Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2565/10.0TBSTB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
BEM IMÓVEL
DEFESA DO CONSUMIDOR
DIREITOS DO CONSUMIDOR
CADUCIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RETROACTIVIDADE DA LEI
ALTERAÇÃO DO PRAZO
Data do Acordão: 05/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS- DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Alessandra da Silveira, Princípios de Direito da União Europeia, pág. 115 e ss..
- Aníbal de Castro, a Caducidade, pág. 25.
- Armando Braga, A Venda de Coisas Defeituosas no C.C., A Venda de Bens de Consumo, pág. 47.
- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, págs. 77, 172; Venda de Bens de Consumo, p. 122 e 123.
-Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, págs. 149 e 150, 176/177.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 606; O Direito, 121.º, pág. 292.
- Nuno M. Pinto de Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Almedina.
– Oliveira Ascensão, Direito Introdução e Teoria Geral, pág. 405.
- Pereira Coelho, RLJ, Ano 118.º, pág. 50, nota (2).
-Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, págs. 153 a 156, 170, 413.
- Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, vol. II, pág. 228.
- Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1.º vol., págs. 263/264.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 297.º, 879.º, AL. B), 913.º, 914.º, 916.º, 917.º, 1225.º.
DL N.º 67/03, DE 8-4 (VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS).
DL N.º 68/04, DE 25-3.
DL N.º 24/08, DE 21-5 (ALTEROU E REPUBLICOU A LDC).
DL N.º 84/08, DE 21-5 (ALTEROU E REPUBLICOU O DL 67/03, E ENTROU EM VIGOR EM 20 DE JUNHO DE 2008): - ARTIGO 5.º-A.
LEI N.º24/96, DE 31-7 (LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR).
Legislação Comunitária: DIRECTIVA Nº 1999/44/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 25/5/1999.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3/4/98, BOL. 476, 289;
-DE 15/6/2000, PROCESSO N.º 443/00, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 18/2/2003, PROCESSO N.º 4587/02, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 18/10/2007, PROCESSO N.º 2467/07, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 13/12/2007, PROCESSO N.º 3944/07, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 29/1/2008, PROCESSO N.º 4592/07, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 29/4/2008, PROCESSO N.º 367/08, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 12/1/2010, PROCESSO N.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 11/10/2011, PROCESSO N.º 409/08. 1TBVIS.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT,
-DE 13/10/2011, PROCESSO N.º 1127/07.3TCSNT.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 24/4/2012, PROCESSO N.º 904/06.TBSSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 19/4/2012, PROCESSO N.º 9870/05.STBBRG.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
(art. 713.º, nº 7 ex vi art. 726.º, ambos do CPC)

                1. O promotor imobiliário é aquele que constrói, por conta própria ou mediante contrato de empreitada, o prédio e promove a sua venda, antes ou depois da respectiva construção.

                2. O art. 917.º do CC deve ser interpretado extensivamente, no sentido de abranger todas as acções baseadas no cumprimento defeituoso, tendo o prazo de seis meses aí aludido sido substituído pelo prazo de um ano, quando o vendedor do imóvel tenha sido também o seu construtor.

                3.  O regime civilístico tradicional relativo às perturbações na prestação no contrato de compra e venda tem vindo sucessivamente a perder aplicação no âmbito das relações de consumo, nas quais a tutela do consumidor é assegurada de uma forma distinta da que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso  (cfr. Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/5/1999, Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), DL 67/03, de 8 de Abril (Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas) e DL 24/08, de 21 de Maio, que alterou (e republicou) este último e a LDC).

                4. Sendo menor o prazo concedido pelo DL 67/03 para o exercício dos direitos por banda do comprador de imóvel (no âmbito das relações de consumo), pode o mesmo intentar a acção na medida em que o direito comum lhe seja mais favorável, pela previsão de prazo mais longo para esse efeito, como acontece na empreitada (art. 1225.º do CC).

                5. Mesmo entendendo que a Directiva comunitária nº 1999/44/CE tem aplicação directa na nossa ordem jurídica interna, mesmo entre os particulares (efeito horizontal), prescreve a mesma apenas quanto aos móveis (com excepções).

                6. O DL 84/08, que alterou e republicou o DL 67/03, e que entrou em vigor em 20 de Junho de 2008, cujo art. 5.º-A estabelece prazos mais longos de caducidade, em conformidade com a Directiva comunitária, não é de aplicação retroactiva – está aqui em causa a compra e venda de um imóvel com alegados defeitos – quanto ao prazo de caducidade do exercício de direitos por banda do comprador, não se aplicando, assim, aos contratos celebrados antes do início da sua vigência.

