Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
240/10.4TTLMG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SAMPAIO GOMES
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CONFISSÃO FICTA
FACTOS CONCLUSIVOS
Apenso:  
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO/ ARTICULADOS/ AUDIÊNCIA PRELIMINAR/ DISCUSSÃO E JULGAMENTO/ RECURSOS
DIREITO DE PROCESSO DO TRABALHO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO/ ARTICULADOS
Doutrina: - Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs.345,346, 544.
- Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, págs.462, 472, 483.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 358.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 484.º, N.ºS 1 E 2, 490.º, N.ºS 2 E 3, 511.º, N.º1, 646.º, 722.º, N.º3, 729.º, N.ºS 1E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 57.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/9/2009, PROCESSO N.º 238/06.7TTBGR.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 7/4/2011, IN PROC. 1180/07.TTPNF.P1.S1;
-DE 19/04/2012, PROCESSO N.º 30/08.4TTLSB.L1;
-DE 8/05/2012, PROCESSO N.º 369/06.3TTMTS.P1.S1.
Sumário :
I - A confissão tácita ou presuntiva dos factos alegados pelo autor, exclusivamente ligada à inactividade do réu, regulada no artigo 57.º, do Código de Processo do Trabalho, e no artigo 484.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é substancialmente diferente da confissão regulada no Código Civil, pois que aquela está estreitamente ligada ao dever de verdade que a lei impõe a ambos os litigantes, inscrevendo-se, assim, em matéria de competência exclusiva das instâncias, sobre a qual o Supremo Tribunal não pode exercer censura.

II - Constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade alegada na petição inicial tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, do Código de Processo Civil; não porque este preceito contemple, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum.

III - A expressão «por conta e sob a autoridade e direcção da ré e de anteriores proprietários» deve ser perspectivada como matéria integrada no thema decidendum pois está ali contida a resposta à questão preponderante do contrato de trabalho, que é a respeitante ao vínculo de subordinação jurídica decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I )

1.          

AA instaurou, em 31.05.2010, acção com processo comum, contra BB, CC, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de € 36.164,98, sendo € 27.590,40, de indemnização por antiguidade, € 7.574,58, de créditos laborais decorrentes da vigência do contrato de trabalho e da sua cessação, e € 1.000, de indemnização por danos morais e ainda no pagamento dos legais juros de mora sobre as duas primeiras quantias parcelares, desde a data da citação.

Alegou, em síntese, ter sido admitido ao serviço da R., em início do mês de Novembro de 1986, com a categoria de operador de máquinas agrícolas, e ter resolvido o contrato de trabalho, em 03.03.2010, com justa causa, devido à falta de pagamento da sua retribuição desde Setembro de 2009.                                          

Regularmente citada, a ré não compareceu na audiência de partes pelo que, frustrada a tentativa de conciliação, foi designada data para realização da audiência de discussão e julgamento e ordenada a notificação da ré para contestar.                                                

Regulamente notificada para contestar, com a expressa advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pela autora, a ré não contestou.                                          

De imediato, a M.ma Juíza “a quo” proferiu sentença, nela considerando, nos termos do artigo 57º, nº 1, do CPT, confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial, e, julgando a acção parcialmente procedente, declarou a licitude da resolução do contrato com justa causa por parte do autor, condenando a ré a pagar-lhe:

- uma indemnização por resolução do contrato com justa causa, no montante global de € 18.393,60 (€ 766,40 x 24 anos), acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;

- o valor das retribuições dos meses de Fevereiro de 2009 e de Setembro a Dezembro de 2009, e ainda de 55% do mês de Agosto de 2009, subsídio de férias e de Natal referente ao ano de 2009, retribuições dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2010 e proporcional do subsídio de férias e de Natal referente ao ano de 2010, tudo no montante global de € 7.574,58;

- uma indemnização por danos morais no valor de € 1.000,00.


              Inconformada, a Ré dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 13.7.2011 – fls. 134 e sgs.–, decidiu:

- conceder parcial provimento ao recurso da Ré, assim a condenando a pagar ao autor uma indemnização por resolução do contrato com justa causa, no montante de € 2.944,26 (dois mil novecentos e noventa e nove euros e vinte e seis cêntimos), no demais se confirmando a sentença.

