Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6527/21.3T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REQUISITOS
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ERRO MATERIAL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :
Se a causa de pedir e o pedido apontam para a resolução do contrato promessa fundada na alteração anormal das circunstâncias e para o incumprimento do contrato, deve ser apreciada no seu conjunto.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

Ponteiros da Cidade, Lda.” e “Usefulspring, Lda.” instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “Imobiliária – F.F.J.C.A., Lda.”, peticionando que pela procedência da presente ação, seja:

“a) (...) considerado resolvido o contrato promessa, nos termos do nº 1 do 437º do Código Civil, por culpa da Ré;”

E condenada a Ré

“b) (...)a pagar às Autoras a quantia de € 200.000,00, a título de valor do sinal em dobro, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento;”

Para tanto e em suma alegaram:

- ter no âmbito da sua atividade comercial sido celebrado um contrato promessa de compra e venda, datado de 21/11/2019, tendo por objeto o imóvel identificado em 5º da p.i. que a R. prometeu vender às AA. pelo preço de € 1.050.000,00;

- tendo ficado acordado que o contrato definitivo seria celebrado até 21/02/2020;

- ao contrário do que a Ré se obrigou, esta não obteve a documentação necessária para a celebração da escritura definitiva, marcada para o dia 21 de fevereiro de 2020, nomeadamente:

a) - as comunicações referentes dos direitos de preferência à Câmara Municipal do Porto;

b) - os comprovativos de pagamento da arquiteta responsável pelo projeto, bem como o projeto e comprovativo de pagamento da licença de construção; e

c) - a declaração da arquiteta titular do projeto a ceder os direitos de autor;

- escritura que, por isso, se não realizou no dia 21/02/2020 para que fora agendada;

- a escritura foi reagendada para o dia 16/03/2020, com o acordo das autoras e Ré, data em que novo não se realizou por culpa da R. atenta a falta de documentação, nomeadamente licença para construção;

Nessa data não estavam pagos o IMT e IS atendendo à situação de pandemia e ao fecho do atendimento ao público das Finanças para emissão das guias de pagamento, cuja emissão on line era impossível por o prédio ter mais de um número de polícia.

No entanto, a escritura nunca se realizaria então pela falta de licença de construção;

- a não realização do contrato definitivo deveu-se a culpa exclusiva da ré;

- acresce que o prédio prometido vender tinha inúmeros defeitos ocultados pela R.;

- findo o confinamento as AA. solicitaram reunião prévia para discutir os defeitos, a qual se realizou a 05/05/2020.

Tendo sido assumido o conhecimento pela R. da existência de tais defeitos há vários anos.

Propondo as AA. a devolução do sinal em singelo, em virtude das alterações supervenientes dos pressupostos do negócio;

- a R. não respondeu a esta proposta e concedeu às AA. o prazo de 15 dias úteis para a realização do contrato definitivo;

- Tendo as Autoras respondido:

. que a escritura até à data ainda não se tinha realizado, em virtude da falta de documentação que era da responsabilidade da Ré, bem como pelo facto de o país ter sido “fechado” pela pandemia Covid-19;

. e por fim, pelo facto de a Ré aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda ter omitido deliberadamente os problemas estruturais que o prédio padecia e que provocou, e provoca, inúmeros prejuízos nos prédios contíguos;

. considerando assim o contrato resolvido nos termos do disposto no nº1 do artigo 437º do Código Civil, tendo em conta que, as circunstâncias em que as Autoras fundaram a decisão de contratar sofreram alterações anormais, e impossíveis de ultrapassar.

Concluindo as AA. ter direito a receber o sinal já pago em dobro, ou seja, € 200.000,00.

Recusando-se a R. a tal.

2. Devidamente citada, contestou a R., tendo invocado a exceção dilatória de incompetência territorial do tribunal.

No mais, impugnou parcialmente o alegado.

Afirmou nomeadamente o conhecimento das AA. do estado do imóvel, porquanto ao mesmo se deslocaram previamente à celebração do contrato-promessa. Estando em causa um prédio sem telhado e para reconstruir, como era do conhecimento das AA. era normal que estivesse a causar infiltrações nos prédios contíguos, pelo que não podem as AA. justificar o incumprimento contratual com o facto de terem tido conhecimento que existiam infiltrações nos prédios vizinhos apenas na data em que pediram a realização de uma reunião com a R..

Mais alegou:

- que a obra de reabilitação para prevenir a infiltração no prédio vizinho, efetivamente foi levada a cabo por si e teve um custo diminuto, cerca de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros). O que não é problema para quem vai comprar um imóvel de mais de um milhão;

- a celebração da escritura a 16/03 só não ocorreu porque alegaram as Autoras que não estavam a conseguir emitir as guias de liquidação dos impostos, o que a Ré, efetivamente, desconhece se corresponde à verdade;

- é falsa alegação das RR. de que a licença de construção era condição imprescindível para a realização do contrato definitivo, uma vez que a aquisição do imóvel só tinha interesse para as Autoras se o projeto estivesse aprovado e fosse possível a construção.

O incumprimento contratual é imputável às AA..

Litigando estas com má-fé.

Termos em que requereu a condenação das AA. como litigantes de má-fé em multa de valor não inferior a € 10.000,00 e indemnização a favor da R. de igual valor.

E concluiu pela sua absolvição do pedido.

3. Convidadas as AA. para responderem às excepções aduzidas na contestação, apresentaram articulado de resposta pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má-fé e pela improcedência da excepção dilatória de incompetência territorial aduzida pela R.

4. Após apreciada e julgada procedente a arguida excepção dilatória de incompetência territorial, foram os autos remetidos ao tribunal declarado competente.

5. Agendada audiência prévia, foi proferido despacho saneador.

O objeto do litígio foi identificado e elencados os temas da prova.

6. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final:

“julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

- condenar a R. a entregar às AA. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), correspondente ao sinal, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor;

- absolver a R. do restante pedido.”

7. Do assim decidido, interpôs a R. recurso de apelação.

8. Interpuseram ainda as AA. recurso subordinado.

9. Os recursos principal e subordinado foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

10. Conhecidos os recursos veio a ser proferido acórdão que decidiu:

“Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pela R. e improcedente o recurso subordinado interposto pelas AA..

Consequentemente e revogando a decisão recorrida, decidindo julgar a ação totalmente improcedente e absolver a R. na totalidade do pedido contra a mesma formulado.

Custas da ação e de ambos os recursos pelas AA..”

11. Desse acórdão foi interposto recurso de revista, pelas Autoras, onde formulam as seguintes conclusões (transcrição):

“I. Do recurso da matéria de direito

i. Da resolução do contrato com fundamento no art. 437º do Código Civil

1. São requisitos para a resolução ou alteração do contrato no quadro do art, 437º do CC:

i) que ocorra uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

ii) que essa alteração tenha um caráter anormal;

iii) que a parte interessada sofra uma lesão por causa da alteração;

iv) que a manutenção do contrato afete gravemente o vetor da boa-fé, e

v) que a alteração não corresponda aos riscos próprios do contrato;

2. No nosso entender, foi legítima a resolução do contrato-promessa de compra e venda que as promitentes-compradoras fizeram operar com fundamento na alteração anormal das circunstâncias;

3. A situação da existência ou não de infiltrações e da responsabilidade dos danos daí decorrentes não esteve presente na base negocial, porque era uma circunstância desconhecida pelas AA., e que apenas descobriram na sequência de uma chamada telefónica dos proprietários dos prédios adjacentes;

4. É certo que tais infiltrações eram pré-existentes, ou seja, já existiam à data da celebração do contrato promessa, mas também não é menos verdade, que tais infiltrações já existiam há mais de 1 ano…

5. Pelo que, não se podem confundir as realidades existentes na data do contrato promessa, e na data em que tais infiltrações começaram a surgir (mais de 1 ano), sem que a Ré nada fizesse, no sentido de as corrigir ou minorar;

6. E, também não se diga que o facto de se tratar de um imóvel a reconstruir, sem telhado, significa que seria real a possibilidade de ocorrerem problemas de infiltrações e causadores de danos a imóveis vizinhos, tratando-se de um risco normal, num imóvel com tais características, quando é certo que o mesmo tinha projeto de arquitetura e já se encontrava edificado;

7. Parece-nos antes, mais plausível que, tais infiltrações decorreram de problemas estruturais do prédio (origem da construção), e nunca pelo facto de ser tratar de uma construção inacabada (sem teto).

8. Deste modo, mostra-se que ficou criado um substancial desequilíbrio contratual em desfavor das AA., de sorte que seria contrária ao vetor da boa-fé a exigência de cumprimento do contrato por parte das AA.; (veja-se neste sentido Luís Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., p. 626);

9. Embora a decisão de contratar envolvesse para as AA. uma assunção de riscos, nomeadamente em termos de equilíbrio das prestações, esses riscos eram unicamente aqueles que se relacionavam com as normais e sempre previsíveis flutuações do mercado de imóveis. Hipótese esta que nada tem a ver com a alteração excecional que se verificou, e com a depauperação do prédio prometido vender e reparação de danos nos prédios adjacentes.

10. Sendo tudo isto assim, como é, resulta que era direito das AA. resolver o contrato-promessa por alteração anormal das circunstâncias que serviram de base à contratação, sendo ademais certo que a Ré nunca se manifestou sequer no sentido da modificação do contrato (v. n.º 2 do art. 437.º do CC).

11. Como se julga ter demonstrado, a resolução do contrato foi legítima (legal), e daqui que não estamos perante uma resolução infundada (ilegítima).

12. Deve, pois, o presente recurso proceder, sendo de substituir o acórdão recorrido.

Se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, e apenas se admite por mera hipótese académica:

i. Da responsabilidade repartida das partes da aplicação do instituto do art. 570º do CC

13. No caso em análise, é pacífico que as partes celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, não havendo qualquer controvérsia quanto à qualificação jurídica do contrato.

14. Nos termos do art. 432º, nº 1, do CC, é admitida a resolução do contrato, fundada na lei ou em convenção.

15. A resolução contratual constitui um direito potestativo com eficácia extintiva e depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.

16. Constitui orientação dominante na doutrina e na jurisprudência que, no contrato promessa, por regra, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato e a exigência do sinal em dobro, se o incumprimento for do promitente-vendedor, ou a perda do sinal, se o incumprimento for do promitente-comprador.

17. Nos termos do art. 804.º, n.º 2 do CC, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.

18. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 805º, nº 1, do CC).

19. Para que a mora se transforme em incumprimento definitivo é necessária a verificação de algum das hipóteses previstas no art. 808º do CC, às quais, de acordo com a doutrina e jurisprudência consolidadas, acresce a situação da recusa antecipada de cumprimento;

20. No caso dos autos, a 1ª Instância concluiu que o incumprimento do contrato promessa era de imputar a ambas as partes, e numa decisão que a nos parece justa e adequada, determinou a devolução aos AA. do singelo que haviam adiantado, por aplicação do instituto do art. 570º do CC;

21. Da factualidade dada como provada resulta que, o contrato definitivo deveria ser celebrado até 21/02/2020, sendo da responsabilidade das AA. a marcação da data, hora e local da celebração do mesmo, devendo as partes, munirem-se dos documentos necessários para a outorga do mesmo.

22. Também ficou determinado no contrato promessa que cabia à Ré proceder a todas as diligências respeitantes ao exercício do direito legal de preferência à Câmara Municipal do Porto e à Direção Geral do Património Cultural, e obter os documentos melhor discriminados na cláusula 5ª do aludido contrato promessa, procedendo aos pagamentos necessários.

23. Acontece que, à data de 21/02/2020 ainda não tinha terminado o prazo para as comunicações referentes aos direitos de preferência, mormente, da Direção Regional de Cultura do Norte, o que significa que a Ré não efetuou a comunicação com a antecedência necessária, de modo a ter as respostas de ambas as preferentes no dia da celebração da escritura, assim como não tinha os comprovativos de pagamento da arquiteta responsável pelo projeto, o projeto e comprovativo de pagamento de licença de construção e a declaração da arquiteta titular do projeto a ceder os direitos de autor.

24. De todo o modo, as partes chegaram a um consenso quanto ao agendamento de uma segunda data, mormente, a data de 16/03/2020.

25. Não obstante, mercê da situação de pandemia, os Serviços de Finanças deixaram de ter atendimento ao público e não foi possível no dia 16/03/2020, a emissão de guias para pagamento dos impostos, as quais também não podiam ser emitidas “online”, em virtude do imóvel ter mais do que um número de polícia, o que aliás, foi comunicado pela Dra. AA ao Sr. Eng. BB, além de que, os Cartórios Notariais também estavam encerrados, o que impossibilitou a celebração da aludida escritura.

26. Nesse seguimento, a Ré aguardou pelo anúncio do levantamento do estado de emergência, para solicitar às AA. que voltassem providenciar pela marcação da escritura definitiva.

27. Sucede que, neste intervalo de tempo, ou seja, durante o período do estado de emergência, as AA. foram contactadas por duas proprietárias e uma arrendatária de frações autónomas situadas em prédios contíguos ao prédio objeto do contrato promessa, que se queixaram de infiltrações naquelas provenientes deste prédio.

