Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1088/05.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
SERVIÇO MÓVEL TERRESTRE
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - A Lei n.º 23/96, de 26-07, aplica-se ao serviço de telefone móvel.
II - O n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96 e o n.º 4 do art. 9.º do DL n.º 381-A/97, de 30-12, afastaram para a prestação de serviços de telefone móvel o prazo de cinco anos previsto na al. g) do art. 310.º do CC, passando a ser de seis meses o prazo de prescrição dos créditos correspondentes.
III - Do n.º 5 do art. 9.º do DL.º n.º 381-A/97 não resulta o sentido de que a lei dissocia o prazo de apresentação das facturas (os seis meses) do prazo de prescrição do direito ao pagamento dos serviços prestados (cinco anos).
Decisão Texto Integral:  

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

 

1. Em 15 de Fevereiro de 2005, AA – ..............., SA, instaurou uma acção contra BB SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 21.865,13 (correspondente à soma do montante das facturas em dívida, € 21.059,22 com os juros vencidos em 27 de Setembro de 2004, € 805,91) e de juros vincendos até efectivo pagamento sobre a quantia de € 21.059,22.

Para o efeito, alegou ter celebrado em 20 de Dezembro de 2002, 22 de Outubro de 2003 e 28 de Novembro de 2003 três contratos de prestação de serviço telefónico móvel, nos termos dos quais foram atribuídos diversos cartões de acesso, que foram activados e utilizados, e cedidos telemóveis; ter a ré deixado de pagar diversas facturas que lhe apresentou a pagamento, correspondentes a serviços prestados (emitidas em 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004, 5 de Fevereiro de 2004, 5 de Março de 2004, 5 de Abril de 2004 e 5 de Maio de 2004) e a uma indemnização devida por desactivação do serviço, por causa a ela imputável, antes de terminado o período de vinculação contratual acordado.

 Na contestação, a ré invocou a prescrição das facturas datadas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004, 5 de Fevereiro de 2004 e 5 de Março de 2004, cuja recepção aliás negou, por terem decorrido mais de seis meses sobre a data em que os correspondentes serviços foram prestados (baseando-se na Lei nº 23/06, de 26 de Julho, e no Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro) e impugnou os factos alegados.

A autora replicou.

 2. Por sentença de fls. 192, a acção foi julgada procedente. A ré interpôs recurso de apelação, mas apenas quanto à improcedência da excepção de prescrição.

Pelo acórdão de fls. 273, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

Em síntese, a Relação considerou resultar da conjugação entre o nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, os nºs 4 e 5 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro e a al. g) do artigo 310º do Código Civil que “prescreve no prazo de seis meses após a prestação do serviço, o direito de exigir o pagamento do preço; enviada a factura no prazo de seis meses após a prestação do serviço, o prazo de prescrição do crédito é de 5 anos”, e, portanto, que não se verificou a prescrição dos créditos correspondentes às facturas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004, 5 de Fevereiro de 2004.

E entendeu que, com a entrada em vigor da Lei nº 5/2004, que excluiu o serviço de telefone do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96 e revogou o Decreto-Lei nº 381-A/97, os créditos posteriores passaram a estar apenas sujeitos ao regime de prescrição constante do Código Civil, resultando assim apenas da citada al. g) do artigo 310º deste Código a improcedência da prescrição oposta ao crédito correspondente à factura de 5 de Março de 2004.

Finalmente, a Relação excluiu a aplicabilidade da Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro,  sustentada pela ré, por não se manter “qualquer efeito dos contratos aquando do início e durante a vigência desta Lei”.

A ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso foi admitido como revista. com efeito meramente devolutivo.

Não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

 2. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A) Conforme consta das Líneas H), I), J), L), M) e N) dos Factos Provados, as facturas dos autos foram emitidas em 20.12.2003, 05.01.2004, 05.02.2004 e 05.03.2004:

B) A presente acção foi instaurada em 15.02.2005;

C) Sucede que, conforme se alcança da Lei nº 23/96, de 26 de Julho e do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, o direito de exigir o preço do serviço telefónico móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

D) Resulta assim que as referidas facturas já se encontram prescritas.

E) De acordo com a Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro, que veio alterar a Lei nº 23/96, de 26 de Julho, Lei essa que foi publicada em 26 de Fevereiro de 2008 e que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação (cfr. Artº 4º), pode-se ler na nova redacção dada à lei nº 23/96, nº 1 do Artº 10º que “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo máximo de seis meses após a sua prestação”, continuando o nº 4 do mesmo preceito que “O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.

