Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
377/13.8TTTMR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: TRABALHO NOCTURNO
RETRIBUIÇÃO
LIBERDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 266.º, N.º1.
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO DE 2006, PUBLICADA NO BOLETIM DE TRABALHO E EMPREGO, I SÉRIE, N.º 26, DE 15/7/2006.
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO, PUBLICADA NO BOLETIM DE TRABALHO E EMPREGO, 1ª SÉRIE, Nº 20, DE 29/5/1997.
DECRETO-LEI Nº 348/73, DE 11 DE JULHO: - ARTIGOS 1.º E 2.º.
DECRETO-LEI Nº 409/71, DE 27 DE SETEMBRO (LDT): - ARTIGOS 5.º, 29.º, N.º 1, 30.º.
LEI N.º 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT)
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/11/1986, PROCESSO N.º 001416, E DE 5/7/2007, PROCESSO Nº 07S538, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 25/11/1988, DOCUMENTO N.º 198811250019724, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – Não é devido o acréscimo remuneratório por trabalho nocturno quando a retribuição do trabalhador tenha sido acordada, aquando da celebração do contrato de trabalho, tendo já em conta o horário de trabalho prestado e a especial penosidade do trabalho nocturno.

II – Para o trabalhador ter direito ao acréscimo de 25% previsto para pagamento do trabalho nocturno, tem de alegar e fazer prova de qual a retribuição e o trabalho equivalente ao seu que é prestado durante o dia, nos termos do art. 266º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009 e art. 30º da Lei de Duração do Trabalho (Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro).

III – Essa exigência decorre do facto de o legislador não ter querido abranger sectores de actividade em que a prestação de trabalho no período nocturno se revela sem correspondência exacta no período diurno, não implicando uma maior penosidade especial para os trabalhadores.

IV – Tendo as partes fixado livremente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, não só o horário/duração do tempo de trabalho a prestar, como também a “remuneração total tendo em conta ser um trabalho nocturno”, essa manifestação de vontade, livre e voluntária, e não ofensiva de nenhuma disposição legal, enquadra-se no espírito da lei e mostra-se abarcada pelos normativos que regulam o trabalho nocturno, assumindo, por isso, plena validade jurídica.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. AA

Instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho contra:

BB

Pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 30.099,45, a título de créditos laborais devidos em virtude da relação laboral estabelecida com o Réu, que entretanto cessou, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que:

Foi admitida ao serviço do R., que é uma instituição particular de solidariedade social, em Outubro de 1997, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de lar nocturno.

Nessa qualidade trabalhava em dias alternados, das 20.00 h às 8.00 h, mediante a retribuição mensal que ultimamente ascendia a € 550,00.

Trabalhou ininterruptamente por conta do Réu até 15-1-2013, sem que até Junho de 2011, tivesse recebido qualquer quantia a título de subsídio de trabalho nocturno.

Acresce que também não lhe foram liquidadas as diuturnidades que lhe eram devidas, razão pela qual reclama a condenação do Réu no pagamento do subsídio de trabalho nocturno e diuturnidades em falta.

2. Contestando, o Réu conclui pedindo a improcedência da acção e a consequente absolvição de todos os pedidos.

Argumenta, para tanto, que a Autora não tem direito ao pagamento do subsídio nocturno, nem à luz do regime de contratação colectiva vigente à data da contratação da Autora, nem face às alterações que tal regime sofreu, porquanto o esquema remuneratório praticado em relação à Autora era até superior àquele que legalmente estava em vigor, considerando o horário parcial a que esta se vinculou.

Quanto às diuturnidades vencidas por aquela, sustenta o Réu que nada lhe deve, pois tratando-se de trabalho a tempo parcial o seu vencimento era efectuado pela ponderação do trabalho prestado a tempo parcial no prazo normal de vencimento das diuturnidades.

3. Proferida sentença o Tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.

4. Inconformada, a A. apelou, tendo a Relação determinado a baixa dos autos para que fossem apurados os factos relativos às remunerações da A. e que constavam dos recibos de vencimento.

5. Efectuado novo julgamento e elaborada nova sentença, o Tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão:

Nos termos de facto e de direito expostos julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condeno o Réu BB a pagar à Autora AA o montante global de € 303,69 a título de diferenças de diuturnidades, acrescido dos juros de mora às taxas legais, vencidos e vincendos, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento” – sublinhado nosso.

E absolveu o R. do pedido do pagamento do trabalho nocturno reclamado pela Autora.

