Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
400/21.2T8BJA-A.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
AÇÃO EXECUTIVA
CREDOR RECLAMANTE
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
TEMPESTIVIDADE
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – Nos termos do artigo 789º, nºs 1 a 3, do Código de Processo Civil, uma vez findo o prazo para a apresentação de reclamações de créditos o credor reclamante (único) tem de ser notificado neste apenso do processo executivo de modo a saber que inexistem outras reclamações de créditos para além da sua e que a partir dessa mesma notificação – que cabe à secretaria do tribunal realizar – inicia-se então o prazo de quinze dias de que dispõe para a impugnação do crédito exequendo, sob pena de, não o fazendo, o mesmo vir a ser reconhecido em conformidade com o disposto no artigo 791º, nº 4, do mesmo diploma legal.

II – Tendo o credor reclamante arguido a nulidade decorrente da falta dessa notificação, na sequência da apresentação do requerimento da exequente em que aludia ao direito de retenção que garantiria o seu crédito – com preferência sobre a garantia real daquele – a sua arguição é tempestiva, conduzindo à anulação da sentença que a indeferiu e em que foi imediatamente proferida decisão de mérito quanto à verificação e graduação de créditos (sem a eventual impugnação do crédito exequendo).

Decisão Texto Integral:


Processo nº 400/21.2T8BJA.E1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Nos presentes autos de reclamação de créditos, deduzidos por apenso ao processo de execução em que é exequente AA e executados BB e CC, e no qual foi penhorado o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º 35/19850221 da freguesia de ..., veio a Caixa Geral de Depósitos, S.A., reclamar créditos seus sobre os executados, no valor global de € 383.133,85, referentes a dois mútuos garantidos por hipotecas, e a um mútuo e uma livrança garantidos por penhora efetuada em ação executiva sustada em virtude da penhora realizada nos autos.

Notificados a exequente e os executados nos termos do artigo 789º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, a exequente apresentou requerimento de resposta no qual invocava o direito de retenção que alegadamente beneficia o seu crédito, reconhecido em sentença condenatória, defendendo que ainda que sejam reconhecidos os créditos da reclamante estes teriam de ser graduados após o crédito exequendo.

O requerimento da exequente data de 24 de Março de 2022, surgindo na sequência da notificação da reclamação dos créditos da CGD feita à exequente e executados, efectuada a 7 de Março de 2022 para os efeitos previstos no artigo 789º do CPC.

Em face de tal requerimento, a credora reclamante CGD requereu acesso aos autos principais, a 25 de Março de 2022, o qual lhe foi então concedido, e deu entrada de requerimento neste apenso de reclamação de créditos, a 30 de Março de 2022, arguindo a nulidade da sua falta de notificação para impugnar o crédito exequendo e o direito real que o garante, notificação que entende exigível face ao disposto no artigo 789º, n.º 3, do CPC, e simultaneamente deduzindo desde logo a sua oposição a esse crédito.

A exequente exerceu contraditório, sob requerimento datado de 26 de Abril de 2022, pugnando pela não verificação da nulidade invocada e pela extemporaneidade da impugnação de créditos.

Apreciando o requerimento da credora reclamante, foi então proferida decisão que se pronunciou no sentido de indeferir a arguida nulidade e rejeitar por extemporânea a oposição ao crédito exequendo.

Em consequência, veio a ser proferida sentença de graduação de créditos, reconhecendo os créditos reclamados pela CGD e graduando-os após o crédito exequendo, dado o direito de retenção que o garante, que prevalece mesmo sobre a garantia fornecida pela hipoteca.

Interpôs o credor reclamante recurso de apelação contra a sentença de verificação e graduação de créditos que veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27 de Outubro de 2022, nos seguintes termos:

“decide-se julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, revogando-se a decisão recorrida, e o mais que dela depende, e determinando o prosseguimento dos autos de reclamação de créditos nos termos expostos.”.