28. Assim, e na sequência da interpelação da Ré em que solicitava o agendamento da marcação da escritura, as AA. solicitaram uma reunião prévia para discutir as referidas infiltrações nos prédios contíguos, reunião essa que se veio a realizar no dia 05/05/2020, com ao Eng. BB, que foi quem encabeçou as negociações de todo o processo de compra e venda, onde propuseram a não conclusão do negócio e a devolução do sinal em singelo, proposta que o seu interlocutor em representação da Ré, se comprometeu a transmitir a esta.

29. Sucede que, a Ré, não deu resposta às AA., e sem que nada o fizesse prever, no dia 11/05/2020, enviou apenas à 1ª A. uma carta, onde invocava o prazo inicialmente fixado de 21/02/2020 para a realização da escritura definitiva, e que conforme o lapso de tempo entretanto decorrido, se encontrava em incumprimento do acordado, limitando-se a fixar um prazo de 15 dias úteis para a marcação da escritura definitiva, decorrido o qual consideraria o incumprimento definitivo do contrato promessa.

30. Ou seja, a Ré, na aludida missiva, ardilosamente e maliciosamente, faz apenas alusão à data de 21/02/2020, como se nesse dia tal escritura não tivesse ocorrido por culpa das AA., e não porque tivesse sido a verdadeira causadora da não celebração da escritura, para além de não fazer referência à marcação da data de 16/03/2020 por acordo de ambas as partes, omitindo que nessa data a escritura não se veio a realizar, por causas externas que nenhuma das partes teve culpa (a pandemia).

31. Nessa sequência, as AA. por carta datada de 27/05/2020, para além de contestarem o incumprimento invocado pela Ré na aludida missiva (que não tinha razão de ser, pois em nada correspondia à verdade), também aludiram ao facto de que as circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar sofreram alterações anormais, tendo em conta a informação que obtiveram respeitante às infiltrações, e que desconheciam, pretendendo a resolução do contrato promessa nos termos do art. 437º, nº1 do Código Civil.

32. Ora, entendeu o Tribunal da 1ª instância, que não se podia desconsiderar a responsabilidade da Ré pela frustração do contrato prometido no dia 21/02/2020 pelos motivos já elencados, e depois também se devia valorizar paralelamente o facto de as AA. terem sido as primeiras a demonstrar a vontade de não concretização do negócio quando descobriram a situação das infiltrações;

33. Sendo certo que, não existiu qualquer situação anterior de incumprimento definitivo do contrato, imputável a qualquer uma das partes, não tendo sequer havido interpelação admonitória nessa sentido, tanto mais que, a interpelação admonitória levada a cabo pela nem sequer cumpre os requisitos legais, pois apenas foi enviada à A., quando é certo que o contrato promessa foi celebrado com ambas as AA..

34. As soluções previstas no artigo 442.º CC não resolvem os casos em que há incumprimento do contrato-promessa imputável a ambas as partes, situação sobre a qual, quer a doutrina, quer a jurisprudência, se têm debruçado, sendo aplicável o art. 570º do CC (Acs. deste STJ, de 12-9-17, 148/14, do relator Júlio Gomes, e de 15-3-12, 9818/09, do relator Gabriel Catarino, os acórdãos do STJ de 13.01.2009, Proc. 08A3649, e da RL de 29.10.2009, Proc. 68882/03.7TVLSB.L1-2, todos consultáveis em www.dgsi.pt);

35. Sendo o contrato-promessa um contrato preparatório, é importante que na sua execução cada parte outorgante paute o seu comportamento de acordo com as regras da boa-fé, como o assinala o nº 2 do art. 762º do CC, o que se mostra especialmente relevante tendo em conta as expetativas mútuas e a necessidade de que nenhuma delas seja surpreendida, a destempo, com exigências ou com justificações que não lhe tenham sido oportunamente assinaladas.

36. Como AA. e Ré não ultrapassaram o sobredito impasse ambos são responsáveis em igual medida pelo insucesso do contrato promessa (art. 570º do CC), celebrado na modalidade de promessa bilateral pois ambas as partes se vincularam à conclusão do contrato prometido.

37. Consequência da referida dupla responsabilidade é a devolução, em singelo, de tudo o que foi prestado, o que no caso corresponde à devolução das quantias pagas pelas AA. à Ré que se presumem terem-no sido a título de sinal (art. 441º do CC). (a este propósito, Sinal e Contrato Promessa, Calvão da Silva, 13ª edição, pág. 154 e ss);

38. Quanto aos juros os mesmos são devidos desde a citação porquanto é desde essa data que o devedor se encontra em mora (arts 806º ex vi art. 804º nº 1 e 805º nº 1 do CC / Fernando Gravato de Morais, Contrato Promessa em Geral … , pág. 225).

39. Por último, e com o devido respeito, não podemos concordar o douto Acórdão recorrido, que entendeu que o Tribunal da 1ª instância ao aplicar o instituto do art. 570º extravasou o objeto do processo;

40. O facto de as AA. peticionarem a resolução do contrato promessa com fundamento no art. 437º, nº1 do CC, não impede que o julgador aplique o regime jurídico correspondente (art. 570º do CC), a partir dos elementos revelados pela factualidade provada, como se veio a verificar.

41. A qualificação jurídica dos factos é externa ao conceito de causa de pedir, não estando, aliás, o tribunal vinculado às qualificações jurídicas realizadas pelas partes (Ver Lebre de Freitas, «Introdução ao Processo Civil», Coimbra Editora, 3ª edição, págs.. 65 e 71-72. Referindo, igualmente, que a doutrina mais recente tende a utilizar o conceito de fatispécie duma determinada norma substantiva, matizada com a ideia de que «o acontecimento da vida narrado pelo autor é susceptível de redução a um núcleo factual essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido» (pág.. 70).)

42. Tal modo de atuação não extravasa o objeto do recurso (artigos 5º e 609º do CPC )

43. A decisão proferida pelo Tribunal “ad quem” deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Ré a entregar às AA. a quantia de 100.00,00€ (cem mil euros) correspondente ao sinal, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor;

44.O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 289º, 410º, 411º, 433º, 434º, 437º, nº1, 441º, 442º, 570º, 762º, nº2, 801º, nº1, 804º, nº1, 805º, nº1, 806º, 808º todos do CC e ainda o disposto nos artigos 5º e 609º do CPC.”

12. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição):

A. As Autoras interpuseram recurso de revista da decisão do acórdão de fls., que julgou procedente o recurso interposto pela Ré e improcedente o recurso subordinado pelas Autoras, revogando a decisão recorrida.

B. Consequentemente revogou a decisão recorrida, decidindo julgar a ação totalmente improcedente e absolver a Ré na totalidade do pedido contra a mesma formulado.

C. Assim é que, no modesto entendimento da Ré este recurso é infundado, devendo a decisão do acórdão suprarreferido ser mantida na sua íntegra.

D. Com a presente demanda, as Autoras, pretendem a devolução do sinal e os respetivos juros de mora, através de disposições legais que não se subsumem ao caso concreto. Por outras palavras, é evidente que a interpretação realizada pelas Autoras quanto aos factos provados e não provados é desvirtuada, não podendo nem devendo dar origem a um diferente enquadramento jurídico dos factos e consequentemente a uma decisão que não seja a já proferida pelos Exmos. Senhores. Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto.

E. Ademais e desde já, a Ré pronuncia-se sobre o alegado “lapso de escrita”, por onde as Autoras se socorrem logo no início do recurso apresentado.

F. Ora, com o devido respeito, não deve este douto Supremo Tribunal colher a tese alegada pelas Autoras, nomeadamente, no que ao suposto “lapso de escrita” se refere.

G. As Autoras começam por referir o seguinte “é certo que, por manifesto lapso, que desde já se penitenciam, as AA. Peticionaram na alínea b) do petitório o dobro do sinal (€ 200.000,00), quando na verdade queriam fazer referência ao sinal em singelo, tanto mais que assim o referiram expressamente na carta enviada à Ré, aquando da resolução, como aliás não podia deixar de ser.”

H. Concluindo ainda que, por via disso, deverá ler-se no pedido “€ 100.000,00” e não “€ 200.000,00”.

I. Pois, as Autoras são muito perentórias ao escrever, “sinal em dobro”, várias vezes ao longo da peça processual, demonstrando claramente que era sim, a esta expressão e este valor que pretendiam ver devolvido com a presente demanda.

J. Além disso, o processo em causa, já mereceu um julgamento, após isso, recurso da decisão da primeira instância, ao qual as Autoras apresentaram um recurso subordinado, por isso, não podem por ora, fazer crer este douto tribunal que ocorreram em manifesto lapso de escrita e só agora se aperceberam de tal.

K. Obviamente, dos atos praticados pelas Autoras não resulta à evidência que o alegado corresponda à verdade.

L. Assim e de acordo com o disposto nos termos do artigo 249.º do código civil “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”.

M. Não obstante e sem mais considerações, observa a Ré que não existe qualquer lapso de escrita na indicação do pedido, porquanto todos os atos são consentâneos com o aludido pedido de devolução de “€ 200.000,00”.

N. Nesta medida, não deverá haver lugar à retificação do lapso de escrita, no que concerne ao valor do pedido, substituindo o “sinal em sobro”, por “sinal em singelo”, bem como “€ 200.000,00”, por “€ 100.000,00”.

IV. Da resolução do contrato com fundamento no artigo 437.º do Código Civil.

O. Vêm as Autoras disparar para resolução do contrato-promessa com fundamento no artigo 437º do Código Civil, considerando que devem receber o “valor do sinal pago bem como os respetivos juros de mora”.

P. Consabidamente, para que se confirme alteração das circunstâncias, de forma a resolver ou modificar o conteúdo do contrato, é necessário a verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 437º do Código Civil.

Q. Assim e contrariamente ao referido nas alegações apresentadas pelas Autoras, o artigo 437º do Código Civil exige a verificação de mais de dois requisitos.

R. Contrariamente ao alegado pelas Autoras, no que respeita à verificação dos requisitos previstos no artigo 437.º do código civil, e conforme já se disse, dúvidas não há que a sua verificação tem que ser cumulativa, vejamos criticamente cada um deles e a sua subsunção ao caso concreto:

S. Desde logo, quanto ao primeiro requisito, é necessário que essa alteração das circunstâncias recaia sobre a base negocial.

T. Ora, analisando o caso em concreto, a base negocial do contrato-promessa era um imóvel em ruína, sem telhado, para reconstrução. Na verdade, é importante referir que, as Autoras, previamente à celebração do contrato-promessa, “deslocaram-se ao imóvel e verificaram que se tratava de um prédio devoluto e sem telhado, para reconstrução, o que as AA. pretendiam levar a cabo através de uma das suas empresas, sendo-lhes explicado que existia já um projecto de arquitectura para reconstrução, o que foi de interesse para as AA.” – conforme foi dado como provado no facto 30) da sentença.

U. Como as ditas infiltrações já existiam à data da celebração do contrato, pelo que se trata de uma situação pré-existente, desta forma, não se pode subsumir o requisito “alteração sobre a base negocial”, uma vez que, é necessário que as alterações sejam subsequentes à celebração do contrato, o que in casu não se verificou - Cfr.– Ponto 24 (in fine) dos factos provados da sentença.

V. Além disso, também o douto Tribunal da Relação se pronunciou acerca do mesmo, no sentido de “acresce que tais infiltrações já existiriam à data da celebração do contrato, atendendo a que o contrato foi celebrado em Novembro de 2019. Pelo que se trata de uma situação pré-existe.”

W. Por isso, considera a Ré, que é manifestamente despropositada a alegação das Autoras sobre a conduta desta, nomeadamente, no que respeita à violação do princípio da boa-fé negocial, por não ter referido tais patologias, aquando da celebração do contrato.

X. Além disso, mesmo que a Ré as conhecesse estas não faziam parte da base negocial. No mesmo sentido, foi proferido na sentença a quo (página 19): “Ademais a situação da existência ou não de infiltrações e da responsabilidade pelos danos daí decorrentesnão esteve presente na base negocial (nada resultou provado nesse sentido) e muito menos sendo comum a AA. e R.”

Y. Tendo em conta o estado de degradação do imóvel e sabendo que este foi construído antes da década de 50, é presumível e previsível que tais problemas pudessem surgir, tanto antes como após a aquisição pelas Autoras.

Z. Além disto, referem ainda e falsamente as Autoras nas alegações que ora apresentam o seguinte “a acontecer tal situação, só podemos entender como sendo problemas estruturais do prédio, de origem da construção do edifício, e nunca pelo facto de a sua construção estar inacabada (sem tecto).”

AA. Ora, crê a Ré que este parágrafo supracitado terá sido ali exposto, por mero lapso, pois atentando em todo o processo, não logra a Ré entender o que pretenderão as Autoras concluir com tamanha disparidade.

BB. Pois, estamos perante um imóvel com mais de 70 anos, em que o seu estado já é de ruína, conforme não olvidam as Autoras, que porque foram conhecer o imóvel antes da celebração do contrato promessa, quer mesmo porque no decorrer das tentativas de agendamento da escritura do contrato definitivo, foi-lhes enviada a declaração de ruína emitida pela Câmara Municipal.

CC. Assim, contrariamente ao alegado pelas Autoras, que os problemas de infiltrações advêm da falta de manutenção e não erro de construção. O facto do imóvel em causa não ter, actualmente, telhado, não significa que este nunca o teve, não tendo, por isso, qualquer nexo tal afirmação.

