Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | GONÇALVES ROCHA | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME SANÇÃO ABUSIVA JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 11/19/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Processo de Trabalho, p. 61. - MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pp. 424 e 425. - MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, Almedina, 17ª edição, p. 214; Temas Laborais, páginas 60 e 61. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 762.º, N.º2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC):- ARTIGOS 615.º, N.º1, AL. D), 662.º, N.º4, 671.º, N.º3, 674.º, N.º3, 682.º, N.º2. CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT), NA VERSÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELO D.L. N.º 480/99, DE 9/11: - ARTIGO 77.º, N.º1. CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 119.º, N.º1, 120.º, N.º1, AL. E), 367.º, 374.º, N.ºS 1, AL. A), E 2, 396.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º. LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 5.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 28/1/98, AD. 436/558; 28/5/97, BMJ 467/412; E 28/6/94, CJS, 284/2; DE 22/2/95, CJS, 279/1. -DE 13/02/2008, PROCESSO N.º 4196/07; DE 12/3/2008, PROCESSO Nº 07S3380; 30/4/2008, PROCESSO N.º 07S3658; DE 30/9/2009, PROCESSO Nº 623/09; DE 31/10/2012, PROCESSO Nº 598/09.8TTALM.L1.S1, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . -DE 17/04/2013, PROCESSO N.º 2177/07.TTLSB.L1.S1. | ||
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Sumário : |
I- Não ocorre dupla conforme, nos termos do artigo 671º , nº 3 do CPC, se a Relação, julgando procedente o recurso subordinado do A, agravou as consequências do despedimento ilícito de que este havia sido alvo, mandando incluir no cômputo das retribuições a que o trabalhador tem direito o subsídio de turno e os subsídios de periculosidade, insalubridade e penosidade que auferia com carácter de regularidade. II- O regime das sanções abusivas materializa uma forma de tutela específica dos trabalhadores contra o abuso no exercício do poder disciplinar por parte do empregador, sobretudo quando o poder disciplinar é usado como forma de reacção contra o exercício legítimo dos seus direitos. III- Não se pode considerar abusiva a sanção aplicada pela entidade empregadora na sequência da prática de factos integrativos de ilícito disciplinar, pois a ilicitude da conduta do trabalhador, demonstrando haver fundamento para a sua punição, afasta a ideia de que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação por este ter reclamado contra as condições de trabalho. IV- Ao empregador pertence o ónus da prova dos factos integrantes de justa causa de despedimento por si invocada. V – Não se podendo concluir da matéria apurada pelas instâncias que a conduta do trabalhador tenha assumido uma gravidade tal que tenha tornado impossível a subsistência da relação laboral, não ocorre justa causa de despedimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra
“CC – … (…) S.A.”, pedindo que seja:
- Anulada a sanção de repreensão registada que lhe foi aplicada pela Ré; - Reconhecido e declarado que esta sanção tem natureza abusiva e assim seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000, a título de danos não patrimoniais decorrentes da sua aplicação; - Declarado e reconhecido que o A. foi despedido sem justa causa; - Declarado ilícito esse despedimento; - Condenada a R. a reintegrá-lo ao seu serviço, no seu posto de trabalho e com a antiguidade e vencimento que lhe competir, ou a pagar-lhe uma indemnização calculada no montante de 45 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, se por ela o A vier optar; - Condenada a R. a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o mês anterior ao da data de entrada em juízo da presente acção e as que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da sentença; - Condenada a R. a pagar-lhe, a título de retribuições vencidas, a quantia de € 821,00 acrescida da importância de € 172,41, a título de subsídio de turno, € 172,92, a título do subsídio de salubridade denominado SPIP, € 42,02, a título de subsídio de transporte, € 36, a título de subsídio de apoio à família e da importância de € 184,80, a titulo de subsídio de refeição a que acrescerão os vincendos; - Condenada a R. a pagar-lhe a importância de € 25.000, a título de danos morais; - Condenada a R. a pagar, sobre as importâncias reclamadas, juros moratórios à taxa legal de 4% contados a partir da citação da R. e até integral pagamento.
Para tanto, alegou que está ao serviço da Ré desde Janeiro de 2005, exercendo as funções de operador de máquinas e veículos especiais nas suas instalações da ... sitas em …, auferindo a remuneração base de € 821,00 mensais, acrescidos de diversos subsídios; que por decisão da Ré, que lhe foi comunicada em 02.09.2008, foi punido com uma repreensão registada, apesar de não ter assumido qualquer comportamento ilícito, o que lhe causou grande perturbação, angústia, desconsideração e humilhação, pelo que a Ré deverá ser condenada a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 5.000. Mais alegou que, em 3 de Novembro de 2008, a Ré procedeu ao seu despedimento, que é ilícito por inexistência de justa causa, situação que lhe agravou o estado depressivo e de angústia, pelo que deverá a Ré ser condenada no pagamento de € 25.000, a título de danos morais.