Veio o exequente interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

I. A questão a decidir nos presentes autos é a de saber se os autos de reclamação devem prosseguir para apreciação da impugnação do crédito exequendo ou se, pelo contrário, deve considerar-se que não houve qualquer nulidade e que a oposição da credora reclamante foi extemporânea e, consequentemente, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

II. Quando esteja em causa o concurso de créditos, em que os concorrentes reclamam os seus créditos com garantia real, ao abrigo do disposto no artigo 788 nºs 1 e 2 do CPC, têm de impugnar o crédito ou créditos dos outros reclamantes e o exequendo, assim como as suas garantias reais sob a cominação de serem reconhecidos nos termos dos artigos 789 nº 3 e 791 n.º 4 do mesmo diploma (cfr. Ac. STJ 23/05/2002 (Oliveira Barros), Ac. STJ29/01/2003 (Ferreira de Almeida) Ac. STJ. 12/09/2006 (Faria Antunes), Ac. STJ.20/05/2010 (Hélder Roque), Ac. STJ. 7/10/2010 (Fonseca Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

III. E, no caso em apreço, não tendo a ora recorrida impugnado em sede de reclamação de créditos, impugnado o título executivo e os direitos nele reconhecidos, como devia, temos de concluir que reconheceu o crédito exequendo e a garantia real consubstanciada no direito de retenção, que prefere à hipoteca.

IV. A notificação a que se refere o art. 789º nº 3 do CPC refere-se à notificação, pela secretaria, ao executado, exequente, credores reclamantes, cônjuge do executado e agente de execução da (1) reclamação de créditos efetuada ao abrigo do disposto no art. 788º nº 1 CPC (credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados) ou (2) da reclamação espontânea efetuada ao abrigo do disposto no art. 788º nº 3 do CPC (titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados), para que os restantes credores possam impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores. (sublinhado e negrito nossos).

V. Logo, a notificação a que refere o art. 789º nº 3 do CPC apenas tem por objeto as reclamações de crédito efetuadas ao abrigo do disposto nos arts. 788º nºs 1 e 3 do CPC, sendo sobre estas (e apenas estas!) que a secretaria tem a obrigação de praticar o ato de notificação das pessoas referidas no art. 789º nº 1 do CPC.

VI. Todos os demais atos praticados pelas partes, quando haja mandatário constituído, são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos nos artigos 221º e 255º, ambos do CPC.

VII. A secretaria não tinha a obrigação de – conforme a reclamante pretende –, em sede de reclamação de créditos, notificar a credora reclamante, ora recorrente, sobre o conteúdo do crédito da exequente…. Obviamente, e salvo melhor opinião, não faz nenhum sentido que a secretaria notifique à credora reclamante a sua própria reclamação de créditos, o que traduziria num ato inútil que, como é consabido, não é licito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 130º do CPC.

VIII. A propósito desta matéria parece-nos lapidar o a acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16/05/2019, no âmbito do processo nº 61/11.7TBAVV-B.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e no qual foi decidido o seguinte:

a. Ora, perante este quadro jurídico não se vê que tivesse que ser feita notificação ao recorrente, na qualidade de credor reclamante para impugnar na qualidade de credor reclamante, para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou o reconhecimento do direito real de retenção invocado pelo exequente.

b. De resto sempre se dirá que, mesmo na hipótese de se admitir a imposição legal dessa notificação (o que não acontece), sempre estaríamos perante uma nulidade prevista no art. 195º, nº1 do CPC e que, por não ter sido arguida no prazo geral de 10 dias estabelecido no art. 149º do CPC, sempre seria de considerar sanada.”

IX. Ora, no caso em apreço, a recorrente, bem como os executados, foram notificadas, em 7 de Março de 2022, para, querendo, impugnar os créditos reclamados pela recorrida, pelo que, caso esta entendesse que exista qualquer nulidade processual, nos termos e para os efeitos do art. 195º do CPC, dispunha até 21 de Março de 2022 para a arguir. Porém, só em 30 de Março de 2022, é que a recorrida arguiu a referida nulidade pelo que a mesma há muito se encontrava sanada.

X. A falta de impugnação pelo exequente, pelo executado e pelos demais credores reclamantes dos créditos reclamados, após a notificação do art. 789º nº 1 e para os efeitos do art.789º nºs 2 e 3 do CPC, implica o reconhecimento dos créditos e das respetivas garantias reais, o que configura um efeito cominatório pleno, nos termos do disposto nos art. 791º nº 4 do CPC.

XI. E tal impugnação, ao contrário do ora decidido, tem de ser feita na própria reclamação de créditos e não em momento posterior, tampouco após qualquer notificação da secretaria. Aliás, sendo esse o próprio entendimento do Tribunal da Relação de Évora.