DD. No seguimento desta linha de pensamento temos o proferido na sentença: “E se de alteração se tratasse não seria anormal, pois que, tratando-se de um imóvel a reconstruir, sem telhado, sempre seria real a possibilidade de ocorrerem problemas de infiltrações e causadores de danos a imóveis vizinhos, podendo até suceder uma tal situação já depois da aquisição pelas AA.” (cfr. Página 19 da sentença)

EE. Decorre ainda da sentença que até a legal representante da 1.ª Autora, confirmou que o edifício era para “reabilitação total”, excepto as fachadas e placa de um dos pisos.

FF. Portanto, resulta claro que as Autoras tinham perfeito conhecimento do estado de ruína do imóvel em causa.

GG. Além disso, era necessário que tal alteração correspondesse a modificação insólita ou inabitual da base negocial.

HH. Ainda que, hipoteticamente, se pudesse considerar que tenha existido uma alteração, essa nunca poderia ser tida como uma alteração “insólita ou inabitual”, tendo em conta o estado do imóvel.

II. A este propósito, veja-se o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 163/09.TTLSB-A. L1-4 de 14-06-2017, “I- A alteração anormal das circunstâncias, na abrangência do artigo 437º n.º 1 do Código Civil, corresponde a uma modificação insólita ou inabitual da base negocial em que as partes tenham fundado a celebração do contrato, sendo que essa base negocial, no domínio da alteração das circunstâncias, assume caráter objetivo e deve respeitar simultaneamente a ambos os contraentes”.

JJ. Cumpre ainda salientar que, conforme resultou provado e tendo as Autoras visitado o imóvel antes da celebração do contrato-promessa, estas deveriam “planificar e antecipar o futuro”, uma vez que não restam dúvidas que o imóvel se encontrava em ruína e a pretensão das Autoras era a sua reconstrução.

KK. Pois, um imóvel em ruína e sem telhado, com uma construção tão antiga (anterior a 1951), é mais que previsível que no estado em que se encontrava aquando da celebração do contrato promessa poderia obviamente causar danos nos prédios contíguos.

LL. Neste sentido, tem sido entendimento da doutrina, (cfr. Exmo. Senhor Professor Doutor Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7.ª edição, pág. 282, “trata-se de uma base negocial fundamentalmente objetiva, isto é, que as circunstâncias que foram alteradas se revelem fundamentais para a celebração do contrato”).

MM. Neste sentido, também fica desde já afastado o requisito que respeita ao “carácter anormal dessa alteração”, ou seja, a imprevisibilidade, conforme já se referiu supra e por isso, escusamo-nos de voltar a pronunciar sobre tal.

NN. No que respeita à verificação do terceiro requisito, isto é, de que a alteração das circunstâncias provoque uma lesão para uma das partes, cumpre esclarecer que, conforme ficou provado no facto 24)da sentença, as Autoras foram contactadas por duas proprietárias e uma arrendatária de fracções autónomas situadas em prédios contíguos ao prédio queixando-se de infiltrações naquelas provenientes deste prédio em causa.

OO. Contundo, também ficou provado, a contrario, na alínea h) dos factos não provados da sentença que, as Autoras “iriam ter gastos avultados para fazer face aos danos provocados pelo imóvel em questão”.

PP. Na verdade, atendendo ao facto 31) dos factos provados na sentença, “Na sequência de pedido da R., foram efectuadas no imóvel aludido no ponto 4 as obras descritas na comunicação que constitui o Doc. 10 da contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais foram orçamentadas em € 1.250,00”.

QQ. Daqui decorre que as obras foram realizadas pela Ré e, mesmo que a Ré não as tivesse efectuado, não constitui uma “lesão demasiado onerosa” nem “grandes riscos pessoais ou excessivos sacríficos”, nem se concebe tal facto, uma vez que se trata de um imóvel com o valor de aquisição de mais de € 1.000.000,00 (um milhão) e a obra de reparação correspondeu à módica quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

RR. Quanto ao pressuposto “que essa lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa-fé e exigência do cumprimento das obrigações assumidas”.

SS. Também a doutrina se pronunciou sobre este pressuposto, Exmos. Senhores Professores Doutores Pinto Monteiro e Mota Pinto, referem que o princípio da boa-fé é um princípio particularmente relevante nas relações civis.

TT. Atendendo a todos os factos dados como provados e não provados (na sentença a quo), é incompreensível e completamente descabida a alegação por parte das Autoras, da violação do princípio da boa-fé por parte da Ré.

UU. Como já foi referido, não foi provado de que a Ré tivesse conhecimento da existência das patologias nos prédios contíguos e que as tivesse ocultado às Autoras e ainda que a Ré tivesse conhecimento das mesmas há vários anos.

VV. Além disso, se de facto a Ré estivesse de má-fé, esta não teria realizado as obras de forma a evitar a ocorrência de danos nos prédios contíguos, conforme foi provado no facto 31) dos factos provados mencionados na sentença.

WW. Na verdade, a atitude das Autoras revelam a má-fé com o intuito de prejudicar a Ré. Isto porque, por um lado, ao alegarem que no dia 21-02-2020 a “Ré não tinha entregue às AA. os comprovativos de pagamento da arquitecta responsável pelo projecto, o projecto e comprovativo de pagamento de licença de construção e a declaração da arquitecta titular do projecto a ceder os direitos de autos” documentos esses que, não obstante essa exigência não resultar do contrato celebrado, estes sempre foram cedidos pela Ré.

XX. E por outro, pretenderam resolver o contrato-promessa ao abrigo do disposto no artigo 437.º do Código Civil, requerendo a devolução do sinal em dobro ao abrigo do disposto no artigo 442º do Código Civil que, como é de conhecimento geral, esta resolução confere apenas o direito de ser restituída pelo valor do sinal em singelo, regime esse previsto nos artigos 439.º, 433.º, 434.º e 289.º do Código Civil, tentando assim obter um enriquecimento ilegítimo.

YY. É também necessário que a alteração “não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato”.

ZZ. Ora, as Autoras vêm alegar que “Embora a decisão de contratar envolvesse para as AA. uma assunção de riscos, nomeadamente em termos de equilíbrio das prestações, esses riscos eram unicamente aqueles que se relacionavam com as normais e sempre previsíveis flutuações do mercado de imóveis. Hipótese esta que nada tem a ver com a alteração excecional que se verificou, e com a depauperação do prédio prometido vender e reparação de danos nos prédios adjacentes.”

AAA. Ora, tendo em conta que, como já foi suprarreferido, as Autoras sabiam do estado de ruína do imóvel e que se trataria de um prédio para reconstruir, tanto é “que as Autoras solicitaram o projecto de arquitectura para poder levar a cabo a obra de reconstrução”.

BBB. As Autoras ao alegarem que “esses riscos eram unicamente aqueles que se relacionavam com as normais e sempre previsíveis flutuações do mercado do imóvel” pretendem obviamente deturpar a realidade dos factos.

CCC. É certo que esses são os ditos riscos “normais” e “previsíveis flutuações do mercado do imóvel” nos casos de imóveis já construídos e conservados, que, não é o caso dos autos.

DDD. Ora, com esta afirmação supra referida, as Autoras parecem olvidar do imóvel em causa, um imóvel a reconstruir e sem telhado.

EEE. Também a jurisprudência se pronuncia neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 648/2007-1, de 03-07-2007 “…que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado.”

FFF. Por último, importa referir um último pressuposto exige a inexistência de mora do lesado, em consonância com o disposto no artigo 438º do Código Civil, onde se estatui que “a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou”.

GGG. “Compreende-se esta exigência, porquanto este instituto se funda numa alteração das circunstâncias entre o momento do contrato e aquele em que devem ser cumpridas as obrigações correspondentes. Assim, a tutela de quaisquer factos posteriores à mora não deve aproveitar a quem se coloca nessa situação”- Cfr. Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 22302/20.0T8PRT.P1 de 14-03-2023.

HHH. Ora, embora no contrato-promessa estivesse estipulado que até ao dia 21 de Fevereiro de 2020 seria celebrado o contrato definitivo de compra e venda, cabendo às Autoras a responsabilidade de marcação da data, hora e local da celebração do mesmo, devendo todas as contraentes comparecer munidas de todos os documentos necessários para o efeito, é certo que este não foi realizado.

III. Porém, ainda que a Ré não tivesse entregue às Autoras os documentos anteriormente referidos, as Autoras não tinham procedido à marcação da escritura de compra e venda.

JJJ. Posteriormente, foi a Ré que teve a iniciativa de contactar as Autoras e insistir para o agendamento de uma nova data e a partir deste momento, estas últimas, socorreram-se de várias desculpas, de forma a protelar o agendamento da escritura que se impunha e que se seria da sua responsabilidade.

KKK. Em jeito de conclusão, após analisar criticamente as alegações das Autoras e tendo em conta todos os factos, nomeadamente, o teor da Sentença e do Acórdão, já proferidos no presente processo, no modesto entendimento da Ré, em momento algum, estes se subsumem aos requisitos previstos no preceito do artigo 437º do Código do Civil.

LLL. Ainda que, hipoteticamente, pudesse subsumir algum, não podemos olvidar que que é necessário a verificação cumulativa de todos requisitos.

MMM. Desta forma, não tem qualquer fundamento legal a pretensão das Autoras, conforme alegam.

NNN. Destarte, tanto as alegações como todos os factos provados, demonstram a perda de interesse das Autoras, querendo exonerarem-se deste contrato, sem que perdessem a quantia entregue à Ré, a título de sinal.

I. Da responsabilidade repartida das partes - da aplicação do instituto do artigo 570.º do Código Civil.

OOO. Além do descabido pedido das Autoras, já referido, vêm as Autoras em jeito desesperado e incoerente requerer que seja julgada e verificada a responsabilidade repartida das partes no incumprimento do contrato promessa.

PPP. Ora, no modesto entendimento da Ré, demonstra incoerência e uma atitude aflita, por parte das Autoras para reaver a quantia entregue.

QQQ. Por um lado, as Autoras alegam que ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias por culpa da Ré e, por outro lado, na eventual impossibilidade de ser aplicado o artigo 437.º do Código Civil, requerem a responsabilidade repartidas das partes, assumindo, assim, culpa no incumprimento do contrato definitivo.

RRR. Assim e estando previsto na cláusula oitava do contrato promessa celebrado entre as Autoras e a Ré que “1. em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável às segundas contraentes, a primeira contraente poderá fazer suas todas as quantias recebidas até à data. 2. contraente, as segundas contraentes poderão exigir a restituição em dobro da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento.” SSS. Assim, só poderiam as partes recorrer ao instituto previsto no artigo 442.º n.º 2 do Código Civil, no caso de não estar estipulado no contrato celebrado a forma e consequência da resolução em caso de incumprimento de alguma das partes.

TTT. Neste sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito processon.º211/21.5T8GMR.G1.S1de28-03-2023, “cláusula 7.ª do contrato o dever de o promitente-vendedor, que deu causa ao exercício do direito potestativo extintivo de resolução do contrato pelos promitentes-compradores, restituir o sinal em dobro, não pode ser decidida a restituição do sinal singelo.”

UUU. Não obstante o referido, para haver lugar à resolução exige-se que exista uma impossibilidade culposa de cumprimento da obrigação (artigo 801.º n.º 1 do Código Civil) “ou que exista uma situação de mora no cumprimento e que esta se converta em incumprimento definitivo.”

VVV. Por outro lado, acrescenta-se o seguinte “de acordo com o artigo 808.º n.º 1 do CC, a mora converte-se em incumprimento definitivo em duas situações: se a prestação não for realizada dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (interpelação admonitória); se o credor perder o interesse que tinha na prestação”.

WWW. Ressalva-se para o facto de que, o Tribunal supra-referido no mesmo acórdão, refere: “III – Quem resolve infundadamente um contrato-promessa revela uma vontade séria, definitiva e consciente de não o querer cumprir e de se sujeitar às consequências desse incumprimento, pelo que a declaração resolutiva sem fundamento constitui o seu autor numa situação de incumprimento definitivo, tornando dispensável ao outro contraente a fixação de prazo admonitório.”.

XXX. É certo que ficou estipulado no contrato-promessa que a escritura pública tinha de ser realizada até ao dia 21/02/2020. No entanto, não se pode referir que esta não tenha sido realizada por culpa da Ré, uma vez que, embora esta não tenha entregue todos os documentos necessários às Autoras, estas além de não terem procedido à marcação do local e data dessa escritura, também não tinham emitido as guias para o pagamento dos impostos, que segundo o disposto na cláusula n.º 5 do contrato-promessa, estariam obrigadas.

YYY. Tendo as partes logrado obter um consenso, é incompreensível que as Autoras aleguem esta não se tenha realizado por culpa da Ré, estando, por isso, esta em incumprimento.

ZZZ. Ademais, é importante referir que a Ré após esse dia (21/02/2020) insistiu, por várias vezes, a marcação de uma nova data para a escritura-pública, contudo, as Autoras solicitaram todos os documentos possíveis, que como foi suprarreferido não eram obrigatórios para a realização da escritura pública nem tinham interesse, desde logo, porque nem resultavam do acordado no contrato-promessa, como por exemplo, a declaração de quitação dos honorários pagos à arquiteta CC, de forma a obstar a marcação da escritura.

AAAA. O que só por si, demonstra claramente a perda de interesse na celebração do contrato definitivo que, conforme já foi referido, eram as Autoras que já estavam em mora.