                7. Com efeito, ao não regular só para os móveis, mas também para os imóveis, a alteração do citado DL 84/08 deve ser considerada inovadora e não correctiva relativamente ao disposto na Directiva.

                8. O art. 297.º do CC, que prescreve sobre a alteração de prazos, consagra uma regra de direito transitório que visa esclarecer a lei aplicável aos prazos em curso, sempre que estes sejam alterados. Sendo o prazo relevante o novo prazo mais longo, desde que o antigo não esteja transcorrido à data da entrada em vigor da nova lei.

Decisão Texto Integral:
                           

               

                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB – INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S. A., pedindo que:

                a) seja a ré intimada a proceder às intervenções correctivas de que necessita o imóvel do autor (de acordo com o descrito no art. 45.º da p. i.), no prazo máximo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da decisão;

                b) seja a ré condenada, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de quantia pecuniária, em montante a determinar pelo Tribunal, por cada dia de atraso, e depois disso de interrupção, no cumprimento da intimação que, nos termos da alínea anterior, lhe seja dirigida pelo Tribunal;

                c) seja a ré condenada no pagamento de indemnização ao autor por danos patrimoniais por este sofridos, no montante de € 3 600, acrescida de juros de mora vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, bem como nos custos com o patrocínio;

                d) seja a ré condenada no pagamento de indemnização ao autor por danos não patrimoniais por este sofridos, no montante de € 5 000, acrescidos de juros de mora vincendos, desde a data da sentença que o determine, até integral pagamento.

                Alegando, para tanto, e em suma:

                No exercício da actividade comercial da ré, vocacionada que está para a promoção imobiliária, foi entre ela, na qualidade de vendedora, e o autor, na qualidade de comprador, celebrado um contrato de compra e venda, em 31 de Maio de 2007, de um prédio urbano melhor descrito na p. i..

                A partir de Outubro de 2008 começaram a surgir no imóvel algumas patologias (defeitos), que também melhor descritos são no petitório inicial, tendo o autor solicitado a eliminação dos mesmos, em 18 de Janeiro de 2009.

                A ré não procedeu às reparações devidas.

                A descrita situação causou ao autor despesas, que ora reclama.

                Bem como danos de carácter não patrimonial, que também melhor descreve, tudo nos montantes peticionados.

                Citada a ré, veio contestar, defendendo-se por excepção, invocando a caducidade da acção e a inadmissibilidade legal dos pedidos formulados atinentes aos gastos com o patrocínio e com o engenheiro contratado, e por impugnação.

                Replicou o autor quanto à matéria das excepções arguidas.

                Foi proferido o despacho saneador, que, julgando procedente a excepção da caducidade do autor, absolveu a ré do pedido.

                Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, na sua alegação, as seguintes conclusões:

                1ª - Aos presentes autos aplica-se não só o disposto nos artigos 914.2, 916.2 e 917.2 do Código Civil e na Lei da Defesa do Consumidor, como também o disposto no Regime da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a Ela Relativas (criado através do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril).

                2ª - Estabelece a primeira parte do número 2 do artigo 12.2 do C. C. que "Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos".

                3ª - No caso concreto, o facto jurídico em causa - o aparecimento dos defeitos do imóvel é posterior à entrada em vigor da redacção trazida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, sendo que o acto jurídico de denúncia desses defeitos também o é.

                4.ª - No mais, dispõe a segunda parte do citado número 2 do artigo 12.º do C. C. que "quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor".

                5ª - Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela lei nova, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência de unidade do ordenamento jurídico (...); por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, aliás, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga, uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos" (in Parecer da Procuradoria Geral de República, de 21 de Dezembro de 1977, publicado na IIª Série do Diário da República de 30 de Março de 1978, pág. 1804).

                6ª - Também a jurisprudência se pronunciou quanto a esta matéria, sustentando que "A lei nova abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se encontram ou possam a vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo a que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual" (in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 437, página 477).

                7ª - "II - Deve, no entanto, distinguir-se as leis que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª parte do nº 2 do art. 12 citado), que se aplicam a situações jurídicas constituídas antes da nova lei, mas subsistentes ou em curso à data da sua entrada em vigor. III - Funda-se essa regra na aplicação imediata da lei nova no interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a exigência de unidade do ordenamento jurídico, que seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico pela subsistência de um grande número de situações jurídicas duradouras (…)" (in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, nº 438, página 440).

                8ª - Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, foi precisamente o interesse na adaptação da legislação em vigor à realidade do mercado e o colmatar das deficiências verificadas que motivaram o legislador a alterar o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, abstraindo-se dos factos que deram origem às relações jurídicas subsistentes, focando-se nos aspectos sociais e de mercado dessas relações, dispondo directamente sobre o respectivo conteúdo.