Como a audiência de partes não resultou na sua conciliação, veio a R contestar, alegando, para sustentar a sanção de repreensão registada, que o autor, no dia 25 de Março de 2008, disse ao chefe de turno que o estado dos pneus da frente do veículo com o qual iria circular não oferecia segurança. O chefe de turno esclareceu que o assunto dos pneus estava a ser tratado e que aguardava para breve a autorização para troca. E dirigindo-se ao autor, disse-lhe: “você sai com o carro assim porque é o pneu que tem. Se não quer pegar no carro, vá para casa”, tendo na mesma ocasião o autor respondido que, se saísse com o veículo em causa, dirigir-se-ia propositadamente a uma operação Stop da GNR. E para sustentar a sanção de despedimento, alegou a R que, no dia 21 de Agosto de 2008, o A, munido de um pau com cerca de um metro, deu pancadas nas costas do chefe de turno e disse-lhe: “Eu dou cabo da minha vida, mas mato-o”. Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos. Foi proferido despacho saneador, tendo sido consignados os factos assentes e elaborada a base instrutória. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi após proferida a seguinte sentença: «Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: a) Declaro que a sanção de repreensão registada aplicada pela Ré “CC - … (…) S.A.” ao Autor AA, em 02.09.08, tem natureza abusiva; b) Declaro que a sociedade Ré procedeu ao despedimento ilícito do Autor AA; c) Condeno a Ré a reintegrar o Autor, com a categoria profissional de operador de máquinas e veículos especiais, sem prejuízo da respectiva antiguidade; d) Condena-se a Ré a pagar ao Autor as retribuições vencidas desde 12 de Janeiro de 2009, até à efectiva reintegração, por referência ao vencimento base, subsídio de alimentação, subsídio de férias e de Natal, abatidas das importâncias que a Autora tenha obtido com a cessação do contrato e não receberia se não fosse o despedimento, acrescidas de juros de mora, contados desde a citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento - cfr. arts. 804.°, 805.°, n.º 2, al. a), 806.°, n.ºs 1 e 2, e 559.°, n.º 1, todos do Código Civil e Portaria 291/2003 de 08-04. e) No mais, absolve-se a Ré do pedido. ….. Custas a cargo do Autor e da Ré, de acordo com o respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.”
Inconformados apelaram a R e o A (este subordinadamente), tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão a “julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela R. e parcialmente procedente o recuso subordinado interposto pelo autor, devendo ser incluído no cômputo das retribuições, a liquidar em incidente próprio, a que alude a alínea d) da sentença recorrida o subsídio de turno e o subsídio de periculosidade, insalubridade e penosidade. Mantém-se no mais a sentença recorrida. Custas do recurso da R pela recorrente. Custas do recurso subordinado pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento, levando-se em atenção que o primeiro goza do benefício do apoio judiciário.”
Novamente inconformada, traz-nos a R a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões: I. O facto dado como provado sob o ponto 13 dos factos assentes constitui uma violação grave dos deveres de urbanidade e lealdade a que o Recorrido está obrigado para com a Recorrente, II. Sendo, por isso, perfeitamente lícita e adequada à gravidade da conduta do Recorrido a sanção disciplinar de repreensão registada que lhe foi aplicada, III. Pelo que, deve o acórdão recorrendo ser revogado decidindo-se pela licitude da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada ao Recorrido. IV. O Acórdão recorrendo não se mostra elaborado em conformidade com o disposto sob o artº 663º do CPC V. Uma vez que não aprecia a alegação da Apelante na parte que se refere ao despedimento do Recorrido, VI. Nem fundamenta as razões de tal omissão. VII. O acórdão recorrendo não analisa e, por isso, não extrai quaisquer conclusões das contradições evidenciadas na apreciação, também ela contraditória, dos depoimentos de algumas testemunhas, VIII. Quando é certo que, não obstante não ter sido impugnada a matéria de facto nos termos do disposto sob o art.685°-B do CPC - por não ter havido gravação da prova -, o Tribunal a quo podia e devia ter suscitado oficiosamente a renovação da produção da prova adequada à eliminação das referidas contradições. IX. O acórdão recorrendo incorre, pois, em manifesta violação da lei, quer substantiva, quer de processo, que interpreta e aplica de forma errónea, nomeadamente o disposto sob os art°s 121°, alíneas a) e e), art. 366°,367°,374° e 396° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto, e art. 662° e 663° do CPC, na redacção dada a estes artigos pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. X. Donde, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e provado, revogando-se o acórdão recorrendo e, em consequência, deve ser proferido novo acórdão que julgue lícitas ambas as sanções disciplinares aplicadas ao Recorrido.
