% pelo que, se assim fosse, essa obra ficaria pertença da ré a título gratuito?» (pág. 12 das alegações), ou que «nega para si próprio a existência da obra real e expurga a alínea S) dos factos provados».

O acórdão recorrido considerou que, não tendo sido assinados pela autora «os documentos denominados de “contrato de empreitada” referentes à construção das aludidas três moradias nos lotes 30 e 31, que a ré lhe enviou e que estão juntos a folhas 29 a 40 e 42 a 52, respectivamente, (…) este segundo contrato de empreitada rege-se exclusivamente pelo mencionado orçamento n.º 16/47, junto a fls. 99 verso e 100 dos autos (…)»; que, «no que se refere às condições de pagamento do preço desta segunda empreitada, tudo quanto consta do orçamento é que: ‘Os prazos de conclusão da obra e os pagamentos são a combinar” (sic)»; que, «não tendo a dona da obra (ora ré) e a empreiteira (ora autora) convencionado o que quer que seja, no referido orçamento, quanto ao prazo de conclusão das obras compreendidas no objecto da empreitada e quanto ao prazo em que deveria ser pago o preço da empreitada, vigora a regra supletiva contida no artigo 1211.º, n.º 2 do Código Civil, segundo a qual o preço da empreitada deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra»; que «irreleva que se tenha provado que a meio da realização das obras a que aludem as alíneas A) e C), os trabalhos contratados passaram a ser facturados por “percentagem global”, ou seja, de acordo com os trabalhos executados (al. N) dos factos considerados provados). Este modo de facturação não estava convencionado no mencionado orçamento n.º 16/47, pelo qual se rege o 2.º contrato de empreitada, nem se demonstrou que tivesse sido acordado entre as partes»; que, de qualquer modo, estando o contrato que agora está em causa sujeito a forma escrita (n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 41/2015 e artigo 1.º da Portaria n.º 119/2012, de 30 de Abril), um acordo verbal que tivesse existido «não teria a virtualidade de derrogar a mencionada regra supletiva» (nº 1 do artigo 221.º do Código Civil); que não foi, nem alegado, nem, consequentemente, provado «se e quando é que teve lugar a aceitação da(s) obra(s) incluída no objecto desta empreitada. Assim sendo, ignorando-se se essa aceitação da obra já teve lugar e quando é que isso ocorreu», a dúvida devia ser resolvida nos termos da repartição do ónus da prova, ou seja, contra a autora; por tudo isto, concluiu o acórdão recorrido, as «alíneas P), Q) e S) da matéria factual considerada provada têm de ser expurgados do elenco dos factos considerados provados, porque todos eles pressupõem que as facturas emitidas pela autora, com reporte aos trabalhos compreendidos no objecto desta 2.ª empreitada (…) correspondem a créditos vencidos da autora sobre a ré – o que, como vimos, é desmentido pelo clausulado do contrato de empreitada vertido no mencionado orçamento n.º 16/47 (…)»

O motivo da eliminação da al. S) dos factos considerados provados em 1.ª instância foi, na perspectiva do acórdão recorrido, não se poderem ter como vencidos os créditos a que correspondem as referidas facturas;

– Que da invocação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Maço de 2017 (pelo conteúdo do que se cita, supõe-se que seja esta a data do acórdão, www.dgsi.pt, proc. n.º 6327/13.4TBSXL.L1-7), que, nas considerações a ter em conta, refere efectivamente a necessidade de considerar a boa fé, e a observação de que, em vez de ter aplicado o n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil, «deveria ter procedido à aplicação do artigo 227.º do Código Civil, relativo ao princípio da boa fé que deve reger as relações contratuais, que durante a fase negocial, quer durante a sua execução» não se pode retirar qualquer crítica ao acórdão recorrido. É indiscutível que o princípio da boa fé rege a negociação (227.º do Código Civil) e a execução dos contratos (n.º 2 do artigo 762.º, também do Código Civil); no caso, todavia, o acórdão recorrido considerou que o orçamento 16/47 é o escrito pelo qual se rege o contrato de empreitada e que, desse escrito, consta uma cláusula que remete para combinação ‘os prazos de conclusão da obra e os pagamentos’ e que não tendo havido essa combinação, é aplicável a regra supletiva contida do n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil. Admitindo que a falta daquela combinação poderia ser preenchida de forma diversa, em aplicação do princípio da boa fé, sempre teria de haver prova concreta que o permitisse suportar;