É contra esta decisão que se insurge o Autor, mediante recurso de revista, que, alegando, formula as seguintes conclusões:
1. O Autor alegou na Petição Inicial tudo o que lhe competia e lhe permitiram ver reconhecida a resolução do contrato por justa causa e os subsequentes direitos previstos na lei laboral;
2. A Ré, não compareceu à audiência de partes, e, com mandatário nos autos, regularmente notificada para contestar com a cominação expressa de que a falta de contestação importaria a confissão dos factos articulados, não contestou;
3. Assim, ficou provado, por confissão, nos termos do artigo 57.° do Código de Processo de Trabalho, tudo o alegado na Petição Inicial pelo Autor e o subsequente reconhecimento da justa causa para a resolução do contrato de trabalho, nos termos da alínea a) do n.° 2 e da alínea c) do n.° 3 do artigo 394.° do C.T;
4. Assim:
5. Ficou provado que desde Novembro de 1986 o Autor iniciou a sua relação de trabalho com a Ré, porque este facto alegado não foi contestado, porquanto se alegou que o autor foi admitido como tractorista em Novembro de 1986 e, independentemente de saber se as propriedades onde trabalhava e quem lhe pagava no final do mês o ordenado foram sendo alteradas, o certo é que o Autor desde essa data continuou a exercer o mesmo trabalho e nos mesmo locais;
6. Os artigos 318.°, n.°s 1 e 2, e 319.°, n.° 3, do CT, consagraram, como regra, a responsabilidade do adquirente pela totalidade das obrigações do transmitente, e nelas se incluem os trabalhadores e os seus direitos;
7. Mas mesmo que assim não fosse, o Autor não estava obrigado a fazer referência a anteriores entidades patronais. Já diferente será se a Ré em sede de contestação lhes viesse fazer referência (o que não fez, antes assumiu por não contestar), situação em que o Autor se veria obrigado a chamar anteriores entidades patronais ao processo;
8. Se, nos termos do artigo 57.° do Código de Processo de Trabalho, se devem considerar provados por confessados os factos articulados não contestados, dúvidas não há de que provado ficou que o autor detinha aquela relação de trabalho desde Novembro de 1986. logo nunca a decisão do Tribunal Recorrido poderia ser a de os considerar provados não atribuindo a indemnização por 24 anos de serviço pela simples razão de não ter o autor feito menção aos anteriores proprietários;
9. Ainda, nos termos do artigo 489.° do CPC, não tendo a Ré contestado a acção, consideram-‑se provados os factos articulados pelo autor (Princípio da preclusão);
10. Os factos alegados sob os pontos 1, 2, 6, 7 e 8 não são conclusivos e, por isso, não podiam ser eliminados como foram pelo douto Tribunal da Relação do Porto;
11. Não podia o Tribunal Recorrido considerar, como considerou a fls 15. do acórdão recorrido, que "não ficou provado que o A. tivesse celebrado com a Ré um contrato de trabalho em início de Novembro de 1986", se, na verdade, isso mesmo ficou provado porque foi alegado na Petição Inicial no artigo 1º e não foi contestado;
12. O autor cumpriu o ónus alegatório, contrariamente à Ré, não se percebendo porque é que o Tribunal recorrido o não considerou;
13. Ao decidir em sentido diverso da decisão em 1.ª Instância no tocante à indemnização por antiguidade, revogando a decisão da primeira instância nesta parte, o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente no disposto nos artigos 57.°, 318.°, n.°s 1 e 2, e 319.°, n.° 3, do CT e 489.° do CPC, pelo que deve a decisão nesta parte ser revogada.
14. Deve assim ser parcialmente revogada a decisão sobre recurso no tocante à indemnização por antiguidade, mantendo-se a decisão proferida em 1.ª Instância, e proferir-se acórdão que julgue provada a antiguidade de 24 anos e, assim, corrigido o respectivo montante de indemnização, julgando-se a acção totalmente procedente, com todas as consequências legais.

A Ré contra-alegou defendendo a manutenção do julgado.

No seu douto Parecer, que não foi objecto de resposta, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação e que, como resulta das conclusões da alegação, são as seguintes:

- Se, nos termos do artigo 57.° do Código de Processo de Trabalho, se devem considerar provados por confessados os factos articulados não contestados, e os mesmos considerados para a determinação da antiguidade do A. para efeitos de indemnização;

- Se a modificação relativa àqueles factos operada pela Relação deve manter-se ou não.

I I )

1.