O A contra-alegou, tendo terminado com as seguintes conclusões:
1. Pelo presente recurso é impugnada a parte da douta decisão da segunda instância que confirma por unanimidade a decisão já proferida em primeira instância e por fundamentos substancialmente idênticos. 2. Nestas circunstâncias o recurso de revista não é admissível – CPC, artº 671 º/3. 3. A ordem dada ao Recorrido para que, em tempo de invernia, se fizesse à estrada conduzindo um veículo pesado cujos pneus apresentavam desgaste superior ao admissível, pondo em risco a segurança rodoviária, mostrava-se contrária ao preceituado nas al.s a) a e) e m) do artº 273º, nº 2 do Código do Trabalho de 2003. 4. Em tais condições, o recorrido não devia obediência a essa ordem, que era contrária aos seus direitos e garantias, nomeadamente os consignados nos arts 120º, g) e h), 122º, c), 272º, 1 e 273º, 1, conjugados com o art. 121º, 1, d) (parte final) do Código do Trabalho de 2003. 5. O dever de urbanidade, previsto no artº 121 º, 1, a) do referido Código, conhece gradações, em função das circunstâncias concretas. 6. A afirmação, feita pelo recorrido, de que “caso saísse com o ..., iria parar numa operação stop da GNR para que fosse verificado o estado dos pneus”, em resposta directa à ordem “você sai com o carro assim porque é o carro que tem”, reforçada pela ameaça “se não quer pegar no carro, vá para casa”, não é injuriosa, nem ofensiva, nem sequer menos urbana ou cordata que a ordem recebida e os termos em que a mesma foi dada. 7. E dela não transparece falta de respeito, mas quando muito o desejo de que, não tendo o superior hierárquico evitado a exposição do recorrido a um risco inaceitável, viessem as autoridades estradais a pôr cobro ao mesmo. 8. Nas circunstâncias do caso, a aplicação de sanção disciplinar ao recorrido reconduz-se à previsão das als. b) e d) do artº 374º, 1, do Código do Trabalho de 2003, e configura, como bem se entendeu nas instâncias, a prática de sanção abusiva. 9. Cabe ao empregador o ónus de provar os comportamentos que fundaram o despedimento do trabalhador: tal resulta do art. 342º) 1 do Código Civil. 10. No caso dos autos não se provaram nas instâncias os comportamentos em que a Recorrente fundou o despedimento imposto ao Recorrido. 11. O dever de ordenar, oficiosamente, a renovação da produção de prova ou a produção de novos meios de prova, nos moldes das alªs a) e b) do nº 2 do artº 662º CPC, só existe nos casos de justificada dúvida aí elencados. 12. No caso dos autos tal dúvida não existiu, nem no Tribunal do Trabalho nem no da Relação, antes se tendo evidenciado a total falta de credibilidade e inconsistência de um único depoimento - por sinal o da mesma pessoa que havia estado na origem da sanção disciplinar anteriormente aplicada ao recorrido - absolutamente irrelevante e ínidóneo, sequer para originar a mais leve sombra da dúvida. 13. Em tais condições não se justificava, nem a alteração da decisão sobre matéria de facto nem, sequer, que fossem ordenadas quaisquer novas diligências. 14. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo fez concreta aplicação do direito aos factos, pelo que nenhuma censura merece a douta decisão recorrida.
Requer assim que se mantenha o decidido. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao nº 3 do artigo 87º do CPT, tendo a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido da improcedência da revista, posição que originou resposta discordante da recorrente. Cumpre assim decidir.