XII. Aquele Tribunal, em acórdão, datado de 07/10/2010, no âmbito do processo nº 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt., e no qual também se discutiu se “Se a reclamante deveria ter sido notificada, para impugnar na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito de retenção conferido aos ora exequentes/autores na acção declarativa, existindo nulidade por omissão desse acto”, decidiu que: “Na reclamação de créditos, o credor reclamante, não abrangido pelo caso julgado, que reconheceu a terceiro um direito real que afecta juridicamente o seu direito provido também de garantia real, tem o ónus de impugnar essa garantia, sob pena de não o fazendo ela persistir incólume.” (negrito e sublinhado nosso)

XIII. E, nem se diga, que este linha jurisprudencial remonta a mais de uma década atrás, pois, o mesmo Tribunal da Relação de Évora, em acórdão datado de 15/04/2021, no âmbito do processo nº 2127/15.5T8STB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, decidiu que “Proposta a ação executiva pelo credor titular do direito de retenção, o credor hipotecário deve, ao reclamar o seu crédito, impugnar aquele crédito ou a existência do direito de retenção.” (negrito e sublinhado nossos)

XIV. E se a credora reclamante, ora recorrida, aquando da notificação para a reclamação de créditos, entendia que não lhe tinham sido transmitidos todos os elementos necessário devia ter arguido a nulidade da citação e/ou notificação, nos termos legais. Se não o fez, conformou-se com essa deficiência da citação e sanou-se qualquer hipotética nulidade que, sem conceder, pudesse existir.

XV. Neste sentido foi decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 07/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1135/12.2TBBCL-A.G1, disponível em www.dgsi.pt. que: “A nulidade da notificação do art.789º/1 do CPC, com fundamento na falta de remessa de duplicados das reclamações de créditos apresentadas, deve ser arguida no prazo de 10 dias após a notificação irregular, quando nesta estavam indicados todos os reclamantes e os seus mandatários, nos termos dos arts.195º, 197º e 199º/1 do CPC, por ser exigível ao notificado ter conhecido nessa altura a omissão da remessa dos duplicados de reclamações de créditos dos credores identificados na notificação”. (sublinhado nosso)

XVI. Ora, no caso em apreço, a credora reclamante, ora recorrente, foi citada em 18/02/2022 e só, em 30/03/2022, é que veio arguir a nulidade da citação, pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, é forçoso concluir que é manifestamente extemporânea.

XVII. Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, pelo que deve o acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, substituído por outro que confirme a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

XVIII. A decisão recorrida viola os artºs 130º, 195º, 197º, 199º, 789º e 791º nº 4, todos do CPC.

Apresentou o credor reclamante contra-alegações com as seguintes conclusões:

a. A credora arguiu a nulidade por falta de notificação do requerimento executivo.

b. Nos termos do n.º 3 do artigo 789.º do CPC a credora deveria ter sido notificada do requerimento executivo, para querendo impugnar os créditos do exequente.

c. O credor com a citação para reclamar créditos não tem conhecimento do teor do requerimento executivo.

d. Com a citação o credor apenas é chamado para reclamar o pagamento dos seus créditos, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC.

e. O momento que a lei prevê para as partes impugnarem os créditos é o previsto no artigo 789.º e começa com a notificação da secretaria às partes para as mesmas em 15 dias impugnarem créditos, incluindo o crédito exequendo.

f. Pelo que, e conforme bem entendido no acórdão recorrido, esta notificação devia ter sido feita à Credora.

g. Não tendo a credora sido notificada do requerimento executivo, como legalmente previsto, dúvidas não podem existir da existência de uma nulidade.

h) Nulidade esta que foi atempadamente arguida pela Credora, que assim que tomou conhecimento da situação interveio nos autos e invocou a referida nulidade.

i) O tribunal da Relação não teve dúvidas que assistia razão à credora, e revogou a sentença proferida.

j) Decisão esta que deverá ser mantida pelo douto Supremo Tribunal de Justiça o que se requer.

k) Acresce que, no requerimento apresentado pela credora, além da arguição da referida nulidade, a credora subsidiariamente, à cautela, impugnou o crédito da exequente, com os elementos que lhe foi possível reunir.

l) Tendo, apesar de não ter sido notificada para o efeito, impugnado o crédito dentro dos 15 dias previstos para o efeito no n.º 3 do artigo 789.º do CPC.