F) Sendo que, salvo melhor opinião, tal se aplica ao caso dos autos dado ter sido essa a vontade do legislador quando refere no Artº 3º da Lei 12/2008 que “A presente lei aplica-se às relações que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

G) Pelo que, ao decidir em contrário, o Meretíssimo Juiz a quo violou os Artºs 309 e 310, al. g) do Código Civil, o Artº 9º, nº 5 do Dec. Lei nº 381-A/97, os Arts. 10º, nºs 1 e 4 da Lei nº 23/96, de 26 de Julho e os Arts. 3º da Lei nº 12/2008 de 26 de Fevereiro.”

A autora contra-alegou, concluindo:

“(…) 2. A Recorrente sustenta erradamente a aplicabilidade do disposto na Lei nº 381/97 [D.L. n° 381-A/97 de 30 de Dezembro] de 30 de Dezembro e da Lei 23/96 de 26 de Julho ao serviço móvel terrestre.

(…) 9. - Assim, facilmente se constata (…) que tudo converge no sentido de se considerar o serviço móvel terrestre como um serviço telefónico complementar não essencial e, por isso não lhe poderá ser aplicado o disposto na Lei n° 23/96 de 26 de Julho.

(…) 11. - O supra citado diploma legal [o D.L. n° 381-A/97 de 30 de Dezembro] dispõe que: o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses" mas tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura. "

(…) 16. Apresentada a factura no prazo de 6 meses após a prestação do serviço, o operador está ainda sujeito ao prazo geral de prescrição do preço do serviço, que apenas pode interromper interpelando judicialmente o cliente.

(…) 18. - Ainda que a questão da aplicação ao Serviço Móvel Terrestre da Lei n° 23/96 se suscitasse, a questão encontra-se resolvida com a publicação da Lei n° 5/2004 de 10 de Fevereiro.

19. - O n° 2 do artigo 127° da Nova Lei das Telecomunicações exclui o serviço telefónico do âmbito de aplicação da Lei n° 23/96.

20. - Resulta assim claro que, sempre foi entendimento do legislador que a supra mencionada Lei não se aplicava ao serviço telefónico móvel.

21. - O artigo 127° da Lei n° 5/2004, tem no que concerne ao serviço móvel terrestre natureza interpretativa, nos termos e para os efeitos do artigo 13° do Código Civil.

22. - No entanto, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, mas sempre sem conceder, o novo prazo de prescrição é aplicável a todas as relações jurídicas que subsistam à data da entrada em vigor da Lei n° 5/2004, de acordo com o estatuído no artigo 12° do Código Civil.

23. - Ora, a relação contratual entre Recorrente e Recorrida ainda subsiste na medida em que, não ocorreu qualquer causa de extinção da mesma, nomeadamente o pagamento.

24. - Daqui resulta absolutamente claro, ao contrário do pugnado no acórdão recorrido, de que o prazo de prescrição dos créditos de que a Autora é titular, é o prazo geral constante do art° 309° do Código Civil.

25. - As facturas constantes dos autos foram emitidas durante a vigência na da Lei n° 5/2004, pelo que não se encontram prescritas.

26. - Doutro passo sempre se dirá que labora em erro a Ré ao pugnar pela aplicação da Lei n° 12/2008, porquanto esta apenas entrou em vigor em 26 de Maio de 2008, sendo que a presente acção deu entrada a juízo em 2005, ou seja três anos antes da entrada em vigor da Lei n° 12/2008.

(…)

 3. Vem provada a seguinte matéria de facto:

 

“1.1. A autora contratou com a ré a prestação do Serviço de Telecomunicações Complementar - Serviço Móvel Terrestre, mediante os seguintes contratos:

a) contrato celebrado em 20.12.2002, em virtude do qual foram atribuídos ao Réu os cartões de acesso ao mesmo serviço com os números 000000000, 00000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000, 00000000, 000000000, 000000000, 000000000, 000000000;

b) contrato celebrado em 22.10.2003, em virtude do qual foram atribuídos ao Réu os cartões de acesso ao mesmo serviço com os números 000000000.

c) contrato celebrado em 28.11.2003, em virtude do qual foram atribuídos ao réu os cartões de acesso ao mesmo serviço com os números 000000000, 000000000, 000000000 ,000000000, 000000000, 000000000, e alterado o tarifário para os cartões de acesso atribuídos pelos contratos referidos nos itens anteriores.

1.2. A Autora cedeu ao réu os telemóveis identificados na cláusula quarta do aditamento ao contrato referido em c).

1.3. Nos termos da cláusula 1ª. do aditamento ao contrato referido em c) o réu obrigou-se a manter o seu vínculo contratual com a autora pelo período de 30 meses a contar da data de assinatura desse aditamento.

1.4. Na cláusula terceira do mesmo aditamento consta que «em caso do incumprimento do aqui proposto, o Cliente pagará à AA a quantia equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas, relativas aos meses de vinculação, deduzidas das já pagas».