                9ª - Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/90 (in acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pág. 159), "Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam "tocadas" relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte".

                10ª- Tendo o legislador, através do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, vindo transpor para a ordem jurídica interna - para o que aqui releva - os prazos de caducidade para o exercício dos direitos pelos consumidores em cumprimento do disposto na Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, resulta evidente que estes novos prazos em nada contendem com a legítima expectativa dos cidadãos.

                11ª- Com referência à aplicação no tempo do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, refere o Ilustre Professor Pedro Romano Martinez que "A responsabilidade por cumprimento defeituoso inclui na expressão "conteúdo de certas relações jurídicas" (art. 12.º, n.º 2, do CC), pelo que a lei nova se lhe aplica; deste modo, a responsabilidade emergente da falta de conformidade de uma obra cujos prazos de exercício estivessem em curso a 9 de Abril de 2003 - data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril - fica sujeita ao regime da lei nova (Decreto-Lei n.º 67/2003)"(in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Almedina, Vol. 11, pág. 24).

                12ª- A argumentação expendida na conclusão anterior será aplicável aos presentes autos, porquanto, na data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio - 20 de Junho de 2008 - ainda estava em curso o prazo de garantia do imóvel objecto dos presentes autos - 5 anos a contar da entrega do imóvel -, sendo que o Apelante apenas procedeu à denúncia dos defeitos existentes no aludido imóvel em 2 de Abril de 2009.

                13ª - Resulta, pois, manifestamente evidente que, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil, é aplicável aos presentes autos o disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

                14ª- Por outro lado, será plausível considerar que o Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio mais não é do que uma legislação correctiva do anterior Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, porquanto visou corrigir um lapso de transposição da Directiva n.º 1999/44/CE, de 25 de Maio para este diploma.

                15ª- A este respeito, refira-se o douto aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.04.2011, in www.dgsi.pt no qual se pode ler que "A falta de transposição dos prazos constantes no artigo 5.º da Directiva 1999/44/CE para o DL nº 67/2003 determinou que o legislador fizesse uma interpretação correctiva através do DL nº 84/08, de 21/05, que veio alterar aquele diploma legal, aditando-lhe norma que estabelece os prazos de caducidade em conformidade com a directiva".

                16ª- Mais se pode ler no referido aresto que "Enquadrado o DL n.º 84/2008 de 21.5 como norma correctiva seguimos o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça vazado no acórdão de 12 de Janeiro de 2010, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro João Camilo segundo o qual se torna inútil a sua apreciação à luz de norma interpretativa, já que se limitou a dar corpo à redacção que decorria de tal directiva" (...), pelo que foi "pela via da regra correctiva - vazar no ordenamento interno o que determinava a directiva - que se considerou aplicável aos contratos firmados antes da sua entrada em vigor".

                17ª- "No seguimento de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobejamente identificado o aditamento do artigo 5ª da Directiva ao DL nº 67/2003, por via do DL nº 84/2008, tratou de corrigir lapso de transposição e não de norma nova que não sendo interpretativa violaria o nº 1 do artigo 12.º do CC. O que os tribunais fizeram no respeito pelo quadro legal emergente do órgão com competência legislativa foi aplicá-lo aos contratos firmados quando vigorava o DL nº 67/2003, funcionando as alterações introduzidas pelo DL nº 84/2008, como, repetimos, correctivas e por isso aplicáveis aos contratos firmados em data anterior à data da sua entrada em vigor" (cfr. acórdão supra mencionado).

                18ª- Face à natureza correctiva do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio, o qual se limitou a completar a transposição da Directiva n.º 1999/44/CE, de 25 de Maio para a ordem jurídica interna, será de considerar que não estamos perante uma norma nova e, nessa medida, será imediatamente aplicável às relações constituídas anteriormente à sua entrada em vigor.

                19ª- Tal como vem referido na douta sentença de que ora se recorre, não tendo sido transpostos, no prazo concedido para o efeito, para o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril os prazos mencionados no artigo 5.º da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, esta, nesta parte, passou a aplicar-se directamente no ordenamento jurídico interno.

                20.1 - A este respeito, refira-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.01.2010, no qual se pode ler que “ (…) contendo a referida directiva norma precisa, clara, incondicional e não carecida da adopção de medidas complementares por parte do Estado Português para a sua aplicação, entrou em vigor na ordem portuguesa expirado que foi o prazo para o Estado Português proceder à sua transposição. É o que resulta do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno (...)" (in www.dgsi.pt).

                21ª- Ora, verificando-se que o prazo mínimo estabelecido na aludida Directiva é de "dois anos a contar da data da entrega" (cfr. artigo 5.º), nunca o prazo para o exercício do direito de acção a estabelecer no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril poderia ser inferior a 2 anos a contar da data da denúncia.