6. Inconformada, a Autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Évora decidido nos seguintes termos:


“Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente parcialmente e decidem:

1. Condenar o réu a pagar à autora o subsídio de trabalho noturno de 25% sobre a retribuição a que tinha direito de acordo com a sua categoria profissional e o CCT aplicável, desde outubro de 1997 até 31 de maio de 2011, na parte em que a retribuição efetivamente auferida pela trabalhadora for inferior àquela que deveria ter auferido em consequência do cálculo do subsídio de trabalho noturno sobre o salário previsto no CCT, acrescido das diuturnidades, a partir do momento em que as passou a receber, a fixar no incidente de liquidação, posterior a este acórdão, previsto nos arts 358.º n.º 2 a 361.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.
2.Condenar ainda o réu a pagar à autora os juros sobre os valores que se apurarem, à taxa legal que em cada momento estiver em vigor, desde a data em que deveriam ter sido postos à disposição da autora, até pagamento.
3.Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

- Custas pela apelante e pelo apelado em igual proporção, sem prejuízo de correção após o incidente de liquidação e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário com que litiga a autora e a isenção do réu” – sublinhado nosso.

7. Foi interposto recurso de revista pelo R. com as seguintes conclusões:

                                                                                                                         

A) Dando-se como provado que a trabalhadora prestava o seu trabalho em dias alternados, das 20h às 8h00, na sede da R., devem ter-se em conta as razões que levaram a dar tal facto como provado, para proceder à interpretação do mesmo;

B) Constando de sentença que, embora objecto de recurso, nessa parte transitou em julgado, que o contrato de trabalho era a tempo parcial, por apelo ao art. 1° desse contrato, onde se expressa que o horário será de 24 h semanais, não pode a Relação decidir acerca do acréscimo de trabalho nocturno como se de um contrato a tempo inteiro se tratasse;

C) Uma tal decisão, por oposição com os fundamentos, é nula (art. 615/1-c), CPC);

D) Se o trabalhador não alega, nem prova, qual a retribuição do trabalho diurno equivalente ao dele, não tem direito à remuneração devida por trabalho nocturno;

E) A retribuição por trabalho nocturno pressupõe uma integral equivalência entre a prestação do trabalho no período nocturno e no período diurno;

F) Tendo as partes acordado a retribuição atendendo à circunstância de o trabalho dever ser prestado em período nocturno não é devido o acréscimo de 25%;

G) São indícios contratualmente expressos, de que não ocorre equivalência entre o trabalho diurno e nocturno, o facto de a trabalhadora que presta o trabalho durante a noite poder dispor de um quarto para descansar e poder tomar o pequeno-almoço à saída;

H) Decorre das regras da experiência que as tarefas de uma trabalhadora "Ajudante de lar e centro de dia" são substancialmente diferentes durante a noite e durante o dia;

I) Não pode, sob pena de nulidade do Acórdão (art. 615º CPC), o Tribunal decidir que é devida remuneração por trabalho nocturno, se nos autos não está alegado e provado o equivalente trabalho diurno;

J) Foram violados e incorrectamente aplicados o art. 615º do CPC, a Base XLII da Portaria para os trabalhadores ao serviço das instituições particulares de solidariedade social, actualmente Cláus. 67ª do CCT entre a CNIS e a FEPCES, BTE, 1ª Série, nº 26/2006, o art. 30º do Dec. Lei 409/71 e o art. 1º do Dec. Lei 348/73 (enquanto aplicáveis) e o art. 266º do CT;

K) Os factos provados e as disposições legais citadas devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de nada haver a pagar à trabalhadora a título de trabalho nocturno;

L) Razão porque deve ser revogado o Acórdão, substituindo-o por outro que decida que o ora Recorrente nada deve à Autora a título de trabalho nocturno.

8. A Autora contra-alegou e concluiu defendendo a manutenção do Acórdão recorrido.

9. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal formulou Parecer sustentando a improcedência da revista e a confirmação do Acórdão em análise, argumentando, em síntese, que:


· As partes quiseram fixar no valor indicado como retribuição mensal da A. a contrapartida do trabalho por esta prestado;
· Contudo, há que atender à legislação aplicável. E após o Exmº Magistrado ter efectuado uma extensa enunciação dos diplomas legais em vigor, desde o período anterior à proclamação da República (mais concretamente desde 1891), até aos nossos dias, concluiu que o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador tem aqui lugar e a A. tem direito ao acréscimo de 25% previsto na lei, ou seja, tem direito ao pagamento do trabalho nocturno.

A este Parecer nenhuma das partes ofereceu resposta.

10. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR:        


- Estão em causa, em sede recursória, as seguintes questões:

1. Nulidades do Acórdão recorrido;

2. Saber se a Autora tem direito, ou não, ao pagamento do trabalho nocturno.

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO

I – DE FACTO:

- Mostra-se provado o seguinte circunstancialismo fáctico:

1. A R. é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (art. 2.º da pi).

2. A A. foi admitida pela R., em Outubro de 1997, para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta exercer as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de lar nocturno (art. 1.º da pi).

3. A A. trabalhava em dias alternados das 20h00 às 8h00, na sede da R. (art. 3.º da pi).

4. Como contrapartida da sua actividade a A. recebia ultimamente a retribuição mensal base de € 550,00 (art. 4.º pi).

5. A A. sempre trabalhou para a R., desde Outubro de 1997 até 15-1-2013, sempre nas mesmas funções de ajudante de lar nocturno (art. 5.º da pi).

6. O contrato celebrado entre as partes cessou no dia 16-1-2013, com a passagem à situação de reforma da A. (art. 6.º da pi).

7. À A. foi efectuado o pagamento da 1.ª diuturnidade ao fim de 6 anos e 3 meses, após o início do contrato celebrado (art. 7.º da pi).

8. No período compreendido entre 1/10/1997 e 31/10/1998, a A. auferiu mensalmente a retribuição de 70.000$00 (€ 349,16).

9. No período compreendido entre 1/11/1998 e 28/02/2000, a A. auferiu mensalmente a retribuição de 73.000$00 (€ 364,12).

10. No período compreendido entre 1/03/2000 e 31/12/2000, a A. auferiu mensalmente a retribuição de 75.000$00 (€ 374,10).

11. No período compreendido entre 1/01/2001 e 31/12/2001, a A. auferiu mensalmente a retribuição de 85.000$00 (€ 423,98).

12. No período compreendido entre 1/01/2002 e 31/12/2002, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 440,00.

13. No período compreendido entre 1/01/2003 e 31/12/2003, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 465,00.

14. No período compreendido entre 1/01/2004 e 31/12/2004, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 475,00, acrescida de uma diuturnidade no montante de € 16,40.

15. No período compreendido entre 1/01/2005 e 31/12/2005, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 480,00, acrescida de uma diuturnidade no montante de € 18,00.

16. No período compreendido entre 1/01/2006 e 31/12/2006, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 495,00, acrescida de uma diuturnidade no montante de € 18,00.

17. No período compreendido entre 1/01/2007 e 30/08/2007 a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 500,00, acrescida de uma diuturnidade no montante de € 18,00.

18. No período compreendido entre 1/09/2007 e 31/12/2007, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 500,00, acrescida de uma diuturnidade no montante de € 19,23.

19. No período compreendido entre 1/01/2008 e 30/06/2008, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 510,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 38,46.

20. No período compreendido entre 1/07/2008 e 31/12/2008, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 510,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 40,00.

21. No período compreendido entre 1/01/2009 e 30/09/2009, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 530,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 40,00.

22. No período compreendido entre 1/10/2009 e 31/12/2009, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 530,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 42,00.

23. No período compreendido entre 1/01/2010 e 31/12/2010, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 540,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 42,00.

24. No período compreendido entre 1/01/2011 e 31/05/2011 a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 550,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 42,00.

25. No período compreendido entre 1/06/2011 e 31/12/2011, a A. auferiu mensalmente a retribuição de € 550,00, acrescida de duas diuturnidades no montante de € 42,00 e do trabalho nocturno no montante de € 137,50.

26. Facto aditado pela Relação, que o considerou provado, e a que nos iremos referir no início do ponto subsequente:

Consta na cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes que foi acordado o seguinte:

- “A remuneração total e mensal (da Autora) é de 70.000$00 (setenta mil escudos), ilíquidos tendo em conta ser um trabalho nocturno” – cf. documento nº 7 (contrato de trabalho junto com a petição inicial).

II – DE DIREITO

1. A questão que se discute nos presentes autos prende-se unicamente com a de saber se é devida à Autora remuneração suplementar por trabalho nocturno, sendo que certo que, conforme resulta do processo e não foi colocado em causa, a Autora foi contratada para trabalhar apenas de noite.

Funções que sempre exerceu, desde que foi admitida pelo Réu, em Outubro de 1997, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de lar nocturno.

Na apreciação que fez dos factos provados e da aplicação do direito o Tribunal da Relação exarou no Acórdão recorrido o seguinte:

“O R. conclui nas contra-alegações que nada deve à Autora a título de trabalho noturno, pois o pagamento deste já estava incluído na remuneração mensal, como se pode ver do contrato de trabalho junto com a petição inicial como documento número sete.

