Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2603/10.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
ATROPELAMENTO
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CULPA EXCLUSIVA
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS / VELOCIDADE.
DIREITO CIVIL - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 591, 595-597, 763 a 767.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 887 a 901.
- Joaquim Sousa Dinis, “Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras”, Separata dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IX, Tomo I, 2001, 10; in Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano IX, Tomo 1, 5 a 12.
- Maria da Graça Trigo, Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp.69 e seguintes, Universidade Católica, 2015.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 483.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 564.º, N.º 1, 566.º, N.º2 E 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 24.°, 27.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 1.ª PARTE, 615.º, N.º 1, ALÍNEA C), 2.ª PARTE, 663.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º, N.º 1.
PORTARIA N.º 377/2008: - ARTIGOS 7.º, N.º 1, AL. B), 10.º, N.º 2, E ANEXO V (NA RED. DA PORTARIA N.º 679/2009).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 01/12/2009, PROCESSO N.º 1235/2001.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/06/2011, PROCESSO N.º 160/2002.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 19/04/2012, PROCESSO N.º 3046/09. 0TBFIG.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/10/2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/03/2013, PROCESSO N.º 565/10.9TBVL.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 04/06/2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/01/2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/04/2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.

II. Estando a A. totalmente impedida de exercer a sua profissão habitual, não obstante a compatibilidade do seu défice funcional com outras atividades da sua preparação técnico-profissional, que, aliás, nem se encontram especificadas, e não se divisando que possua idade e habilitações para lograr uma condizente reconversão profissional noutra atividade desse tipo e muito menos de outra natureza, é forçoso concluir que a situação em presença corresponde, na prática, a uma perda total da sua capacidade de ganho.

III. A partir do rendimento total anual perdido, no valor bruto para tal considerado de € 8.000,00, tendo em conta a incapacidade permanente total para o exercício da atividade profissional, a uma taxa de juro situada entre 3% e 4%, num período de vida ativa previsível de 20 anos e uma redução de 1/3 do capital assim apurado a título de compensação pela antecipação desse capital, mostra-se ajustada a indemnização de € 150.000,00 para compensar a perda total do rendimento auferido pela A. no exercício da sua atividade profissional, sem que se revele plausível a obtenção por ela de outro rendimento alternativo.

IV. Além disso, o défice funcional da A., fixado em 18 pontos com possibilidade de agravamento até 23 pontos, implica ainda o impedimento de a A. auferir qualquer outro rendimento económico fora desse âmbito profissional, bem como maior onerosidade com a execução de tarefas materiais de índole pessoal, mormente no âmbito das suas lides domésticas, a qual representará, para além da respetiva penosidade anímica, uma diminuição da capacidade geral de ganho fora do âmbito profissional, o que justifica um complemento indemnizatório de € 15.000,00, em sede do chamado dano biológico.

V. A indemnização a título de danos não patrimoniais, embora tendo por escopo central a respetiva compensação eco­nómica, em termos de proporcionar ao lesado uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, serve ainda para sancionar a conduta do agente.

VI. Considerando, por um lado, a idade da A. (47 anos à data do acidente), as espécies de lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter, os dias, ainda que poucos, de internamento, o período de défice temporal temporário, as sequelas irreversíveis nos membros inferior e superior esquerdos, em especial, a rigidez articular e dolorosa do membro superior esquerdo com tendência para se agravar com a idade; o quantum doloris de grau 5 e o dano estético de grau 2, numa escala máxima de 7 pontos, a angústia pela perda da sua atividade profissional, a perda de auto-estima e da alegria de viver ou desgosto inerentes a tais padecimentos e, por outro lado, que tais consequências decorrem de um acidente de trânsito cuja responsabilidade é imputada, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo atropelante, dentro dos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do STJ, tem-se por mais condizente e ajustado a esses padrões elevar a respetiva indemnização compensatória de € 25.000,00 para € 35.000,00.  

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 29/11/2010, junto das então Varas Cíveis de Lisboa, contra a Companhia de Seguros CC Portugal, S.A., (R.), alegando, no essencial, que:

. Em 18/06/2010, pelas 07h55, a A., ao atravessar uma passadeira para peões na …, na Freguesia da Ameixoeira, no Município de Lisboa, foi atropelada pelo veículo automóvel de matrícula ...- BX - ..., pertencente a CC e conduzido por DD, cuja responsabilidade civil de circulação se encontrava transferida para a R.;

. Com tal embate, a A. sofreu diversos traumatismos e fraturas que a obrigaram a submeter-se a operações cirúrgicas, ficando internada desde a data do acidente até 25/06/2010, sendo-lhe dada indicação médica para seguir um programa de reabilitação;   

. Porém, não iniciou tal programa por não dispor de condições para tal nem a R. as ter proporcionado, apesar de reconhecer a responsabilidade pelo acidente, desconhecendo se ficará com alguma incapacidade; 

. Em virtude das lesões sofridas, a A. suportou despesas com transportes, assistência de terceira pessoa de que necessitava para si e para apoio das filhas menores;

. À data do acidente, a A. trabalhava para o Centro Paroquial da …, auferindo o salário mensal bruto de € 528,00, acrescido de subsídios de alimentação mensal de € 66,00 e de transporte de € 27,50, que deixou de receber desde o acidente, bem como de efetuar descontos para a Segurança Social.

Concluiu a pedir que a R. fosse condenada a pagar-lhe as seguintes indemnizações:

a) – a quantia de € 35.743,54, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, compreendendo € 2.620,04, por perda de vencimento durante 167 dias de incapacidade temporária absoluta, € 323,50 por despesas com medicamentos e transportes, € 2.800,00 por despesas com uma empregada doméstica e € 30.000,00 por danos não patrimoniais;

b) – quantia a liquidar relativamente aos salários brutos vincendos, incluindo descontos para a Segurança Social;

c) – quantia a liquidar relativa aos danos futuros pela incapacidade que lhe venha a ser atribuída;

d) - quantia a liquidar pelas despesas que tenha de efetuar com assistência médica, medicamentos, tratamentos e transportes;

e) – juros vencidos e vincendos sobre tais quantias.


 2. A R. contestou, assumindo a responsabilidade pelo acidente, mas impugnando as indemnizações peticionadas.

3. Findos os articulados, foi fixado o valor da causa, proferido despacho saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 48-52).

4. Após produção da prova pericial, a A., na decorrência do respetivo resultado, veio deduzir a fls. 283-289, em 20/08/2014, a ampliação do pedido inicial para a quantia de € 347.197,59, compreendendo o valor de € 24.777,13, respeitante a perdas salariais até à data da consolidação à incapacidade, em 26/09/2013, de € 273.417,00 relativo aos danos patrimoniais pela incapacidade absoluta e € 50.000,00 por danos não patrimoniais, remetendo para liquidação ulterior a indemnização por futuras intervenções cirúrgicas, medicamentos e tratamentos. A R, por sua vez, deduziu oposição aos novos valores peticionados, concluindo como na contestação.

5. Realizada a audiência final, com gravação da prova, foi proferida sentença a fls. 333-365, datada de 24/02/2015, na qual foi inserida a decisão de facto e a respetiva motivação, tendo a ação sido julgada parcialmente procedente com a condenação da R.:

i) – a pagar à A. o montante de € 99.564,71, a título de danos patrimoniais, integrado pelas parcelas de € 22.461,67, correspondente à perda de rendimentos de 18/06/ 2010 a 26/09/2013, e de € 77.103,04 pela desvalorização sofrida, a que devem ser deduzidos os adiantamentos de vencimento e de renda mensal atribuídos em sede de procedimento cautelar, com juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação;

ii) – a pagar à mesma A. a quantia de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, já atualizada à data da sentença, acrescida de juros de mora, à referida taxa, a contar, dessa data;

iii) – a suportar os danos, a liquidar posteriormente, decorrentes das intervenções cirúrgicas a que a A. se venha a submeter por virtude das lesões sofridas.

6. Inconformadas com essa decisão, dela apelaram ambas as partes para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão de fls. 407-420, datado de 02/07/2015, com a versão retificada de fls. 431-444, negou provimento ao recurso da A. e concedeu provimento parcial ao recurso da R., fixando a indemnização pela incapacidade para o trabalho em € 63.000,00 e mantendo o valor de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais, acabando por condenar a R. no pagamento do capital total de € 110.461,67.