                22ª- Com efeito, podendo o consumidor detectar e denunciar o defeito existente num bem no exacto momento em que o mesmo lhe é entregue, para que o disposto na Directiva fosse respeitado, o prazo para o exercício do direito de acção tinha que ser, no mínimo, de 2 anos a contar da data da denúncia.

                23ª- Aliás, basta atentar no disposto no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, para se constatar que foi esse o prazo mínimo estabelecido pelo legislador.

                24ª- Nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 2 do C. C. "A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial".

                25ª- Quer isto significar que os prazos de caducidade para o exercício do direito de acção previstos no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio têm aplicação imediata a partir da entrada em vigor deste diploma legal (20 de Junho de 2008).

                26ª- Neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.02.2011, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que "Por outro lado, tendo o DL 84/2008 entrado em vigor a 20 de Junho de 2008, é aplicável ao caso o novo prazo de 3 anos nele previsto, pois no que respeita à alteração de prazos, rege o disposto no artigo 297.º do CC, aplicando-se a lei que fixar um prazo mais longo aos prazos que estejam em curso (. . .) embora se compute neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial".

                27ª- O artigo 297.º do CC é "aplicável a todos os prazos legais, judiciais e administrativos, estabelecidos para qualquer efeito" (João Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, Almedina, 4.ª edição, pág. 172).

                28ª- Nos termos do disposto no artigo 725.º do Código de Processo Civil, e por se verificarem, na totalidade, os requisitos indicados nas alíneas a) a d) do número 1 do referido preceito legal, requer-se a V. Exa. se digne admitir a subida imediata do presente recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, processando-se o mesmo como revista (salvo no que respeita aos efeitos, a que se aplica o disposto para a apelação).

                O recorrido não contra-alegou.

                Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelo recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais se resumem à de saber se o direito do autor à propositura da presente acção, tendo em conta a data em que a mesma foi intentada, já caducou.

Tendo sido dados como assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão:

Entre A. e ré foi celebrado um contrato de compra e venda de imóvel – lote de terreno para construção urbana, no qual foi construída uma moradia unifamiliar - em 31/5/2007.

Pelo menos desde Outubro de 2008, o A. tem conhecimento dos vícios que alega na p. i..

O A. comunicou à ré a existência dos alegados vícios em 2/4/2009[1].

A presente acção foi intentada em 20/4/2010.

Entendeu a senhora Juíza, no seu despacho saneador-sentença recorrido, que a acção caducou.

Pois, pese embora, diz, se mostre respeitado o prazo para a denúncia dos defeitos, a verdade é que a acção deveria ter sido proposta até ao dia 2/4/2010, ao invés de ter sido intentada no dia 20 seguinte.

Assim sucedendo quer se aplique o art. 917.º do CC[2], quer haja lugar à aplicação do art. 5.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho), na redacção do DL 67/03, de 8 de Abril, aplicável ao contrato em apreço por força do art. 12.º.

Sustentando o recorrente não ser assim.

Sendo a questão em apreço apreciada ao abrigo do preceituado nos arts 916.º, 917.º e 914.º, sendo-lhe, ainda, aplicável o regime de venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, criado pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, estando em causa um contrato de compra e venda celebrado entre um profissional e um consumidor.

Tendo sido no interesse na adaptação da legislação em vigor à realidade do mercado e o colmatar de deficiências verificadas que levaram o legislador a alterar o mencionado DL 67/2003, abstraindo-se dos factos que deram origem às relações jurídicas subsistentes, focando-se nos aspectos sociais e de mercado dessas relações, dispondo directamente sobre o respectivo conteúdo.

Tal fazendo através do DL 84/2008, de 21 de Maio, que transpôs para a ordem jurídica interna – no que aqui releva – os prazos de caducidade para o exercício dos direitos dos consumidores em cumprimento da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, que em nada contendem com as legítimas expectativas dos cidadãos.

Sendo certo que tal prazo de caducidade tem natureza legal e não convencional.

Sendo, assim, aqui aplicáveis, por força do preceituado no art. 12.º, nº 2, as alterações introduzidas pelo referido DL 84/2008 ao anterior DL 67/2003.

E, por outro lado, tal diploma legal mais não é do que uma alteração correctiva do anterior DL 67/2003, visando corrigir um lapso de transposição para o mesmo da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, designadamente no que diz respeito aos prazos de caducidade do direito de acção. Aditando-lhe norma que estabelece os prazos de caducidade em conformidade com tal directiva (cfr. art. 5.º-A).