Analisado o documento, verificamos que consta o seguinte na sua cláusula 3.ª: “a remuneração total, e mensal é de 70 000$00 (setenta mil escudos), ilíquidos tendo em conta ser um trabalho noturno”.

O documento consistente no contrato de trabalho não foi impugnado, nem a cláusula que acabamos de referir, pelo que a acrescentamos ao elenco dos factos provados com interesse para a boa decisão da causa.
A apelante alega que o subsídio pelo trabalho noturno não foi pago, pois não se encontrava discriminado no recibo, o que é verdade.
Todavia, uma coisa é não estar discriminado no recibo de vencimento e outra coisa é não ser pago. A A. assinou o contrato de trabalho e acordou aí que a remuneração total e mensal era de 70 000$00. A cláusula é bem clara. Realce-se que não são empregues os vocábulos “vencimento” ou “salário”, mas “remuneração total e mensal”, o que nos leva a concluir que a vontade das partes foi efetivamente no sentido de que na remuneração acordada já estava incluída a maior penosidade pelo trabalho ser prestado de noite.
Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação do contrato de trabalho reduzido a escrito celebrado entre as partes, seguindo os princípios da hermenêutica jurídica vertida nos arts. 236.º e 238.º do Código Civil” – cf. fls. 542 e segts. (sublinhado nosso).

Ou seja:

- A Relação refere expressamente que acrescenta ao elenco dos factos provados – com interesse para a boa decisão da causa – a referida matéria factual, mas não a enunciou, nem a integrou, por aditamento, no lugar próprio dos factos provados;

- Faz igual menção expressa à vontade das partes e ao que ambas acordaram, com a celebração do contrato de trabalho, mas posteriormente, na análise jurídica do caso sub judice, acabou por não valorizar o argumento conclusivo a que chegara: o de que “a vontade das partes foi efetivamente no sentido de que na remuneração acordada já estava incluída a maior penosidade pelo trabalho ser prestado de noite”.

Contudo, na análise a que se irá proceder não podemos ignorar os efeitos jurídicos deste facto dado como provado pela Relação, e que agora consta com o nº 26).

Posto isto, temos que:

2. O Réu assentou o seu recurso, conforme alegações transcritas, em duas questões essenciais:

1º - No facto de entender que o contrato de trabalho celebrado com a A. foi um contrato a tempo parcial e não a tempo inteiro;

2º - Na questão da remuneração da Autora relativamente ao trabalho nocturno que defende já estar incluída na remuneração inicial, não sendo devido nenhum acréscimo.

Quanto à primeira questão, não tem o Réu razão em a suscitar de novo, em sede de revista.

E isto porque:

2.1. Desde o início da lide que o Réu defende a tese de que a trabalhadora Autora só prestava o seu trabalho em dias alternados, das 20h às 8h, pelo que o contrato de trabalho era a tempo parcial.

E assim sendo, não podia ter lugar o acréscimo de 25% na retribuição para o trabalho nocturno, e muito menos nos termos em que a Relação o decidiu pois partiu da consideração de que se tratava de um contrato a tempo inteiro.

O que não constituiria o caso, e nessa medida, uma tal decisão, por oposição com os fundamentos, é nula (art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC).

Ora, para além do Réu não ter alegado tal nulidade no seu requerimento de recurso nos termos impostos pelo ar. 77º do CPT – que exige que a arguição de nulidades da sentença seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso[2] – outro factor existe que impede o retomar desta matéria e que se prende com a sentença proferida pela 1ª instância.

É que nessa decisão o Tribunal considerou que o contrato de trabalho aqui em causa, não obstante a prestação de trabalho só ocorrer dia sim, dia não, configurava-se como um verdadeiro contrato de trabalho a tempo inteiro e não a tempo parcial.

Para esse efeito, partiu do pressuposto que, uma vez que a Autora desempenhava as suas funções das 20h às 8h da manhã, incluindo os domingos, isso significava que fazia 12h por cada dia de trabalho, que, uma vez multiplicados por 4 dias de semana (2ª, 4ª, 6ª e domingo, alternadamente) dava 48h por semana (ou 36h por semana, nas semanas de 3 dias), e sendo “o período normal de trabalho da Autora de 42 horas semanais, facilmente concluímos que a Autora no final de 4 semanas trabalhadas cumpria efectivamente o correspondente a 42 horas, pois semana sim, semana não, cumpria 48 horas ou 36 horas de trabalho semanal”.

Para concluir:

“Em face do exposto e sem necessidades de outras considerações deixo consignado que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato a tempo inteiro, pois o Réu não logrou provar, tal como lhe incumbia, ter celebrado com a Autora um contrato a tempo parcial – sublinhado nosso.