BBBB. As Autoras descartam a responsabilidade para a não celebração da aludida escritura, alegando que, “os Serviços de Finanças deixaram de ter atendimento ao público e não foi possível no dia 16/03/2020, a emissão de guias para pagamento dos impostos, as quais também não podiam ser emitidas “online”, em virtude do imóvel ter mais do que um número de polícia, o que aliás, foi comunicado pela Dra. AA ao Sr. Eng. BB, além de que, os Cartórios Notariais também estavam encerrados”. É certo que por força da situação pandémica estes serviços estavam encerrados, contudo, não podemos nem devemos olvidar que, se realmente as Autoras quisessem prosseguir com o negócio, estas já teriam procedido à emissão das guias antes do encerramento total do país, porquanto já toda a gente sabia através da comunicação social que todos os serviços iriam encerrar.

CCCC. Por outro lado, importa esclarecer que as Autoras, a 5 de maio de 2020 solicitaram uma reunião com a Ré, sendo que nessa reunião esta última foi representada pelo Engenheiro BB.

DDDD. Note-se que, mais uma vez, as Autoras pretendem deturpar a realidade dos factos. Contrariamente ao afirmado nas suas alegações, estas não “propuseram da disponibilidade, face a todas as circunstâncias, da não conclusão do negócio”, mas sim, referiram que: “devido à relatada situação das infiltrações já não pretendiam concluir o negócio e propunham a devolução do sinal em singelo”- aludido nos factos provado ponto 27 na sentença.

EEEE. Tal facto ficou mais que assente e esclarecido no acórdão proferido, onde foi entendido pelos Exmos. Juízes Desembargadores que as Autoras declararam à Ré que não pretendiam cumprir com o contrato.

FFFF. Em conclusão, sempre se dirá que as Autoras ao invocarem — e continuarem a fazê-lo nas alegações — argumentos que, como já foi provado anteriormente não têm qualquer fundamento e nem se subsumem ao instituto jurídico da alteração anormal das circunstâncias previsto no artigo 437.º do Código Civil, demonstram que não pretenderam cumprir com o contrato-promessa bem como, o desinteresse na prossecução do mesmo, estando estas sim, em incumprimento.

GGGG. Se assim não fosse, as Autoras tentariam uma outra abordagem de forma a chegar a “bom porto” com a Ré e não declarar a não resolução do contrato. Isto porque, como foi supramencionada, as ditas infiltrações eram previsíveis, existentes à data da celebração do contrato-promessa, sendo que as Autoras não teriam uma perda demasiado onerosa e eram cobertas pelos riscos do próprio contrato.

HHHH. Ademais, não se pode alegar incumprimento por parte da Ré, uma vez que esta sempre tentou o seu cumprimento, como fornecer dados e documentos que não eram exigidos por força do estipulado no contrato-promessa, a Ré efetuou as obras no imóvel, as quais foram orçamentadas em € 1.250,00, e se essas infiltrações tivessem sido, de facto, fulcrais para a celebração do negócio, o custo da reparação que eventualmente as Autoras pudessem vir a ter seria assumido pela Ré, até que as mesmas iniciassem as obras de reconstrução.

IIII. Salienta-se, mais uma vez, a tentativa da Ré em cumprir com o contrato-promessa quando enviou a carta presente no facto 28) dos factos provados da aludida sentença, melhor dizendo, uma interpelação admonitória com a fixação de um prazo perentório para o cumprimento, dando às Autoras uma segunda oportunidade para o cumprimento. JJJJ. Ademais, a interpelação realizada cumpre com todos os requisitos formais exigíveis. Esta intima para o cumprimento, estabelece um prazo de (15 dias úteis) para o cumprimento com a consequente e lógica cominação de que se tem por definitivamente incumprido caso a escritura não se realize naquele prazo.

KKKK. Posto isto, na humilde opinião da Ré, não existem dúvidas que o incumprimento do contrato-promessa ocorreu unicamente por parte das Autoras.

Objecto do recurso.

LLLL. Ora no acórdão entendeu-se, e bem, que o tribunal a quo extravasou o objecto processual ao aplicar o artigo 570.º do Código Civil.

MMMM. Neste sentido, nos termos do artigo 607.º nº. 3 do Código do Processo Civil, cumpre ao juiz indicar as normas jurídicas aplicáveis, interpretá-las e aplicá-las ao caso concreto. Pelo que, conjugado com o artigo 5.º n.º 2 do Código do Processo Civil, ponderando o objecto do litígio e os temas de prova e nesse âmbito deve atender não só aos factos essenciais, mas ainda aos factos instrumentais e complementares.

NNNN. Consabidamente, no âmbito do enquadramento jurídico da lide vigora o princípio da liberdade de julgamento quanto às regras de direito (artigo 5.º n.º 3 do Código do Processo Civil).

OOOO. Ademais, mais uma vez, denota-se a interpretação desvirtuada das Autoras nos Acórdãos mencionados supra. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo n.º 381/18.0T8ABT.E1.S1 de 15-9-2022 refere “Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa (…)”.

PPPP. Tal como é transcrito pelas Autoras nas alegações, no entanto, colocam a negrito a parte que lhe aproveita, esquecendo, contudo, a parte final, desse mesmo entendimento, isto é “o limite da condenação prescrito no artigo 609º n.º 1 do Código de processo civil”.

QQQQ. Desta forma, a apreciação do juiz está limitada à petição inicial, ao objeto e à causa de pedir.

RRRR. Na petição inicial, as Autoras efetuaram o seguinte pedido: “a) Ser considerado resolvido o contrato promessa, nos termos do n.º 1 do 437.º do Código Civil, por culpa da Ré; b) Condenar a Ré a pagar às Autoras a quantia de € 200.000,00, a título de valor do sinal em dobro, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; c) condenar a Ré nas custas e no mais que for de Lei.”

SSSS. Ora, em momento algum as Autoras requereram que, na possibilidade de se julgar improcedente o pedido, subsidiariamente, a responsabilidade para ambas as partes ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil.

TTTT. Na verdade, as Autoras pretendiam a resolução do contrato ao abrigo do artigo 437.º do Código Civil e receber o sinal em dobro, acrescidas das taxas de juro.

UUUU. Desta forma, no modesto entendimento da Ré, o tribunal a quo apenas se deveria ter pronunciado sobre a existência ou não da alteração anormal das circunstâncias previsto no artigo 437.º do Código Civil podendo, por isso, resolver o contrato-promessa, esclarecendo, assim as Autoras, por desconhecimento do regime jurídico, a impossibilidade de receber o dobro do sinal e julgar improcedente a ação.

VVVV. Nesta medida, a decisão recorrida não fez qualquer desadequada aplicação do direito, não violando quaisquer normas jurídicas, pelo que o presente recurso interposto pelas Autoras deverá ser julgado totalmente improcedente e consequentemente V. Exas. deverão confirmar a decisão já proferida pelo Tribunal da Relação.”

13. O recurso foi admitido no TRP com a prolação do seguinte despacho:

“Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admite-se o recurso de revista interposto, o qual sobe nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (vide artigos 629º, 631º, 671º, 675º e 676º do CPC.). Notifique.

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.”

II. Fundamentação

De facto

14. As instâncias julgaram provada a seguinte factualidade:

“1) A 1ª A. dedica-se à prestação de serviços de consultoria e de assessoria de gestão, administrativa, financeira e fiscal a empresas e particulares, à promoção e divulgação de produtos bancários, excluindo apenas o exercício das atividades exclusivas das instituições de crédito, sociedades financeiras ou seguradoras, à compra, venda e revenda de prédios, e à gestão de imóveis próprios;

2) A 2ª A. dedica-se à compra, venda e revenda de bens imobiliários, construção de edifícios, gestão de imóveis próprios, à comercialização a retalho de bricolage e equipamentos sanitários, e à indústria hoteleira e de restauração;

3) A R. dedica-se à compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, e à indústria de construção civil, loteamento, planeamento, projeto, arrendamento e administração de propriedades;

4) No âmbito da sua atividade, a R., como promitente-vendedora, celebrou com as AA., como promitentes-compradoras, o contrato-promessa de compra e venda, datado de 21 de novembro de 2019, cuja cópia foi junta com a petição inicial e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, por intermédio do qual aquela prometeu vender, livre de ónus, encargos e responsabilidades de qualquer natureza. às AA., ou a quem estas vierem a indicar até à data de realização do contrato definitivo de compra e venda, que prometeram comprar, o prédio urbano sito na Rua ... nº 11, freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1450/...e inscrito na matriz predial sob o artigo 4.356, pelo preço de € 1.050.000,00;

5) O preço seria a pagar da seguinte forma:

a) com a assinatura do contrato-promessa, e a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 100.000,00, através de dois cheques, no montante de € 50.000,00 cada um;

b) O remanescente do preço, no montante de € 950.000,00, a pagar na data de realização do contrato definitivo de compra e venda, a celebrar até ao dia 21 de fevereiro de 2020;

6) De acordo com a cláusula 3ª do contrato-promessa era da responsabilidade das AA. a marcação da data, hora e local da celebração do contrato definitivo de compra e venda, elementos a dar conhecimento à R. com uma antecedência de 15 dias, comprometendo-se todas as contraentes a comparecer, ou a fazerem-se representar, à outorga do contrato definitivo de compra e venda munidas de todos os documentos necessários para o efeito;

7) Nos termos da cláusula 4ª:

“1. Constitui condição resolutiva do presente Contrato-Promessa o exercício do direito de preferência reconhecido legalmente às entidades públicas e privadas, designadamente, à Câmara Municipal do Porto e à Direção Geral do Património Cultural.

2. A PRIMEIRA CONTRAENTE obriga-se a tomar todas as diligências que se venham a revelar necessárias ao exercício do direito de preferência a quem este é reconhecido, nomeadamente a proceder a todas as comunicações e a prestar todas as informações solicitadas no âmbito deste procedimento.

3. Verificando-se o exercício do direito de preferência mencionado no número 1, o presente Contrato considerar-se-á automaticamente resolvido, perdendo todos os seus efeitos, devendo a PRIMEIRA CONTRAENTE restituir às SEGUNDAS CONTRAENTES todos os montantes pagos a título de sinal e princípio de pagamento, designadamente o montante pago na presente data e mencionados na Cláusula Segunda, em singelo, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data em que esta tenha conhecimento de tal facto.”;

8) E de acordo com a cláusula 5ª, “todas as despesas inerentes à compra e venda prometida, objeto deste contrato, nomeadamente registos provisórios ou definitivos, escritura, imposto de selo, IMT (se a este houver lugar) e demais despesas emolumentares são da responsabilidade das SEGUNDAS CONTRAENTES, sendo da responsabilidade da PRIMEIRA CONTRAENTE a obtenção e pagamento de todas as despesas respeitantes aos documentos necessários à celebração da escritura definitiva de compra e venda, nomeadamente, certidão predial on-line, caderneta predial, licença de utilização, certificado de eficiência energética, entre outros que se tornem necessários e obrigatórios para a celebração da mesma.”;

9) Em conformidade com a cláusula 8ª, em caso de incumprimento do contrato por causa imputável às AA., a R. poderia fazer suas todas as quantias recebidas; e em caso de incumprimento do contrato por causa imputável à R., as AA. poderiam exigir a restituição em dobro da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, podendo o contraente não faltoso optar entre o condicionalismo do art. 442º e a execução específica prevista no art. 830º, ambos do Código Civil, conforme disposto na cláusula 9ª;

10) Na cláusula 10ª, nº 1, AA. e R. declararam considerar que “todas as cláusulas acordadas e que este contrato consagra, são essenciais na vontade de contratar das partes, pelo que o incumprimento de qualquer delas implica o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais respetivas”;

11) À data de 21/02/2020 ainda não tinha terminado o prazo para as comunicações referentes aos direitos de preferência por parte da Câmara Municipal do Porto e a R. não tinha entregue às AA. os comprovativos de pagamento da arquiteta responsável pelo projeto, o projeto e comprovativo de pagamento da licença de construção e a declaração da arquiteta titular do projeto a ceder os direitos de autor;

12) No dia 21/02/2020, o Eng. BB, funcionário de uma empresa pertencente ao mesmo grupo da R., por correio eletrónico dirigido à Dra. AA, representante legal da 1ª A., comunicou o seguinte:

“Boa tarde Dra. AA.

A CMP não exerceu opção de compra sobre o imóvel, estando apenas em falta a Direção Regional de Cultura do Norte que se deve pronunciar durante o dia de hoje, o mais tardar até Segunda-feira. Feito isto e após validação do não interesse da DRCN podemos agendar a marcação da escritura, pelo que proponho e se concordar que o mesmo possa ocorrer durante a primeira semana de março preferencialmente nos dias 4, 5 ou 6 de março.

Grato pela atenção,

Cumprimentos…

PS: Aproveito para anexar a Declaração de Ruína referente ao Certificado Energético”;

13) Como não obteve resposta, no dia 26/02/2020, às 10h41, enviou nova comunicação com o seguinte teor:

“Bom dia Sra. Dra.

Viu o meu email? Já tem data e local para a escritura?

Cumprimentos”;

14) Pelas 17h51 desse mesmo dia obteve resposta:

“Boa tarde Eng. BB Estive de mini férias, apenas regressei esta tarde.

Vou falar com o meu sócio e com a notária e amanhã já lhe dou uma resposta quanto às datas”;

15) No dia 28/02/2020 o Eng. BB enviou mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Combinado.