– O Supremo Tribunal de Justiça não pode considerar uma causa de pedir não oportunamente alegada, como é o enriquecimento sem causa; mesmo que pudesse, e que a circunstância de não ter sido colocada ao Tribunal da Relação não impedisse a sua apreciação no recurso de revista, sempre faltaria a alegação e prova dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos de uma eventual condenação por enriquecimento sem causa.

7. A recorrente vem arguir a nulidade do acórdão recorrido por violação das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Como todos sabemos, e deixando de lado a hipótese de falta de assinatura do juiz (al. a) do n.º 1 do artigo 615.º), as nulidades das decisões judiciais correspondem a vícios de formação dessas decisões e não se confundem com os erros de julgamento. Por isso, são desvios admissíveis ao princípio de que, proferida a decisão, esgota-se o poder jurisdicional do juiz (n.º 1 do artigo 613.º); a sua correcção não envolve mudança de opinião ou de entendimento dos factos ou do direito por parte do julgador, mesmo nos casos em que possa implicar uma alteração da decisão (por ex., porque a condenação excedeu o pedido, ou porque a parte decisória se não pode deduzir dos fundamentos).

De acordo com a al c), uma sentença (ou um acórdão da Relação, como é o caso, cfr. n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo Civil, ou um despacho, cfr. n.º 3 do artigo 613.º) é nula quando os fundamentos forem contraditórios com a decisão ou, ainda, quando se verificar uma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Da conjugação entre as conclusões U) e V) resulta – assim se interpretam – que a recorrente estará a referir-se à hipótese da contradição.

Ora a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando a coerência interna da sentença – no sentido de que a decisão deve ser coerente com os fundamentos, deve ser a sua consequência – não se verifica. Quando ocorre este vício, no fundo, a fundamentação apresentada não cumpre as funções que geralmente lhe são atribuídas, intra ou extraprocessuais.

Da leitura do acórdão recorrido não se encontra essa contradição, como aliás decorre da segunda das considerações constantes do ponto 6. deste acórdão.

Da leitura das alegações e, em particular, das conclusões U) e V), decorre a discordância da recorrente em relação ao que se decidiu.

Improcede esta arguição de nulidade.

Mas a recorrente invoca ainda a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º, admitindo-se que se refere à nulidade por omissão de pronúncia (a al. d) inclui também a nulidade por excesso de pronúncia).

Uma sentença é nula por omissão de pronúncia quando deixa de se pronunciar sobre as questões que deva apreciar, salvo se ficarem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. n.º 2 o artigo 608.º, preceito que, no caso das decisões proferidas em recurso, tem que ser devidamente entendida à luz do seu objecto); sendo de todos conhecida a distinção entre questões e argumentos apresentados para as sustentar. A sentença tem de conhecer de todas as questões, mas não de todos os argumentos – cfr. o já citado n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil.

Entende-se de novo que a recorrente está a manifestar discordância em relação ao que se decidiu no acórdão recorrido, invocando o que, aliás, expressamente qualifica como errada interpretação e aplicação da lei e ilegalidade.

É certo que afirma que a Relação “ignora o relatório pericial de folha 403 a 437 e os esclarecimentos de folhas 440 a 444, assim violando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil”.

No entanto, essa não consideração sustentada pela recorrente não corresponde ao não conhecimento de uma questão que o acórdão recorrido tivesse que apreciar; mas, sim, à alegação de um erro de julgamento, consistente na eliminação da alínea S) dos factos provados.

Improcede igualmente esta arguição de nulidade.