Factos considerados provados na 1ª instância, nos termos do art. 57º, nº 1, do CPT, com as alterações a que procedeu a Relação, e referidas em cada ponto factual:

1. O Autor foi admitido em início do mês de Novembro de 1986 com categoria de operador de máquinas agrícolas (ou tractorista agrícola) para exercer a sua actividade profissional, nos prédios sitos no concelho de S. João da Pesqueira com os artigos matriciais rústicos nºs 671, 672, 15, 87, 96, 197, 216, 260, 262, 272, 344, 360, 381, 389, 167, 170, 182 e urbanos nºs 94 e 140 (alterado pela Relação).

2. «Desde Maio de 2006 o autor trabalhava, como tractorista agrícola, para a recorrente, cumprindo um horário de 40 horas semanais e auferindo um salário mensal» (Redacção dada pela Relação).

3. Como remuneração o Autor auferia a quantia de € 766,40 mensais.

4. Porém, a Ré desde Setembro de 2009 deixou de pagar as remunerações ao Autor, estando, ainda, em falta para com este trabalhador nas remunerações do mês de Fevereiro de 2009 e do correspondente a 55% da retribuição devida do mês de Agosto de 2009 (porquanto o trabalhador esteve de baixa médica nesse mês, tendo recebido do seguro apenas a quantia correspondente a 45% do salário).

5. Pelo que em 3 de Março de 2010, sem que houvesse ainda recebido os salários referidos e respectivos subsídios, pese embora por diversas vezes interpelado a Ré, inclusive por via escrita, o trabalhador enviou à empregadora, de acordo com o artigo 395.° do Código do Trabalho, carta registada com aviso de recepção invocando justa causa, pelo atraso no pagamento das remunerações, resolvendo, assim, o contrato de trabalho.

6. (Eliminado pela Relação).

7. (Eliminado pela Relação).

8. (Eliminado pela Relação).

2.

Constituindo pretensão essencial do A., na acção, o montante da indemnização a que pretende ter direito face à resolução do contracto com justa causa, a sua determinação e cálculo passa, desde logo, pela determinação da sua antiguidade.

Enquanto, seguindo a pretensão do A. foram considerados, na 1ª instância, 24 anos de antiguidade, o Tribunal da Relação considerou esta apenas desde Maio de 2006, data desde a qual trabalhou para a Ré.

É questão, pois, primordial, o reconhecimento da antiguidade do A., sendo necessário, para tal, determinar quando é que foi celebrado o contrato de trabalho que permita determinar tal antiguidade.

E se o cerne da questão está em saber qual o montante da indemnização, e se para o determinar, tal, passa pela determinação da antiguidade do A., será na factualidade dada como assente que tem de retirar-se o elemento fundamental para tal determinação.

Se é certo que o recorrente, nas suas conclusões de recurso não impugna, directamente, a matéria de facto, contudo, coloca em causa que a Relação não tivesse atendido a todos os factos que alegou na petição inicial, que devem ser dados como confessados face ao efeito cominatório do artº 57º nº1 do CPT, já que a Ré não contestou a acção.

Enquanto a 1ª Instância, fazendo chamamento ao efeito semi-cominatório a que se refere aquele dispositivo (atº 57º nº1) considerou como confessados todos factos articulados pelo A. na petição, o Tribunal da Relação, por sua vez, entendeu que, embora “a cominação semi-plena importe confissão do facto, tal implica para o julgador a necessária correcção e ponderação, com exclusão de tudo o que possa constituir matéria de direito ou matéria conclusiva”.

E em sequência, procedeu a nova apreciação de alguns factos, nos seguintes termos:

«Assim, vejamos os pontos nºs 1 e 2.

A sua redacção não pode aceitar-se.

Recordemos que, estando em questão apreciar a existência de um contrato de trabalho, com início em Novembro de 1986, a matéria de facto não deve conter expressões como as transcritas no ponto de facto nº 1 – por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, e de anteriores proprietários – pois que o vínculo de subordinação jurídica, decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador, constitui o elemento preponderante daquele módulo contratual: ou seja, é conclusivo, por conter em si a resposta a tal questão, o mesmo sucedendo com a expressão “anteriores proprietários”.

O mesmo se passa com o ponto nº 2 – Estabeleceram uma relação laboral de trabalho, com um salário e horário fixos e mensal.

Também aqui tal redacção não pode aceitar-se pelo seu teor conclusivo.

No entanto, aqui, a redacção pode ser alterada em função de o artigo 2º da petição remeter para os documentos juntos pelo próprio autor, sob os nºs 2 e 3, a fls. 11 e 12, respectivamente, de onde resulta que, desde Maio de 2006, o autor era trabalhador da Ré.