E considerou, após, que a remuneração que a Autora recebia já incluía o trabalho nocturno, pelo que julgou a acção improcedente também nesta parte (com excepção do pagamento devido pelo Réu a título de diferenças de diuturnidades).

Por tal facto, quem recorreu, apelando, foi a Autora. E o objecto do recurso de apelação foi tão sóapurar se a Autora tem direito ao pagamento do trabalho nocturno” – cf. fls. 539 do Acórdão recorrido.

Quer isto dizer que a matéria relativa ao contrato de trabalho celebrado entre as partes e a sua qualificação como contrato de trabalho a tempo inteiro transitou em julgado, com a prolação da sentença. Pelo que, não pode ser retomada.

2.2. Nesta medida claudica a revista nesta parte (alíneas A) a C)).

3. O trabalho nocturno: remuneração

3.1. A questão subsequente e que importa decidir consiste em saber se a Autora tem direito ao pagamento do trabalho nocturno peticionado.

Sobre a matéria em litígio a posição das partes pode ser resumida em:

- A Autora considera que tem direito a um acréscimo de 25% no seu salário pela prestação de trabalho nocturno.

- Contrapõe o Réu, quer em sede de articulados quer em sede de revista, que a Autora não tem direito ao pagamento do subsídio nocturno, porque a remuneração que aufere – porque mais elevada do que seria normal em tais circunstâncias – já contempla o facto de prestar a sua actividade nesse período.

Por sua vez as instâncias também divergiram:

- A primeira instância decidiu que tal acréscimo não era devido, pelas mesmas razões que defende o Réu: esse acréscimo já estava incluído na remuneração inicial;

- A Relação, não obstante considerar que na remuneração acordada pelas partes “já estava incluída a maior penosidade pelo trabalho prestado à noite”, concluiu que a Autora tinha direito ao acréscimo de 25%, por ser um regime mais favorável.

Quid juris?

3.2. Com relevância para a decisão a proferir resultou provado nos autos que:

- O Réu é uma Instituição Particular de Solidariedade Social – (factos provados e inseridos no nº 1).

- A A. foi admitida pelo Réu, em Outubro de 1997, para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de lar nocturno – (nº 2).

- A A. trabalhava em dias alternados das 20h00 às 8h00, na sede da R. – (nº 3).

- A A. sempre trabalhou para o Réu, desde Outubro de 1997 até 15-1-2013, sempre nas mesmas funções de ajudante de lar nocturno – (nº 5).

- Consta na cláusula 3ª, do contrato de trabalho celebrado pelas partes, que foi acordado o seguinte:

        “A remuneração total e mensal (da Autora) é de 70.000$00 (setenta mil escudos), ilíquidos tendo em conta ser um trabalho nocturno” – cf. documento nº 7 (contrato de trabalho junto com a petição inicial)factos aditados pelo Tribunal da Relação e numerados com o nº 26.

- Como contrapartida da sua actividade a Autora recebia ultimamente a retribuição mensal base de € 550,00 – (nº 4).

- O contrato celebrado entre as partes cessou no dia 16-1-2013, com a passagem à situação de reforma da A. – (nº 6).

- Apenas lhe foi pago o subsídio do trabalho nocturno no montante de € 137,50, relativo ao período compreendido entre 1/06/2011 e 31/12/2011 – (nº 25).

Vejamos agora a solução para o presente diferendo.

3.3. Grande parte da legislação que aparece citada nos autos vem analisada em duas vertentes:

1ª - No binómio da prestação do trabalho em tempo parcial versus tempo inteiro;

2ª - No que respeita apenas ao trabalho nocturno.

Sabido que a primeira não releva para a decisão dos autos, em face do que se concluiu no ponto anterior e do que aqui se discute, teremos de centrar a nossa análise na segunda vertente.

Destarte, temos que:

4. Legislação Aplicável:

4.1. Entendemos oportuno citar tão só a legislação proeminente tendo em atenção a data em que as partes celebraram o contrato de trabalho, que ocorreu, conforme matéria de facto provada, em Outubro de 1997.

Nesta matéria os diplomas que definiam o regime jurídico da duração do trabalho eram essencialmente, para além da LCT (Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969), o Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro (LDT), com as alterações parcelares que se lhe seguiram.

4.2. O Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, veio definir o regime jurídico da duração do trabalho prestado por efeito dos contratos de trabalho celebrados, nomeadamente entre instituições de previdência ou outros organismos e respectivos empregados.