m) E foi em cumprimento daquilo que lei determina que a credora impugnou, subsidiariamente ao pedido de nulidade, o crédito do exequente, ou seja, fê-lo dentro dos 15 dias contados da notificação que foi remetida às outras partes (exequente e executados).

n) Veja-se que as notificações do 789º foram expedidas no dia 07/03/2022 e a credora apresentou a sua impugnação no dia 30/03/2022, juntando o respetivo comprovativo do pagamento da multa devida, ou seja dentro do prazo que a lei determina para o efeito.

o) Sem prejuízo da secretaria não ter notificado a credora para, querendo, impugnar o crédito exequendo, e ainda que se entenda que tinha a credora o ónus de verificar em que momento é que as partes são notificadas para impugnar créditos, o certo é que a credora cumpriu o prazo estipulado na lei para o efeito.

p) Não é correto o entendimento de que o prazo para impugnar créditos tem início com a reclamação de créditos, pois a lei não é isso que prevê.

q) A lei distingue os momentos para reclamar créditos e para impugnar créditos.

r) Quando a credora é citada para reclamar créditos, não lhe é remetida cópia do requerimento executivo, nem neste processo, nem em nenhum dos outros até ao momento acompanhados pelo signatário.

s) Nos termos da lei, não é ao agente de execução que cabe dar conhecimento à credora do requerimento executivo, mas sim à secretaria, que é a esta que cabe a notificação às partes, para as mesmas querendo impugnarem os créditos existentes.

t) Pelo que, bem andou o douto Tribunal da Relação ao decidir em conformidade com o exposto, devendo manter-se a decisão recorrida.

u) Caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, caso o recurso venha a proceder, requer-se ao douto tribunal que tome posição quando ao fundamento invocado pela recorrida no recurso interposto para a Relação, sobre o qual o douto Tribunal não chegou a conhecer.

v) A Exequente/ora Recorrente é alegadamente titular de um direito de retenção sobre o imóvel penhorado nos autos.

w) Imóvel este onerado com hipotecas a favor da credora reclamante/ora Recorrida.

x) A Exequente intentou acção declarativa contra os Executados, mas não demandou a credora na referida ação.

y) Claro e evidente é que tal situação foi propositada.

z) Sabendo-se que o registo é público, não poderia a Exequente, ali Autora, e o tribunal julgador da referida causa, ignorar tal facto.

aa) Tendo sido judicialmente reconhecido o alegado direito, sem que a Credora tenha sido chamada aos autos, tal não poderá ser oponível à mesma, já que a credora não fica abrangida pela eficácia do caso julgado.

bb) A sentença proferida na acção declarativa, agora executada nos autos de execução, é manifestamente inoponível à credora hipotecária, e por isso insuscetível de produzir os efeitos pretendidos pela exequente nos presentes autos.

cc) Pelo que, a discussão dos pressupostos de verificação do alegado direito de retenção, teria, obrigatoriamente de ser feitos nos autos executivos, cabendo à exequente fazer a prova dos requisitos obrigatórios e constitutivos do alegado direito.

dd) Pelo que não poderá o tribunal de 1.ª instância deixar de avaliar se os pressupostos do direito de retenção estão ou não preenchidos.

ee) Em face do exposto, caso a decisão venha a ser revogada, o que por mero dever se patrocínio se equaciona, sempre deverá o tribunal de 1.ª instância avaliar se os pressupostos do direito de retenção estão ou não verificados.

ff) A acção declarativa que deu origem à sentença executada não foi contestada pelos Executados.

gg) Tendo a referida sentença sido, nada mais nada menos, que uma condenação de preceito!

hh) Refira-se que, não obstante o exposto, o reconhecimento de um direito de retenção, atenta a sua natureza e razão de existir, não pode surgir apenas da mera alegação, sem que daí decorra qualquer espécie de prova de que o mesmo se constituiu.

ii) Quer nos presentes autos, quer na acção declarativa, não houve AINDA qualquer apreciação objectiva dos pressupostos de verificação, quer da existência do crédito, quer da existência do direito de retenção, pois que inferir-se da existência de um direito de retenção o qual pressupõe a verificação de determinados requisitos e cujo preenchimento compete aos tribunais apurar, apenas pela alegação, não comprovada ou documentada por parte do credor, seria desvirtuar o próprio sistema judicial estabelecido.