Pelo que, sendo tais alterações correctivas – não se tratando, assim, de norma nova – são as mesmas aplicáveis aos contratos firmados em data anterior à da sua entrada em vigor.

E, de qualquer modo, diz, ainda o recorrente:

Mesmo que se considere que aos presentes autos é aplicável o disposto no DL 67/2003, na sua redacção originária, sempre o prazo de exercício do direito de acção na sequência da denúncia dos defeitos será o de dois anos, constante da mencionada Directiva 1999/44/CE, a qual, sem que os seus prazos tivessem sido transpostos para aquele diploma legal, passou a aplicar-se directamente no nosso ordenamento jurídico. É o que resulta do primado do direito comunitário sobre o direito interno.

Tendo, também por isto, o prazo para o exercício do direito de acção que ser, no mínimo, de dois anos a contar da data da denúncia.

Sucedendo, ainda, que, por força do prescrito no art. 297.º, nº 2, sempre seria aplicável a redacção dada pelo referido DL 84/2008 ao DL 67/2003 e o prazo de três anos nele constante.

Vejamos:

Dá-se de barato – e nem as partes, nem a senhora Juíza dão relevo a esta questão - que a ré vendedora do imóvel, vocacionada para a promoção imobiliária[3], foi a sua construtora – cfr. arts 1.º e 2.º da p. i.

Aparecendo-nos o promotor imobiliária, na nossa lei, definido como a pessoa singular ou colectiva, privada ou pública, que, directa ou indirectamente, decide, impulsiona, programa, dirige e financia, com recursos próprios ou alheios, obras de construção ou reconstrução de prédios urbanos destinados à habitação, para si ou para aquisição sob qualquer título – art. 3.º, nº 1, al. a) do DL 68/04, de 25 de Março[4]/[5]

Assim se aplicando ao caso, desde logo, o regime a propósito traçado no Código Civil para a má execução do dever de cumprimento da prestação, já que a coisa, como é sabido, para ser conforme ao contrato, deve, desde logo, e alem do mais, ser entregue sem vícios, ou seja, sem defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material (arts 879.º, al. b) e 913.º a 922.º).

Não havendo necessidade de nos embrenharmos na total problemática da compra e venda de coisas defeituosas, já que aqui (nesta revista) apenas está em causa o prazo para o exercício da respectiva acção judicial, aceite que está que a denúncia dos defeitos foi realizada em tempo.

Defendendo o comum dos autores e a jurisprudência que julgamos uniforme deste Supremo Tribunal a interpretação extensiva do art. 917.º, no sentido de abranger todas as acções baseadas no cumprimento defeituoso, incluindo, naturalmente, aquelas em que se peça a reparação da coisa e indemnização[6], tendo o prazo de seis meses aí aludido sido substituído pelo prazo de um ano, quando o vendedor do imóvel tenha sido também o seu construtor (art. 1225.º, nºs 2 e 3 aplicável por força do nº 4 do mesmo normativo).

                Referindo a propósito o Professor Romano Martinez que: “Com respeito à relação existente entre estes dois contratos (compra e venda e empreitada) é de mencionar os problemas suscitados com os contratos de compra e venda de edifícios (andares e moradias) em que o vendedor é um promotor imobiliário. (…).

                A recente jurisprudência espanhola, italiana e alemã com o apoio da doutrina, tem considerado que, a tais contratos de transferência de propriedade são de aplicar as regras da empreitada.

(…) Mas, mesmo quando a obra é vendida depois de terminada, a solução mais justa consiste em aplicar as regras da empreitada. (…) Assim será de admitir a existência de uma lacuna no contrato de compra e venda, pois não está prevista solução para o caso de venda de edifícios e outros imóveis destinados a longa duração, construídos ou reparados pelo vendedor, e a aplicação das regras gerais leva a resultados injustos. Perante a lacuna da lei, deverá ter-se em conta o disposto no contrato de empreitada (art. 1225.º), em razão da similitude existente entre as duas situações. Justifica-se o recurso à analogia, porque, no caso omisso, procedem as razões que estão na base da regulamentação estabelecida no artigo 1225.º (art. 10.º, n.º 2).”[7]

E, assim, sem necessidade de mais delongas, de acordo com o citado regime legal o prazo para a propositura da acção decorreria no ano seguinte à denúncia, terminando, pois, como refere a senhora Juíza recorrida, em 2 de Abril de 2010[8].

Contudo, o regime civilístico tradicional relativo às perturbações na prestação no contrato de compra e venda tem vindo sucessivamente a perder aplicação no âmbito das relações de consumo.

Sucedendo que, nos negócios jurídicos de consumo a tutela do consumidor[9]/[10] é assegurada de uma forma distinta da que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso[11].