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Para tanto, apuraram as instâncias a seguinte matéria de facto: 1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em Janeiro de 2005, com vista a exercer funções de operador de máquinas e veículos especiais. (Alínea A) 2. O Autor trabalhava por turnos rotativos das 8.00H às 15.30H e das 15.00H às 23.00H e de três em três semanas, num turno intermédio. (Alínea B) 3. Por carta datada de 07/07/08, a Ré comunicou ao Autor a instauração de processo disciplinar. (Alínea C) 4. O Autor respondeu à Nota de Culpa referida no Ponto 3., recebida pela Ré a 21 de Julho de 2008. (Alínea D) 5. Por decisão da Ré, comunicada ao Autor em 02.09.08, foi este punido com uma sanção de repreensão registada. (Alínea E) 6. Por carta datada de 29/08/08, a Ré comunicou ao Autor a instauração de processo disciplinar, com intenção de despedimento. (Alínea F) 7. O Autor respondeu à Nota de Culpa referida no Ponto 6., por carta datada de 11 de Setembro de 2008. (Alínea G) 8. Por carta datada de 29/10/08, a Ré comunicou ao Autor a decisão de despedimento deste. (Alínea H) 9. Na data referida no Ponto 8., o Autor auferia o vencimento base mensal de € 821, acrescido do de turno no montante de € 172,41, do subsídio SPIP no valor de € 7,86 por cada dia útil, subsídio de transporte no montante de € 1,91 por cada dia útil, subsídio de apoio à família no montante de € 36 mensais e subsídio de refeição no montante diário de € 8,40. (Alínea I) 10. No dia 25 de Março de 2008, pelas 15.00 horas, o Autor reclamou junto do Chefe de Turno, Eng. DD, pela substituição urgente dos pneus do camião de marca ..., de matrícula ...XI. (Alínea J) 11. Na sequência do facto referido no Ponto 10, o Chefe de Turno esclareceu que o assunto dos pneus estava a ser tratado e aguardava para breve a autorização para a troca. (Alínea L) 12. (…) Acrescentando, “você sai com o carro assim porque é o pneu que tem. (…) Se não quer pegar no carro vá para casa”. (Alínea M) 13. Na sequência dos factos referidos nos pontos 11 e 12, o Autor respondeu ao Chefe de Turno que caso saísse com o ..., iria propositadamente parar numa operação stop da GNR para que fosse verificado o estado dos pneus. (Alínea N) 14. Em data anterior ao dia 25 de Março de 2008, o Encarregado Geral do Aterro Sanitário já havia verificado o desgaste dos pneus da frente do ..., em especial o do lado esquerdo, e recomendado a sua substituição. (Alínea O) 15. A substituição dos pneus da frente do ... foi efectuada no dia 26 de Março de 2008. (Alínea P) 16. No decorrer da conversa referida no Ponto 10, o Autor disse ao Chefe de Turno que se recusava a conduzir o ... enquanto os pneus não fossem mudados. (Ponto 5.º) 17. No dia 21 de Agosto de 2008, por volta das 22.00 horas, o Autor dirigiu-se à sala de comando. (Ponto 6.º) 18. O Chefe de Turno disse ao Autor que o turno ainda não tinha acabado. (Ponto 7.º) 19. O Chefe de Turno disse ao Autor que procedesse à limpeza das máquinas. (Ponto 9.º)
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Questão prévia: Suscita o recorrido a questão da inadmissibilidade da revista por ocorrer uma situação de dupla conforme. Mas não tem razão. Efectivamente, o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, entre outras alterações em matéria de recursos em processo civil, veio consagrar a figura da “dupla conforme”, regime que obsta à admissão da revista, enquanto recurso normal, se o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido, e ainda que com fundamento diverso, a decisão da 1ª instância, conforme resultava do artigo 721º, nº 3 do CPC, na versão conferida por aquele diploma. Visou o legislador combater a banalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a alcançar um acesso mais racional àquele Tribunal e a criar condições para lhe proporcionar um melhor exercício da sua função de orientação e uniformização da jurisprudência. Por outro lado, procurou-se desta forma obter também uma maior celeridade de decisão. Este regime da “dupla conforme”, embora ligeiramente alterado, foi mantido no artigo 671º, nº 3 do CPC actual[1], o qual veio impedir, em regra, o recurso de revista do acórdão da Relação, que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância. Tendo esta acção sido ajuizada em 2009, a disciplina da nova lei já lhe é aplicável, conforme preceitua o nº 1 do artigo 5º da Lei 41/2013 de 26 de Junho, que a manda aplicar às acções declarativas pendentes. Sendo certo que o actual regime da “dupla conforme” impede o recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1ª instância, não ocorre no caso esta situação, pois o acórdão da Relação julgou procedente a apelação subordinada do A, agravando a responsabilidade da recorrente no que às consequências do despedimento ilícito diz respeito, pois mandou incluir no cômputo das retribuições a que o trabalhador tem direito o subsídio de turno e os subsídios de periculosidade, insalubridade e penosidade que auferia com carácter de regularidade. E assim sendo, improcede esta questão que foi suscitada pelo recorrido.