jj) Ainda que, o título executivo se trate de uma sentença de condenação já transitada em julgado é certo que, em sede de verificação e graduação de créditos, haverá, obrigatoriamente, que se verificar o preenchimento dos requisitos do referido direito de retenção, uma vez que estes nunca foram verificados.

kk) Perante o caso concreto, não pode o tribunal deixar se fazer essa verificação!

ll) Pois ainda que, considerasse a impugnação extemporânea, o que não se aceita, o tribunal deverá ter levado em consideração todos os elementos que constavam dos autos.

mm) O alegado direito de retenção é claramente falso, porquanto apesar da Exequente ter alegadamente a posse do bem, os Executados continuam a dar como sua a morada do imóvel e a receber todas as notificações e citações na referida morada.

nn) Pois está claro, que é completamente falso que a exequente detenha qualquer direito sobre o imóvel penhorado.

oo) Dúvidas não podem existir de que a sentença proferida em sede de acção declarativa, mais não foi do que o resultado de uma combinação entre as partes, um claro aproveitamento do direito existente, como infelizmente tantas vezes ocorre!

pp) É claro e evidente que são e sempre foram os executados quem residem no imóvel e que perante o facto de terem deixado de cumprir vários empréstimos associados às empresas de que fazem parte, engendraram o presente plano com o único intuito de manter o imóvel na sua posse e prejudicar o credor hipotecário.

qq) Pelo que, caso, por mera hipótese, venha o Tribunal a revogar a decisão proferida deverá ter em consideração que o direito de retenção invocado não pode ser reconhecido porque não se encontram preenchidos os pressupostos para a sua verificação.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Notificação autónoma do (único) credor reclamante para impugnação do crédito exequente, nos termos do artigo 789, nºs 1 a 3, do Código de Processo Civil. Tempestividade da arguição de nulidade relativa à omissão dessa notificação pela secretaria do tribunal.

Passemos à sua análise:

A situação em apreço pode resumir-se nos seguintes termos:

A recorrida Caixa Geral de Depósitos apresentou, através de requerimento entrado em juízo em 4 de Março de 2022, a sua reclamação de créditos no âmbito do processo executivo em que é exequente a ora recorrente.

Em 7 de Março de 2022 foram notificados a exequente e a executada, nos termos e para os efeitos do artigo 789º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ou seja, para, querendo, deduzirem a sua impugnação no prazo de quinze dias.

Pronunciou-se a exequente aludindo ao direito de retenção que garante o seu crédito através de requerimento de 24 de Março de 2022.

Confrontada com o requerimento apresentado pela exequente e através do requerimento entrado em juízo em 30 de Março de 2022, a credor reclamante, ora recorrida, arguiu a nulidade da falta dessa notificação que, a seu ver, se encontra prevista no nº 3, do artigo 789º, do Código de Processo Civil, impugnando, assim e agora, o crédito exequendo.

Em momento algum foi a reclamante, ora recorrida, notificada para impugnar o crédito exequendo.

Pronunciou-se, entretanto, a exequente pelo indeferimento da nulidade arguida, que considerou ainda extemporânea.

Na sentença de 1ª instância considerou-se que o credor ao ser citado para a execução tomou conhecimento do respectivo teor e poderia, nessas circunstâncias, haver deduzido a impugnação que tivesse por pertinente, não se justificando, nos termos da lei, a notificação autónoma pretendida.

Em sentido oposto decidiu o acórdão recorrido com base na seguinte fundamentação:

“(…) o n.º 1 do art. 789º não impõe apenas a notificação de requerimentos de reclamação de créditos, impõe que após findar o prazo para reclamação de créditos a secretaria notifica todos os sujeitos processuais para os termos da própria reclamação de créditos (processo), com os elementos que forem precisos para qualquer dos destinatários. É isso que significa que “findo o prazo para reclamação de créditos (…) dela são notificados (…)” (dela, a reclamação enquanto procedimento autónomo destinado a assegurar a verificação dos créditos em concurso).

Julgamos, portanto, que houve realmente a omissão de um acto que a lei prescrevia, e daí resulta a nulidade invocada”.