Prescrevendo o art. 5.º do DL 67/2003, de 8 de Abril (Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), na redacção originária, que o comprador (consumidor) pode exercer o direito de reposição da falta de conformidade do bem com o contrato, por meio de reparação ou de substituição, alem do mais, dentro do prazo de cinco anos a contar da data da entrega do imóvel, devendo denunciar ao vendedor tal defeito no prazo de um ano a contar da data em que o tenha detectado, caducando os direitos conferidos ao consumidor findos qualquer destes prazos sem que o mesmo tenha feito a denúncia ou decorridos seis meses sobre esta[12].

Ora, sendo menor o prazo concedido por este diploma legal para o exercício dos direitos por banda do comprador, poderá o mesmo, contudo, intentar a acção na medida em que o direito comum lhe seja mais favorável pela previsão de prazo mais longo para esse efeito, como acontece na empreitada (art. 1225.º).

Assim sucedendo dada a natureza da protecção mínima estabelecida pelo citado DL 67/2003, interpretado em conformidade com a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999 (art. 8.º)[13]/[14].

Pelo que, por via desta lei especial (DL 67/2003), também caducado está o exercício do direito de acção por parte do autor.

Mas, será que não se deve aplicar directamente a citada Directiva comunitária, entendendo-se que a mesma tem aplicação directa na ordem jurídica interna, mesmo entre particulares, assim tendo efeito horizontal[15]?

Sendo certo que, nesse caso, prevê tal diploma comunitário o prazo de dois anos a contar da entrega do bem, quando o vendedor for responsável perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem é entregue, não podendo tal prazo ser inferior a este se, por força de legislação nacional, tal direito estiver sujeito a prazo de caducidade – art. 5.º, nº 1 da Directiva[16].

Tal Directiva foi transporta para o nosso Direito interno através do referido DL 67/2003, o qual, como vimos manteve o prazo de seis meses[17]/[18], que já vinha da LDC, para o exercício dos direitos ou faculdades colocadas à disposição do consumidor perante o vendedor de coisa defeituosa.

Todavia, a Directiva ora em questão, como já vimos (última nota de rodapé) apenas prescreve quanto aos móveis[19] (e com excepções), pelo que não há que a aplicar ao caso em apreço[20].

Mas, sustenta o recorrente, que serão aqui aplicáveis, por força do preceituado no art. 12.º, nº 2, as alterações introduzidas pelo também já referido DL 84/2008.

Sendo certo que, diz ainda, e por outro lado, tal diploma legal mais não é do que uma interpretação correctiva do anterior DL 67/2003, visando corrigir um lapso de transposição para o mesmo da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, designadamente no que diz respeito aos prazos de caducidade do direito de acção. Aditando-lhe norma que estabelece os prazos de caducidade em conformidade com tal directiva (cfr. art. 5.º-A).

Vejamos, então:

O presente contrato de compra e venda do imóvel com alegados defeitos foi celebrado em 31/5/2007 e, pelo menos desde Outubro de 2008, o A. tem conhecimento dos vícios que alega. Tendo comunicado à ré a sua existência em 2/4/2009.

O DL 84/2008 entrou em vigor no dia 20 de Junho de 2008 (art. 5.º do citado diploma legal).

Sendo certo que, em princípio, a lei só dispõe para o futuro (art. 12.º, nº 1).

Sendo este o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para o futuro.

E que, também em princípio, os efeitos do contrato são regulados pela lei vigente no momento da sua conclusão[21], ou seja, no que aqui pode interessar, da LDC e DL 67/2003.

Reportando-se os denunciados defeitos à data da celebração do negócio e da entrega do bem.

Na verdade, sendo a caducidade uma forma de ineficácia[22], é no momento da celebração do contrato de compra e venda que, em regra se gera a obrigação da entrega da coisa correspondente às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador, ou seja, sem vícios materiais ou físicos, vale dizer, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material – arts 879.º, al. b) e 913.º.

Não se devendo sustentar, na hipótese vertente, quanto ao conteúdo do respectivo direito que à nova lei reguladora da protecção do comprador consumidor é indiferente o facto que lhe deu origem.

Não sendo, pois, caso de aplicação retroactiva da lei (art. 12.º, nº 2, última parte).

Não sendo, assim, caso de aplicação do DL 84/2008 (das suas alterações) ao caso vertente por força do referido art. 12.º, nº 2, ou seja, por força dos princípios de aplicação das leis no tempo previstos no nosso CC.

Mas, será que o art. 5.º-A[23] do citado DL 84/2008 deve, de qualquer modo, ser aqui aplicado face à sua função correctiva do anterior DL 67/2003, por ele alterado, assim nele se integrando – cfr. art. 13.º?