 Assim e pelo seu sentido jurídico-conclusivo, elimina-se do ponto nº 1 a expressão «por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, e de anteriores proprietários», nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC.

Do mesmo modo, altera-se o ponto nº 2, passando este a ter a seguinte redacção:

«Desde Maio de 2006 o autor trabalhava, como tractorista agrícola, para a recorrente, cumprindo um horário de 40 horas semanais e auferindo um salário mensal».

Finalmente, ainda pelo seu sentido jurídico-conclusivo, eliminam-se os ponto nº 6, 7 e 8, nos termos do art. 646º, nº 4, do Código de Processo Civil».

E na sequência de tal decisão, o Acórdão recorrido, considerando que não ficou provado que o A. tivesse celebrado com a Ré um contrato de trabalho em início de Novembro de 1986, e sim, admitida a relação laboral com a Ré a partir de Maio de 2006, concluiu pela improcedência do pedido indemnizatório correspondente a 24 anos de antiguidade, tendo decidido:

«Assim, considerando a antiguidade do autor – 3 anos, 10 meses e 3 dias – a sua retribuição, o critério fixado na sentença – não impugnado – de atender a 30 dias de retribuição base e o disposto no art. 395º, nºs 1 e 2, do CT, o montante da indemnização totaliza o valor de € 2.944,26 = [€ 766,40 x 3 anos] + [€ 766,40 x 10/12] + [€ 766,40 : 30 : 12 x 3].»

Impõe-se, desde já, delimitar duas questões relevantes para a apreciação do presente recurso, prendendo-se uma com o que vem formulado nas 1ª a 9ª  das conclusões do recurso, e acima já formulada, isto é, saber se, face a não ter a Ré contestado, tem de ter‑se por assente, por confissão, toda a factualidade que o A. alega na petição inicial; e a outra, e porque no Acórdão recorrido se invoca o disposto no artº 646º, nº 4, do Código de Processo Civil para a modificabilidade da matéria de facto, saber se os pontos factuais alterados, consubstanciam os respectivos pressupostos para tal alteração.

É que as consequências na apreciação do montante da indemnização serão bem diferentes conforme for provado que o A. celebrou com a Ré um contrato de trabalho em início de Novembro de 1986, ou se o mesmo apenas teria existido desde Maio de 2006, tal como a Relação o considerou.

Quanto à 1ª daquelas questões:

Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 33º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto - LOFTJ).

            Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Excepcionalmente, pode sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 3 e 729º, n.º 2, do Código Civil).
              Assim, só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando esta deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou externa.

Em consequência, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista.

E a ser assim, temos, então, que apreciar a natureza da confissão aqui em causa, e do seu efeito cominatório, tal como decorre do nº 1 do artº 57 do CPT.

No caso dos autos, ocorre revelia absoluta da Ré, que não deduziu oposição.

É certo que por força do disposto no artº 57º, nº 1 do CPT, tal como do artº 484º nº 1 do Código de Processo Civil, tendo a R. sido citada regularmente, se teriam que considerar confessados os factos articulados pelo A..

Mas essa confissão é uma confissão tácita ou presuntiva dos factos alegados pelo A. (cfr.Antunes Varela e Outros in Manual de Proc. Civil, 2ª ed. P.345), “exclusivamente ligada à  inactividade do réu” (Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, p.462) ou, como ensinam A. Varela e Outros (Ob.cit. p.346), “a cominação corresponde a um ónus estreitamente ligado ao dever de verdade (…), ou seja ao dever de contribuição reciproca para a descoberta da verdade, que a lei impõe a ambos os litigantes”, não constituindo tal confissão ficta “um meio de prova integrador do arsenal de provas previsto no artº 512º do Código de Processo Civil”.

Por isso, como dizem estes autores (Ob.cit. p.345), “repugna atribuir maior força probatória a uma simples confissão ficta, como a prevista no artº 484º do Código de Processo Civil (mutatis mutandis, artº57º do CPT) do que à confissão expressa regulada no Cód. Civil”.