8. A recorrente entende que não deviam ter sido eliminadas as als. P), Q) e S) dos factos provados; e que, mesmo seguindo o caminho traçado pelo acórdão recorrido para chegar à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil, se devia considerar ter havido aceitação tácita da obra: “a verdade é que os pagamentos parciais das facturas n.ºs 16/62 e 16/70 constitui uma aceitação tácita da obra por parte da ré recorrida”.

Embora não conste do Código Civil a exigência, em geral, de forma (nomeadamente escrita) para a validade de um contrato de empreitada, resulta do artigo 26.º da Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho (Estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção), conjugado com o artigo 1.º da Portaria n.º 119/201, de 30 de Abril, tendo em conta o valor da empreitada identificada na al. C) dos factos provados e agora em causa, € 435 000,00, com IVA incluído, que estava sujeita a forma escrita.

Essa forma escrita abrange os elementos essenciais de um contrato de empreitada – a obrigação de realização de uma obra e a correspectiva obrigação de pagar um preço, cujo montante, de acordo com o regime geral, pode ser determinado nos termos do artigo 883.º, também do Código Civil, cfr. n.º 1 do artigo 1211.º –, sendo que, para as empreitadas abrangidas pela Lei n.º 41/2015, inclui ainda os elementos constantes do n.º 1 do seu artigo 26.º; entre eles, figuram a identificação do objecto do contrato, o seu valor e o prazo de execução da obra.

Os documentos destinados a consubstanciar a(s) empreitada(s) agora em causa – identificada(s) em C) dos facto provados –, “referentes à construção nos lotes 30 e 31” (ponto M dos factos provados) foram enviados pela ré à autora, que não os assinou (mesmo ponto M). Foi, todavia, elaborado e aceite pelas partes o orçamento correspondente, com o n.º 16/47 e constante de fl. 99, v, e 100 (ponto L dos fatos provados). Constando do documento que o formaliza os elementos indispensáveis para que se considere cumprida a forma do contrato, é por esse documento que o respectivo conteúdo se afere.

Interessa agora o que respeita ao pagamento do preço, mais concretamente, à definição do momento em que o preço deve ser pago, no todo ou por parcelas.

Do texto do orçamento 16/47 consta que “Os prazos de conclusão da obra e os pagamentos são a combinar”.

O orçamento previa, assim, que se definisse por um acordo posterior as condições de pagamento. Todavia, não consta dos factos provados que esse acordo tenha existido, reduzido ou não a escrito.

O acórdão recorrido entende, como se viu já, que, não tendo havido convenção das partes, nem, acrescenta-se, prova de “uso em contrário”, quanto ao prazo de pagamento do preço, vale a regra supletiva definida no n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil: “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra”.

Não vem efectivamente provado que tenha sido acordado «que a meio da realização das obras a que aludem as alíneas a) e C), os trabalhos contratados passassem a ser facturados por “percentagem global”, ou seja, de acordo com os trabalhos executados (al. N) dos factos considerados provados».

Contrariamente ao que se sustentou no acórdão recorrido, admite-se que poderia valer um acordo não escrito, uma vez que seria uma estipulação posterior para a qual a lei não exige forma escrita (n.º 2 do artigo 221.º do Código Civil) – nem consta da lista do n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 41/2015, nem se pode considerar a definição da condições de pagamento um elemento essencial do contrato de empreitada, abrangido pela razão de ser da exigência de forma escrita para as empreitadas de obras particulares cujo valor exceda o que fixa o n.º 1 da Portaria n.º 119/2012.

Seja como for, não se provando qualquer acordo que se pudesse entender como uma combinação sobre os pagamentos, a conjugar com o orçamento n.º 16/47, tem de se concluir pela aplicação da regra supletiva constante do n.º 2 do artigo 121.º do Código Civil.