4--- Sendo o objecto da revista fixado pelas conclusões da recorrente, constatamos que esta suscita as seguintes questões: Nulidade do acórdão; Matéria de facto; Carácter abusivo da sanção disciplinar de repreensão registada; Justa causa de despedimento. Vejamos então cada uma delas
4.1---- Quanto à nulidade do acórdão:
Nas conclusões IV a VI recorrente imputa várias nulidades ao acórdão recorrido, invocando que o mesmo não se mostra elaborado em conformidade com o disposto no artigo 663º do CPC, uma vez que não apreciou a alegação da apelante na parte que se refere ao despedimento do recorrido, nem fundamenta as razões de tal omissão. Tratando-se duma nulidade por omissão de pronúncia, conforme prevê o nº 1, alínea d), do artigo 615º do CPC, tinha a mesma que ser arguida nos termos do disposto no art. 77º, nº1 do Código de Processo de Trabalho[2], que impõe que a sua arguição seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. Por outro lado, constitui jurisprudência comum e uniforme que este regime se aplica também aos casos de arguição da nulidade de acórdãos da Relação, vendo-se neste sentido os acórdãos do STJ de 12/3/2008, processo nº 07S3380; 30/4/08, processo 07S3658, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; 28/1/98, AD. 436/558; 28/5/97, BMJ 467/412; e 28/6/94, CJS, 284/2 dentre muitos outros. E assim sendo, no próprio requerimento de interposição da revista devia a parte invocar expressamente a nulidade do acórdão, e fundamentá-la, regime que, por razões de celeridade processual, visa permitir ao tribunal recorrido que aprecie a questão e se for caso disso, supra o vício invocado, o que só será possível se tal arguição constar do requerimento de interposição do recurso que está dirigido àquele. Tendo esta formalidade sido totalmente omitida pela recorrente, tem isto como consequência o não conhecimento da invocada nulidade, conforme é jurisprudência pacífica, vendo-se neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 13.02.2008, recurso nº 4196/07 da 4ª secção, www.stj.pt, e António Santos Abrantes Geraldes in “Recursos no Processo de Trabalho”, pág. 61. Assim sendo, não se aprecia esta questão.
3.2--- Quanto à matéria de facto: Na apelação impugnou a ora recorrente a matéria de facto apurada pela 1ª instância, questão que foi enfrentada no acórdão recorrido nos seguintes termos:
“Nas suas alegações, a recorrente refere que no dia dos factos a que respeita a sanção de repreensão registada o veículo em causa estava em condições de circular e não foi atendido o depoimento relevante. Não indicou, contudo, de forma clara, o facto que pretende aditar e também não indicou os meios de prova, com referência a cada facto, em sede de conclusões. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2004 (www.dgsi.pt) foi defendida a necessidade de indicação nas conclusões dos pontos concretos da matéria que o recorrente pretende reapreciar e dos meios de prova que, na sua perspectiva, levam a decisão diversa da recorrida. Não se mostram, por isso, cumpridos os ónus acima indicados. Acresce ainda que a prova não foi gravada, pelo que não poderá o Tribunal ad quem sindicar os depoimentos das testemunhas. Por último, sempre se dirá que, na decisão de aplicação da sanção de repreensão registada, a entidade patronal referiu que os pneus do indicado veículo não respeitavam os padrões legalmente exigidos e considerou “justificada a recusa do arguido em conduzir o dito veículo, não se afigurando, assim, que o mesmo, tenha incorrido na violação do dever de obediência”.
Alude ainda a recorrente a um confronto físico, mas, neste aspecto, também não indicou, de forma precisa, o facto que pretende aditar, pelo que não cumpriu o ónus previsto no art. 640º, nº1, c) do Código de Processo Civil de 2013. No entanto, sempre diremos que, na falta de gravação da prova, não poderá este Tribunal valorar o conteúdo dos depoimentos das testemunhas e dos autos não resultam elementos que permitam ao Tribunal ad quem modificar, nos termos do art. 662º do Código de Processo Civil de 2013, a decisão de facto e formular quesitos adicionais. Decide-se, por isso, não admitir o recurso quanto à matéria de facto.”
Argumenta agora a recorrente que o “acórdão recorrendo não analisa e, por isso, não extrai quaisquer conclusões das contradições evidenciadas na apreciação, também ela contraditória, dos depoimentos de algumas testemunhas (VII), quando é certo que, não obstante não ter sido impugnada a matéria de facto nos termos do disposto sob o art.685°-B do CPC - por não ter havido gravação da prova -, o Tribunal a quo podia e devia ter suscitado oficiosamente a renovação da produção da prova adequada à eliminação das referidas contradições (VIII).
Ora, independentemente da recorrente ter razão ou não, o certo é que se trata duma posição irrecorrível, pois das decisões da Relação proferidas no âmbito da impugnação da matéria de facto não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme prescreve o artigo 662º, nº 4 do NCPC, e que é o aplicável pois o acórdão recorrido foi proferido em 28/4/2014. Além disso, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é objecto do recurso de revista (conforme consagra o artigo 674º, nº 3), pois só o será se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme se colhe da parte final do preceito. Assim sendo, e não se tratando de nenhum destes casos, improcede esta questão, tendo a intervenção do Supremo que se limitar a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos provados, conforme resulta do artigo 682º, nº 2 do NCPC.