1.5. O valor da taxa mensal que o réu se obrigou a pagar pelo período de 30 meses era de Euros 476,38 mensais, correspondente ao tarifário «Plano AA 2500», para os cartões activados em virtude da celebração do contrato referido em c), valores estes sem IVA.

1.6. Os cartões de acesso foram atribuídos ao réu, foram activados e este utilizou-os, realizando e recebendo chamadas.

1.7. O réu não procedeu ao pagamento dos serviços prestados pela autora.

1.8. Na sequência da prestação dos serviços referidos supra a autora emitiu e enviou ao réu a factura 000000000, emitida em 05.03.04, no valor de 1.907,18 Euros e que se venceu em 26.03.04.

1.9. E a factura 000000000, emitida em 05.04.04, no valor de 2.445,56 Euros e que se venceu em 26.04.04.

1.10. E a factura 000000000, emitida em 05.05.04, no valor de 1.613,75 Euros e que se venceu em 26.05.04.

1.11. E a factura 000000000, emitida em 20.12.03, no valor de 14,71 Euros e que se venceu em 26.12.03.

1.12. E a factura 000000000, emitida em 05.01.04, no valor de 14,71 Euros e que se venceu em 26.01.04.

1.13. E a factura 000000000, emitida em 05.02.04, no valor de 14,71 Euros e que se venceu em 23.02.04.

1.14. O Réu recebeu as facturas emitidas pela Autora.

1.15. A Autora emitiu e enviou ao réu, a factura nº 000000000, no valor de 15.048,60 Euros, relativa aos cartões de acesso activados na sequência da celebração do contrato referido em c).

1.16. O montante aí indicado corresponde a 26 mensalidades no montante de 476,38 euros, mais IV A, que a autora não facturou em virtude de o réu não ter mantido o vínculo contratual pelo período de tempo referido em 3.

1.17. O Réu recebeu a factura identificada na alínea anterior.

1.18. O Réu não pagou à Autora o montante constante dessa factura.”

 4. Antes de mais, cumpre recordar que o presente recurso apenas respeita aos créditos correspondentes às facturas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004, 5 de Fevereiro de 2004 e 5 de Março de 2004; e que a recorrente não impugnou a condenação no pagamento de juros.

 5. Foi entretanto aprovado em 3 de Dezembro de 2009 um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que fixou jurisprudência no sentido de que “Nos termos do disposto na redacção originária do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, e no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”

Decidiu-se ainda nesse acórdão, cujo texto se encontra disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 216/09.4YFLSB e para cuja fundamentação se remete, que a Lei nº 23/96 se aplicava ao serviço de telefone móvel e “que o nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96 (redacção originária) e o nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97 afastaram para a prestação de serviços de telefone móvel o prazo de cinco anos previsto na alínea g) do artigo 310º do Código Civil, passando a ser de seis meses o prazo de prescrição dos créditos correspondentes.”

            E excluiu-se que resultasse “do nº 5 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97 o sentido (…)  de dissociar o prazo de apresentação das facturas (os seis meses) do prazo de prescrição do direito ao pagamento dos serviços prestados (cinco anos).”

 6. No caso, é aplicável aos créditos correspondentes às facturas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004, 5 de Fevereiro de 2004 a redacção originária da Lei nº 23/96 e o Decreto-Lei nº 381-A/97, não os abrangendo a Lei nº 5/2004, posterior às mesmas.

Resulta do que se disse já que não é possível acolher a tese, sustentada pela recorrida, de que, quanto ao serviço de telefone móvel, tem natureza interpretativa a exclusão do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96 operada pela Lei nº 5/2004, já que esta o abrangia.

Relativamente aos créditos correspondentes à factura de 5 de Março de 2004, não merece qualquer censura o que foi decidido no acórdão recorrido; a Lei nº 5/2004 estava já em vigor à data da sua emissão (nº 1 do artigo 128º), sendo essa data que releva .

Assim sendo, valia então para os créditos resultantes da prestação de serviço móvel de telefone o prazo de cinco anos constante da alínea g) do artigo 310º do Código Civil.

Tendo a presente acção sido instaurada em 15 de Fevereiro de 2005, nem com a aplicação do disposto no nº 1 do artigo 323º do Código Civil se poderia entender não ter operado a extinção, por prescrição oposta pela ré, dos créditos a que respeitam as facturas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004 e 5 de Fevereiro de 2004.

 7. Nestes termos, decide-se:

a) conceder provimento parcial à revista, declarando extintos, por prescrição, os créditos a que correspondem as facturas de 20 de Dezembro de 2003, 5 de Janeiro de 2004 e 5 de Fevereiro de 2004, nessa medida se absolvendo a ré do pedido;

b) quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.

 Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

 

 Lisboa, 20 de Janeiro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lázaro Faria

Lopes do Rego