7. Desta feita, mais uma vez inconformada, veio a A. recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Vem o presente recurso interposto do acórdão que só condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 110.461,67, enquanto em 1.ª instância as quantias fixadas tinham sido as seguintes: € 77.103,04 a título de danos patrimoniais (€ 63.103,04 pela desvalorização sofrida e € 14.000,00 pela compensação de redução da pensão de reforma a que a A. venha a ter direito por força do período de tempo sem descontos) e a quantia de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos, ambos, de juros desde a citação, até integral pagamento de cada um dos referidos valores;

2.ª - Porém, entende a A. não terem razão quer a 1.ª Instância quer a Relação, incorrendo em manifesto lapso que determinou uma incorreta aplicação do direito aos factos apurados e que, caso não se tivesse verificado, teria conduzido a uma solução conforme aos interesses da ora Recorrente;   

3.ª - O âmago de uma das divergências da A. relativamente à sentença recorrida, por um lado, é quanto à forma como foi calculado, quer o valor referente à incapacidade, quer o valor de redução da pensão; por outro, é relativo ao valor fixado a título de danos não patrimoniais;

4.ª - Da nulidade da sentença nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC: A A. peticionou na ampliação e remeteu para liquidação de sentença os danos referentes a futuras intervenções cirúrgicas, despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, bem como danos não patrimoniais decorrentes desses tratamentos, que, sendo previsíveis, não eram determináveis;

5.ª - A necessidade de realização de futuras intervenções cirúrgicas constam dos factos provados;

6.ª - Ora, da sentença só consta que foi remetida para liquidação os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas, nada sendo mencionado quanto às despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, nem quanto aos danos não patrimoniais decorrentes das intervenções cirúrgicas e tratamentos;

7.ª - Assim, o tribunal deixou de se pronunciar sobre pedidos formulados, ou de os remeter para liquidação;

8.ª - Claro que, havendo a necessidade de a A. vir a ter de se submeter a futuras intervenções cirúrgicas, é da experiência comum que terão de existir custos com despesas hospitalares, médicas e medicamentosas e de recuperação, bem como é evidente que os danos não patrimoniais serão mais graves, pela necessidade da A. ter de se submeter a tais intervenções cirúrgicas e tratamentos, com as inerentes dores que tal implica sempre;

9.ª - Perante tais considerações, sendo que foi dado como provado, e o tribunal “a quo” até o considerou na sentença, que as futuras intervenções cirúrgicas são remetidas para liquidação, ao concluir nos termos supra enunciados e não tomando em conta os factos que acima salientámos, não explicitando quais os danos que estarão abrangidos caso a A. venha a ser submetida às referidas intervenções cirúrgicas, enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, de outro modo, teria necessariamente de condenar a R. nos termos peticionados e a liquidar em execução de sentença;

10.º - Por outro lado, o Tribunal de Relação, no acórdão que foi notificado à parte, não se pronunciou sobre tal matéria, evidenciado ter existido manifesta ambiguidade, pois da cópia que foi notificada constam duas páginas como número 10 e nenhuma com o número 9, sendo que as duas páginas com o referido número são iguais;

11.ª – É evidente que terá sido abordada a questão, pois foi proferida decisão julgando improcedente a arguição de nulidade da sentença. Contudo, não são conhecidos quais os respetivos fundamentos, o que impossibilita a parte de se poder pronunciar sobre os mesmos;

12.ª - Tal facto consubstancia um vício previsto no art.º 666.º, sendo nulo o acórdão, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º, ambos do CPC, o que se alega;

13.ª – Quanto aos valores da condenação pelos danos patrimoniais decorrentes da IPP, está inequivocamente demonstrado que a A. está impossibilitada de exercer a respetiva atividade profissional;

14.ª - Ainda que tenha sido considerado provado que as sequelas que a A. sofreu, sendo incompatíveis com a profissão que vinha desenvolvendo, são compatíveis com outras na sua área técnico-profissional (relembrando que a mesma só possuía a instrução primária), não se pode concordar que a indemnização a fixar só venha a considerar o desvalorização “tout court” e não as consequências das sequelas na vida profissional da mesma;

15.ª - A área técnico-profissional da A. está limitada à sua diminuta formação escolar;

16.ª - Seria bom questionar quais as áreas técnico-profissionais que a A. está habilitada a exercer com a impossibilidade de pegar em acamados ou fazer esforços físicos, sendo que não pode fazer uso do seu membro superior esquerdo;

17.ª - Ou seja, estão excluídas todas as atividades que exijam esforços físicos ou pegar em pesos, ou mesmo que exijam a utilização dos dois membros superiores (e não só de um), o que, atenta a formação escolar da A. não são deixadas quaisquer alternativas;

18.ª - Seguindo o raciocínio plasmado no acórdão, então só nas situações de tetraplegia ou comas, é que existiria uma impossibilidade de exercer uma atividade profissional compatível com a formação técnico-profissional;

19.ª - Assim, terá de se entender que a incapacidade da A. não está limitada à percentagem que lhe foi fixada;

20.ª – Considerando a inexistência de qualquer aumento salarial ao longo da vida ativa da A., o que é improvável se não mesmo impossível, temos que a A. tem uma perda de rendimentos de € 139.216,00, caso se considere até aos 66 anos de idade (presentemente a idade da reforma já está nos 66 anos e dois meses, sendo mais que provável que vai aumentar), enquanto, caso se considere até aos 70 anos, temos uma perda salarial de € 174.020,00; 

21.ª - De acordo com as fórmulas que podem servir para apurar um valor que se tenha de receber agora e que se esgote após um determinado período, mesmo que se considere uma taxa de juro do rendimento e a inexistência de qualquer crescimento salarial, que é impossível, temos para os mesmos anos € 128.060,00 e € 157.014,00;

22.ª - Era com o dinheiro do seu trabalho que A. fazia face às suas despesas mensais, não se percebendo a razão de ser de se considerar 50% de qualquer dos valores que venham a ser apurados;

23.ª - Ponderando, no caso concreto, à data do acidente, a lesada tinha 50 anos de idade e, em consequência do acidente, não ficou apenas com uma incapacidade permanente geral de 23 pontos, mas sim impossibilitada de exercer a sua atividade profissional (conforme referido na própria sentença);

24.ª – Além disso, há que ter em conta o rebate para a sua atividade, já que, na prática, a A., com a idade que tem, com as suas habilitações e sequelas sofridas, dificilmente poderá desempenhar qualquer atividade profissional, sendo certo que tal decorre do acidente, pois que a A. antes do mesmo podia e efetuava este trabalho, tendo emprego e auferindo o respetivo vencimento; trabalho que não poderá manter, porque incapacitada por via do acidente em apreço;

25.ª - Na avaliação concreta do dano, como ponto de partida, de forma a alcançar urna base mínima de trabalho, de modo a conseguir uma referência, urna plataforma inicial a partir da qual se façam operar elementos variáveis que têm a ver com introdução do juízo de equidade, procurando demonstrar/explicar como é alcançado o mínimo denominador e evitar soluções de pendor subjetivista, poderemos lançar mão da fórmula utilizada no Ac. do STJ, de 04-12-2007, no Proc. n.º 3836/07, e retomada em Acs. posteriores. Trata-se do resultado da aplicação do programa Exceli à fórmula utilizada pelo STJ, de 05-05-1994, CJSTJ 1994, Tomo 2, pág. 86, elaborada tendo corno referência a atribuição de 1% ao fator aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo;

26.ª - Tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade da reforma e aquela taxa de rendimento, para determinação do valor base há que multiplicar o factor índice da tabela (indicado por referência aos anos que ainda faltem para ser atingida a idade da reforma) pelo rendimento anual auferido/ perdido à data do acidente c pela percentagem do grau de IPP, vezes a percentagem de responsabilidade do lesante na produção do acidente, obtendo-se o capital necessário, que entregue de urna só vez e diluído ao longo do tempo com os rendimentos que ele próprio for gerando, proporcione ao lesado, até à sua idade de reforma, o valor correspondente ao valor perdido;

27.ª - Atenta a especificidade do caso, temos que, quanto à incapacidade para prosseguir a sua atividade, não deve ser fixado valor inferior a € 157.014,00, o que só pecará por defeito, nunca por excesso;

28.ª - Contudo, os danos patrimoniais da A. não se limitam à sua impossibilidade de continuar a exercer a respetiva atividade profissional, mas também com os inerentes danos resultantes de não proceder a descontos para a Segurança Social e o reflexo na pensão de reforma que lhe venha a ser fixada;

29.ª - É evidente que a A. irá ter danos patrimoniais decorrentes de não efetuar descontos para a Segurança Social, tanto mais que para a reforma é considerada toda a carreira contributiva do beneficiário, pelo que deve ser fixado valor não inferior ao que resultaria da aplicação das mesmas fórmulas de cálculo já anteriormente mencionadas, aplicadas ao valor da remuneração atual e tendo como prazo limite a esperança média para as mulheres portuguesas, isto é, até aos 83 anos, resultando num valor de € 105.576,00, ao qual deve ser deduzido o valor que a A. terá direito a receber por força dos descontos que efectuou, nunca devendo o valor a indemnizar ser inferior a € 50.000,00;

30.ª – Quanto aos danos não patrimoniais, considerando tudo o que a A. sofreu e irá continuar a sofrer, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 50.000,00;

31.ª - Por todo o exposto, o acórdão, decidindo de forma diversa, violou, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, o disposto nos artigos 495.º, n.º 2, 496.º, n.º 1, e 562.º do Código Civil.