Na confissão a que alude o artº 484º, nº 2 (igualmente quanto ao artº 57º citado) “pode não haver sequer (…) vontade de (acção como) declaração”, sendo «inegáveis as diferenças substanciais existentes entre a confissão (seja ela expressa ou tácita, no sentido rigoroso das expressões: artº 217º, nº 1, do Cód. Civil) e os casos denominados de confissão tácita ou presumida (Ob. cit. p.544)

Essa “confissão” ou “admissão”[1] não é o mesmo que “prova por confissão”: “tendo a estrutura duma omissão, que a admissão constitui, sequer tacitamente, uma afirmação sobre a realidade e, se é certo que exerce, com a afirmação que a precede, a função de prova da realidade dum facto, tal não implica um acordo de afirmações nem que constitua aceitação, ainda que apenas tácita, duma afirmação, visto que os seus efeitos jurídicos são de origem legal e independentes da vontade do admitente… Acto não autónomo, a omissão em causa só surte efeito de admissão conjugada com o acto positivo da prévia alegação e apenas na medida em que ocorre a preclusão do direito de praticar um acto processual” (Lebre de Freitas, Ob, cit. P.483).

Assim, a aceitação tácita da Ré ao não contestar, quanto à existência de um contrato de trabalho, com início em Novembro de 1986, com anteriores proprietários dos prédios rústicos onde o A. trabalhou, só poderia extrair-se da contestação do mérito da causa e não da confissão derivada da sua revelia no contexto do artº 57º, nº 1, do CPT.

O recorrente vem incidir, assim flui das conclusões do recurso, na questão relativa à decisão da matéria de facto, não acolhida pela Relação, nos termos acima expostos, para daí retirar vencimento relativamente à pretensão relativa à indemnização pedida pela resolução do contrato.

Vejamos:

 Como acima se aflorou, os poderes deste Supremo Tribunal no que diz respeito à modificabilidade da decisão de facto são, como se sabe, simplesmente residuais, reconduzindo-se, por norma, à verificação da conformidade da decisão com as regras do direito probatório material.

Como é pacificamente entendido, nomeadamente nesta Instância e Secção[2], a Revista só pode ser admitida, em tais situações, quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, de acordo com a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico, como, por exemplo, dando como provado um facto em contrário de uma confissão judicial escrita existente no processo.

No caso sub judice, e como acima se referiu, a “confissão” ou “admissão”, resultante da revelia cível, não é o mesmo que “prova por confissão”, e da mesma forma a admissão de factos por acordo, nos articulados, porque não impugnados – art. 490.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.C.

E quanto a estes, é pacificamente entendido que, ante a disciplina constante do n.º 4 do art. 358.º do Cód. Civil – em cujos termos a confissão judicial que não seja escrita é apreciada livremente pelo Tribunal – saber-se se se mostram ou não admitidos por acordo é matéria de competência exclusiva das Instâncias, sobre a qual o Supremo Tribunal não pode, pois, exercer censura, não estando, assim, legitimada a sua intervenção.

Temos, então, que, quando nas conclusões de recurso (concls.1ª a 9ª), o recorrente faz chamamento ao que dispõem os artºs 57º do Código de Processo de Trabalho e 489.° do Código de Processo Civil, para daí concluir deverem ser dados como confessados todos os factos por si alegados na petição, porque se trata factos articulados, o seu conhecimento, nessa parte, escapa ao poder cognitivo deste Supremo Tribunal.

A 2ª questão é bem diversa, pois dada a forma como vem posta, consubstancia-se em saber se os factos que a Relação alterou com o fundamento no citado artº 646º, assumem ou não natureza conclusiva, sendo que aquele dispositivo, reza que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

É, pois, inquestionável que constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade alegada na petição (e porque não foi objecto de impugnação) tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-o, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado na referida norma do Código de Processo Civil, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.[3]

Voltando à questão concreta, o que se contém no ponto 1. dos factos alegados na petição inicial, “por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, e de anteriores proprietários” deve ser perspectivado como matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois está ali contida a resposta à questão preponderante do contrato de trabalho, que é a respeitante ao vínculo de subordinação jurídica decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador. Tem-se, assim, por conclusiva a factualidade ali retratada, tal como o decidiu o acórdão recorrido.

Na verdade, está em questão apreciar a existência de um contrato de trabalho, com início em Novembro de 1986, pelo que, aquela alegação exprime uma valoração jurídica, própria da subsunção de realidades factuais a uma previsão normativa, que é o vínculo de subordinação jurídica.

A utilização da expressão em causa envolve um juízo de direito determinante da solução da questão da existência e natureza do contrato vigente entre as partes, sem que haja alegação factual que conduza àquela conclusão.