Entretanto anexo screenshot da Casa Pronta em que a CMP declara não ter interesse no direito de opção de compra.

Os 10 dias úteis já passaram pelo que a ausência de resposta por parte da Direção Regional de Cultura do Norte em nada influencia a decisão final.

Cumprimentos”;

16). No dia 04/03/2020, pelas 16h52, a Dra. AA enviou comunicação de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Bom dia Engenheiro.

Fiz uma pré-marcação da escritura para dia 16/03, às 16h no Cartório da Dra. DD em ...

Agradeço que me informe se posso confirmar a marcação.

Em caso afirmativo solicito que me envie os elementos da empresa vendedora, bem como quem a irá representar na escritura.

Caso seja representada apenas por um dos gerentes agradeço o envio de copia da ata, para que a Notaria valide toda a documentação.

Com os melhores cumprimentos”;

17) Nesse mesmo dia às 17h17, o Eng. BB respondeu:

“Bom dia Sra. Dra.

Por nós pode ser dia 16 março. Eu tenho uma procuração em meu nome e serei eu o representante da empresa.

Vou tratar de reunir a informação que solicita e o mais tardar amanhã já lhe envio por email.

Grato pela atenção,

Cumprimentos”;

18) No dia 10/03/2020, às 19h39, o Eng. BB enviou comunicação de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Boa tarde Sra. Dra.

As minhas desculpas pelo atraso na resposta ao seu email. Mas acabo por ter outras tarefas na Clínica que me ocupam bastante tempo.

Quanto à sua questão do agendamento da escritura para dia 16 de março, informo que por nós esta data está mais do que confirmada.

Como é do seu conhecimento o prazo estipulado no CPCV já subscreveu há bastante tempo, pelo que queremos resolver este assunto o quanto antes, pelo que temos vindo a chamar atenção para os prazos e a necessidade de agendar a escritura.

Quanto aos elementos necessários os mesmos já tinham sido enviados anteriormente na altura do CPCV porém volto anexar:

• Cópia cartão cidadão Prof. Dr. EE

• Caderneta Predial do imóvel

• Certificado energético do imóvel

• Certidão Permanente do imóvel

• Direito opção de compra por parte da CMP

• Certidão da empresa vendedora (Imobiliária FFJCA)

Sobre o assunto que menciona referente à arquiteta informo que já solicitamos a declaração de quitação dos honorários e o mesmo será enviado por email.

Já sobre a questão referente aos elementos em Autocad e após consulta à nossa Advogada e com outros Arquitetos com quem trabalhos os mesmos consideram que se trata de trabalho desenvolvido e que são considerados propriedade intelectual do gabinete de arquitetura, não havendo obrigatoriedade por parte dos mesmos em facultar esses elementos. Relembro que no CPCV os Srs. ficaram de falar com os Arquitetos com quem costumam trabalhar no sentido de mediarem a transição do projeto entre ateliers. Segundo a nossa advogada e após análise do contrato de prestação de serviços, o projeto de arquitetura pode e deve ser facultado em formato de papel e em formato digital bastando para isso o envio em formato PDF, formato esse que foi a forma no qual nós recebemos e partilhamos com os futuros compradores.

Aproveito para anexar para conhecimento cópia do contrato de prestação de serviços com a Arquiteta CC.

Relembro que também nós quando adquirimos o imóvel o mesmo já estava com parte do projeto de arquitetura aprovado e apenas demos continuidade ao trabalho que já vinha sendo executado.

Pelo que caso haja interesse do novo atelier em aproveitar parte dos desenhos em Autocad terão de chegar acordo com a Arquiteta ou em último caso de fazerem eles novos desenhos.

Grato pela atenção.

Cumprimentos e até dia 16 março.”;

19) No dia 13/03/2020, às 15h56, o Eng. BB enviou uma comunicação de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Bom dia Sra. Dra.

O RCBE já foi solicitado e o mesmo será entregue no ato da escritura.

Também já tenho os originais da procuração autenticados pela nossa advogada.

Os projetos de Arquitetura e Especialidades embora já tenham sido enviados em dezembro de 2019 voltaremos a enviar nova cópia que foi solicitada à Arquiteta.

Informo ainda que foi solicitado um recibo de quitação dos serviços prestados pelo atelier.

Quanto ao valor pago pelo pedido de emissão de Alvará o mesmo não necessita de ser pago.

Em junho de 2019 solicitamos a emissão desse documento com a inclusão natural de todos os elementos necessários porque não tínhamos previsto a venda do imóvel:

- Projeto de arquitetura

- Seguros e termos de responsabilidade da empresa construtora

- PSS (Plano de Segurança e Saúde)

- E termos de responsabilidade dos Eng.s que fiscalizariam a obra.

Neste momento a emissão do alvará ainda não foi emitida pela CMP tendo esta entidade em dezembro solicitado comprovativo de inscrição na Ordem dos Engenheiros Técnicos o fiscal por nós escolhido. Esses elementos deram entrada no prazo previsto.

Com a venda do imóvel é necessário a passagem destes elementos para o novo proprietário junto da CMP.

Deveremos nos dirigir à loja do munícipe, acompanhar da certidão predial do imóvel já com o sujeito ativo no vosso nome.

Posteriormente terão de arranjar os termos de responsabilidade da vossa empresa construtora.

Fico aguardar indicação da hora e local da escritura.

Cumprimentos”;

20) No dia 15/03/2020 o Eng. BB enviou comunicação de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Bom dia.

Conforme combinado anexo o comprovativo de pagamento dos serviços ao atelier, bem como o link para download do projeto completo de arquitetura, caderno de encargos e especialidades.

Cumprimentos e até amanhã.”;

21) No dia 16/03/2020 o Eng. BB enviou comunicação de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Bom dia Sra. Dra.

Deve haver aqui algum [inquivoco].

O imóvel foi vendido com o projeto de arquitetura aprovado bem como as especialidades, nunca com as condicionantes que têm vindo a exigir ao longo destes dias, mas que temos vindo a cumprir.

Em anexo envio os documentos comprovativos do pedido de emissão de alvará que já tinha encaminhado antes para o mediador do negócio e que o mesmo deve ter feito chegar.

Como será do vosso conhecimento a emissão de alvará de construção (a dita licença de construção) é emitida à empresa construtora e nunca ao proprietário.

Isto significa que quem fica com o alvará de construção deste imóvel é a empresa I..., Lda, que era quem prevíamos fazer a obra e a qual [submeteu] todos os documentos necessários conforme descritos nos emails anteriores... ora com a compra do imóvel, e sendo os novos proprietários construtores deverão ter o interesse em serem vocês a construir ou reconstruir o edifício pelo que o alvará poderá ser adquirido por vocês à I..., Lda, ou então terão de solicitar junto das entidades competentes a emissão de um novo.

Ainda sobre este assunto ... o alvará em questão ainda não deve estar concluído por parte da CMP, pelo que será oportuno após a venda que se comunique à CMP alteração de [proprietários] e a inclusão de novos documentos, tais como termos de responsabilidade da empresa que pretendem que construa o imóvel.

Posto isto e com tantas exigências da vossa parte para que o negócio se conclua gostaria de aproveitar o momento para questionar com que direito ou com autorização de quem, foi colocada a seguinte placa de comercialização do imóvel, sendo que o mesmo ainda nos pertence.

Infelizmente Sra. Dra. acho que estamos a começar mal este negócio.”;

22) Devido à situação de pandemia entretanto declarada, os serviços de Finanças deixaram de ter atendimento ao público e não foi possível, no dia 16/03/2020, a emissão das guias para pagamento dos impostos, as quais não poderiam ser emitidas “online”, em virtude de o imóvel ter mais do que um número de polícia, o que a Dra. AA comunicou ao Eng. BB;

23) Igualmente devido à situação de pandemia, os Cartórios Notariais encerraram;

24) As AA. foram contactadas por duas proprietárias e uma arrendatária de frações autónomas situadas em prédios contíguos ao prédio aludido no ponto 4, queixando-se de infiltrações naquelas provenientes deste prédio, nomeadamente em dias de mais chuva, o que sucedia há mais de um ano;

25) No dia 27/04/2020, o Eng. BB enviou uma comunicação de correio eletrónico, com o seguinte teor:

“Boa tarde a todos.

Antes demais espero que todos se encontrem bem.

Informo que com o levantar do estado de emergência previsto para o próximo dia 2 de maio a escritura referente ao imóvel de ... deverá ser realizada nos próximos 7 dias úteis, pelo que peço o favor de irem tomando as devidas diligências junto do notário onde pretendem que a mesma se realize.

Caso necessitem de colaboração da [notário] com quem trabalhamos nos ..., ... é só informar visto que a mesma por norma desloca-se às nossas instalações para a realização de iniciativas deste género.

Sem mais de momento”;

26) Findo o confinamento, e tendo em conta a interpelação aludida no ponto anterior, as AA. solicitaram uma reunião prévia para discutir as referidas infiltrações nos prédios contíguos, que se realizou no dia 5 de maio de 2020, com o Eng. BB, que foi quem encabeçou as negociações de todo o processo de compra e venda;

27) O Eng. BB comprometeu-se a transmitir à Ré o teor da reunião e a posição das AA. de que devido à relatada situação das infiltrações já não pretendiam concluir o negócio e propunham a devolução do sinal em singelo;

28) A R. nada respondeu a esta proposta e, com data de 11/05/2020, enviou a carta cuja cópia foi junta como Doc. 8 da petição inicial, dirigida à 1ª A., com o seguinte teor:

“Exmos. Senhores,

Pelo presente, remetemo-nos ao supra mencionado assunto.

Atendendo ao disposto no nº 3 da cláusula segunda do contrato promessa de compra e venda celebrado a 21 de novembro de 2019, a assinatura do contrato definitivo de compra e venda do imóvel deveria ter ocorrido até 21 de fevereiro do corrente ano.

Nesta medida e conforme o lapso de tempo entretanto decorrido, encontram-se V. Exas. Em incumprimento do acordado.

Assim e por forma a evitar qualquer litígio, o (M/constituinte) / concede/concedemos um prazo de 15 dias úteis a contar da receção da presente missiva para que V. Exas. cumpram o disposto na cláusula supra referida.

Decorrido este lapso de tempo sem que o contrato de compra e venda ou escritura ocorra, consideraremos o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte de V. Exas..

Sem mais de momento.

Com os melhores cumprimentos,”;

29) Em resposta, as AA. enviaram, com data de 27/05/2020, a carta cuja cópia foi junta como Doc. 9 da petição inicial, dirigida à R., com o seguinte teor:

“Exmos. Senhores:

Os meus melhores cumprimentos.

Foi com muito espanto que rececionamos a vossa missiva datada de 11/05/2020, uma vez que devem desconhecer os factos relativos a todo o processo que envolve este negócio.

Em primeiro lugar, a escritura de compra e venda não foi marcada até ao dia 21 de fevereiro de 2020, uma vez que V. Exas não tinham a documentação necessária para a mesma, tais como:

- os direitos de preferência (que só pediram em 13/02 e como sabem demoram no mínimo 10 dias uteis até que se possa considerar que a Câmara, e outros eventuais departamentos, não irá exercer o direito de preferência);

- os comprovativos de pagamento da arquiteta responsável pelo projeto, bem como o projeto e o comprovativo de pagamento da licença de construção, uma vez que o negocio pressupunha a venda de prédio com projeto aprovado e pronto a fazer a obra;

- declaração da arquiteta titular do projeto a ceder os direitos de autor.

Em segundo lugar, a escritura foi agendada para o dia 16/03, às 16h e não foi realizada em virtude da pandemia COVID.

Em terceiro lugar, reunimos em 5 de Maio corrente com o Engenheiro BB, para lhe transmitir que fomos contactados por três proprietários de prédios contíguos que, pensando que já eramos donos do prédio em causa, vieram reclamar as infiltrações de grande monta nas suas frações provenientes do prédio prometido vender, sendo que numa chove como na rua, noutra já substituíram o chão duas vezes e numa outra não podem habitar devido à agua que têm a cair, exigindo os mesmos que fossem corrigidos aqueles defeitos que são de responsabilidade dos proprietários do prédio prometido vender.

Transmiti ainda ao Eng. BB que fomos informados que V. Exas já tinham conhecimento destas situações há mais de um ano o que significa que aquando da celebração do nosso contrato de compra e venda omitiram esta informação, que no nosso entender é crucial para a celebração do negócio em causa e sendo assim o negócio não poderia avançar, pelo que solicitamos resolução do contrato e a devolução do sinal.

Perante estas informações o Eng BB confirmou que tinham conhecimento das situações há cerca de um ano e que iria falar com V. Exªs e que n/ transmitiria qual a vossa posição.

Qual não é o nosso espanto quando fomos confrontadas com esta vossa carta!

Assim sendo e tendo em conta que as circunstâncias em que fundamos a nossa decisão de contratar sofreram alterações anormais tal como já referimos, vimos informar que pretendemos a resolução do contrato promessa nos termos do n.º 1 do artigo 437º CC, com a consequente devolução da quantia entregue a titulo de sinal.