Também não, pois que o actual diploma legal que rege sobre a venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, por alteração do mencionado DL 67/2003 - que, recordemos, procedeu à transcrição da Directiva para a nossa ordem jurídica interna -, é a respeito dos prazos para o exercício de direitos do consumidor, no atinente aos imóveis, inovador (art. 5.º - A)[24], não lhe sendo imposta qualquer correcção pela aludida Directiva, que, como já dito, não englobava os imóveis.

Sendo, assim, insusceptível de aplicação retroactiva[25].

Ora, se o referido DL 84/2008 não deve ser aplicado retroactivamente, quer face ao preceituado no art. 12.º, quer pela sua alegada função correctiva, que se não verifica, mas tendo em conta a alteração dos prazos para o exercício do direito de acção por banda do comprador consumidor, prescritos, primeiramente no DL 67/2003 (prazo mais curto), depois naquele mencionado diploma legal (prazo mais longo), que alterou este, resta, então, saber da relevância do tempo nas relações jurídicas – Livro I, Título II, Subtítulo III, Capítulo III do Código Civil.

Consagrando o art. 297.º uma regra de direito transitório que visa esclarecer a lei aplicável aos prazos em curso, sempre que estes sejam alterados.

Sendo certo que, de acordo com o nº 2 de tal preceito legal, a lei que fixar um prazo mais longo é aplicável aos prazos que estejam em curso, computando-se neles todo o tempo decorrido desde o momento inicial.

Ou seja, se a lei nova alongar o prazo anteriormente estabelecido, aplicar-se-á a nova lei, ponderando-se, no entanto, o tempo decorrido na vigência da lei antiga.

Sendo o prazo relevante o novo prazo mais longo, desde que o antigo não esteja transcorrido à data da entrada em vigor da nova lei (20 de Junho de 2008)[26].

Ora, o autor comunicou á ré a existência dos alegados vícios em 2/4/2009.

Só a partir dai se começando a contar o prazo para a propositura da acção em que pretenda exercer os seus direitos (cfr. arts 4.º e 12.º da LDC e arts 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do DL 67/2003, nas redacções anteriores às alterações provindas do DL 84/2008).

Prazo esse que, não estando transcorrido à data da entrada em vigor do referido DL 84/2008, é de três anos.

Sendo consequentemente tempestivo o exercício do direito de acção por banda do autor, para defesa dos seus arrogados direitos.

Não havendo, assim, decorrido o prazo de caducidade em apreço.


*


Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em, na concessão da revista, se revogar o despacho saneador recorrido, na parte em que, julgando procedente a excepção da caducidade do direito do autor, absolveu a ré da instância. Com as legais consequências.

Custas pela recorrida.

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

               

