Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16556/17.6T8LSB-F.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONVOLAÇÃO
TEMPESTIVIDADE
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Nos termos gerais dos arts. 671.º, 672.º e 673.º do CPC, não há lugar a recurso de revista de decisões da Relação proferidas em singular, pelo que, no caso dos autos, a única possibilidade de aproveitamento do requerimento de recurso seria mediante convolação em requerimento de impugnação para a conferência do TR.

II. Porém, de acordo com os princípios gerais da convolação de actos jurídicos, tal convolação depende de que o requerimento tenha sido apresentado, o que não sucedeu, no prazo legal de dez dias, acrescido do prazo previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, não podendo aplicar-se ao caso o prazo legal de recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I - Foi proferida a seguinte decisão da relatora, com data de 12 de Maio de 2022:

«1. Em 20 de Abril de 2022 foi proferido o seguinte despacho da relatora:

«1. Em 18.01.2022, veio AA interpor recurso de revista da decisão do relator do Tribunal da Relação de 16.12.2021 que não admitiu a impugnação para a conferência e o recurso de revista apresentados da decisão do relator de 23.02.2021 que indeferiu reclamação de decisão do juiz da 1ª instância que não admitiu recurso de apelação.

 Nos termos do art. 671.º do Código de Processo Civil, apenas cabe recurso de revista de acórdãos da Relação e não de decisões singulares.

  Porém, de acordo com a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 2/2010 (publicado no Diário da República, Iª Série, de 22.02.2010), que se mantém válido na vigente lei processual, “apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista”, desde que, naturalmente, o requerimento tenha sido apresentado no prazo legal de dez dias (art. 149.º do CPC) aplicável à impugnação para a conferência.

  Compulsados os autos, verifica-se que, tendo a decisão impugnada (de 16.12.2021) sido notificada às partes no dia 17.12.2021, o prazo de dez dias, acrescido do prazo previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, terminara em 17.01.2022.

 Assim sendo, o requerimento de recurso, apresentado em 18.01.2022, não pode, por intempestividade, ser convolado em impugnação para a conferência.

2. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 655.º do CPC, notifique as partes e o Ministério Público para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não admissão do recurso e de não convolação do respectivo requerimento em impugnação para a conferência.»

2. Veio o Recorrente pronunciar-se nos seguintes termos:

  «O entendimento constante no douto despacho supra mencionado baseia-se na aplicação do artigo 149º do CPC, referente ao prazo geral de dez dias para efeitos de impugnação para a conferência, na falta de disposição especial. Sucede, porém, que no momento em que interpõe o recurso, o recorrente dispõe de um prazo objeto de estipulação especial, que determina que o mesmo é de 15 dias (artigo 677º do CPC). Nesse momento, o recorrente não pode prever se tal recurso vai originar uma impugnação para a conferência, pelo que terá que basear-se no prazo previsto para a interposição de recurso, que é de 15 dias.

 O AUJ nº 2/2010 (DR Iª Série, de 22/02/2010) mencionado no douto despacho versa sobre a convolação em impugnação para a conferência, atendendo a que o espírito da lei é o aproveitamento do ato. Contudo, não prevê o prazo de dez dias.

 No caso em apreço, o despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Évora com a Refª ...88, concluso em 15/02/2022 admitiu o recurso de revista, o qual considerou “estar em tempo”.

  Pelo exposto, deve o recurso ser admitido e convolado em impugnação para a conferência

               

3. A argumentação do recorrente carece inteiramente de razão. A convolação do requerimento de recurso em requerimento de impugnação para a conferência do tribunal a quo depende – de acordo com os princípios gerais respeitantes à admissibilidade da convolação de actos jurídicos – de tal requerimento ter sido apresentado no prazo legal de dez dias aplicável à impugnação para a conferência (cfr. art. 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil)[1], e não de ter sido apresentado no prazo legal de recurso, seja ele de quinze dias (art. 677.º do CPC) ou de trinta dias (art. 638.º do CPC).

 Quanto ao argumento de que o recurso foi já admitido pelo relator do Tribunal da Relação, não apenas entra em colisão com a pretensão de que o requerimento de recurso seja convolado em impugnação para a conferência, como não tem em conta que a decisão do relator do tribunal a quo quanto à admissibilidade do recurso não forma caso julgado.

4. Pelo exposto, não se conhece do recurso nem se convola o respectivo requerimento em requerimento de impugnação para a conferência do tribunal a quo.»

II – Desta decisão veio o Recorrente impugnar para a conferência nos termos seguintes:

«AA, melhor identificado nos autos, tendo sido notificado da decisão singular que decidiu não conhecer do recurso nem convolar o respetivo requerimento em requerimento de impugnação para a conferência, vem requerer que sobre a matéria da referida decisão singular recaia um acórdão, nos termos do artigo 652º nº 3 do CPC, porquanto se considera prejudicado pela mesma.