Sem outro assunto, com os melhores cumprimentos n/ subscrevemos.”;

30) Previamente à celebração do contrato-promessa, as AA. deslocaram-se ao imóvel e verificaram que se tratava de um prédio devoluto e sem telhado, para reconstrução, o que as AA. pretendiam levar a cabo através de uma das suas empresas, sendo-lhes explicado que existia já um projeto de arquitetura para reconstrução, o que foi de interesse para as AA.;

31) Na sequência de pedido da R., foram efetuadas no imóvel aludido no ponto 4 as obras descritas na comunicação que constitui o Doc. 10 da contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais foram orçamentadas em € 1.250,00;

32) O pedido de licença respeitante à operação urbanística respetiva foi aprovado em 14/12/2018, tendo a R. sido notificada a 13/02/2019, solicitando, em 31/05/2019, a emissão de alvará de obras de alteração e ampliação;

33) Após a R. juntar elementos que a C.M.P. considerou em falta na decisão de 13/06/2019, o fez em 17/12/2019, foi elaborado em 10/09/2020 o Alvará de Licenciamento de Obras de Ampliação/Alteração;

34) O prédio referido no ponto 4 foi inscrito na matriz em data anterior ao ano de 1951.”

15. E julgaram não provada a seguinte factualidade:

“a) que a R. se obrigou a obter os documentos aludidos no ponto 11, 2ª parte, respeitantes à arquiteta responsável pelo projeto, que eram necessários para a celebração da escritura definitiva;

b) que no dia 21 de fevereiro de 2020 a escritura esteve agendada no Cartório Notarial da Dra. DD em ..., não se realizando pelo facto de a R. não ter na sua posse todos os elementos referidos no ponto 11;

c) que face a essa situação a R. entrou em contacto com as AA. para reagendar a escritura de compra e venda;

d) que a R., no dia 16/03/2020, mais uma vez não conseguiu obter todos os elementos em falta, nomeadamente a licença para construção;

e) que mesmo que se tivesse obtido em tempo útil as guias para pagamento de I.M.T. e I.S. a escritura não se poderia realizar porque a R. não diligenciou pela obtenção da licença de construção;

f) que a R. sabia da situação relatada no ponto 24 e ocultou-a às AA.;

g) que as proprietárias e arrendatária referidas no ponto 24 referiram às AA. que já tiveram elevados prejuízos na substituição do soalho nas suas habitações;

h) que as AA. iriam ter gastos avultados para fazer face aos danos provocados nas frações referidas no ponto 24;

i) que, no decurso da reunião aludida no ponto 26, o Eng. BB assumiu perante as AA. que as infiltrações nos prédios contíguos eram do seu conhecimento e do da R. há vários anos;

j) que a R. foi interpelada para devolver o sinal em dobro e recusa-se a fazê-lo;

l) que nos dias 11/03/2020 e 13/03/2020 a Dra. AA insistiu novamente com pedidos de documentos e o Eng. BB respondeu conforme comunicação aludida no ponto 19;

m) que face à comunicação de 15/03/2020 insistiu novamente a Dra. AA, afirmando que estava em falta o comprovativo de pagamento da taxa da licença bem como a respetiva licença;

n) que a comunicação referida no ponto 22 foi por correio eletrónico com o seguinte teor: “Engenheiro BB não foi possível a notária emitir as guias uma vez que o sistema informava que a morada do prédio não constava, isto acontece quando os imóveis têm mais do que um numero de polícia, como é o caso que nas finanças possui 3 números. Quanto à escritura, temos que aguardar este período de quarentena porque segundo me informaram os notários irão encerrar hoje sem data previsível de abertura. Peço-lhe que me envie o seu contacto para que qualquer alteração seja efetuada de modo mais célere.”;

o) que decorrido mais de um mês, levantado o estado de emergência, nada foi dito pelas AA. à Ré, a fim de proceder à marcação da escritura;

p) que as AA. sabiam que, devido ao estado em que se encontrava o imóvel, era “normal” que estivesse a causar infiltrações nos prédios contíguos;

q) que o custo efetivo das obras referidas no ponto 31 foi o orçamentado;

r) que a concessão pela R. do prazo de 15 dias na carta aludida no ponto 28 o foi “sob pena de resolução do contrato-promessa, fazendo suas as quantias recebidas”.

De Direito

15. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

No recurso as questões suscitadas são:

- houve erro de julgamento na aplicação do regime do art.º 437.º do CC;

- houve erro de julgamento na não aplicação do regime do art.º 570.º do CC.

16. Questão prévia – rectificação de lapso material das AA.

No seu requerimento de interposição de recurso, as AA. começam por pedir ao tribunal que retifique um erro material por si cometido na propositura da acção, indicando que pretendiam a restituição do sinal em singelo e não em dobro, como vieram a solicitar.

O seu pedido vem assim fundamentado:

É certo que, por manifesto lapso, que desde já se penitenciam, as AA. peticionaram na alínea b) do petitório o dobro do sinal (200.000,00€), quando na verdade queriam fazer referência ao sinal em singelo, tanto mais que assim o referiram expressamente na carta enviada à Ré aquando da resolução, como aliás não podia deixar de ser.

Pelo que requerem a V.ªs Ex.ªs, Digníssimos Venerandos Conselheiros, que se dignem ordenar a retificação do aludido lapso, para que fique a constar no pedido ser a Ré condenada à devolução do sinal em singelo (100.000,o0€).

Podendo efetuar-se tal retificação, visto tratar-se de mero lapso de escrita, que integra a previsão do artigo 249.º do CC.”

Em contra-alegações a Ré convoca vários artigos da PI, para tornar evidente que não ocorreu um lapso de escrita, sujeito a rectificação, mas um pedido intencional de devolução do sinal em dobro.

São estas as partes indicadas na PI:

“36º

Assim, as Autoras em conformidade com o contrato promessa celebrado têm direito a receber o sinal pago, em dobro, no montante de 200.000,00.

37º

Tendo sido interpelada para o efeito, a recusa-se a devolver o sinal em dobro, conforme doc. 9.

38º

Assim, a deve às Autoras a quantia de 200.000,00 (duzentos mil euros)”

E aduz:

“Facilmente se entende que, ao contrário do que pretendem por ora, as Autoras fazer crer este Tribunal, não existe qualquer lapso de escrita.

Pois, as Autoras são muito perentórias ao escrever, “sinal em dobro”, várias vezes ao longo da peça processual, demonstrando claramente que era sim, a esta expressão e este valor que pretendiam ver devolvido com a presente demanda.

Além disso, o processo em causa, já mereceu um julgamento, após isso, recurso da decisão da primeira instância, ao qual as Autoras apresentaram um recurso subordinado, por isso, não podem por ora, fazer crer este douto tribunal que ocorreram em manifesto lapso de escrita e só agora se aperceberam de tal.

Obviamente, dos atos praticados pelas Autoras não resulta à evidência que o alegado corresponda à verdade.”

Conhecendo.

É evidente pelos elementos dos autos que não estamos perante um lapso de escrita.

Toda a construção da PI o evidencia, como ficou demonstrado, assim como sucede com o desenrolar do processo.

O suposto lapso aparece agora na sequência do acórdão recorrido ter chamado a atenção para a incongruência do pedido face à causa de pedir, numa tentativa de fazer salvar a acção.

Admite-se que este comportamento ultrapasse os limites da boa fé processual, para com a outra parte e para com o Tribunal.

Estabelece o nº 1 do artigo 7º do Código de Processo Civil ("Princípio da cooperação"), que "na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio".

Reafirmando tal princípio, o artigo 8º do Código de Processo Civil vem aludir ao dever de boa fé processual ("as partes devem agir de boa-fé"), sendo consabido que, na perspetiva tradicional, amplamente difundida no Direito Civil, a boa fé corresponde a um padrão ético-jurídico de avaliação de comportamentos sociais, enquanto honestos, leais e corretos.

Ora, o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542º e ss do Código de Processo Civil) visa, precisamente, sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, embora exigindo que a tais comportamentos acresça um específico animus da parte do litigante.

Assim, dispõe o aludido artigo 542º do Código de Processo Civil, nos seus nºs 1 e 2, que:

"1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. "

E, atentando no teor literal das alíneas do nº 2 do referido artigo, constata-se que as mesmas, procurando traduzir um "sentido negativo" da boa-fé processual, elencam os comportamentos que as partes se devem abster de praticar de molde a não prejudicarem o decurso da relação jurídica processual, que deve ser pautado por um espírito de cooperação intersubjetiva e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa resolução do litígio.

Efetivamente, analisando o aludido nº 2, verifica-se que:

A alínea a), traduzindo os ditames da boa-fé processual, impõe às partes um dever de cuidado aquando da propositura da ação ou dedução da oposição, para que não seja colocada em funcionamento a máquina judiciária nos casos em que a manifesta falta de fundamento poderia ser conhecida a priori;

Já a alínea b) concretiza o dever de verdade que as partes devem observar nas suas afirmações de facto, impondo-lhes que se abstenham de alterar a verdade dos factos ou de omitir factos relevantes, dever esse que decorre, ainda, do princípio da boa-fé processual:

Por último, as alíneas c) e d) aludem à obrigação de cooperação intersubjetiva que, tendo também como fundamento o princípio da boa-fé, recai sobre as partes durante todo o desenrolar do processo, e que, infringida ativa ou passivamente, o desvia do interesse e do fim a que se encontra destinado, ou seja, da justa resolução do litígio em tempo útil.

Ainda de acordo com aquela enumeração efetuada pelo nº 2 podemos integrar a má-fé processual numa de duas modalidades: substancial / material ou instrumental / processual, consoante se relacione com o mérito da causa (respeitando ao próprio fundo da causa) ou se refira apenas ao comportamento processual especificamente assumido pelo litigante.

Assim, estaremos perante má-fé substancial sempre que a parte formule pedido ou deduza oposição manifestamente infundados, ou ainda quando infrinja o dever de verdade (cfr. nº 2, als. a) e b)). Como referem José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, esta má-fé substancial "relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual" (in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. 2º, 2001, p. 196-197),.

Por sua vez, atuará com má-fé instrumental o litigante que transgrida o dever de cooperação ou que faça um uso manifestamente reprovável do processo (nº 2, als. c) e d)). Como assim, esta segunda modalidade, "abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo" (José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. e loc. cit.).

Por último, para que o comportamento abusivo, descrito em qualquer uma das alíneas do aludido nº 2 seja considerado de má-fé, exige-se, ainda, que tenha sido praticado na presença de um determinado elemento de ordem subjetiva, isto é, torna-se necessária uma subjectivização do abuso.

Assim, quando, no proémio do nº2 o legislador refere "quem, com dolo ou negligência grave" praticar o comportamento descrito em qualquer das subsequentes alíneas, tal significa que, apenas quando o comportamento descrito nas diversas alíneas tenha sido praticado com dolo (comportamento intencional) ou negligência grave, se poderá considerar o sujeito processual como litigante de má-fé.

(i) Quanto à dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deve ignorar

Sendo certo:

Por um lado, que o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa assegura a todos os cidadãos o direito de acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, dele resultando o direito de ação judicial;

Por outro, que "a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar", significando ainda a "garantia de acesso aos tribunais" que "a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação" (artigo 2º do Código de Processo Civil),

— Por último que, se tal direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental, já o mau uso desse direito consubstancia uma conduta processual abusiva, sancionada nos termos do Código de Processo Civil,

então apenas preencherá o ilícito típico daquela alínea a) do nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquele litigante que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos.

Ou seja: atuará de má-fé não apenas o sujeito processual que, tendo consciência da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, a deduziu em juízo, mas também o litigante que, não tendo intenção de propor ação ou deduzir oposição infundada, o fez por não haver indagado, com culpa grave, os fundamentos de facto e de direito da mesma, uma vez que nas duas hipóteses se acaba por funcionalizar o direito de ação ou de defesa a interesses diversos daqueles que fundamentaram a sua atribuição e, por conseguinte, por praticar abuso de processo.

(ii) Quanto à alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa

Considerando que:

O processo civil apresenta como interesse primordial a justa resolução dos litígios, pelo que, para que tal objetivo seja alcançado se afigura necessário que esta resolução assente na verdade dos factos;

Sempre que as alegações de facto das partes se desviem da verdade estar-se-á o processo, do mesmo modo, a desviar da resolução do litígio de acordo com a Justiça,

então pode ser sancionado como litigante de má-fé:

Não só aquele que profere afirmações fácticas contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou da inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente;

Como, por fim, aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, bem como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo.

Revertendo ao caso dos autos importa, então, indagar se ocorre a prática do comportamento processual abusivo que fundamente a condenação da Autoras como litigantes de má-fé.

E estamos em crer que assim é: as autores veem no recurso de revista invocar uma lapso material que não se apresenta como minimamente plausível face soa elementos constantes dos autos e da sua PI, quando esta hipótese, a ser acolhida, lhes permitiria uma saída eventual em termos de composição do litígio a seu favor, não podendo desconhecer que a PI foi pensada para incluir a petição do sinal em dobro, não sendo um manifesto lapso de escrita, e que não pode deixar de se ter por pretendido, colocando uma questão ao tribunal que não podiam deixar de saber não ter qualquer fundamento.

Em face do exposto, determina-se que se ouçam as partes sobre a conduta dos recorrentes, para efeitos de litigância de má fé, com a eventual condenação dos recorrentes em multa entre 3 a 5 UC, decisão que, posteriormente ao contraditório, o tribunal pode adoptar.