8. A R. apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do acórdão recorrido, rematando com as seguintes conclusões:

1.ª - A Recorrente não se conformou com o acórdão recorrido que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 110.461,67, sendo que a 1.ª Instância condenava a mesma na quantia de € 124.564,71;

2.ª - De resto, o acórdão manteve a parte decisória da sentença da 1.ª Instância que condena a recorrida a suportar os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar posteriormente, a decisão relativa aos juros sobre as quantias indemnizatórias e a indemnização por danos morais;

3.ª - Com a presente revista, a Recorrente pretende que seja declarado nulo o acórdão recorrido pelas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;

4.ª - Pretende, ainda, que seja alterada para quantia maior a condenação pelos danos patrimoniais decorrentes da IPP, pedindo, por último, que seja alterada para quantia maior a condenação pelos danos não patrimoniais;

5.ª - Em relação à suposta nulidade por omissão de pronúncia, consta na sentença de 1.ª Instância, alínea c), a condenação da R. “a suportar todos os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar posteriormente”;

6.ª - Na sequência dessa decisão, o acórdão sob recurso refere expressamente que “ é manifesto que a sentença recorrida não omitiu o alegado dever de pronúncia, porquanto resolveu a questão de certos danos futuros, nomeadamente as possíveis intervenções cirúrgicas, cuja amplitude não pode deixar de incluir as despesas hospitalares médicas, medicamentosas e de recuperação daí resultantes, como consta do segmento condenatório que antes se destacou.”;

7.ª - Nessa medida, tendo o tribunal de recurso mantido a decisão de condenação da 1.ª Instância, com fundamentação expressa quanto a essa questão, não se vê onde possa existir omissão de pronúncia desse Tribunal;

8.ª - A recorrente reclama também que não estão contemplados os danos não patrimoniais, no entanto, também aí o acórdão decide no sentido de entender que tais danos já estão contemplados na indemnização contida na alínea b), no montante de € 25.000,00, remetendo para a sentença de 1.ª Instância onde se menciona “... com possibilidade de agravamento.”

9.ª - Como tal, foi intenção, tanto da 1ª Instancia como a Relação, considerar que os danos não patrimoniais reclamados pela A. estão já contabilizados na indemnização de € 25.000,00;

10.ª – Assim, a Recorrente não concorda com as decisões já proferidas sobre esta matéria, não existindo omissão causadora de nulidade do acórdão, devendo cair esse fundamento da presente revista;

11.ª - Em relação à indemnização por danos patrimoniais decorrentes de IPP, apesar da alteração operada em sede de matéria de facto do ponto 27, não sindicável, a Recorrente continua a reclamar, para além da percentagem de invalidez, também o reconhecimento da incapacidade para prosseguir a sua atividade;

12.ª - E, com esse argumento, pede uma indemnização não inferior a € 157.014,00, mais € 50.000,00 por perdas na reforma;

13.ª - Ora, consta do ponto 27, após alteração pelo Tribunal da Relação: “As sequelas são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da A.”;

14.ª - Consta no ponto 2 da matéria de facto que a Recorrente auferia mensalmente € 528,00 ilíquidos, subsídio de alimentação de € 66,00 e de transporte mensal de € 27,50;

15.ª - No ponto 26 da matéria de facto provada, consta que a incapacidade da A. é quantificada em 18 pontos, mais cinco pontos a título de dano futuro, o que perfaz 23 pontos no total de IPG - défice funcional permanente de integridade físico-psíquica;

16.ª - Nessa medida, e por aplicação dos artigos 562.º, 564.º, n.º 2, e 566.º do CC, a Relação, com recurso à equidade, entendeu adequado fixar em € 63.000,00, a indemnização pelo dano patrimonial resultante da incapacidade para o trabalho;

17.ª- Em sede de valorização do dano corporal, na parte do rebate profissional, os peritos podem verificar quatro situações relativamente ao estado sequelar (Oliveira Sá F, 1992);

18.ª - Provou-se em sede de matéria de facto incompatibilidade com o exercício da atividade profissional, sendo, no entanto, compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico-profissional;

19.ª - Não se provou incompatibilidade com o exercício da atividade profissional, bem assim com qualquer outro dentro da área da sua preparação técnico-profissional;

20.ª - Só o perito médico, em sede de avaliação pericial, podia reconhecer o que a Recorrente reclama que é, no fundo, a incompatibilidade total de exercício de profissão;

21.ª- Assim, esteve bem o Tribunal em ponderar a indemnização como o fez, com base fundamentalmente nos factos provados 2, 26 e 27, não cabendo a este tribunal de recurso “questionar quais as áreas técnico-profissionais que a A. está habilitada a exercer”, como pretende a Recorrente;

22.ª - Pelo exposto, deve manter-se o valor indemnizatório considerado no acórdão, improcedendo também, nessa parte, as conclusões da Recorrente, por falta de fundamento factual e legal;

23.ª- Por fim, em relação aos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido, com base no art.º 494.º do CC, em sede de equidade, declara ter considerado o grau de culpa na ofensa a um direito fundamental, como o direito à integridade física, as consequências do facto ilícito, a situação económica da lesante e da lesada, e os parâmetros concretos seguidos pela jurisprudência portuguesa;

24.ª - E, se atendermos à factualidade dos pontos 29, 30, 31, 32, 33, 8, 15, 20 e 21, não deve merecer censura o valor considerado de € 25.000,00;

25.ª - Por todo o exposto, deve improceder na totalidade a presente Revista,

        

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II – Delimitação do objeto do recurso


Antes de mais, importa reter que, tratando-se de ação proposta em 2010, na qual as decisões impugnadas foram proferidas em 24/02/2015 (na 1.ª instância) e em 02/07/2015 (na Relação), é aplicável o regime recursal do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, desta Lei.

Ora, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto da presente revista cinge-se às seguintes questões:

i) – As invocadas nulidades quer da sentença da 1.ª instância quer do acórdão recorrido, seja por ambiguidade ou por omissão de pronúncia no respeitante à ampliação do pedido de indemnização por danos patrimoniais futuros relativos a eventuais despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, bem como por danos não patrimoniais decorrentes de intervenções cirúrgicas e tratamentos a que a A. se tenha de submeter;  

ii) – Erro, face à factualidade provada, na determinação da indemnização devida a título de danos futuros patrimoniais resultantes tanto da incapacidade total da A. para o exercício da sua profissão habitual como da sua incapacidade permanente genérica de 23 pontos e ainda da desvalorização da pensão da Segurança Social por não ter podido efetuar os descontos necessários;

iii) – Erro na determinação da indemnização a título de danos não patrimoniais.    



III – Fundamentação


1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a factualidade que, para melhor compreensão, aqui se reordena nos seguintes moldes:

1.1. Em 18 de junho de 2010, cerca das 07h55, na …, na Ameixoeira, em Lisboa, ocorreu um embate entre o veículo de matrícula ...- BX - ..., pertença de CC, conduzido por DD, e a A., que procedia à travessia da faixa de rodagem na passadeira para peões – Alínea C) dos factos assentes;

1.2. A autora (A.) foi projetada para a frente do local onde foi colhida pelo veículo automóvel Alínea F) dos factos assentes;

1.3. A A. ficou no solo, tendo sido assistida no local e transportada por ambulância do INEM para o Hospital de Santa Maria Alínea G) dos factos assentes;

1.4. A A. sofreu fratura diafisária do 1/3 médio do úmero esquerdo, fratura 1/3 proximal do peróneo esquerdo, TCE sem perda de conhecimento, escoriações do abdómen, do tórax esquerdo e do cotovelo direito e paresia do nervo radial esquerdo - Alínea H) dos factos assentes;

1.5. A A. foi operada às fraturas em 19 de junho 2010, com redução cruenta e osteossíntese com placa LPC da fratura do úmero e Robert Jones para a fratura do perónio - Alínea I) dos factos assentes;

1.6. A A. foi sujeita a anestesia geral – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;  

1.7. A A. esteve internada entre 18 de junho e 25 de junho de 2010 Alínea J) dos factos assentes;

1.8. A A. teve indicação médica para iniciar programa de reabilitação - Alínea L) dos factos assentes;

1.9. A A. tem sido seguida pelos serviços clínicos da R., com indicação para se deslocar em táxi Alínea M) dos factos assentes;

1.10. Foi prescrita fisioterapia à A. - Alínea O) dos factos assentes;

1.11. A A., desde a data do acidente manteve-se com défice funcional temporário total fixado em 11 dias e défice funcional temporário parcial fixado em 1185 dias, com repercussão temporária na atividade profissional total por um período de 1196 dias – resposta ao art.º 1.º da base instrutória

1.12. O período de défice funcional temporário total é fixada em 11 dias – provado com base no resultado da perícia;  

1.13. O período de défice funcional temporário parcial é fixado em 1185 dias – provado com base no resultado da perícia;  

1.14. A repercussão temporária na atividade profissional total é fixada em 1196 dias – provado com base no resultado da perícia;  

1.15. Em consequência do acidente e das lesões sofridas – traumatismo craneo-encefálico, torácico-abdominal e dos quatro membros –, apresenta (conforme resultado pericial) as seguintes lesões e/ou sequelas:

i) - Na face: apresenta próteses dentárias removíveis nas arcadas superior e inferior;

ii) - No membro superior esquerdo:

1 - cicatriz na face externa do ombro, vertical, medindo 3 cm de comprimento;

2 - cicatriz na face posterior do braço e cotovelo, vertical, medindo 24 cm de comprimento,

3 - limitação da mobilidade no plano sagital de ombro: a) antepulsão, quantificada em 90.º (180.º do lado direito); b) retropulsão, quantificada em 30.º (60.º do lado direito);

4 - limitação da mobilidade no plano coronal do ombro: a) adução, quantificada em 20.º (40.º do lado direito); b) abdução, quantificada em 90.º (180.º do lado direito);

5 - limitação no plano horizontal do ombro: a) rotação interna, quantificada em 40.º (80.º do lado direito); b) rotação externa, quantificada em 45.º (90.º do lado direito);

6 - limitação da mobilidade (rigidez) do cotovelo na flexão e extensão;

7 - limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos do punho;