4--- Quanto ao carácter abusivo da sanção de repreensão registada: Antes de mais temos de esclarecer que ao A foram instaurados dois procedimentos disciplinares, a saber: um pela sua actuação no dia 25 de Março de 2008, que terminou pela aplicação da sanção de repreensão registada; e outro pela seu comportamento no dia 21 de Agosto de 2008 e que terminou com a aplicação da sanção de despedimento com justa causa.
Estando agora em causa a primeira sanção que foi aplicada ao trabalhador, sustenta a recorrente que o facto dado como provado sob o ponto 13 constitui uma violação dos deveres de urbanidade e lealdade a que o recorrido está obrigado para com a recorrente, sendo, por isso, perfeitamente lícita e adequada à gravidade da conduta do recorrido a sanção disciplinar de repreensão registada que lhe foi aplicada. As instâncias consideraram esta sanção abusiva, tendo a Relação argumentado o seguinte: “Cumpre, agora, verificar se a sanção de repreensão registada foi abusiva. Conforme acima referimos, o facto de o recorrido ter recusado conduzir o veículo em causa não constituiu fundamento desta decisão. A sanção de repreensão registada teve por base a violação do dever de urbanidade e a “ameaça” praticada pelo recorrido quando referiu que iria suscitar a intervenção da entidade policial. Atenta a data dos factos em apreço, dever-se-á atender à norma prevista no art. 374º do CT de 2003. De acordo com o disposto na alínea a) do nº1 deste preceito legal, considera-se abusiva a sanção disciplinar se o trabalhador tiver reclamado contra as condições de trabalho. É o que sucede no caso concreto. Conforme decorre do ponto 14 dos factos provados, o encarregado geral já tinha verificado em data anterior a necessidade de substituição dos pneus da frente, em especial o do lado esquerdo. Resulta ainda do ponto 15 dos factos provados que os pneus foram substituídos no dia seguinte ao dos factos que determinaram a aplicação da sanção. O facto de o trabalhador ter referido que poderia suscitar a intervenção da entidade policial, constituiu uma forma de reforçar a sua reclamação, sendo ainda certo que todos os cidadãos deverão colaborar no cumprimento das regras legais, designadamente as regras estradais, de forma a combater a sinistralidade rodoviária. Estamos, assim, perante uma reclamação contra as condições de trabalho e não perante uma violação dos deveres de urbanidade e de lealdade. Mantemos, assim, a qualificação da sanção de repreensão registada como abusiva.”
Resulta portanto da decisão recorrida que a sanção é abusiva por ter sido aplicada em virtude do trabalhador reclamar contra as condições de trabalho, invocando-se o disposto na alínea a), do nº1, do art. 374º do CT de 2003, e que é aplicável em virtude de estarmos perante factos que ocorreram em Março de 2008. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 31/10/2012, processo nº 598/09.8TTALM.L1.S1, o regime das sanções abusivas materializa uma forma de tutela específica dos trabalhadores contra o abuso no exercício do poder disciplinar pelas entidades empregadoras, sobretudo quando estas usam o poder disciplinar como forma de reacção contra o exercício legítimo dos seus direitos. Efectivamente, para além da sindicância pela via judiciária das sanções aplicadas com vista a apreciar se as mesmas respeitam os princípios decorrentes do artigo 367.º, o Código do Trabalho consagra ainda esta forma de sancionamento para a utilização abusiva do poder disciplinar, garantindo também por essa via o respeito pelos direitos dos trabalhadores. No entanto, e como se concluiu no mencionado acórdão, não se pode considerar abusiva a sanção aplicada pela entidade empregadora na sequência da prática de factos integrativos de ilícito disciplinar, pois a ilicitude da conduta do trabalhador, demonstrando haver fundamento para a sua punição disciplinar, afasta a ideia de que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação do empregador por ter reclamado contra as condições de trabalho. Por isso, o que temos de fazer é apreciar se a materialidade apurada sob o ponto 13 constitui uma violação dos deveres de urbanidade e lealdade a que o recorrido está obrigado para com a recorrente, e justifica assim a sanção aplicada. E só se tal não acontecer, é que por força da presunção do nº 2 do artigo 374º, se terá de concluir pelo carácter abusivo da sanção.