Não estando provada a aceitação da obra a que respeita o orçamento n.º 16/47, e independentemente de estar ou não provada a realização de obra, há que concluir como o acórdão recorrido: a inclusão nos factos provados das alíneas P), Q) e S) tem como pressuposto «que as facturas emitidas pela autora, com reporte aos trabalhos compreendidos no objecto desta 2.ª empreitada (…) correspondem a créditos vencidos da autora sobre a ré”, razão pela qual nenhum reparo merece a sua exclusão – que, manifestamente, não tem o significado que lhe é atribuído pela recorrente, quando afirma “ao expurgar a alínea s) dos factos provados, o que o Tribunal ‘a quo’ faz mais não ´do que disse; A obra não está feita não existe” (concl. O)).

Apenas se acrescenta que, não obstante não estar em causa a resolução do contrato, a circunstância de vir provado que a ré a opôs à autora impede, desde logo, que se possa entender estarem reunidas as condições para uma eventual aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 610.º do Código de Processo Civil.

9. A recorrente alega que, a considerar aplicável o n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil, se deve entende que houve aceitação tácita da obra: “a verdade é que os pagamentos parciais das facturas n.º 16/62 e 16/70 constitui uma aceitação tácita da obra por parte da ré recorrida”.

Como se recordou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 2020, ECLI:PT:STJ:2020:5455.15.6T8LSB.L1.S1, «As declarações tácitas assentam numa presunção: de factos tidos por concludentes, o julgador deduz um significado declarativo, que se alcança por via interpretativa, recorrendo às regras de interpretação das declarações negociais (artigo 236.º e segs. do Código Civil); como observa Paulo Mota Pinto, “a ilação é – nas declarações «receptícias» – de fazer de acordo com o padrão das «impressão do destinatário» – ou seja, depende do juízo sobre se um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário», a efectuaria. O critério para a obtenção de uma declaração tácita (pelo menos das receptícias) há-de ser, aqui também, o da impressão do destinatário, como aliás a jurisprudência já esclareceu” (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Coimbra, 1995, págs. 754-755.

Está fora de dúvida que a aceitação da obra, no contrato de empreitada, pode ser tácita – deduzida de factos que “com toda a probabilidade, a revelam” (n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil) – por exemplo, “a tomada do controlo material da coisa, entregue pelo empreiteiro” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XII, Contratos em Especial, 2ª parte, Almedina, 2018, pág. 203), ou “uma comunicação ao empreiteiro de que a obra foi executada conforme o convencionado e sem vícios”(Pedro Romano Martínez, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, pág. 814.)

A aceitação da obra tem diversos efeitos e pode ser total e parcial, como todos sabemos; no caso, deduzindo-se de um pagamento parcial (recorde-se que nesta acção a autora pretende o pagamento do que considera em dívida, por referência às mesmas facturas). Teria que ser parcial.

Ora a aceitação que a recorrente entende resultar do pagamento parcial das facturas 16/62 e 16/70 só lhe aproveitaria se fosse total – justamente porque só assim permitiria considerar vencida a totalidade do crédito invocado pela recorrente.

Da aplicação do critério da impressão do destinatário medianamente informado e diligente, como habitualmente se diz (do “declaratário normal”, n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil), colocado na posição da recorrente – que sabia que, na sua perspetiva, os pagamentos efectuados correspondiam a parte do preço – não se pode retirar que a recorrente interpretaria esses pagamentos parciais como significando uma aceitação total. E não se invoque, para contrariar esta afirmação, o que vem provado em N (“a meio da realização das obras a que aludem as alíneas A) e C), os trabalhos contratados passaram a ser facturados ‘por percentagem global’, ou seja, de acordo com os trabalhos executados”), porque não está provado que esse procedimento resultasse de acordo das partes.

10. Segundo as regras de repartição do ónus da prova, a incerteza sobre um facto corre contra a parte a quem incumbia o ónus de o provar (art. 342.º do Código Civil).

Não se podendo considerar provada a aceitação por parte da ré, nem tão pouco quando teria ocorrido, não se pode ter como provada a exigibilidade dos pagamentos pretendidos nesta acção, que estão em causa neste recurso.

A acção não pode, portanto, proceder, tal como se entendeu no acórdão recorrido.

11. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Lino Ribeiro

Sousa Lameira