 Para que melhor se compreenda a sua motivação e o dano que implica a não admissão de recurso, recorde-se que:

  Em 13/06/2021 foi requerido que a Mandatária nomeada ao Recorrente fosse notificada da decisão singular de 23/02/2021 que julgou improcedente a reclamação apresentada 06/11/2020.

  Essa notificação ocorreu em 17/06/2021.

 Foi apresentada reclamação para a conferência em 30/06/2021, a qual não foi admitida por decisão de 15/07/2021 por ter sido certificado que a decisão de 23/02/2021 transitou em julgado.

  Foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 29/09/2021, onde o Recorrente alegou que “em 23/02/2021, segundo consta no sistema Citus, a notificação foi remetida ao Ilustre Patrono Dr. BB, o qual já tinha pedido escusa, conforme consta no requerimento de 11/02/2021 (Refª ...49), pelo que o Recorrente não tinha patrono à data de 23/02/2021, nem foi notificado da referida decisão.”

 Nunca houve nos autos qualquer apreciação nem decisão em relação a este fundamento.

  Por isso, em 16/12/2021 foi proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Évora que julgou a reclamação para a conferência e o recurso intempestivos e a reafirmar que a decisão que indeferiu a reclamação transitou.

  O recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 18/01/2022, mais uma vez reafirmando que a decisão em causa não podia ter transitado em julgado, pelos fundamentos supra expostos relativos à inexistência de patrono nomeado.

  Mais uma vez não foi apreciada esta questão.

  Por despacho de 15/02/2022 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora o recurso foi admitido.

   Contudo foi ora proferida a decisão sobre a qual se reclama para a conferência, considerando que o recurso deveria ter sido interposto no prazo destinado à reclamação para a conferência para poder ser convolado na dita reclamação.

   Sucede que, salvo melhor entendimento, um recurso deverá ser interposto no prazo destinado à interposição de recursos, porquanto nesse momento a intenção é a de recorrer, sem prever a convolação em reclamação para a conferência.

   Além do mais, como se disse, o recurso foi admitido e considerado tempestivo.

   Contudo, a questão primordial nos presentes autos e que, mais uma vez se refere, não foi decidida é a questão de se considerar transitada em julgado uma decisão sem que houvesse patrono nomeado ao Recorrente.

  A lei obriga a que exista patrono nomeado e constitui inconstitucionalidade que não se considere esse direito. A lacuna da falta de patrono não é imputável ao Recorrente.

   Para que se retome a contagem de prazos é necessário aguardar por nova nomeação.

  Os autos só chegaram ao momento presente porque a questão da falta de patrono não foi analisada nem decidida, o que deveria suceder para uma boa administração da Justiça e porque o Recorrente tem direito a uma decisão relativamente à questão que invocou.

   Daqui se conclui que existe fundamento para que o recurso em questão seja apreciado, pelo que tal decisão deverá ser proferida por acórdão.».

   Não houve resposta.

   Vejamos.

III – Não pode deixar de se assinalar que o Recorrente, ora reclamante, se exprime em termos pouco rigorosos e até contraditórios.

Senão vejamos, recordando o processado:

- Em 18.01.2022 AA interpôs recurso de revista da decisão do relator do Tribunal da Relação, datada de 16.12.2021;

- Tendo o relator do Tribunal da Relação proferido despacho de admissão do recurso, em 20.04.2022 foi proferido despacho da relatora do Supremo Tribunal de Justiça notificando o Recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de não conhecimento do mesmo recurso por estar em causa uma decisão singular e não um acórdão da Relação, assim como sobre a possibilidade de se considerar ser inviável a convolação do mesmo recurso em impugnação para a conferência do tribunal a quo por falta de respeito pelo prazo legal aplicável ao meio processual da impugnação para a conferência;

- Em resposta, veio o Recorrente pronunciar-se no sentido da viabilidade de tal convolação ocorrer, devendo ser aplicado o prazo legal da interposição de recurso e não o prazo legal da impugnação para a conferência, concluindo nos seguintes termos: «deve o recurso ser admitido e convolado em impugnação para a conferência»;

- Tendo sido proferida decisão da relatora, datada de 12.05.2022 – a decisão que ora é posta em crise – no sentido do não conhecimento do recurso e da não convolação em impugnação para a conferência do tribunal a quo, veio o Recorrente, ora reclamante, pugnar que «existe fundamento para que o recurso em questão seja apreciado, pelo que tal decisão deverá ser proferida por acórdão».