8 - limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos dos 1.º e 2.º dedos da mão;

iii) - No membro inferior esquerdo: duas cicatrizes vestigiais, arredondadas, situadas nos quadrantes infero-interno e infero-externo do joelho, medindo 0,5 cm de diâmetro cada;

1.16. A incapacidade permanente genérica (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica) da A. é quantificada em 18 (dezoito) pontos, a que, nos termos do relatório médico legal, haverá que adicionar mais cinco pontos a título de dano futuro (correspondente a uma elevada probabilidade de agravamento das sequelas, que se traduzirá num aumento da incapacidade permanente geral), este consubstanciado por possível artrose pós-traumática que agravará a rigidez articular e a sintomatologia dolorosa ao nível da articulação do membro superior esquerdo, podendo vir a implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas – provado com base no resultado da perícia;

1.17. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 26 de junho de 2013 – provado com base no resultado da perícia;  

1.18. A A. ficará impedida de exercer a sua atividade profissional, que implica pegar em acamados e fazer esforços físicos – resposta ao art.º 15.º da base instrutória

1.19. As sequelas apresentadas pela A. são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da A. – matéria dada por provada com base no resultado da perícia e alterada, na mesma base, pela Relação;  

1.20. A A. sofreu e continua a sofrer de dores – resposta ao art.º 11.º da base instrutória;

1.21. Por força do embate, a A. vive angustiada e afetada com a impossibilidade de efetuar qualquer trabalho, com a sua dependência e sem saber como será o futuro, tendo necessidade de ser medicada com calmantes – respostas aos artigos 13.º e 14.º da base instrutória;  

1.22. O “quantum doloris” é fixado no grau 5 – provado com base no resultado da perícia;  

1.23. O dano estético permanente é fixado no grau 2 – provado com base no resultado da perícia;  

1.24. A A. nasceu em 22 de março de 1963 (Alínea A) dos factos assentes) e tem apenas como habilitações a antiga primária;

1.25. Em 18 de junho de 2010, a A. trabalhava para o Centro Social Paroquial da …, enquanto ajudante de ação direta, auferindo mensalmente € 528,00 ilíquidos, acrescidos de subsídio de alimentação mensal de € 66,00 e de subsídio de transporte mensal de € 27,50 - Alínea B) dos factos assentes;

1.26. A partir de 18 de junho de 2010, a entidade empregadora da A. deixou de lhe pagar os salários e de efetuar descontos para a Segurança Social, tendo pago o subsídio de férias e o 13.º mês do ano de 2010, bem como outras quantias, a título de acertos de dias de baixa e de calendário, no montante ilíquido de € 1.001,70 e líquido de € 899,83 – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.27. Pela Segurança Social foi remetida carta à A., em 27 de julho de 2010, da qual consta:

«Assunto: Subsídio de doença – Acidente de viação

(…)

De posse de um questionário de doença direta, referente a um acidente que sofreu no dia 18-06-2010, que lhe originou a incapacidade temporária para o trabalho a partir de 18/06/2010, e no pressuposto de que vai ser indemnizado pela Companhia de Seguros, é intenção deste Centro Distrital não lhe atribuir o subsídio de doença do período referido.»

1.28. Pela Segurança Social não foi processado o subsídio de doença à A. – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.29. A A., na sequência do acidente, efetuou despesas com medicamentos e transporte de táxi, tendo a R. pago, em 24/08/2010, a quantia de € 139,64, a título de adiantamento sobre indemnização a terceiro e € 300,00 de despesas médicas e diversas – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

1.30. A R. efetuou pagamento de despesas apresentadas e adiantou dinheiro relativamente aos vencimentos que a A. deixou de auferir, no montante de € 839,64 (€ 350,00 + € 489,64) – aditado na sentença;

1.31. A responsabilidade civil pelos danos causados pelo referido veículo encontrava-se transferida para a R., através da apólice n.º 5070/ 8482454/50, até ao limite de capital de € 1.800.000,00 - Alínea D) dos factos assentes.


2. Factos não provados


Foi dado como não provado que:

2.1. A A. tenha sofrido com as intervenções cirúrgicas e anestesia geral perigo para a vida;

2.2. Os montantes das despesas da A. tenham ascendido a € 323,50, não ressarcidas pela R.;

2.3. Por força do embate, a A. carece da assistência de terceiro quatro horas por dia para preparar refeições, ajudá-las a lavar-se e a tratar das filhas e do marido;

2.4. Com o que suporta o preço de € 5,00 por hora, a que acrescem subsídio de férias e de Natal;

2.5. Por força do embate, a A. careceu de ajuda de terceiro para tomar conta da filha FF, suportando o preço de € 60,00 mensal;

2.6. Por força do embate, a A. suportou o custo de € 80,00 referente aos meses de Junho e Julho, para acompanhamento da filha GG na junta de freguesia da Ameixoeira;

2.7. A A. omitiu a deslocação a exames e consultas por não dispor de meios para tal e a R. não lhos haver prodigalizado.


3. Do mérito do recurso


3.1. Quanto às invocadas nulidades das decisões recorridas


Neste capítulo, a A./Recorrente sustenta que a sentença da 1.ª instância, no respeitante ao pedido de ampliação de condenação da R. em indemnização, a liquidar ulteriormente, por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de intervenções cirúrgicas, despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação a que tenha de se submeter, só se ocupou das intervenções cirúrgicas, deixando de fora as demais despesas previsíveis e os danos não patrimoniais derivados dessas intervenções cirúrgicas e tratamentos ou sendo ambígua quanta a tais questões. E que, de igual modo, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre as mesmas questões, pelo menos na versão incompleta do acórdão de que foi notificada.    

Por sua vez, a Recorrida sustentou que tanto a 1.ª instância como o acórdão recorrido se ocuparam dessas questões de forma suficiente.

Vejamos.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte, do CPC, é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível. E, segundo a alínea d), 1.ª parte, do mesmo normativo, também é nula a sentença quando não se pronuncie sobre questões que devessem ser apreciadas.

Por sua vez, o artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo diploma, prescreve o dever de pronúncia do tribunal sobre todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, salvo as que estejam prejudicadas pela solução dada a outras. Para tanto, entende-se, sumariamente, por questões as pretensões ou exceções deduzidas ou ainda, quanto a estas, aquelas que sejam de conhecimento oficioso.

Tais disposições são ainda aplicáveis aos acórdãos da Relação por via do preceituado no n.º 2 do art.º 663.º do CPC.   

Tratando-se de vícios formais do ato decisório, respeitantes, por conseguinte, a erro de procedimento ou de atividade (error in procedendo) só relevam na medida em que impliquem a inviabilidade de um pronunciamento de mérito, o que significa não alcançarem as situações de mediocridade ou insuficiência de fundamentação, as quais se traduzirão, quando muito, em erro de julgamento (error in judicando).


No caso vertente, a A. veio, através do articulado de fls. 283-289, pedir a ampliação do pedido inicial, além do mais, quanto à indemnização, a liquidar ulteriormente:

a) - por danos patrimoniais decorrentes de futuras intervenções cirúrgicas, despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação que, sendo previsíveis, não fossem ainda determináveis (art.º 14.º do referido articulado);    

b) - por danos não patrimoniais relativos a essas novas intervenções cirúrgicas (art.º 23.º do mesmo articulado).


 A sentença da 1.ª instância, nessa parte, considerou que:

  «Quanto às despesas médico e medicamentosas a que no futuro houver lugar por via das lesões sofridas, dos factos provados resultou que as lesões sofridas poderão implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas, as quais poderão dar origem a tratamentos e despesas ainda não apurados.

   Tratam-se de danos e despesas ainda não quantificadas, nem passíveis de quantificação, mas que são decorrência futura do acidente e a suportar pela R., a liquidar posteriormente.»

E, em sede de danos não patrimoniais, na mesma sentença, se consignou, a dado passo, o seguinte:        

«Mais, afigura-se um futuro pouco promissor para a A. devido às sequelas existentes, agravamento das mesmas e das dores que sofre, que se manterão previsivelmente pelo resto da sua vida.»


Nessa base, aquela sentença condenou a R.:

   - a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 25.000,00;

   - a suportar os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar posteriormente.         


Veio então a A., na apelação por ela interposta, suscitar a nulidade da sentença nos termos acima referidos, tendo o Tribunal da Relação, tal como consta da versão retificada de fls. 431-444, julgado improcedente aquela nulidade, considerando o seguinte:

«A A. invocou a nulidade da sentença, com fundamento em omissão de pronúncia, nomeadamente por não ter sido resolvida a questão das futuras despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, nem o dano não patrimonial decorrente das intervenções cirúrgicas e tratamentos. 

Tal causa de nulidade, com assento na alínea d) do n.º 1 do art. 615.° do CPC, prende-se com o dever de cognição estabelecido no n.° 2 do art. 608.° do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Essas questões retiram-se, nomeadamente, do pedido e da causa de pedir, bem como da matéria de exceção.

A sentença, para além do mais, condenou a R., expressamente, a suportar os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar ulteriormente.

Deste modo, é manifesto que a sentença recorrida não omitiu o alegado dever de pronúncia, porquanto resolveu a questão de certos danos futuros, nomeadamente as possíveis intervenções cirúrgicas, cuja amplitude não pode deixar de incluir as despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação daí resultantes, como consta do segmento condenatório que antes se destacou.