Consta da matéria de facto o seguinte circunstancialismo que tem relevância para julgar esta questão: No dia 25 de Março de 2008, pelas 15.00 horas, o Autor reclamou junto do Chefe de Turno, Eng. DD, pela substituição urgente dos pneus do camião de marca ..., de matrícula ...XI (10). Na sequência do facto referido no ponto anterior, o Chefe de Turno esclareceu que o assunto dos pneus estava a ser tratado e aguardava para breve a autorização para a troca (11). (…) Acrescentando, “você sai com o carro assim porque é o pneu que tem. (…) Se não quer pegar no carro vá para casa” (12). Na sequência destes factos o Autor respondeu ao Chefe de Turno que caso saísse com o ..., iria propositadamente parar numa operação stop da GNR para que fosse verificado o estado dos pneus (13). Será esta conduta do trabalhador violadora dos deveres de urbanidade e de lealdade, conforme sustenta a recorrente? . Resulta do nº 1 do artigo 120º do CT/2003 que o trabalhador deve respeitar e tratar com urbanidade o empregador, obrigação que também existe em relação aos seus superiores hierárquicos [alínea a)]. Por outro lado, impõe-lhe a alínea e) que guarde lealdade ao empregador, dever que constitui uma concretização do disposto no nº 1 do artigo 119º daquele diploma, donde resulta que quer o empregador, quer o trabalhador, devem proceder de boa-fé no cumprimento das suas obrigações, o que constitui uma emanação do princípio da boa‑fé no cumprimento das obrigações que está consagrado, em termos gerais, no artigo 762º, nº 2 do CC. Tal como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 2177/07.TTLSB.L1.S1, o dever de urbanidade e de respeito aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador[3], carecendo este dever, por força desta dimensão social, de concretização, caso a caso, em função do contexto empresarial em que ocorre a prestação de trabalho, e das pessoas envolvidas. Por outro lado, o dever de lealdade no cumprimento do contrato de trabalho constitui um dever que é sinónimo de honestidade e honradez, o qual assume particular importância na execução do contrato de trabalho, traduzindo-se no dever de agir segundo um modelo de correcção e lealdade, de molde a contribuir para a realização dos interesses legítimos que as partes pretendem obter com a celebração do contrato, visando proteger o bom funcionamento da empresa, quer sob o ponto de vista interno da confiança entre os trabalhadores e a direcção da mesma, quer sob o ponto de vista externo da sua posição no mercado da concorrência. Nesta linha e seguindo Monteiro Fernandes, Temas Laborais, páginas 60 e 61, sustenta este autor que o dever de lealdade ou de execução leal do trabalhador, tem o sentido de garantir que a actividade a que está obrigado representa de facto a utilidade visada pelo empregador, estando-lhe por isso vedados comportamentos que a neutralizem ou que determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico laboral da empresa, e traduzindo-se basicamente no dever de abstenção de concorrência e no dever de sigilo. Mas não se esgota nesta vertente, pois a execução leal do contrato pressupõe da parte do trabalhador o comportamento que a entidade patronal espera dele face ao desenvolvimento da relação laboral e ao maior ou menor grau de colaboração e confiança que o seu lugar na empresa pressupõe. Atentos estes parâmetros, a resposta do trabalhador ao seu chefe de turno, dizendo-lhe que “caso saísse com o ..., iria propositadamente parar numa operação stop da GNR para que fosse verificado o estado dos pneus”, é objectivamente ofensiva das regras éticas da sã convivência que o trabalhador deve respeitar por estar obrigado a cumprir o dever de urbanidade. Acresce que, tratando-se duma ameaça de adopção dum comportamento que é contrária aos interesses do empregador, é violadora do dever de lealdade, dever que visa “a proibição de qualquer comportamento do trabalhador que possa constituir um atentado à segurança da posição do dador do trabalho, ou prejudicar doutro modo as actividade para cuja realização ele assumiu o dever de colaborar”[4]. Por isso, tendo este ameaçado que, caso saísse com o ..., iria propositadamente parar numa operação stop da GNR para que fosse verificado o estado dos pneus, entendemos que esta conduta integra uma violação do dever de colaboração leal do trabalhador, que não espera dele tal conduta. E assim sendo, a sanção que lhe foi aplicada (mera repreensão registada) está adequada à gravidade da infracção praticada, pois trata-se da segunda na escala de gravidade das sanções disciplinares previstas na lei laboral (artigo 366º). Não faz assim sentido argumentar que se estava perante uma reclamação contra as condições de trabalho (como faz o acórdão recorrido), pois a sanção foi aplicada na sequência da violação do dever de lealdade do trabalhador, sendo por isso que ela foi aplicada e não pela reclamação deste contra as condições de trabalho. Diga-se ainda que se fosse intenção da entidade empregadora punir o trabalhador por ter apresentado tal reclamação, não teria considerado justificada a recusa no cumprimento da ordem de trabalhar com aquele veículo, como veio a acontecer, desobediência que a empresa não sancionou. Temos assim que considerar legal a sanção de repreensão registada que lhe foi aplicada, não se podendo, por isso, considerar a mesma abusiva, conforme se decidiu. E procedendo esta questão, revoga-se o acórdão recorrido nesta parte, tendo, consequentemente, de se julgar improcedente o pedido do A de anular a sanção de repreensão registada que lhe foi aplicada pela Ré, e de declarar que esta sanção tem natureza abusiva.