Nele se estabeleceu, no seu art. 5º, os limites máximos dos períodos normais de trabalho, fixando expressamente que não podia ser superior a 8h por dia e a 48h por semana.

Sendo esse o período normal de trabalho, previu a lei excepções com o aumento do trabalho diário, incluindo o nocturno, nas seguintes circunstâncias:

1º - Pode ser superior aos limites fixados quando seja concedido ao trabalhador meio-dia ou um dia de descanso por semana, além do descanso prescrito na lei – cf. art. 5º, seu nº 4;

2º - Em relação ao pessoal que presta serviço em actividades sem fins lucrativos ou estritamente ligadas ao interesse público, nos termos do art. 6º, nº 1, alínea a);

3º - No caso do trabalho nocturno, considerando-se como tal o trabalho prestado em períodos de 11h consecutivas, nos termos do art. 29º, nº 2.

Definindo o diploma, no seu art. 29º, nº 1, o conceito de trabalho nocturno, como sendo o trabalho que é prestado no período que decorre entre as 20h de um dia e as 7h do dia seguinte.

No caso da Autora provou-se que a mesma exerceu as suas funções, dia sim, dia não, no período compreendido entre as 20h e as 8h da manhã.

Sendo certo que dessas 12h consecutivas, apenas 11h consecutivas se podem considerar trabalho nocturno, já que este é o que decorre entre o período compreendido entre as 20h de um dia e as 7h do dia seguinte (cf. art. 29º, nº 1).

Ficando de fora aquela hora das 7h às 8h efectuada pela Autora como tempo de trabalho.

Este diploma – Decreto-Lei nº 409/71 – teve a preocupação não só de consagrar a noção legal de trabalho nocturno, no seu art. 29º, mas também de prever, em tais circunstâncias, que o trabalho desempenhado durante a noite, por ser mais penoso que o trabalho diurno, ainda que o grau dessa penosidade seja variável, justifica que seja pago ao respectivo trabalhador uma retribuição especial.

Retribuição que fixou, no seu art. 30º, nos seguintes termos:

- “A retribuição do trabalho nocturno será superior em 25% à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia”.

Trata-se de um princípio genérico, que parte da possibilidade da atribuição dessa remuneração – “será” – mas que a faz depender “do direito ao trabalho equivalente prestado durante o dia”.

4.3. O próprio legislador apercebendo-se das dificuldades geradas com a interpretação deste normativo veio através da publicação do Decreto-Lei nº 348/73, de 11 de Julho, esclarecer as divergências criadas.

Podendo ler-se, a este propósito, no seu preâmbulo, o seguinte:

“As dificuldades de interpretação das condições em que se verificaria o desvio ao princípio da maior retribuição do trabalho nocturno levaram o legislador a consagrá-lo de forma genérica no novo regime jurídico da duração do trabalho, definido pelo Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro”.

Porém, “a aplicação do princípio … supõe uma integral equivalência entre a prestação do trabalho no período nocturno e no período diurno”.

Não era, portanto, intenção do legislador abranger sectores de actividade em que a prestação de trabalho no período nocturno se revela sem correspondência exacta no período diurno, não implicando uma maior penosidade especial para os trabalhadores, ou comportando, até, uma penosidade menor. Não poderia deixar o legislador de ter tido em mente, também, a circunstância de certas actividades serem exploradas em momento exclusiva ou predominantemente nocturno, como é o caso típico dos espectáculos e diversões públicas, circunstância que naturalmente repele a aplicação do princípio da maior retribuição do trabalho nocturno.

O presente diploma pretende, pois, por interpretação do texto legal vigente, esclarecer, em termos mais precisos, o alcance do preceito do artigo 30.º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, de harmonia com o parecer do Conselho Superior da Acção Social, que, ouvido sobre a matéria, nesse mesmo sentido se pronunciou.

Assim, situam-se expressamente fora do âmbito de aplicação desse artigo certas formas de prestação de trabalho que, não obstante ocorrerem no período nocturno, não têm, por isso, de ser retribuídas com qualquer aumento, uma vez que a respectiva retribuição tem ou deve ter já necessariamente em conta a circunstância de esse trabalho ser nocturno, circunstância que não acarreta, em princípio, maior penosidade da prestação desse trabalho– sublinhado nosso.

  

E assim, nos únicos dois artigos deste Decreto-Lei nº 348/73, de 11 de Julho, estabeleceu-se o seguinte:

Artigo 1.º:

 1. É interpretado o artigo 30.º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, no sentido de não abranger o trabalho prestado durante o período nocturno:

a) Ao serviço de actividades que sejam exercidas exclusiva ou predominan-temente durante esse período;

b) Ao serviço de actividades que, pela sua natureza ou por força da lei, devam necessariamente funcionar à disposição do público durante o mesmo período.