Por outro lado, o dano não patrimonial decorrente das futuras intervenções cirúrgicas e tratamentos, mereceu igualmente a pronúncia da sentença, quando se referiram os "danos não patrimoniais", em particular "um futuro pouco promissor para a A. devido às sequelas existentes, agravamento das mesmas e das dores que sofre, que se manterão previsivelmente pelo resto da vida", e, mais adiante, "as incapacidades (...) que acompanharão a A. para toda a vida, com possibilidade de agravamento".

Ao pronunciar-se nos termos precedentes, o Juiz cumpriu, com adequação, o dever de cognição, tendo em consideração o pedido e causa de pedir expressos na ação de efetivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação.».

É certo que, ressalvado o primeiro parágrafo, esta fundamentação não constava da versão daquele acórdão notificada às partes em julho de 2015, dado que essa versão não continha a página 9, mas uma duplicação da página 10, como se alcança de fls. 414-415.

Todavia, a requerimento da própria A. (fls. 426), o Tribunal da Relação reparou aquele lapso, através do acórdão de fls. 430 proferido em conferência em 24/09/2015, procedendo à edição completa do primeiro acórdão, a qual foi mandada notificar as partes com a concessão de novo prazo, sendo tal notificação feita por carta registada de 25/09/2015.

Nessas circunstâncias, embora a A. tenha interposto o recurso de revista em 21/09/2015, teve, ainda assim, toda a oportunidade para se pronunciar, complementarmente, sobre a decisão da Relação no tocante à improcedência das nulidades invocadas, o que não fez.

De qualquer modo, conforme bem se considerou no acórdão recorrido, o tribunal da 1.ª instância ocupou-se das referidas questões com atinência aos factos provados e com o alcance decisório que foi considerado pelo próprio Tribunal da Relação, não se verificando, pois, as nulidades arguidas nem da sentença da 1.ª instância nem do acórdão ora recorrido.

Termos em que improcede a revista nesta parte.


3.2. Quanto às questões de fundo


3.2.1. Enquadramento preliminar


Estamos no âmbito de uma ação declarativa de condenação fundada em responsabilidade civil emergente de acidente de viação, na qual se encontra decidido, sem vir questionado pelas partes, que o acidente em causa ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel que atropelou a A., com violação do disposto nos artigos 24.º e 27.º do CE.

Assim, nos recursos interpostos, apenas foram impugnados os montantes indemnizatórios arbitrados a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade sofrida e de danos não patrimoniais.


Recorde-se, de forma esquemática, que a A. acabou por peticionar, em sede de ampliação do pedido inicialmente formulado, a condenação da R. nas seguintes indemnizações:

A – A título de danos patrimoniais, o montante de € 347.197,59, compreendendo:

a) - o valor de € 24.777,13, respeitante a perdas salariais até à data da consolidação da incapacidade, em 26/09/2013,

b) – e o valor de € 273.417,00 pela perda rendimento decorrente incapacidade sofrida;

B – E ainda a título de danos patrimoniais futuros a liquidar ulteriormente, os que derivassem de futuras intervenções cirúrgicas, despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação que, sendo previsíveis, não fossem ainda determináveis;

C – A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000,00 e o que se viesse a liquidar posteriormente decorrente de futuras intervenções cirúrgicas e tratamentos.


A 1.ª Instância, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a R. a pagar à A. as seguintes indemnizações:

A – Em sede de danos patrimoniais:

a) – O montante líquido de € 99.564,71, a que deviam ser deduzidos os adiantamentos de vencimento e de renda mensal atribuídos em sede de procedimento cautelar, com juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação, compreendendo as parcelas de:

i) - € 22.461,67, correspondente à perda de rendimentos de 18/-06/2010 a 26/09/2013;

ii) - € 77.103,04 pela desvalorização sofrida, valor esse resultante da soma de € 63.103,04, equivalente ao capital a atribuir pela perda da capacidade de ganho, e de € 14.000,00 para compensação da redução da pensão de que a A. passaria a ser beneficiária junto da Segurança Social, em virtude de não ter podido efetuar os necessários descontos;

b) – O montante que viesse a ser liquidado ulteriormente por danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas;

B – A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 25.000,00, atualizada à data da sentença, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a mesma data.


Porém, a A., na apelação por ela interposta para a Relação, pugnou para que a R. fosse condenada:

A – A título de danos patrimoniais:

a) – no valor de capital não inferior a € 157.014,00, pela incapacidade de a mesma A. prosseguir a sua atividade;

b) – em valor nunca inferior a € 50.000,00, para compensar a redução da pensão derivada do facto de a A. não ter efetuado os necessários descontos para a Segurança Social, valor esse a apurar na base do valor de € 105.576,00 deduzido o que terá direito a receber por força dos descontos dantes efetuados;

c) – em montante a liquidar ulteriormente respeitante a eventuais despesas futuras hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação;

B – A título de danos não patrimoniais, pelo que a A. já sofreu e continuará a sofrer, a quantia de € 50.000,00.


       Por sua vez, a R. também no âmbito do recurso de apelação que então interpôs, além de impugnar a matéria de facto constante do ponto 28 da sentença, concluiu que a indemnização líquida por danos patrimoniais deveria ser fixada no total de € 81.461,67, equivalente à soma de € 22.461,67 por perda de salários, € 45.000,00 pela perda de ganho relativa à incapacidade sofrida e € 14.000,00 pela redução dos anos de desconto da pensão, pedindo ainda a correção da contagem dos respetivos juros de mora para a data da sentença.

Significa isto que a R./apelante, não questionou a indemnização arbitrada em 1.ª instância a título de danos não patrimoniais nem a verba de € 14.000,00 relativa à redução dos anos de desconto da pensão da A., sendo que também nenhuma das partes questionou ali a indemnização de € 22.461,67 correspondente à perda de rendimentos de 18/06/2010 a 26/09/2013.

 

Perante isso, o Tribunal da Relação, negando provimento ao recurso da A. e concedendo parcial provimento ao recurso da R., alterou, mediante ampliação, a matéria constante do ponto 28 da sentença, conforme consta do ponto 1.19 da factualidade acima descrita, e revogou a decisão recorrida, condenando, nessa parte, a R. a pagar à A. a quantia de € 110.461,67, sem que se fizesse constar do dispositivo do acórdão ora recorrido a especificação das verbas ali incluídas, nem qualquer referência em matéria de juros, embora tenha julgado improcedente a nulidade de sentença arguida pela R. sobre esta matéria.  

Todavia, da leitura da respetiva fundamentação colhe-se que o referido acórdão, no domínio dos danos patrimoniais, centrou-se na questão da indemnização resultante da incapacidade para o trabalho, partindo da quantia de € 77.103,04 arbitrada pela 1.ª instância e considerando como balizas, por um lado, a pretensão da A. em obter a condenação da R. no montante de € 207.014,00, incluindo o valor de € 50.000,00 pelo dano resultante de não ter efetuado descontos para a Segurança Social, e, por outro lado, a tese da R. de que a indemnização não devia ultrapassar a quantia de € 45.000,00.

Nessa base, o tribunal a quo, assumindo que a controvérsia se confinava à indemnização do dano da “incapacidade parcial permanente da A.”, teve como adequada a indemnização de € 63.000,00 pela perda de capacidade de ganho daquela, nada referindo quanto à questão do dano pela redução da pensão social que tinha sido suscitada.

Porém, na enunciação de tal questão, o tribunal a quo, ao referir que a R. entendia que a indemnização em foco não devia ultrapassar a quantia de € 45.000,00, não fez uma leitura cabal da conclusão daquela apelante, porquanto esta só reportara tal quantia ao valor de € 63.103,04 fixado pela 1.ª instância a título de capital pela perda da capacidade de ganho, tendo aceite expressamente o valor de € 14.000,00 pela redução dos anos de desconto na pensão.

Já no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal da Relação considerou ajustada a quantia de € 25.000,00, compreendendo já os danos de tal natureza previsivelmente decorrentes de futuras intervenções cirúrgicas e tratamentos.

Do que fica dito, pode concluir-se que o montante total de € 110.461,67 em que a R. foi condenada no dispositivo do acórdão recorrido compreende os seguintes valores indemnizatórios:  

- a quantia de € 22.461,67, correspondente à perda de rendimentos de 18/06/2010 a 26/09/2013, que nem sequer vinha impugnada;

- a quantia de capital de € 63.000,00, a título de capital pela perda de capacidade de ganho da A.;

- a quantia de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Ficou assim de fora a quantia de € 14.000,00 fixada em 1.ª Instância para compensar a redução da pensão social da A., a qual fora impugnada pela mesma A. e aceite pela R..

Também de fora daquele dispositivo ficou, pelo menos literalmente, a indemnização ilíquida pelos danos futuros com eventuais intervenções cirúrgicas, despesas futuras hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, embora da apreciação das questões de nulidade da sentença invocadas pela A./apelante resulte que o tribunal a quo considerou todas essas despesas incluídas na respetiva condenação genérica da 1.ª instância e que os danos não patrimoniais que daí decorressem estavam já contemplados na quantia de € 25.000,00 arbitrada a esse título. 


Posto isto, as questões que se colocam na presente revista são as seguintes:

a) - saber se deve ser arbitrado à A. um montante indemnizatório de capital superior ao fixado pelas instâncias e não inferior a € 157.014,00 para compensar os danos decorrentes da sua incapacidade específica e genérica para o trabalho;

b) – se à A. assiste o direito de ser compensada em valor não inferior a € 50.000,00 pela redução da respetiva pensão social;

c) - se à A. deve ser arbitrada uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, em quantia superior a € 25.000,00 ou mais precisamente em € 50.000,00, como ela sustenta.