17. Entrando na análise da primeira questão do recurso, por não ser claro o impedimento ao conhecimento recurso por via da dupla conforme (não obstante o despacho convite do art.º 655.º do CPC), disse o tribunal recorrido o seguinte:

Porquanto a R. não deduziu pedido reconvencional que justifique a apreciação da regularidade da sua comunicação de resolução contratual perante as AA., resta-nos apreciar se existe fundamento para a resolução contratual das AA. ao abrigo do disposto no artigo 437º do CC.

Nos termos do disposto no artigo 437º do CC:

“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”

São pressupostos do funcionamento deste instituto o apuramento de um lado das circunstâncias em que as partes contrataram, concretamente “os factos que constituem a base em que os contraentes alicerçaram a decisão de negociar; ou seja que não teriam contratado noutra conjuntura”. De outro lado, “é imprescindível que se tenha verificado uma alteração anormal das circunstâncias”, o que corresponde a “uma modificação da base negocial fora do habitual”.

E em terceiro lugar é necessário que de tal alteração resulte uma lesão para uma das partes. Lesão que colocará em risco o equilíbrio contratual inicialmente ajustado, colocando em causa – na sua manutenção – os princípios da boa-fé negocial. Por último sendo ainda necessário que tal situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato1

As alterações devem, portanto, ser “relevantes, anormais e imprevisíveis à data do negócio, causando prejuízo à parte que delas se queira prevalecer de modo que a exigência do cumprimento das obrigações por essa parte assumidas afetem gravemente os princípios da boa fé sem que estejam cobertas pelos riscos próprios do contrato.”2

Analisados os factos provados, dos mesmos resulta terem as AA. sido contactadas por duas proprietárias e arrendatária de frações autónomas sitas em prédios contíguos ao prédio objeto do contrato em causa, queixando-se de infiltrações naquelas provenientes do mencionado prédio nomeadamente em dias de mais chuva, o que sucedia há mais de um ano.

Desconhece-se por não apurado o grau das infiltrações e as consequências das mesmas para o equilíbrio das obrigações contratuais.

O que às AA. incumbia alegar e provar.

Acresce que tais infiltrações já existiriam à data da celebração do contrato, atendendo a que o contrato foi celebrado em novembro de 2019. Pelo que se trata de uma situação pré-existente.

E este instituto não se confunde com o erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato, apesar da estreita afinidade entre elas. Já que um diz respeito base negocial objetiva e outro assenta na base negocial subjetiva3.

Tão pouco está demonstrado que a A. não contrataria se soubesse de tal circunstancialismo.

Tanto é quanto baste para que se conclua, tal como o tribunal a quo, pela não verificação dos requisitos de que depende a aplicação do regime excecional da resolução contratual fundada em alteração superveniente das circunstâncias em que as partes decidiram contratar.

À parte que invoca o regime excecional da resolução contratual fundada em alteração superveniente das circunstâncias em que as partes decidiram contratar, incumbe alegar e provar o circunstancialismo exigido pelo artigo 437º do CC.

Não demonstrado este circunstancialismo, carece de fundamento a pretensão das AA. de resolução contratual ao abrigo do disposto no artigo 437º do CC, com a consequente total improcedência da sua pretensão e a absolvição total do pedido da R.

Do que resulta a procedência do recurso da R., ainda que com fundamentos diversos. E a total improcedência do recurso das AA.”

No mesmo sentido já havia decidido a 1ª Instância, dizendo:

“No caso, manifestamente não estão preenchidas as condições para que se considere a existência de uma alteração das circunstâncias para efeitos do disposto no art. 437º do Código Civil.

Desde logo porque a situação invocada pelas AA. não configura uma alteração das circunstâncias, pois já existia à data da celebração do contrato (não relevando para o efeito o eventual desconhecimento da mesma por parte das AA.).

Ademais a situação da existência ou não de infiltrações e da responsabilidade pelos danos daí decorrentes não esteve presente na base negocial (nada resultou provado nesse sentido) e muito menos sendo comum a AA. e R..

E se de alteração se tratasse não seria anormal, pois que, tratando-se de um imóvel a reconstruir, sem telhado, sempre seria real a possibilidade de ocorrerem problemas de infiltrações e causadores de danos a imóveis vizinhos, podendo até suceder uma tal situação já depois da aquisição pelas AA., portanto tratando-se de um risco normal, próprio de um contrato destinado à aquisição de um imóvel com tais características.”

Para as AA. a decisão recorrida erra porque existiu uma alteração das circunstâncias face ao momento em que foi celebrado o contrato, sendo justificada a resolução do contrato, sob pena de haver um grave desequilíbrio contratual, uma vez que os risco dessa alteração não estava coberto pelos riscos próprios do negócio.

Estará aqui em causa a correcta interpretação do art.º 437.º do CC e, nomeadamente a questão de saber se a lei exige cumulativamente que se verifiquem vários requisitos (ali elencados).

Esta norma diz:

1. “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”

Na interpretação desta norma disse o tribunal recorrido:

“São pressupostos do funcionamento deste instituto o apuramento de um lado das circunstâncias em que as partes contrataram, concretamente “os factos que constituem a base em que os contraentes alicerçaram a decisão de negociar; ou seja que não teriam contratado noutra conjuntura”. De outro lado, “é imprescindível que se tenha verificado uma alteração anormal das circunstâncias”, o que corresponde a “uma modificação da base negocial fora do habitual”. E em terceiro lugar é necessário que de tal alteração resulte uma lesão para uma das partes. Lesão que colocará em risco o equilíbrio contratual inicialmente ajustado, colocando em causa – na sua manutenção – os princípios da boa-fé negocial. Por último sendo ainda necessário que tal situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato4

As alterações devem, portanto, ser “relevantes, anormais e imprevisíveis à data do negócio, causando prejuízo à parte que delas se queira prevalecer de modo que a exigência do cumprimento das obrigações por essa parte assumidas afetem gravemente os princípios da boa fé sem que estejam cobertas pelos riscos próprios do contrato.”5

Analisados os factos provados, dos mesmos resulta terem as AA. sido contactadas por duas proprietárias e arrendatária de frações autónomas sitas em prédios contíguos ao prédio objeto do contrato em causa, queixando-se de infiltrações naquelas provenientes do mencionado prédio nomeadamente em dias de mais chuva, o que sucedia há mais de um ano.

Desconhece-se por não apurado o grau das infiltrações e as consequências das mesmas para o equilíbrio das obrigações contratuais.

O que às AA. incumbia alegar e provar.

Acresce que tais infiltrações já existiriam à data da celebração do contrato, atendendo a que o contrato foi celebrado em novembro de 2019. Pelo que se trata de uma situação pré-existente.

E este instituto não se confunde com o erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato, apesar da estreita afinidade entre elas. Já que um diz respeito base negocial objetiva e outro assenta na base negocial subjetiva6.

Tão pouco está demonstrado que a A. não contrataria se soubesse de tal circunstancialismo.

Tanto é quanto baste para que se conclua, tal como o tribunal a quo, pela não verificação dos requisitos de que depende a aplicação do regime excecional da resolução contratual fundada em alteração superveniente das circunstâncias em que as partes decidiram contratar.

À parte que invoca o regime excecional da resolução contratual fundada em alteração superveniente das circunstâncias em que as partes decidiram contratar, incumbe alegar e provar o circunstancialismo exigido pelo artigo 437º do CC.

Não demonstrado este circunstancialismo, carece de fundamento a pretensão das AA. de resolução contratual ao abrigo do disposto no artigo 437º do CC, com a consequente total improcedência da sua pretensão e a absolvição total do pedido da R.”

Com esta análise o tribunal identificou o suposto facto imprevisível, superveniente e anormal: as infiltrações nos prédios vizinhos.

Sobre elas apenas se sabe que os vizinhos se queixaram, mas não foi provado nada mais que pudesse permitir saber se estamos perante grandes ou pequenas infiltrações, qual o custo da reparação que poderia estar envolvido caso a responsabilidade por essa infiltração viesse a ser pedida.

Por isso o tribunal disse que estes elementos deveriam ser provados pelas AA., que são quem invoca estes factos constitutivos do seu direito à resolução.

Mas o tribunal também explicou que as infiltrações já existiam ao tempo da celebração do contrato-promessa, e que por isso a alteração não foi superveniente.

Também faltou a demonstração de que se soubesse desse facto ao tempo da contratação nunca teria celebrado o contrato.

Que dizer?

Com os elementos de facto apurados nos autos, não podia o tribunal adoptar outra decisão – não estavam reunidos os pressupostos legais da alteração das circunstâncias a que se reporta o art.º 437.º, em que, indubitavelmente, os requisitos da alteração são de natureza cumulativa, e em que a prova incumbia às AA., sob pena de a sua pretensão malograr.

A situação dos autos contém também outros elementos que apontam neste sentido: o contrato-promessa envolve entidades colectivas dedicadas a este tipo de negócio, em que é facto notório que a sua experiência as levaria a ter em consideração que um prédio em ruína e sem telhado, pode, em época de chuvas, conduzir a que as águas se infiltrem e causem danos nos prédios vizinhos, não sendo de admitir que não equacionassem todos os riscos inerentes ao tipo de negócio que estavam a contratar, limitando-se a identificar como risco o de aumento ou diminuição do preço, como tentam fazer crer.

E mesmo que essa forma de trabalhar fosse verídica, ainda assim a solução não podia ser outra: para que as infiltrações nas casas dos vizinhos fossem uma alteração das circunstâncias em que fundaram a sua decisão de contratar, não bastaria um qualquer tipo de infiltração, sem quantificação dos danos envolvidos, pois a infiltração poder-se-ia resolver com custos reduzidos. Não se sabe.

Somos assim conduzidos a confirmar a decisão recorrida, por ser a que melhor corresponde à aplicação do direito aos factos provados.

Improcede a primeira questão.

18. Quanto à aplicação do regime do art.º 570.º do CC.

Com a colocação desta questão as AA. pretendem que se volte à solução encontrada na sentença, onde foi dito:

“No caso, as partes não fizeram tudo quanto estava ao seu alcance para evitar tal desfecho.

Cada uma das partes se conformou com o termo da relação contratual, embora cientes das possíveis consequências, cada um “puxando a brasa à sua sardinha”.

A culpa é de ambos, e igual.

Igual porque na conduta de cada uma das partes não se encontra razão distinta e forte que permita destrinçar qual delas mais concorreu para o resultado e, portanto, é mais censurável.

Nesta situação, já não poderemos socorrer-nos da disciplina prevista no art. 442º, nº 2, do Código Civil, pois que o direito que as AA. invocam de receber o sinal em dobro pressupõe culpa exclusiva do outro contraente (a promitente vendedora), assim como o direito de a R. fazer seu o sinal entregue pressupõe também culpa exclusiva do outro contraente (as promitentes compradoras).

Donde, havendo culpa de ambos os contraentes, AA. e R., o instituto a que deve fazer-se apelo é o previsto no art. 570º do Código Civil, de onde resulta, aplicando à situação de incumprimento de contrato-promessa, que “a restituição do sinal em dobro pode ser totalmente concedida, reduzida ou excluída, conforme a gravidade das culpas de uma e outra das partes e as consequências delas resultantes”, e que “no caso de se neutralizarem as culpas de ambos os contraentes, resolvido o contrato devem os réus restituir o que receberam” (cfr. Ac. do S.T.J. de 16/02/1995, com o nº de proc. 086085, sumariado em www.dgsi.pt, e bem assim, o Ac. do S.T.J. de 06/10/1970, in B.M.J. 200, pág. 227, e os Acs. da R.P. de 06/05/2004, com o nº de proc. 0432343, e do S.T.J. de 09/09/2008, com o nº de proc. 08A1922, publicados naquele mesmo sítio da Internet).

Pelo que, a conclusão é a de que, nos termos do art. 570º do Código Civil, deve a R. apenas restituir às AA., em singelo, a quantia que destas recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, assim se regressando, no fundo, à situação anterior, como as partes, afinal, acabam por querer, merecem e com o que cada uma já é suficientemente penalizada, embora a títulos diversos.

Têm, pois, as AA. direito a receber da R. a quantia de € 100.000,00, equivalente ao sinal que prestaram, à qual acrescem juros de mora, conforme peticionado, desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor (arts. 804º, 805º, nºs 1 e 3, e 806º do C.C. e Portaria 291/03, de 08/04).”

Porém, a solução do Tribunal da Relação revogou esta parte da decisão e determinou que não havia lugar a conhecer da questão do incumprimento do contrato por facto imputável às partes. A decisão recorrida procurou justificar a decisão explicando qual a causa de pedir da acção e o pedido, considerando que , numa situação destas em que, em momento algum, as Autoras requereram que, na possibilidade de se julgar improcedente o pedido, subsidiariamente, fosse considerada a responsabilidade para ambas as partes ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil, por incumprimento do contrato por ambas as partes, não pode o tribunal avançar por esse caminho.

Por isso disse o tribunal recorrido:

“As AA. propuseram a presente ação contra a R. invocando a resolução do contrato promessa entre as partes celebrado ao abrigo do disposto no artigo 437º do CC – resolução contratual fundada em alteração das circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar – em causa infiltrações causadas pelo prédio objeto do contrato nos prédios contíguos.

A final tendo peticionado precisamente a declaração de resolução contratual nos termos do artigo 437º nº 1 do CC, e ainda a condenação da R. ao pagamento da quantia correspondente ao valor do sinal em dobro.

O regime da devolução do sinal em dobro está previsto no artigo 442º do CC.

O seu funcionamento está dependente do incumprimento definitivo da obrigação e subsequente resolução contratual.