Em suma, a questão jurídica fundamental que cumpre decidir é a de saber se, no âmbito da reclamação de créditos apensa à acção executiva o credor reclamante (único) que foi citado nos autos de execução nos termos do artigo 786º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil deve ser também notificado, após o decurso do prazo de apresentação das reclamações de créditos, por força do disposto no artigo 789º, nº 3, do mesmo diploma legal, de modo a poder impugnar o crédito exequendo e, em especial, o seu direito real de garantia (e ainda se foi, in casu, tempestiva a arguição de nulidade por omissão dessa diligência).

Apreciando:

Dispõe o artigo 789º, nº 3, do Código de Processo Civil:

“Também dentro do prazo de 15 dias, a contar da respectiva notificação, podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores”.

Sendo certo que assistirá ao credor reclamante o direito a impugnar o crédito exequendo e respectiva garantia, a questão que ora se coloca tem a ver com a discussão em torno da (in)exigência legal da prática de um acto processual imposto à secretaria quanto à notificação do credor reclamante (único) para, querendo, impugnar o crédito exequendo.

No entendimento seguido em 1ª instância, é na sequência da sua citação nos autos de execução, nos termos do artigo 786º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que compete ao credor proceder igualmente à impugnação do crédito exequendo, contando com o prazo de quinze dias desde a sua citação.

Logo, nesta tese não haveria cabimento para a exigência de nova notificação para este efeito (impugnação do crédito exequendo).

No acórdão recorrido considerou-se que o artigo 789º, nº 3, do Código de Processo Civil obriga a secretaria do tribunal, findo o prazo da apresentação de reclamações, a notificar o credor reclamante para, querendo, deduzir oposição ao crédito exequendo, no prazo de quinze dias.

A nosso ver, a interpretação correcta, face ao sistema processual português vigente em matéria de processo executivo e reclamação de créditos, é a que foi perfilhada no acórdão recorrido.

Fundamentam esta conclusão as seguintes razões:

1ª – O artigo 786º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, prevê a citação para a execução dos credores titulares de direito real de garantia para a execução.

Embora nesse acto os credores devam ter conhecimento do requerimento executivo (cujo duplicado recebem) e correspondente título executivo, bem como dos documentos que o acompanhem, nos termos gerais do artigo 227º do Código de Processo Civil (sobre este ponto concreto, vide Rui Pinto in “Acção executiva”, AAFDL, 2019, a página 786), o certo é que se trata afinal de uma citação realizada com o propósito de dar nota aos interessados, no âmbito do processo executivo, de que deverão reclamar créditos no prazo de quinze dias, após o que deixam de o poder fazer.

É esse o principal objectivo desse acto processual.

Não se trata, naturalmente, de um acto destinado a advertir o credor reclamante de que deverá, nesse mesmo prazo de quinze dias, impugnar, querendo, o crédito exequendo.

Sendo certo que, a partir daí, os credores citados ficam em condições não só para apresentarem a sua reclamação de créditos, como para impugnarem o crédito exequendo e respectivas garantias, importa igualmente não olvidar que a sua citação nos termos do artigo 866º, nº 1, alínea b) não tem efectivamente esse propósito específico (nem coisa alguma aí se diz a propósito da possibilidade de impugnação do crédito exequendo).

Dito de outro modo, não resulta da lei que nesse momento processual os credores reclamantes tenham igualmente (para além da obrigação de reclamação dos seus créditos) de deduzir impugnação ao crédito do exequente, sob pena de preclusão dessa faculdade.

De resto, não se pode olvidar que nos encontramos perante tramitações perfeitamente autónomas a que correspondem inclusive processados diferentes que não se confundem.

2ª – O artigo 789º do Código de Processo Civil reporta-se à impugnação dos créditos reclamados, conforme consta da sua epígrafe.

E o seu regime é o seguinte:

- Há lugar à notificação do executado, exequente, credores reclamantes, cônjuge do executado e agente de execução da reclamação de créditos apresentada, servindo esta notificação para conceder a possibilidade de impugnação dos créditos reclamados pelo exequente e pelo executado, no prazo de quinze dias (nºs 1 e 2, da mencionada disposição legal).

- Prevê-se no nº 3 do preceito que nesse prazo de quinze dias contados da notificação prevista no nº 1, que inclui os credores reclamantes, estes podem impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham também invocado qualquer direito real de garantia, abrangendo expressamente o crédito exequendo.