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Quanto à justa causa de despedimento: Como já dissemos, a conduta do trabalhador que fundamentou a aplicação desta sanção ocorreu em 21 de Agosto de 2008. Enfrentando esta matéria argumentou o acórdão recorrido:
“Vejamos, agora, se ocorre justa causa de despedimento. Verificamos que a recorrente não logrou provar os factos que sustentavam a aplicação desta sanção: a violação dos deveres de urbanidade e de respeito pela integridade física do superior hierárquico do trabalhador. De acordo com o disposto no art. 342º, nº1 do Código Civil, incumbia à entidade empregadora provar os factos que integram justa causa de despedimento. Assim e de acordo com o disposto no art. 429º, c) do CT de 2003, o despedimento considerar-se-‑á ilícito, pelo que o trabalhador tem direito à reintegração (art. 436º, nº1, b) do CT de 2003) e à compensação prevista no art. 437º do mesmo diploma legal. Concluímos que a sentença recorrida não violou o disposto nos arts. 366º, 367º, 372º e 396º do CT de 2003 e o disposto nos arts. 653º e 650º, nº2, f) do CPC de 1961, pelo que improcederá o recurso interposto pela recorrente.”
Temos que aderir ao entendimento sufragado pela Relação. Efectivamente, à entidade empregadora cabia o ónus de provar a matéria que invocara para fundamentar a justa causa. Ora, esta provou apenas que no dia 21 de Agosto de 2008, por volta das 22.00 horas, o autor se dirigiu à sala de comando, tendo-lhe o chefe de turno dito que o turno ainda não tinha acabado. E provou ainda que o chefe de turno lhe disse que procedesse à limpeza das máquinas.
Perante esta factualidade, não podemos concluir pela existência de justa causa, conforme pugna a recorrente ao invocar que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 396º do CT/2003. Efectivamente, embora a nossa lei fundamental consagre a proibição dos despedimentos sem justa causa, conforme resulta do art. 53º da CRP, o que constitui o corolário do principio constitucional da “segurança no emprego”, daqui não advém uma proibição absoluta do despedimento do trabalhador, dado que perante situações de crise contratual resultantes duma actuação deste, a lei admite que a empresa o possa despedir com justa causa. Por isso, o despedimento tem que fundar-se num “comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, conforme impunha o artigo 396º do Código do Trabalho de 2003, ao tempo aplicável. Trata-se dum conceito que já vinha da lei anterior, conforme se colhia do artigo 9º do DL nº 64-A/89 de 27/2, pelo que continua válida a doutrina que se foi firmando ao abrigo desta lei, e que exige para integrar justa causa de despedimento dum trabalhador que exista uma violação culposa dos seus deveres contratuais; que esta violação seja grave em si mesma e nas suas consequências; e que por via dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível manter-se o contrato, sendo de apreciar esta impossibilidade no campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço dos interesses em presença, por forma a que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, conforme é orientação uniforme deste STJ, vendo-se neste sentido os acórdãos de 22/2/95, CJS, 279/1 e mais recentemente, o de 30/9/2009, recurso nº 623/09, disponível em www.dgsi.pt. Ora, da matéria apurada não podemos concluir pela existência dum incumprimento dos deveres contratuais do trabalhador que seja susceptível de gerar uma impossibilidade imediata da subsistência da relação de trabalho, conforme exige o mencionado artigo 396º do Código do Trabalho de 2003. Por isso, e não se mostrando violado este preceito, ao contrário do sustentado pela recorrente, improcede esta questão.
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Termos em que se acorda nesta Secção Social em:
a) Indeferir a questão prévia da inadmissibilidade da revista suscitada pelo recorrido.
b) Conceder parcialmente a revista, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido nesta parte, se julga improcedente o pedido do A de anular a sanção de repreensão registada que lhe foi aplicada pela Ré, e de declarar que esta sanção tem natureza abusiva.
c) Quanto ao mais nega-se a revista.
As custas da revista e nas instâncias são na proporção do decaimento.
Anexa-se sumário do acórdão
Lisboa, 19 de Novembro de 2014
Gonçalves Rocha (Relator)
Leones Dantas
Melo Lima
________________________ [1] Cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Setembro de 2013, conforme determinado no artigo 8º da Lei 41/2013 de 21 de Junho. |