Por outro lado, considera-se assente a indemnização de € 22.461,67, correspondente à perda de rendimentos de 18/06/2010 a 26/09/2013, e respetivos juros, bem com se tem por arrumada a questão da condenação genérica nos danos patrimoniais futuros que possam decorrer de eventuais intervenções cirúrgicas, despesas futuras hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação da A..


Convém ter presente que a determinação de indemnizações pelo dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos para que está vocacionado o tribunal de revista[1]. No entanto, ainda assim, caberá a este tribunal sindicar os limites de discricionariedade das instâncias, no recurso à equidade, mormente na busca da uniformização possível dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Como se assume no recente acórdão do STJ, de 21/01/2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[2]:

«Não poderá deixar se ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.»       

Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento das questões que envolvem juízos de equidade.


3.2.2. Quanto à indemnização do dano patrimonial decorrente da incapacidade sofrida pela A. 

        

Nos termos da cláusula geral do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil (CC), um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual é a ocorrência de dano ou prejuízo resultante do facto ilícito imputável ao agente, à luz da teoria da causalidade adequada, acolhida, ainda que algo imperfeitamente no art.º 563.º do referido Código, mas que a doutrina e jurisprudência têm feito prevalecer, em sede de responsabilidade por factos ilícitos e culposos, na sua formulação negativa ampla. Em conformidade com esta formulação, o critério de imputação objetiva a seguir, com base num juízo de prognose póstuma, é o de considerar relevantes os danos para os quais o facto ilícito se mostre, em abstrato, causa adequada, tendo em linha de conta tanto as circunstâncias reconhecíveis, à data do facto, por um observador experiente, como ainda as efetivamente conhecidas do lesante, só se excluindo os danos que resultem de circunstâncias excecionais, anómalas ou extraordinárias que tenham, porventura, intercedido no caso concreto[3].       

Assim, segundo o princípio geral consagrado no artigo 562.º do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, o que, por outras palavras, significa que a obrigação de indemnizar tem por escopo a reconstituição da situação que existiria, caso não se tivesse verificado o evento que a originou.

Nessa linha, o dano ou prejuízo patrimonial ressarcível traduz-se em “toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”[4], podendo, nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do CC, assumir as seguintes modalidades:

 (i) - danos emergentes, quando importem perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado;

 (ii) – lucros cessantes, quando se trate de benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Uns e outros podem reconduzir-se a danos presentes ou a danos futuros, consoante já se encontrem ou não verificados no momento da fixação da indemnização, sendo que só são atendíveis, a título de danos futuros, nos termos do n.º 2 do citado normativo, aqueles que sejam previsíveis, já determináveis ou a determinar em decisão ulterior[5].          

Há também que distinguir o dano real ou dano-evento, consubstanciado na própria lesão natural sofrida na pessoa ou no património do lesado, e o dano de cálculo, consistente na expressão pecuniária daquele[6].  

Para avaliação do dano de cálculo, do consignado no n.º 2 do artigo 566.º do CC, colhe-se, à luz da teoria da diferença, que a indemnização em dinheiro deve ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, como se determina no n.º 3 do referido artigo.


Ora, no âmbito da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, no que aqui interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.

Com efeito, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária[7]

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico com alcance patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[8].    

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[9], considerou que:

«… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …»


  E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

«Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …»

           

     Assim, a este propósito podem projetar-se duas vertentes:    

 - a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; 

 - na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, com alcance económico, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.

Em suma, o chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[10].   


 No caso vertente, da factualidade provada colhe-se o seguinte:

a) - Em consequência do acidente e das lesões sofridas – traumatismo craneo-encefálico, torácico-abdominal e dos quatro membros –, apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas:

i) - Na face: apresenta próteses dentárias removíveis nas arcadas superior e inferior;

ii) - No membro superior esquerdo:

1 - cicatriz na face externa do ombro, vertical, medindo 3 cm de comprimento;

2 - cicatriz na face posterior do braço e cotovelo, vertical, medindo 24 cm de comprimento,

3 - limitação da mobilidade no plano sagital de ombro: a) antepulsão, quantificada em 90.º (180.º do lado direito); b) retropulsão, quantificada em 30.º (60.º do lado direito);

4 - limitação da mobilidade no plano coronal do ombro: a) adução, quantificada em 20.º (40.º do lado direito); b) abdução, quantificada em 90.º (180.º do lado direito);

5 - limitação no plano horizontal do ombro: a) rotação interna, quantificada em 40.º (80.º do lado direito); b) rotação externa, quantificada em 45.º (90.º do lado direito);

6 - limitação da mobilidade (rigidez) do cotovelo na flexão e extensão;

7 - limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos do punho;

8 - limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos dos 1.º e 2.º dedos da mão;

iii) - No membro inferior esquerdo: duas cicatrizes vestigiais, arredondadas, situadas nos quadrantes infero-interno e infero-externo do joelho, medindo 0,5 cm de diâmetro cada;

b) - A incapacidade permanente genérica (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica) da A. é quantificada em 18 (dezoito) pontos, a que, nos termos do relatório médico legal, haverá que adicionar mais cinco pontos a título de dano futuro (correspondente a uma elevada probabilidade de agravamento das sequelas, que se traduzirá num aumento da incapacidade permanente geral), este consubstanciado por possível artrose pós-traumática que agravará a rigidez articular e a sintomatologia dolorosa ao nível da articulação do membro superior esquerdo, podendo vir a implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas;

c) - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 26 de junho de 2013;

d) - A A. ficará impedida de exercer a sua atividade profissional, que implica pegar em acamados e fazer esforços físicos; 

e) - As sequelas apresentadas pela A. são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da A;

f) - A A. nasceu em 22 de março de 1963 e tem apenas como habilitações a antiga primária;

g) - Em 18/06/2010, a A. trabalhava para o Centro Social Paroquial da Charneca, enquanto ajudante de ação direta, auferindo mensalmente € 528,00 ilíquidos, acrescidos de subsídio de alimentação mensal de € 66,00 e de subsídio de transporte mensal de € 27,50.  


Em suma, daqui se extrai que a A., em consequência das lesões sofridas com o acidente em causa, ficou, de forma consolidada em 26 de junho de 2013, com uma incapacidade permanente total para o desempenho da atividade profissional que então vinha exercendo, a par de uma incapacidade genérica - défice funcional permanente de integridade físico-psíquica - quantificada em 18 pontos, mas a que acrescerão cinco pontos correspondentes a uma elevada probabilidade de agravamento das sequelas, traduzindo-se num aumento da incapacidade permanente geral, consubstanciado por possível artrose pós-traumática que agravará a rigidez articular e a sintomatologia dolorosa ao nível da articulação do membro superior esquerdo, podendo implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas. Verifica-se, pois, que a A. ficou a padecer, de forma irreversível, de paresia do membro superior esquerdo com limitação da mobilidade (rigidez) do cotovelo na sua flexão e extensão, de todos os movimentos do punho e de todos os movimentos dos 1.º e 2.º dedos da mão esquerda. 

A atividade que a A. exercia implicava pegar em acamados e fazer esforços físicos, em relação ao que as sequelas verificadas são incompatíveis, embora, segundo aditamento da Relação, compatíveis com outras na área da sua preparação técnico-profissional da A., que, no entanto, não se encontram especificadas.

Sucede que a mesma A., à data do acidente, contava com 47 anos de idade e tinha apenas a antiga habilitação primária.

Ora, no acórdão recorrido, considerou-se, a este propósito, que:

«O cálculo realizado na sentença recorrida partiu do pressuposto de uma incapacidade absoluta para o trabalho. Mas esse pressuposto não corresponde inteiramente à realidade factual provada, porquanto ficou provado que as sequelas apresentadas pela A., sendo embora incompatíveis com a profissão que vinha desenvolvendo, são compatíveis com outras na sua área técnico-profissional.»

       E vai também nessa linha a tese da R./Recorrente, ao sustentar que:

«Provou-se em sede de matéria de facto incompatibilidade com o exercício da atividade profissional, sendo, no entanto, compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico-profissional;

- Não se provou incompatibilidade com o exercício da atividade profissional, bem assim com qualquer outro dentro da área da sua preparação técnico-profissional;

- Só o perito médico, em sede de avaliação pericial, podia reconhecer o que a Recorrente reclama que é, no fundo, a incompatibilidade total de exercício de profissão;

- Assim, esteve bem o Tribunal em ponderar a indemnização como o fez, com base fundamentalmente nos factos provados 2, 26 e 27, não cabendo a este tribunal de recurso “questionar quais as áreas técnico-profissionais que a A. está habilitada a exercer”, como pretende a Recorrente.

Porém, tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, nomeadamente do STJ, que não se deverá “fazer equivaler, de forma rígida e definitiva, as incapacidades verificadas a uma correspondente perda efectiva de ganho ou mesmo de capacidade de ganho, mas, tudo procurando harmonizar, mitigar, a sua repercussão de harmonia com a normal e previsível evolução e reacção das pessoas perante as circunstâncias da vida”[11], já que mesmo uma incapacidade parcial permanente, geral ou específica, pode ainda assim, em certas circunstâncias, assumir consequências de perda total de réditos. É, o que sucede, por exemplo, no tipo de casos em que o lesado fique com uma incapacidade total para exercer a sua profissão habitual e não lhe seja possível conseguir uma reconversão noutra atividade, o que se traduzirá, na prática, em situação de incapacidade total[12].