Com efeito, no contexto da presente acção o thema decidendum consiste precisamente em saber se o autor trabalhava ou não por conta, sob a autoridade e direcção da ré, e anteriores proprietários, ou seja, sob as ordens e subordinação destes, Ora, neste contexto, como é óbvio, as expressões referidas fazem parte do conceito legal do contrato de trabalho, assumindo, por isso, um significado eminentemente jurídico, o que obsta a que sejam incluídas na decisão da matéria de facto.

Não merece, nesta parte, reparo a decisão da Relação.

 Quanto ao ponto 2. dos factos alegados, importa dizer que, contrariamente ao alegado em conclusão 10ª, não foi o mesmo eliminado, mas sim alterado.

E tal alteração verificou-se, assim decorre do Acórdão da Relação, porque da factualidade decorrente da petição inicial, não impugnada, em consentaneidade com elementos documentais ínsitos nos autos e juntos pelo próprio autor, daí decorre a existência de uma relação laboral com a Ré, mas não com “antigos proprietários”, que aliás o A. nem sequer alega quais, nem identifica, assim como qualquer transmissão para a Ré.

A alteração a que a Relação procedeu é consentânea com alegado no artigo 2º da petição que remete para os documentos juntos pelo próprio autor, sob os nºs 2 e 3, a fls. 11 e 12, respectivamente, de onde resulta que, desde Maio de 2006, o autor era trabalhador da Ré.

Não merece reparo, também nesta parte, a apreciação feita no Acórdão recorrido.

Relativamente aos pontos 6, 7 e 8 da matéria alegada na petição, não impugnada, também não assiste razão ao recorrente (concls. 10ª ).

O Acórdão recorrido pronunciou-se no sentido de, transcrevendo-se: “ainda pelo seu sentido jurídico‑conclusivo, eliminam-se os ponto nº 6, 7 e 8, nos termos do art. 646º, nº 4, do Código de Processo Civil”.

Vejamos:

Não há qualquer dúvida de que está vedada a formulação de alegação de factos que não sejam concretos e constituam enunciados legais, juízos de valor ou factos conclusivos.

Por isso, em posterior eventual selecção dos factos em sede de base instrutória, (artº 511º, nº1, do Código de Processo Civil) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar da Base Instrutória os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilacção de premissas.

Para tal, devem os factos ser alegados nos articulados obedecendo àquele desiderato.

Reportando-se aos autos, temos que os factos em causa são:

« [6.] O Autor sempre realizou o seu trabalho devidamente, sempre cumpriu as ordens dadas pela Ré e observou os seus deveres de assiduidade, lealdade, respeito, urbanidade, probidade, zelo e diligência.

7. A privação do recebimento dos seus salários foi provocando, e ainda provoca, sérias dificuldades ao orçamento familiar do Autor, sobretudo no que respeita às correntes despesas com a alimentação, vestuário, consumos de eletricidade e água, que só estão a ser superadas mediante ajudas de familiares.

8. Para além de todos os incómodos e lesões patrimoniais decorrentes da situação causada pela Ré, sofre e suporta o Autor graves apreensões quanto à solidez do seu orçamento familiar e profundas angústias com a inerente hipótese de ver o seu futuro e da sua família comprometidos».

Ora, também aqui se pode afirmar que estão em causa expressões que não configurando, em si mesmas, factos materiais, se reconduzem à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum, pelo que se sufraga o deliberado no acórdão recorrido, também neste preciso segmento.

Improcedendo as conclusões do recurso, in totum, mantendo-se, assim, a factualidade assente tal como o considerou o Tribunal da Relação, e sendo adequada a respectiva integração jurídica, não pode deixar de improceder o recurso.

I V )

Nos termos expostos, nega-se a revista.

Custas pelo Recorrente.

                                                                          *

Anexa-se sumário do Acórdão.

(artº 713º, nº 7 do Código de Processo Civil)

                          

Lisboa, 23 de Maio de 2012

Sampaio Gomes (Relator)

António Leones Dantas

Pinto Hespanhol

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[1] O termo “admissão” é reservado para “declarações ou comportamentos tidos em juízo”, como ensina Lebre de Freitas, ob. cit., p. 472).
[2] - Vide, por todos, os Acórdãos deste Supremo, de 7.4.2011, in Proc. 1180/07.TTPNF.P1.S1 e de 08.05.2012, Proc. nº 369/06.3TTMTS.P1.S1, desta 4ª secção (Relator:Fernandes da Silva).
 [3] Vide Ac. deste STJ de 19.04.2012, Processo n.º 30/08.4TTLSB.L1.S1 (Revista) – 4.ª Secção (Relator: Pinto Hespanhol).