….

A demonstração dos requisitos do artigo 437º do CC de que depende o direito da parte lesada à resolução contratual, confere à mesma o direito a ver-se restituída do valor pela mesma prestado, tal como decorre do regime previsto nos artigos 439º, 433º, 434º e 289º do CC.

Não o direito à restituição do sinal em dobro, ao abrigo do artigo 442º do CC.

E aliás foi essa precisamente a pretensão que as AA. formularam quando efetuaram tal comunicação – vide facto provado 29 – peticionando então a devolução do sinal em singelo.

Improcedente a pretensão de ver resolvido o contrato com fundamento em alteração anormal das circunstâncias em que as AA. fundaram a sua decisão de contratar, a consequência para o pedido pelas mesmas formulado seria, consequentemente, a da total improcedência da ação.

Assim e salvo se o recurso subordinado tiver procedência, a consequência será a da total absolvição da R. do pedido.

Entendendo-se que o tribunal a quo ao apreciar a pretensão das AA. ao abrigo do regime previsto no artigo 442º do CC e deste derivando a aplicação do previsto no artigo 570º do CC, extravasou o objeto processual.”

De qualquer modo e ainda que assim se não entendesse, sempre a pretensão das AA. teria de improceder se analisada a sua pretensão ao abrigo do regime do artigo 442º do CC.

Atente-se em que as mesmas comunicaram à R. a sua intenção de não cumprir o contrato.

Invocando para tanto fundamento – é certo.

Mas declarando não pretender cumprir o contrato.

O fundamento foi, como já referido, o do artigo 437º do CC. E se pertinente for, serão as suas consequências apreciadas ao abrigo do regime que lhe é aplicável.

Mas perante a R., as AA. declararam não pretender cumprir o contrato.

Sem que à mesma lhe tenham imputado um incumprimento contratual definitivo que legitime o recurso ao regime do artigo 442º do CC.

Pelo que, reitera-se, nunca a pretensão das AA. em receber o sinal em dobro ao abrigo do artigo 442º do CC poderia proceder.”

Que dizer?

Na PI as AA. invocam o incumprimento do contrato-promessa por facto culposo que atribuem à R., conforme a seguinte indicação da PI:

“16º Pelo que, foi novamente agendada a escritura de compra e venda, para o dia 16 de Março de 2020, às 16horas, no Cartório Notarial da Dra. DD em ..., cfr. Doc. nº7.

17º Tal marcação foi efetuada com o acordo das Autoras e Ré.

18º Sendo que também nesta data não se veio a realizar por culpa da Ré, pois mais uma vez não conseguir obter todos os elementos em falta, nomeadamente a licença para construção.

19º Sendo que, entretanto, devido à pandemia, os serviços de Finanças deixaram de ter atendimento ao público, não tendo sido possível emitir as guias para pagamento dos impostos, uma vez que as mesmas não poderiam ser emitidas, via online, em virtude do imóvel ter mais que um número de polícia.

20º Além de que, os Cartórios Notariais também encerraram por deliberação governamental, devido à pandemia como é do conhecimento geral.

21º Todavia, mesmo que se tivesse obtido em tempo útil as guias para pagamento de IMT e IS, a escritura nunca se poderia realizar porque a Ré não diligenciou pela obtenção da licença de construção.

22º Sendo que, a licença de construção era condição imprescindível para a realização do contrato definitivo, uma vez que a aquisição do imóvel só tinha interesse para as Autoras se o projeto estivesse aprovado e fosse possível a construção, conforme anteriormente acordado entre Autoras e Ré.

23º Pelo que, é manifesto que a não realização do contrato definitivo se deveu exclusivamente à culpa da Ré.”

Na PI as AA. invocam igualmente a alteração das circunstâncias - art.º 437.º do CC.

24 º- Para além disso, a Ré ocultou, que o prédio em causa, tinha inúmeros defeitos, sendo que as Autoras apenas tomaram conhecimentos dos mesmos, quando contactadas pelos três proprietários dos prédios contíguos.

33º e por fim, pelo facto de a Ré aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda ter omitido deliberadamente os problemas estruturais que o prédio padecia e que provocou, e provoca, inúmeros prejuízos nos prédios contíguos,

34º Considerando assim, resolvido o contrato promessa de compra e venda, nos termos do disposto no nº1 do artigo 437º do Código Civil, tendo em conta que, as circunstâncias em que as Autoras fundaram a decisão de contratar sofreram alterações anormais, e impossíveis de ultrapassar, cfr. Doc. nº 8.

E pedem:

“Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência:

a) Ser considerado resolvido o contrato promessa, nos termos do nº 1 do 437º do Código Civil, por culpa da Ré;

b) Condenar a Ré a pagar às Autoras a quantia de € 200.000,00, a título de valor do sinal em dobro, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;

b) condenar a Ré nas custas e no mais que for de Lei.

A Ré, por sua vez, também resolveu o contrato, por entender que houve incumprimento culposo das AA.

E, por isso, pretende ter direito a fazer seu o sinal.

As instâncias consideraram que não estavam reunidos os requisitos do art.º 437.º do CC, não tendo as AA. razão da resolução do contrato com base no instituto.

Esta decisão é de manter, pois analisados os termos da invocada alteração das circunstâncias não estão preenchidos os seus requisitos.

Perguntar-se-á se ainda assim se pode convocar o regime do incumprimento do contrato, apurar qual das partes foi responsável e decidir sobre a situação do sinal.

Para resolver a situação importa, não só atender ao exposto nos factos provados, à causa de pedir e ao pedido, ao comportamento quer das AA. quer da Ré e ainda o facto do imóvel, entretanto, ter sido alienado – o que é um elemento determinante da impossibilidade do cumprimento do contrato promessa.

Na causa de pedir está simultaneamente o regime do art.º 437.º e do incumprimento do contrato, com a devolução do sinal.

Nas circunstâncias do caso, como se disse na sentença, tendo cada uma das partes comunicado à outra a resolução do contrato, não se podendo indicar que nenhumas delas teve responsabilidade no incumprimento, associado à impossibilidade legal, considera-se adequado decidir pela resolução do contrato com devolução do sinal em singelo, como se decidiu na sentença:

“Por seu turno, as AA. não se limitaram a contestar o incumprimento invocado pela R. e vieram classificar como crucial a informação respeitante à situação das infiltrações, invocando que as circunstancias em que fundaram a decisão de contratar sofreram alterações anormais, pretendendo a resolução do contrato promessa nos termos do nº 1 do art. 437º do Código Civil, o que, como vimos no tratamento da primeira questão não ocorre de facto, sendo que na sua comunicação aquelas se limitaram a genericamente invocar a alteração, sem a circunstanciar com factos concretos que pudessem integrar os pressupostos previstos naquele artigo, pretendendo resolver o contrato com um fundamento que não se verificava.

Afigura-se-nos que, analisando tudo quanto sucedeu, ambas as partes contribuíram para a não celebração do contrato definitivo e a situação a que se chegou, primeiro por terem mantido as diligências com vista à celebração da escritura pública, demonstrando interesse na celebração do negócio prometido, para depois se incompatibilizarem apenas porque foi colocada a questão das infiltrações, que não fizeram suficiente esforço para resolver por consenso, sendo certo que atento o valor do negócio e o estado em que estava o prédio, aquela questão se afigurava de pequena monta na economia da totalidade do negócio em questão, tendo em conta o contexto global do mesmo, acabando a fazerem “finca pé” das suas respectivas posições divergentes.

Com efeito, se é certo que a R. veio invocar um incumprimento que não existia, olvidando a sua participação na não realização da escritura definitiva até 21/02/2020, não é menos certo que foram as AA. as primeiras a levantar a questão de não quererem concluir o negócio devido à situação das infiltrações, socorrendo-se depois desse argumento para como que tirarem desforra da R., em resposta à posição desta.

É de concluir, pois, que a situação a que se veio a chegar quanto ao contrato-promessa celebrado, culminando com a intransigência manifestada na correspondência final trocada pelas partes, foi causada pelas atitudes quer das AA., quer da R..

Seja como for, neste momento, atento o lapso de tempo entretanto já decorrido e as posições de cada uma das partes não só perante o negócio, mas também uma relativamente às outras (como foi visível na audiência de julgamento), para além de que foi referido por testemunhas que a R. já vendeu o imóvel a outra pessoa, verifica-se uma situação em que já não é mais possível o acordo das partes para a concretização do negócio definitivo, não existindo manifestamente interesse objectivo das partes na efectivação do negócio de compra e venda, que nem sequer será possível comprovando-se que a R. já deixou de ser proprietária do imóvel – anote-se que não existia qualquer situação anterior de incumprimento definitivo do contrato, imputável a uma qualquer das partes, nem sequer por força de uma qualquer interpelação admonitória, que nunca chegou a existir com os requisitos legalmente exigidos (não os cumpre, como decorre do que se analisou, a comunicação da R. de 11/05/2020, aliás apenas dirigida à 1ª A.).

Donde, entendemos estar perante uma situação de incumprimento do contrato e consequente impossibilidade actual de cumprimento do contrato-promessa, nos termos dos arts. 798º e 801º, nº 1, do Código Civil, a qual, mais do que geradora da resolução (que não existiu extrajudicialmente), leva ao desencadear das consequências do artigo 442º, nº 2, do Código Civil, conforme o incumprimento seja imputável a uma ou a outra parte.

Todavia, a causa e a culpa da não realização do contrato definitivo no presente caso deve-se, por força de tudo quanto acabou de se analisar sobre o caso concreto, a ambas as partes, AA. e R., e em igual medida.

Chegando ao impasse final, depois da reunião de 05/05/2020, ambas as partes se acolheram às respectivas posições terminantes.

Ora, a culpa presume-se do devedor. É apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso - arts. 799º e 487, nº 2, do Código Civil.

Os contratos têm uma vocação de cumprimento, devem remediar-se as suas patologias e só se extinguem, em último caso, por mútuo consentimento ou nos casos determinados por lei, como é o da resolução (art. 406º do C.C.).

No caso, as partes não fizeram tudo quanto estava ao seu alcance para evitar tal desfecho.

Cada uma das partes se conformou com o termo da relação contratual, embora cientes das possíveis consequências, cada um “puxando a brasa à sua sardinha”.

A culpa é de ambos, e igual.

Igual porque na conduta de cada uma das partes não se encontra razão distinta e forte que permita destrinçar qual delas mais concorreu para o resultado e, portanto, é mais censurável.

Nesta situação, já não poderemos socorrer-nos da disciplina prevista no art. 442º, nº 2, do Código Civil, pois que o direito que as AA. invocam de receber o sinal em dobro pressupõe culpa exclusiva do outro contraente (a promitente vendedora), assim como o direito de a R. fazer seu o sinal entregue pressupõe também culpa exclusiva do outro contraente (as promitentes compradoras).

Donde, havendo culpa de ambos os contraentes, AA. e R., o instituto a que deve fazer-se apelo é o previsto no art. 570º do Código Civil, de onde resulta, aplicando à situação de incumprimento de contrato-promessa, que “a restituição do sinal em dobro pode ser totalmente concedida, reduzida ou excluída, conforme a gravidade das culpas de uma e outra das partes e as consequências delas resultantes”, e que “no caso de se neutralizarem as culpas de ambos os contraentes, resolvido o contrato devem os réus restituir o que receberam” (cfr. Ac. do S.T.J. de 16/02/1995, com o nº de proc. 086085, sumariado em www.dgsi.pt, e bem assim, o Ac. do S.T.J. de 06/10/1970, in B.M.J. 200, pág. 227, e os Acs. da R.P. de 06/05/2004, com o nº de proc. 0432343, e do S.T.J. de 09/09/2008, com o nº de proc. 08A1922, publicados naquele mesmo sítio da Internet).

Pelo que, a conclusão é a de que, nos termos do art. 570º do Código Civil, deve a R. apenas restituir às AA., em singelo, a quantia que destas recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, assim se regressando, no fundo, à situação anterior, como as partes, afinal, acabam por querer, merecem e com o que cada uma já é suficientemente penalizada, embora a títulos diversos.

Têm, pois, as AA. direito a receber da R. a quantia de € 100.000,00, equivalente ao sinal que prestaram, à qual acrescem juros de mora, conforme peticionado, desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor (arts. 804º, 805º, nºs 1 e 3, e 806º do C.C. e Portaria 291/03, de 08/04).”

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados:

a. Notifiquem-se as partes para se pronunciarem sobre a condenação das AA. em multa por litigância de má fé, nos termos indicados;

b. É concedida a revista e repristinada a sentença.

As custas da revista são da responsabilidade de ambas as partes.

Lisboa, 08 de fevereiro de 2024

(relatora) Fátima Gomes

(1º adjunto) Ferreira Lopes

(2ª adjunta) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

______


1. Cfr. “Da Cessação do Contrato”, Pedro Romano Martinez, 3ª edição Almedina, p. 150 a 152.

2. Cfr. Ac. TRL de 20/09/2016 supra citado.

3. Cfr. Ac. STJ de 28/03/2006, nº de processo 06A301 in www.dgsi.pt

4. Cfr. “Da Cessação do Contrato”, Pedro Romano Martinez, 3ª edição Almedina, p. 150 a 152.

5. Cfr. Ac. TRL de 20/09/2016 supra citado.

6. Cfr. Ac. STJ de 28/03/2006, nº de processo 06A301 in www.dgsi.pt