2. As actividades previstas nas alíneas a) e b) do número anterior serão definidas por decreto referendado pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competentes.

Artigo 2.º:

“A retribuição superior prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, pode ser estatuída em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho:

a) Através de uma redução equivalente dos limites máximos do período normal de trabalho;

b) Através de aumentos fixos das retribuições de base, quando se trate de pessoal incluído em turnos rotativos, e desde que esses aumentos fixos não importem tratamento menos favorável para os trabalhadores”.

Quer isto dizer que este diploma legal, para além de clarificar a interpretação do art. 30º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09, que atribuiu o referido acréscimo dos 25% para o trabalho nocturno, excluiu expressamente deste normativo o trabalho nocturno prestado:

1º - Ao serviço das actividades que sejam exercidas exclusiva ou predominantemente durante o período noturno;

- Às actividades que, pela sua natureza ou por força da lei, devam necessariamente funcionar à disposição do público durante esse mesmo período.

E, por conseguinte, excluiu a qualquer uma delas o direito ao recebimento dessa retribuição acrescida de 25%.

5. Ora, resulta dos autos que o Réu é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, com um estabelecimento de lar, onde a Autora desempenha a sua prestação laboral, com a categoria profissional de ajudante de lar nocturno, e como se reconhece no Acórdão, com as funções de acompanhamento e vigilância dos utentes do lar que, necessariamente carecem de ajuda e desse acompanhamento/ vigilância.

A sua categoria profissional – repete-se – é a de ajudante de lar nocturno. Não de ajudante a operar ora em regime diurno ora em nocturno, mas única e exclusivamente no regime nocturno. A trabalhar só nessa modalidade e em dias alternados.

Por conseguinte, saber se a Autora tem ou não direito a essa retribuição superior aos aludidos 25%, impõe que se conjugue as normas dos referidos diplomas legais, já por si, elucidativas, com as Convenções Colectivas de Trabalho em vigor e que regulam as relações de trabalho entre as Instituições particulares de Solidariedade Social e os trabalhadores da área.

E a todos esses factores há que acrescer, como elemento determinante, o da vontade das partes expressa e inserida no contrato de trabalho celebrado e que rege as relações laborais estabelecidas entre elas, em face do estatuído no art. 1º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 348/73, de 11 de Julho.

5.1. Nessa medida, e em matéria de Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho, verifica-se que a Convenção Colectiva que regula as relações de trabalho entre as Instituições Particulares de Solidariedade Social e os trabalhadores ao seu serviço, filiados nos respectivos Sindicatos outorgantes, previam à data em que a Autora celebrou o contrato com o Réu – Outubro de 1997 – a remuneração fixada em tabela de Esc. 65.200$00.

Cf. o Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 20, de 29/5/1997 – Cláusula 1ª e seu Anexo V (XV).

Ora, provou-se, in casu, que a Autora foi contratada para as referidas funções mas com a retribuição mensal de Esc. 70.000$00.

Quantia esta superior, como se viu, à que estava prevista na Convenção Colectiva de Trabalho que era aplicável à sua relação jurídica laboral.

Tendo sido clausulado expressamente no seu contrato de trabalho que:

A remuneração total e mensal (da Autora) é de 70.000$00 (setenta mil escudos), ilíquidos tendo em conta ser um trabalho nocturno”.

Remuneração essa total e tendo já em conta o trabalho nocturno.

Quer isto dizer que as partes, na data da celebração do contrato, acordaram nesse valor por duas ordens de razão:

Primo, porque a Autora foi contratada especificamente para o desempenho dessa actividade nocturna;

Secundo, porque a A. exercia as suas funções naquele quadro, durante a noite, acordaram num valor retributivo (“total) superior ao normal, para compensar essa penosidade.

Tendo as partes fixado livremente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, não só o horário/duração do tempo de trabalho a prestar, como também a “remuneração total tendo em conta ser um trabalho nocturno”, essa manifestação de vontade, livre e voluntária, e não ofensiva de nenhuma disposição legal, enquadra-se no espírito da lei e mostra-se abarcada pelos normativos que regulam o trabalho nocturno, assumindo, por isso, plena validade jurídica.

5.2. Daí que a retribuição fixada à Autora, no contrato de trabalho, nesse contexto, como contrapartida pelo seu trabalho, negociada e estabelecida em valor remuneratório mais elevado, tem que ser entendida como já tendo contemplado a natureza e penosidade da sua prestação de trabalho, toda ela a decorrer durante o período nocturno.