Ora, no caso vertente, embora se encontre provado, para além do impedimento total para o exercício da profissão habitual, um défice funcional permanente situado nos 18 pontos com probabilidade séria de atingir 23 pontos mas não incompatível para outras atividades da preparação técnico-profissional da A., atenta a idade desta e a sua rudimentar habilitação, mais vocacionada, portanto, para tarefas de índole material, impõe-se reconhecer que, num mercado de trabalho hoje tão competitivo e exigente, não se afigura provável que venha a encontrar uma alternativa de emprego estável com que possa auferir outros rendimentos, que estariam, segundo as regras da experiência, ao seu alcance, não fossem as sequelas sofridas.

Nesta linha, não se acompanha aqui a conclusão taxativa do acórdão recorrido acima transcrita, antes se acolhendo a ponderação feita na sentença da 1.ª instância, quando refere que:

«Exercendo a A. trabalho manual e não se vendo preparação ou possibilidade de exercício de outra actividade do foro intelectual ou manual que dispense o uso do membro superior esquerdo, a incapacidade de facto da A. para qualquer actividade profissional, tendo em conta a sua limitação, a sua idade, a sua fraca preparação intelectual e diminuta capacidade de adaptação ou angariação de outro trabalho eventualmente compatível com estas limitações, é muito superior aos pontos atribuídos.»       

E não se vê que estas considerações colidam com a atribuição do referido défice funcional de 18 a 23 pontos, cabendo antes ao tribunal sopesar o impacto prático dessa incapacidade genérica no quadro das condições concretas do lesado, face às oportunidades do mercado de emprego.

Estando, pois, a A.. totalmente impedida de exercer a sua profissão habitual e, não obstante a compatibilidade do seu défice funcional com  outras atividades da sua preparação técnico-profissional que, aliás, nem se encontram especificadas, não se divisando que possua idade e habilitações para lograr uma condizente reconversão profissional noutra atividade desse tipo e muito menos de outra natureza, teremos de concluir que a situação em presença corresponde, na prática, a uma perda total da sua capacidade de ganho.

Acresce que o referido défice é ainda de molde a tornar mais penoso o desempenho de tarefas pessoais com acrescido custo económico.

Todavia, não se depreende que as instâncias tenham tido na devida conta esse provável custo económico para a A. fora da sua órbita profissional e no horizonte da expetativa de vida até acima dos 70 anos, como tem vindo a ser seguido pela jurisprudência em especial deste Supre-mo Tribunal.       


Ora, no que toca à avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, tem a jurisprudência[13] considerado como parâmetros a atender os seguintes: 

a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;  

b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;

c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;

d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.

Para tanto, tem-se admitido uma taxa de capitalização que se poderá situar entre 3% e 4%, atenta a atual tendência de baixa das taxas de juro. E relativamente, ao limite de idade a ter em conta, convém notar que o artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 377/2008, manda presumir que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade, não havendo razões ponderosas para, por ora, nos afastarmos dessa presunção, tanto mais que será este um limite razoável para a vida ativa.

No caso presente, como já foi referido, à data do acidente, em 18 de junho de 2010, a A. tinha 47 anos de idade exercia a profissão de ajudante de ação direta, pegando em acamados e fazendo esforços físicos, no Centro Social Paroquial da Charneca, mediante o salário bruto mensal de € 528,00, acrescido de subsídio de alimentação mensal de € 66,00 e de subsídio de transporte mensal de € 27,50. 

Sucede que a 1.ª instância fixou o valor de capital para compensação pela perda de ganho da A. no montante de € 63.103,04. Por sua vez, a Relação fixou esse valor de capital em € 63.000,00, aludindo, genericamente, à “fórmula matemática seguida, mas temperada ainda por um juízo de equidade, para melhor adequação ao caso concreto”, por J. Sousa Dinis in Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano IX, Tomo 1, págs. 5 a 12, não se descortinando, no entanto, quais os fatores utilizados que, em divergência com a decisão da 1.ª instância, implicaram a pequena diferença obtida.

Com efeito, a maior diferença entre a condenação da 1.ª instância (€ 124.564,71 = € 22.461,67 + € 63,103,04 + 14.000,00 + 25.000,00) e a da Relação (€ 110.461,67 = € 22.461,67 + € 63,000,00 + 25.000,00) não reside aí, mas sim no facto de a Relação não ter contemplado a quantia de € 14.000,00 fixada pela 1.ª instância pela redução dos anos de desconto da pensão, sem que se encontre, na fundamentação do acórdão recorrido, qualquer razão ou explicação para essa omissão, tanto mais que aquela quantia fora aceite pela própria R..


Vejamos então.


Situando o rendimento anual correspondente aquele salário mensal bruto de € 528,00 multiplicado por 14 meses, no valor de € 7.392,00, acrescido do subsídio de alimentação mensal de € 66,00 multiplicado por 12 meses, no valor de € 792,00, deixando, porém, de fora o subsídio de transporte, por corresponder a despesa que a A. também deixou de suportar, obtém-se o valor total de € 8.184,00 equivalente ao rendimento anual que a A. deixara de auferir em consequência das lesões sofridas. É certo que neste rendimento anual não se mostra refletido os descontos legais, nomeadamente para efeitos de imposto, mas, de qualquer modo, haverá, em contraponto, que ter em linha de conta os ajustes desse rendimento em função da inflação e até de previsível evolução salarial, ao longo do período da atividade laboral, pelo que se tem por adequado arredondar aquele rendimento para a ordem dos € 8.000,00.

Assim, a partir desse rendimento total anual perdido, tendo em conta a incapacidade permanente total para o exercício da atividade profissional, a uma taxa de juro situada entre 3% e 4%, num período de vida ativa previsível de 20 anos (desde 2013, ano da consolidação médico-legal até 2033, ano em que a A. completará 70 anos) e uma redução de 1/3 do capital assim apurado a título de compensação pela antecipação desse capital, atenta ainda a data da propositura da ação e a anterioridade dos próprios fatores de cálculo, mostra-se ajustada a indemnização de € 150.000,00 para compensar a perda total do rendimento auferido pela A. no exercício da sua atividade profissional, sem que se revele plausível a obtenção por ela de outro rendimento alternativo.

Esse capital, à aludida taxa de juro anual, começará por proporcionar à A. um rendimento anual na ordem dos € 5.250,00, portanto inferior em € 2.750,00 ao rendimento anual de € 8.000,00, para tal considerado à data do acidente, implicando assim uma redução do capital equivalente a essa diferença, o que se acentuará, gradativamente, nos anos subsequentes, de modo a consumir todo o capital antecipado. Este diferencial é, pois, a consequência lógica da redução feita por conta do benefício dessa antecipação. 

Não se ignora que da aplicação da fórmula constante do Anexo III da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, na redação dada pela Portaria n.º 769/2009, de 25/06, que, aliás, como tem sido entendimento jurisprudencial corrente, não é vinculativa para os tribunais, resultaria, no caso, um capital na ordem dos € 136.000,00 (€ 8.000,00 x 17.031240), reduzido a 2/3 nos termos do n.º 3 do artigo 7.º da mesma Portaria. Só que, para além de não se ver justificação ponderosa para uma tal redução, ainda assim o fator aplicado resulta, além do mais, de uma taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras de 5%, bem acima das atuais taxas de juro conseguidas pelos peque-nos aforradores. 

Em suma, tem-se por mais condizente com os padrões ultimamente seguidos pela jurisprudência do STJ a fixação da indemnização aqui em foco no referido montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).     


Relativamente ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 18 pontos com possibilidade de agravamento para 23 pontos, como já foi referido, não se vislumbra que a capacidade genérica remanescente da A. lhe permita uma atividade profissional alternativa estável em termos de compensar ou minorar, de algum modo, a perda de ganho decorrente do impedimento total para o exercício da sua profissão habitual.

Acresce que tal défice implica ainda o impedimento de a A. auferir qualquer outro rendimento económico fora desse âmbito profissional, por exemplo, através de atividades ocasionais remuneradas.

Por outro lado, em virtude daquele défice a A. tem de suportar a onerosidade com a execução de tarefas materiais de índole pessoal, mormente no âmbito das suas lides domésticas, a qual representará, para além da respetiva penosidade anímica, uma diminuição da capacidade geral de ganho fora do âmbito profissional.

Como se refere no acórdão do STJ, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 160/2002.P1.S1[14]:

«Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.

Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.

A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução de diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.»


Assim, nesta vertente, estamos perante uma diminuição da capacidade geral de ganho da A., fora da sua órbita profissional, no horizonte alargado da sua expetativa de vida, mesmo para além dos 70 anos, pelo que se tem por justificado um complemento indemnizatório, no valor de € 15.000,00, reportado à data da sentença da 1.ª instância.  


3.2.2. Quanto à indemnização do dano de redução na pensão social


Como acima se deixou relatado, a 1.ª instância arbitrou, a esse título, o valor de € 14.000,00, o que a R. disse aceitar no seu recurso de apelação.