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[1] No email de 2/4/2009, o autor refere um anterior email de 18/1/2009 a dar conhecimento dos vícios no imóvel, aludindo à vistoria feita pela ré no dia 11 de Março de 2009 (e, assim, em data anterior àquela que a senhora Juíza dá como assente em relação à comunicação dos defeitos).
[2] Sendo deste diploma legal todas as disposições legais a seguir citadas sem outra referência.
[3] O autor apenas alega a respeito que a ré é uma sociedade comercial vocacionada para a promoção imobiliária, que se dedica à comercialização e desenvolvimento de empreendimentos residenciais e turísticos, bem como dos respectivos serviços integrados e outros equipamentos conexos e que no âmbito dessa sua actividade vendeu o questionado prédio ao autor, que o comprou – arts 1.º e 2.º da p. i.
[4] Diz-nos o Prof. Pedro R. Martinez que se considera promotor imobiliário aquele que constrói, por conta própria ou mediante contrato de empreitada, o prédio e promove a sua venda, normalmente por andares, antes ou depois da respectiva construção (Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda ena Empreitada, p. 170
[5] Sobre o conceito de promotor imobiliário, vide, ainda, ac. do STJ de 19/4/2012 (Maria dos Prazeres Beleza), Pº 9870/05.5TBBRG.G1.S1.
[6]Na doutrina, P. Romano Martinez, ob. cit., p. 413, Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, p. 77, Mota Pinto, O Direito, 121.º, p. 292, Armando Braga, A Venda de Coisas Defeituosas no CC, A Venda de Bens de Consumo, p. 47, Nuno M. Pinto de Oliveira, Contrato de Compra e Venda e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. II, p. 228. Na jurisprudência, entre outros, acs do STJ de 3/4/98 (Torres Paulo), Bol. 476, 289, de 15/6/2000 (Ferreira de Almeida), revista nº 443/00, de 18/2/03 (Garcia Marques), revista nº 4587/02, de 18/10/07 (Alberto Sobrinho), Pº 2467/07, de 13/12/07 (J. Bernardo), Pº 3944/07, de 29/1/08 (Silva Salazar), Pº 4592/07, de 29/4/08 (Mário Mendes), de 12/1/2010 (João Camilo), Pº 2212/06.4TBMAI.P1.S1 e de 13/10/11 (O. Vasconcelos), Revista nº 1127/07.3TCSNT.C1.S1- resenha jurisprudencial fornecida pelo Gabinete de Assessoria Jurídica do STJ – e de 19/4/2012, antes citado.
[7] Pedro R. Martinez, ob. cit, p.153 a 156. Cfr., ainda, ac. do STJ de 24/4/2012 (Gabriel Catarino), Pº 904/06.tBSSB.L1.S1.
[8] E a presente acção só foi intentada em 20/4/2010.
[9] “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” – art. 2.º, nº 1 da Lei 24/96, de 31 de Julho, a partir de agora designada por LDC (Lei de defesa do consumidor). Entendendo-se por “bem de consumo” qualquer imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão – art. 1.º- B do DL 67/03, de 8 de Abril (Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), alterado e republicado pelo DL 84/2008, de 21 de Maio.
[10] A protecção do consumidor, imperativo constitucional desde 1976, encontra guarida no art. 60.º da CRP.
[11] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, p. 149 e 150.
[12] Pelo DL 67/2003 foram eliminados os prazos de denúncia e de propositura de acção que estavam previstos nos nºs 2 e 3 da Lei 24/96, fazendo-os incluir no seu art. 5, mantendo a mesma duração no que toca ao prazo de seis meses para a propositura da acção.
[13] Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, p. 122 e 123.
[14] Tal Directiva, no seu considerando (1), e fazendo apelo aos nºs 1 e 3 do art. 153.º do Tratado, prescreve que a Comunidade deve contribuir para a realização de um nível elevado de defesa dos consumidores.
[15] Ac. do STJ de 12/1/2010 (João Camilo), Pº 2212/06.4TBMAI.P1.S1, in www.dgsi.pt, aderindo a jurisprudência nesse sentido do Tribunal de Justiça das Comunidades. Referindo que tal posição é a que resulta do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como é defendido por Alessandra da Silveira, in Princípios de Direito da União Europeia, p. 115 e ss. Citando, também, nesse sentido, Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1.º vol., p. 263/264.
[16] Este prazo material relativo à manifestação da falta de conformidade não é um prazo de caducidade, embora se admita a hipótese, de acordo com as legislações nacionais, esse prazo funcionar igualmente como prazo de caducidade para o exercício dos respectivos direitos (art. 5.º, nº 1), podendo, ainda, tais legislações estabelecer obrigatoriamente um prazo para a denúncia da falta de conformidade a partir do momento em que ela é detectada. Afastando-se a Directiva, em termos de prazos, quer do regime do CC, quer do da LDC – Menezes Leitão, ob. cit., p. 176/177.
[17] Tal prazo, recordemos, acrescia ao da denúncia do defeito detectado (cfr. art. 5.º do DL 67/2003).
[18] O nosso legislador exorbitou da mera transcrição da Directiva quanto à protecção dos consumidores, já que a mesma apenas prescreve quanto às coisas móveis (art. 1.º, nº 2, al. b), ao invés do DL 67/2003 que também engloba os imóveis como objecto do protegido consumo.
[19] Cfr. art. 205.º.
[20] Sendo certo que se aplicada fosse também por ela caducado estava o direito do autor a intentar a presente acção.
[21] No que respeita aos negócios jurídicos a valoração da sua validade e eficácia deve fazer-se à luz da lei vigente no tempo em que foram praticados – Oliveira Ascensão, Direito Introdução e Teoria Geral, p. 405.
[22] Aníbal de Castro, a Caducidade, p. 25, Pereira Coelho, RLJ Ano 118.º, p. 50, nota (2) e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 606.
[23] Tal preceito, tratando-se de um imóvel, fixa agora o prazo de três anos a contar da denúncia da desconformidade que deve ser efectuada no prazo de um ano a contar da data em que tenha sido detectada.
[24] Pretendendo tal diploma, como resulta da respectiva exposição dos motivos, em relação ao anterior DL 67/2003, decorridos que foram cinco anos da sua vigência, ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma revelou.
[25] Ac. do STJ de 11/10/2011 (Gabriel Catarino), Pº 409/08. 1TBVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt, que trata, com aplauso nosso, desenvolvidamente o tema ora em apreço e cuja doutrina, por isso, aqui se acolheu.
[26] Calvão da Silva, Venda de Coisas Defeituosas, p. 172