Assim sendo, e pelas razões que fomos aduzindo, conclui-se que não lhe devido pelo Réu o pagamento de qualquer quantia a título de retribuição acrescida pelo trabalho efectuado durante a noite, não tendo, pois, a Autora direito ao acréscimo dos 25% peticionados.

No mesmo sentido se decidiu nos seguintes Acórdãos desta Secção, do STJ:

(…) IV – Se as partes convencionaram a remuneração relativa a trabalho nocturno, tendo já em atenção a natureza nocturna desse serviço, deve considerar-se que a retribuição convencionada integra o acréscimo legalmente devido por essa espécie de trabalho” – cf. Acórdão datado de 21/11/1986, proferido no âmbito do processo nº 001416 e Relatado por Melo Franco.

E no Acórdão datado de 5/7/2007, proferido no âmbito do processo nº 07S538 e Relatado por Sousa Grandão[3]:

“V – Nem todo o trabalho tido por nocturno nos termos do art. 29º, nº 1, da LDT, é passível, sem mais, da compensação prevista no art. 30º do mesmo diploma (arts. 1º dos Decretos-Leis nº 348/73 e 349/73, ambos de 11 de Julho).

VI - O acréscimo remuneratório por trabalho nocturno não é devido quando o horário aprazado entre as partes tenha sido reduzido – no confronto com o horário diurno –, sem decréscimo salarial, para compensar a penosidade da prestação laboral durante a noite, ou quando as partes fixem no texto contratual uma remuneração que já tenha em conta essa especial penosidade”.

6. Interpretação que o próprio Código do Trabalho de 2009 permite no art. 266º, nº 2, alínea b), e nº 3, alínea c), prevista nos mesmos termos no Código do Trabalho de 2003, no seu art. 257º, nº 3, alínea c).

 

E que não se mostra infirmada pela Convenção Colectiva de Trabalho de 2006 [4], que na reclassificação desses trabalhadores que denominou de “ajudantes de lar e centro de dia” fixou retribuições mensais inferiores àquela que a Autora recebia nos anos aí previstos de 2004 e 2005 – cf. Cláusula 115º, nº 4, alíneas c) e d) – tendo, contudo, ressalvado que a aplicação das tabelas aprovadas “não prejudicava a vigência de retribuições mais elevadas auferidas pelos trabalhadores” – cf. cláusula 116º.

Não sendo igualmente de acolher o entendimento de que ao ser dada primazia à vontade das partes daí resultou um prejuízo para a trabalhadora, que a lei não permite, face ao princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.

Não só porque esse prejuízo não se provou, mas também porque é a própria lei que afasta o regime quando as partes acordem num valor que represente um aumento, de modo a incluir na respectiva retribuição a circunstância de esse trabalho ser nocturno.

7. Dir-se-á, também, por fim, que a Autora não fez prova da exigência do art. 30º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro: “a retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia”, pois a A. não alegou que as suas funções eram equivalentes às prestadas durante o dia para um trabalho de igual natureza.

E nessa circunstância, de falta de alegação e prova dessa equivalência, está-lhe  igualmente vedada a atribuição desse direito de acréscimo de 25% à retribuição.

Neste sentido se decidiu no Acórdão desta Secção, do STJ, onde se pode ler que:

(…)“III – O trabalhador não tem direito a retribuição especial por trabalho nocturno se não alega nem prova qual a retribuição do trabalho diurno equivalente ao dele (…)”.[5]

8. Em conclusão: o Réu nada tem a pagar à Autora a título de trabalho nocturno.

Nesta medida procede a presente revista.

IV – DECISÃO:


- Termos em que se acorda em conceder a revista com os presentes fundamentos e, em consequência, revogar o Acórdão recorrido e repristinar a sentença da 1ª instância.

- Custas, na 1ª instância, a cargo da Autora e do Réu, na proporção do correspondente decaimento, e nos recursos de apelação e de revista a cargo da Autora.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.

Lisboa, 14 de Julho de 2016.

Ana Luísa Geraldes (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol

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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Sendo Jurisprudência uniforme desta Secção do STJ, há muito consolidada, que esta norma se aplica ao recurso de revista, ou seja, à arguição de nulidades dos Acórdãos do Tribunal da Relação.
[3] Ambos os Acórdãos do STJ estão disponíveis em www.dgsi.pt
[4] Publicada no Boletim de Trab. Emp., I Série, nº 26, datada de 15/7/2006.
[5] Acórdão datado de 25/11/1988, proferido no âmbito do processo nº 198811250019724 e disponível em www.dgsi.pt.