Temos, pois, que o Recorrente formula pedidos entre si incompatíveis: ora pede para que o requerimento de recurso de uma decisão singular seja convolado em impugnação para a conferência do Tribunal da Relação; ora pede para que o recurso seja admitido como recurso de revista e que o seu objecto seja apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

 Importa deixar claro que, nos termos gerais do art. 671.º do Código de Processo Civil – como aliás, nos termos dos arts. 672.º e 673.º do mesmo Código – não há lugar a recurso de revista de decisões da Relação proferidas em singular, pelo que a única possibilidade de aproveitamento do requerimento de recurso seria mediante convolação em requerimento de impugnação para a conferência do Tribunal da Relação.

 Reafirma-se, porém, que tal convolação exigiria – de acordo com os princípios gerais da convolação de actos jurídicos – que o requerimento tivesse sido apresentado no prazo de dez dias, acrescido do prazo previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, não podendo aplicar-se ao caso o prazo legal de recurso (seja de quinze ou de trinta dias – ver, respectivamente, o art. 677.º e o art. 638.º do CPC). Se assim não fosse estaria encontrada a forma de defraudar sistematicamente o referido prazo de impugnação para a conferência. Ver, no sentido que propugnamos, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal:

- Acórdão de 08-02-2018 (proc. n.º 4140/16.6T8GMR.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:

«I - Tendo o recurso de apelação sido decidido liminarmente pela relatora, o meio idóneo para impugnar essa decisão era a reclamação para a conferência, sendo que esse procedimento visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator, tornando viável a substituição de uma decisão singular por uma decisão colegial. 

II - Só os acórdãos da Relação – e não as decisões singulares do relator – são susceptíveis de impugnação para o STJ mediante recurso de revista, seja ela normal ou excepcional. 

III - A doutrina do AUJ n.º 2/2010 continua a impor-se por força do disposto no n.º 3 do art. 193.º do CPC; porém, a convolação do requerimento de interposição de recurso em reclamação para conferência só é viável enquanto estiver a decorrer o prazo de 10 dias de que a parte dispõe para esse efeito

IV - O entendimento exposto em III não viola o direito à tutela jurisdicional efectiva, sendo certo que, se assim não fosse, alargar-se-ia para o triplo o prazo de reclamação para a conferência. 

V - A previsão das als. b) e h) do n.º 1 do art. 652.º do CPC faculta que o relator do STJ avalie a tempestividade do recurso e viabilidade da convolação, inexistindo qualquer razão para determinar a baixa dos autos à Relação para o mesmo efeito.».

 

- Acórdão de 12-07-2018 (proc. n.º 2249/17.8YRLSB-A.S1), acessível em www.dgsi.pt:

«A convolação do recurso de revista sobre despacho singular em reclamação para a conferência depende de o primeiro ter sido interposto no prazo da segunda.».

 

- Acórdão de 06-06-2019 (proc. n.º 323/17.0YIPRT.S1), assim sumariado:

«I - Pretendendo o recorrente impugnar o despacho do relator que concedeu a pretendida revisão de sentença, devia o mesmo ter apresentado reclamação para a conferência em vez de interpor recurso de revista, já que este apenas pode ter como objecto acórdãos da Relação.

II - Verificando-se que o recurso de revista foi interposto para lá do prazo de 10 dias que a lei assinala para a reclamação para a conferência, mostra-se inviável aplicar a doutrina do AUJ n.º 2/2010, já que a convolação do recurso naqueloutro meio impugnatório pressupõe que o primeiro haja sido interposto no decurso desse prazo.».

 

- Acórdão de 23-02-2021 (proc. n.º 2426/19.7T8PNF.P1-A.S1), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

«I - Tendo o relator rejeitado o recurso de apelação (por decisão singular), competia ao recorrente reclamar para a conferência, nos termos do art. 652.º, n.º 5, al. b), do CPC, em ordem a obter um acórdão recorrível. 

II - Porém, tendo o reclamante recorrido da decisão singular para além do 3.º dia útil após o termo do prazo de 10 dias previsto para a reclamação, já não era possível ao relator (da Relação) convolar o requerimento de recurso de revista para reclamação

III - Ao indeferir tal convolação, o mesmo relator não violou os princípios do inquisitório, da gestão processual e da adequação nem quaisquer normas constitucionais, designadamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva contido no art. 20.º da CRP.».

 

Além do mais, insiste o Recorrente, ora reclamante, no argumento de que o recurso foi já admitido pelo relator do Tribunal da Relação.

Reafirma-se que, conforme resulta do previsto no art. 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC («Ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: b) Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso»), aplicável ao recurso de revista ex vi art. 679.º do mesmo Código, a decisão do relator do tribunal a quo quanto à admissibilidade do recurso não forma caso julgado.

IV – Pelo exposto, indefere-se a impugnação para a conferência, mantendo-se a decisão de não conhecimento do recurso e de não convolação do mesmo em impugnação para a conferência do Tribunal a quo.

Custas pelo Recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Lisboa, 13 de Julho de 2022

Maria da Graça Trigo (relator)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira

______

[1] Isto é, no prazo de dez dias, acrescido do prazo previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.