Ora, apesar de, no acórdão recorrido, não se ter contemplado nem tão pouco referido tal verba, o certo é que o dano que ali se visa compensar exorbita do âmbito da mera perda do rendimento decorrente da incapacidade sofrida pela A., constituindo antes um prejuízo derivado do facto de, em virtude dessa perda, não ter podido proceder aos necessários descontos para a Segurança Social com o que será afetada no cálculo da respetiva pensão.    

Pretende, pois, a A. que a indemnização desse dano seja fixada em € 50.000,00, mas o certo é que da matéria provada não constam elementos que permitam concluir, com o mínimo de segurança, que tal prejuízo se situe ou que se possa situar acima do valor arbitrado.

Assim sendo, uma vez que o valor de € 14.000,00, a esse título arbitrado pela 1.ª instância, não só não foi impugnado mas até aceite pela R., não resta senão considerá-la como assente. 


3.2.3. Quanto aos danos não patrimoniais


Segundo o artigo 496.º, n.º 1, do CC prescreve que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”

Por sua vez, o n.º 3 do mesmo normativo determina que o montante de indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, nos termos estatuídos no art.º 494.° do referido Código. Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva[15].

Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente.

Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético

Ora, em recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 07/04/2016, proferido no processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1[16], vêm, neste domínio, indicadas as seguintes decisões do mesmo Tribunal:

«- Fixou-se em € 50.000 a indemnização por danos não patrimoniais de vítima que sofreu várias fracturas e um traumatismo crânio-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7), esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia, teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas, ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso (acórdão de 07/10/2010, proc. 11° 370/04.1TBVGS.CI, www.dgsi.pt);

- Fixou-se em € 30.000 a compensação por danos não patrimoniais do sinistrado que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este dano na sua vertente não patrimonial) e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravam no final do dia de trabalho (acórdão de 09/09/2010, proc. n° 2572/07. OTBTVD.L1, www.dgsi.pt);

- Manteve-se o montante compensatório de €40.000 por danos não patrimoniais de lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores (acórdão de 26/01/2012, proc. n° 220/2001-7.S1, www.dgsi.pt);

- Fixou-se em € 60.000 (a reduzir em 1/3 em virtude da culpa do lesado) a compensação por danos não patrimoniais de lesado que sofreu lesões graves no crânio, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime acamamento e tendo ficado com perdas de memória, necessidade da orientação fora do seu trajecto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós- comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epilépticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo (acórdão de 07/05/2014, proc. n° 1070/1I. TBVCT.Gl.Sl, www.dgsi.pt).

E, no mesmo aresto, foi fixada à sinistrada uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 50.000,00, em vez de € 18.000,00 fixados pela Relação, perante o seguinte quadro circunstancial:

   «Tendo ficado provado que a recorrente: (i) à data do acidente tinha 22 anos de idade; (ii) o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; e (ííi) possuía o grau académico de licenciada.

   Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade fisico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vü) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se urna pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante (…).»

           

No caso vertente, provou-se que:

i) – Em consequência do acidente, A. sofreu fratura diafisária do 1/3 médio do úmero esquerdo, fratura 1/3 proximal do peróneo esquerdo, TCE sem perda de conhecimento, escoriações do abdómen, do tórax esquerdo e do cotovelo direito e paresia do nervo radial esquerdo;

ii) – E foi operada às fraturas em 19/06/2010, com redução cruenta e osteossíntese com placa LPC da fratura do úmero e Robert Jones para a fratura do perónio, sendo sujeita a anestesia geral e ficando internada entre 18 de junho e 25 de junho de 2010;

iii) - A A. foi sujeita a anestesia geral e esteve internada entre 18 de junho e 25 de junho de 2010;

iv) – Além disso, teve indicação médica para iniciar programa de reabilitação, sendo-lhe prescrita fisioterapia à A.

v) - Desde a data do acidente, a A. manteve-se com défice funcional temporário total fixado em 11 dias e défice funcional temporário parcial fixado em 1185 dias, com repercussão temporária na atividade profissional total por um período de 1196 dias; 

vi) – A A. sofreu assim traumatismo craneo-encefálico, torácico-abdominal e dos quatro membros, apresentando as sequelas já acima descritas na face e nos membros superior e inferior esquerdos;

v) – De tais lesões e sequelas resultaram, com consolidação em 26/06/2013, incapacidade total e permanente para o exercício da profissão especifica e incapacidade permanente genérica - défice funcional permanente de integridade písico-psíquica – fixado em 18 pontos com possibilidade de agravamento até 23 pontos, consubstanciado por possível artrose pós-traumática que agravará a rigidez articular e a sintomatologia dolorosa ao nível da articulação do membro superior esquerdo, podendo vir a implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas;

vi) - A A. sofreu e continua a sofrer de dores e vive angustiada e afetada com a impossibilidade de efetuar qualquer trabalho, com a sua dependência e sem saber como será o futuro, tendo necessidade de ser medicada com calmantes; 

vii) - O “quantum doloris” foi fixado no grau 5 e o dano estético permanente no grau 2, um e outro numa escala de gravidade crescente no máximo de 7.

ix) - A A. nasceu em 22 de março de 1963 e tem apenas como habilitações a antiga primária.

Não se provou que a A. tenha sofrido com as intervenções cirúrgicas e anestesia geral perigo para a vida.


Perante esse quadro factual as instâncias arbitraram a indemnização no valor de € 25.000,00, sendo que a A. pretende que tal indemnização seja fixada em € 50.000,00.

Importa, assim, ter em conta, por um lado:

- a idade da A. (47 anos à data do acidente);

- as espécies de lesões sofridas acima descritas, as intervenções cirúrgicas às duas fraturas ocorridas a que a A. teve de se submeter, os dias, ainda que poucos, de internamento, bem como o período de défice temporal temporário no total de mais de três anos;

- as sequelas irreversíveis nos membros inferior e superior esquerdos, em especial, a rigidez articular e dolorosa do membro superior esquerdo com tendência para se agravar com a idade;

- o quantum doloris de grau 5 e o dano estético de grau 2, numa escala máxima de 7 pontos;

- a angústia de quem, como a A., perdeu a sua atividade profissional e vive agora na impossibilidade de efetuar qualquer trabalho;

- a perda de auto-estima e da alegria de viver ou desgosto inerentes, segundo as regras da experiência comum, a tais padecimentos.  

Por outro lado, há que não esquecer que todas essas consequências decorrem de um acidente de trânsito cuja responsabilidade é imputada, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo atropelante.  


Nestas circunstâncias, dentro dos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, pese embora alguma diversificação casuística, tem-se por mais condizente e ajustado a esses padrões elevar a respetiva indemnização compensatória de € 25.000,00 para € 35.000,00, com reporte à data da sentença da 1.ª instância.   


IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em sua substituição:

   A – Mantém-se a condenação da R. a pagar à A. a quantia de € 22.461,67 (vinte e dois mil, quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e sete cêntimos), correspondente à perda de rendimentos de 18/06/2010 a 26/09/2013, acrescida de juros de mora de 4%, desde a citação, aqui não impugnada;

   B – Condena-se a R. a pagar à A., a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade de ganho:

     a) – o capital de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), para compensar a perda do rendimento auferido no exercício profissional, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação;       

     b) – a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) pelo dano biológico em sede de incapacidade genérica, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da sentença da 1.ª instância;

   C – Confirma-se a condenação da R., em 1.ª instância, a pagar à A. a quantia de € 14.000,00 (catorze mil euros) pelo dano com a redução da pensão social, acrescida de juros de mora de 4%, desde a citação;       

   D – Condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), com reporte à data da sentença, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde essa data;    

   E – Mantém-se a condenação da R. a suportar os danos, a liquidar posteriormente, decorrentes das intervenções cirúrgicas e tratamentos a que a A. se venha a submeter por virtude das lesões sofridas.

Mantém-se ainda a determinação de que às quantias arbitradas devem ser deduzidos os adiantamentos de vencimento e de renda mensal atribuídos em sede de procedimento cautelar  

As custas da ação e dos recursos ficam as cargo de ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à A.   

Lisboa, 2 de junho de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

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[1] Veja-se, a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, em que outros acórdãos anteriores do mesmo Tribunal, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj
[2] Relatado por Lopes do Rego, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj

[3] Vide, por todos, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, pp. 887 a 901, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, pp. 763 a 767.
[4] Vide Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, pp. 591.
[5] Vide Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, pp. 596-597.
[6] Vide Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, pp.. 595.
[7] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj.
[8] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[9] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[10] A este propósito, veja-se artigo doutrinário de 2011 da autoria Maria da Graça Trigo, aqui 1.ª adjunta, sob o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; e ainda o aprofundamento desse tema pela mesma Autora, sob o título Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp.69 e seguintes, Universidade Católica, 2015.
[11] Vide ac. do STJ, de 01/12/2009, relatado por Alves Velho, no processo n.º 1235/2001.S1, acessível na Internet http://www.gdsi.pt/jstj
[12] Neste sentido, veja-se o artigo de Joaquim Sousa Dinis, intitulado Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras, publicado em Separata dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IX, Tomo I, 2001, pg. 10.
[13] Vide, a este propósito, o acórdão do STJ, de 19-04-2012, proferido no processo n.º 3046/09. 0TBFIG.S1, relatado por Serra Baptista, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.

[14] Relatado por Granja da Fonseca, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
 
[15] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.
[16] Relatado por Maria da Graça Trigo, ora 1.ª adjunta, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.