- Ou seja, neste momento processual os restantes credores reclamantes podem tomar posição sobre outras reclamações de créditos que hajam sido deduzidas, fundamentalmente no que concerne à natureza da garantia real de garantia que lhes está associada, o que é extensivo ao próprio crédito exequendo.

- a disposição legal parece estar redigida prevendo a possibilidade da existência de mais do que um credor reclamante.

Neste pressuposto, cada um deles é notificado, nos termos do artigo 789º, nº 1, do Código de Processo Civil, da reclamação do outro credor reclamante.

Nestas circunstâncias, ninguém colocará em causa que, ambos os credores reclamantes possam, ao abrigo do disposto no artigo 789º, nº 3, do Código de Processo Civil, impugnar, não só o crédito do outro credor reclamante, como o crédito exequendo, incluindo a natureza da respectiva garantia real.

Ora, se é assim no caso de existir mais do que um credor reclamante (onde nos parece irrefutável que cada um deles beneficia da possibilidade concedida pelo artigo 789º, nº 3, do Código de Processo Civil), o regime não poderá ser logicamente diverso se se tratar de uma única reclamação de créditos, conforme sucede na situação sub judice.

3ª – A norma legal ao pressupor o direito a impugnar o crédito exequendo tendo por base a impugnação de uma reclamação de créditos, mas admitindo a notificação dos “restantes reclamantes”, através da previsão da notificação do nº 1, do artigo 789º do Código de Processo Civil, contém implicitamente a previsão da obrigação de notificação do único credor reclamante precisamente nos mesmos termos e para os mesmos efeitos, onde se contém o previsto no nº 3 do artigo 879º do Código de Processo Civil.

4ª – Note-se que também relativamente aos “restantes credores” poder-se-á colocar a possibilidade de reclamação de créditos e simultaneamente de impugnação do crédito exequendo, sem que a lei os tenha excluído da previsão do nº 1 e da faculdade processual do nº 3 do artigo 789º do Código de Processo Civil.

De resto, a não apresentação de impugnação terá o efeito legal cominatório previsto no artigo 791º, nº 4, do Código de Processo Civil, onde se estatui que “são havidos como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo das excepções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação”, pelo que bem se compreende, por uma questão de segurança e transparência processual, a necessidade de notificação do credor para o exercício da faculdade legal de impugnação do crédito exequendo, cuja omissão lhe poderá naturalmente provocar graves prejuízos.

5ª – Precisamente neste mesmo sentido, vide Lebre de Freitas in “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, Gestlegal, Setembro de 2017, 7ª edição, a página 366, nota de rodapé nº 32, onde se pode ler:

“Havendo uma só reclamação, a notificação tem igualmente de ser feita, embora só para dar conhecimento de que mais nenhuma teve lugar, pois com ela se inicia o prazo para o credor impugnar o crédito do exequente”.

Sobre o mesmo tema, vide ainda João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL, 2022, a página 896, onde os autores enfatizam que:

“O concurso de credores baseia-se na oponibilidade recíproca das várias causas de preferência dos credores reclamantes. Qualquer credor pode contestar qualquer crédito que possa concorrer com o crédito que ele reclama. Suponha-se, por exemplo, que o credor 1 reclama o crédito 1 e o credor 2 reclama o crédito 2; o credor 1 pode contestar o crédito 2 e o credor 2 pode contestar o crédito 1. O que vale para os outros créditos reclamados também vale para o crédito exequendo: qualquer credor reclamante pode contestar o crédito do exequente (artigo 789º, nº 3)”.

No sentido por nós adoptado, vide Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (relator Isaías Pádua), proferido no processo nº 1145/20.6T8VCT-A.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt (aresto em que se considerou, todavia, sanada a nulidade cometida pela falta da sua tempestiva arguição).

Ao que se nos afigura, propugnando posição algo diversa daquela que perfilhamos, vide:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2010 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt (na altura por referência ao artigo 866º, nº 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março);

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2019 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 61/11.7TBAVV-B.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

De notar, ainda que a arguição de nulidade a que a recorrida procedeu é perfeitamente tempestiva, nos termos do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, na medida em que o credor reclamante agiu processualmente dessa forma como resposta imediata ao requerimento apresentado pela exequente em que aludia ao direito de retenção que garantiria o seu crédito – com preferência sobre a garantia real do credor reclamante.

Nega-se, assim, a revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Março de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.